Capítulo 21
ANIVERSÁRIO
Liza
Virei-me de um lado para o outro na cama a noite inteira. Temia ver outra vez algum vulto macabro. Criei coragem quando amanheceu e desci para a cozinha. Raquel parecia estranhamente tranquila. Desejou bom dia a todos durante o café da manhã, e ainda aceitou os desejos de parabéns e felicidades, sendo abraçada por mim, Ben e Amanda, sem reclamar.
Passei o dia no trabalho, no piloto automático. Quanto mais à noite se aproximava mais tensa eu ficava.
Cheguei em casa e iniciei os preparativos para o jantar. Estraguei duas travessas de sobremesa, estava agora na terceira tentativa, não conseguia me concentrar.
E se Nathaniel for realmente o convidado?
Eu teria um jantar inteiro para demonstrar calma, e me sentia um caos por dentro. A mais leve ideia dos dois juntos, me fazia suar frio.
Amanda entrou na cozinha uma hora antes do horário combinado com Raquel:
— Você está um trapo!
— Obrigada, como você é gentil! — usei meu tom sarcástico.
— Fala sério, seremos apenas nós, sua irmã e o suposto namorado dela, qual é o problema?
O problema é o suposto namorado.
Senti uma pontada no estômago ao ouvi-la pronunciar a palavra namorado.
— Tenho medo de que eles não gostem do que eu preparei — menti, desejando que essa fosse mesmo a minha preocupação.
— Se não gostarem, serão dois ingratos. O que, aliás, o tornaria perfeito para sua irmã.
— Não fale assim, Amanda! — Gemi porque pensei, por um segundo, em Nathaniel e Raquel juntos.
— Desculpe, Liza, você sabe que eu perco a cabeça quando te vejo assim por culpa dela. Agora vá se arrumar que está quase na hora, eu cuido da sobremesa.
— Não sei o que eu faria sem você. Sério!
— Ai, para com esse sentimentalismo, vai logo!
Eu sorri e corri para o quarto. Pensei por um momento que Ben e Amanda seriam perfeitos um para o outro, apenas eles não percebiam isso. Sem saber o que vestir e sem força para me concentrar nisso, fechei os olhos e tateei o armário. Decidi que usaria a primeira roupa que minha mão pegasse. Fiz um uni-duni-tê mental e peguei o vestido onde meu dedo parou por último. Por sorte, era um vestido preto casual, perfeito para a ocasião.
Esperava ansiosa a campainha tocar. Seria inútil tentar ficar sentada. Ouvi o primeiro toque, fechei os olhos, franzi a testa e respirei fundo ao girar a maçaneta.
Ouvi a voz de Ben do outro lado:
— O que você está fazendo? Por acaso convidou a Medusa para jantar? Olha, vai ser meio chato comer de olho fechado.
— Ai, entra logo, Ben! A mesa está arrumada e Amanda já está lá fora. — Pulei de ansiedade e puxei o seu paletó para fazê-lo entrar.
— Tá, tá. Mas posso te dar um conselho? Abra os olhos antes de abrir a porta, você está parecendo meio louca desse jeito.
Permaneci ali contando os minutos mentalmente. Pareceu-me ter passado uns dez de pura frustração, então decidi parar de agir como um cão de guarda. Fui até o quintal e me servi de uma taça de vinho. Sentei-me de frente para Ben e Amanda. Os dois se entreolharam suspeitos.
— Ah, parem com isso vocês dois! Só achei melhor esperar aqui e tentar relaxar. Posso ouvir a campainha do mesmo jeito.
Nenhum dos dois ousou falar, apenas assentiram com a cabeça.
Ao fim da primeira taça que eu tomava, ouvi o som do pânico. A campainha. Inspirei mais uma vez o ar, desta vez fazendo barulho, e caminhei determinada para a porta. Mantive os olhos abertos, quase vidrados. Girei a maçaneta, pronta para me deparar com o maior de meus medos. Um sorriso sincero se manifestou em mim. Respirei aliviada ao ver o acompanhante de Raquel, meus músculos relaxaram instantaneamente. Ele retribuiu o sorriso com a mesma intensidade e se apresentou como Ethan. Entregou-me um buquê de flores e uma garrafa de vinho branco.
Raquel nos observou lançando olhares críticos a mim, provavelmente porque eu ainda não havia falado.
— Pra... Prazer em conhecê-lo, entre! — gaguejei ainda leve e surpresa pela calma me invadindo.
Ethan aparentava uns vinte e poucos anos, tinha um sorriso cativante e os olhos muito escuros, bonitos. Um pouco menor e mais magro do que Nathaniel, tinha o cabelo castanho em um corte baixo, bagunçado perfeitamente com gel. Possuía o tipo de beleza que exala certo ar de perigo. Mas não reparei nisso. Senti-me feliz, pela primeira vez, por não ser Nathaniel. Claro que a felicidade foi logo substituída pelo vazio, quando o imaginei, sentado ao meu lado na mesa. Seria o que teria acontecido se ele não tivesse desaparecido. Teria sido a noite perfeita para apresentá-lo a todos.
Será que ele voltaria? Perguntou a voz que eu tentava calar na minha cabeça.
Eu sinto tanto a sua falta, Nathaniel.
Servi as tortinhas de entrada. O jantar fluiu exatamente da maneira desejada. Precisava muito de uma trégua com Raquel, seria tão bom poder sentir que nós quatro éramos uma família. Eu sabia que, talvez, Ben e Amanda não a enxergariam dessa forma, mas pensar nisso sempre me agradava. Pela primeira vez, estávamos fazendo uma refeição juntos e em paz.
Raquel reclamou das entradas, sendo fuzilada por meus amigos e repreendida carinhosamente por Ethan. Ela chegou até a me pedir desculpas depois. Estranhamente, Ethan parecia ser a peça fundamental. Ele estava conectado a cada movimento de Raquel, como se pudesse prever o que ela faria. E também poderia ser imaginação minha, ou ele tentou me agradar o tempo todo?
Ele seguiu-me até a cozinha todas as vezes que entrei para pegar um prato diferente, ou uma nova garrafa. Agia de modo prestativo, se oferecia para carregar as travessas em meu lugar, puxava a minha cadeira. Estranhei um detalhe, sempre que ele tinha uma chance, parecia aproveitar para tocar em meu braço e em minha mão.
Pare de pensar nisso, Liza!
Ele, provavelmente, só estava sendo educado, tratava a Raquel quase com devoção. Todas as suas frases começavam com nós, e ambos, pela maneira com que falavam, pareciam conviver juntos há um bom tempo. Ela retribuía o sentimento, mas conhecendo-a como eu a conheço, seria difícil acreditar que algum dia gostaria de alguém tanto quanto de si mesma. Era vaidosa demais. Por um momento, cheguei a sentir pena de Ethan. Ele parecia ser uma ótima pessoa.
Terminávamos de comer a lasanha, quando a pergunta de Raquel me fez derramar um copo de vinho no meu colo:
— Ethan, você falou com o Nathaniel hoje? Não acredito que ele esqueceu o meu aniversário.
Então os três são amigos e ele nunca teve nada com Raquel?
— Eu tentei, mas o celular dele estava desligado. — Ethan pareceu desconfortável ao me olhar de esguelha.
— Bom, gente, vou lá dentro pegar a sobremesa. — Levantei antes que alguém percebesse o susto que eu havia levado.
Ele tem um celular? Isso me faria uma diferença enorme agora.
Eu nunca recordava de perguntar essas coisas quando estávamos juntos. Senti raiva de mim mesma, pois eu tive várias chances de falar sobre essas coisas comuns e nunca o fiz. Eu sequer sabia onde ele morava.
Outra vez, fui seguida por Ethan.
— Eu ajudo você — ele se levantou quase ao mesmo tempo que eu, e ignorou o olhar de censura que Raquel lhe lançou.
— Não precisa, você é convidado. Não deveria estar ajudando. — Ele me seguiu mesmo assim.
Entrei na cozinha, abri a geladeira, e ouvi sua voz atrás de mim.
— É o mínimo que posso fazer. Na verdade, eu gostaria de lhe agradecer por ter me recebido esta noite. Tudo estava ótimo!
— Foi um prazer. — Me sentia um pouco envergonhada, mas não sabia dizer o motivo.
Apoiei a travessa de brownies na bancada e Ethan colocou sua mão sobre a minha. Seus olhos castanhos me olharam fixos, concentrados. Nos segundos seguintes, não consegui me mover. O ar ficou gelado ao meu redor. Um arrepio doloroso subiu por minha espinha. O aroma de sal, de terra e de orquídea ardeu minhas narinas. De novo o mau agouro. Uma voz macabra serpenteou perto de mim. De repente, senti que caia em um redemoinho escuro, um túnel de puro breu. Tentei me segurar, mas escorreguei. Eu iria cair. Desabar na escuridão. Lutei para voltar, gritei, mas minha voz não saiu.
Alguém me ajuda!
— Ethan?
Pensei ter ouvido a voz de Raquel. Eu pisquei confusa. Não estava mais caindo no túnel. Observei a cozinha e Ethan parado a minha frente. Senti-me hipnotizada por seus olhos. Ele piscou também. Se é que seria possível, sua expressão denunciava ainda mais confusão do que a minha. Ethan desviou seus olhos escuros e fitou a parede atrás de mim.
— Liza, notei que a parede está manchada, eu sei como limpá-la, se você quiser. Posso passar aqui uma tarde qualquer e fazer isso para você?
— Por que estão demorando tanto?
Raquel veio impaciente do quintal. Ela se demorou na porta ao olhar para nós. Ethan ainda tinha a mão apoiada na minha, e eu segurava a travessa de brownies. Apressei-me em tirá-la, porém, era tarde.
— Eu sabia! Como pude ser burra desse jeito?! E pensar que apresentei meu namorado à minha querida irmã. Devoradora de homens! Nunca vou confiar em você! Nunca! — Raquel saiu pela porta da sala, sendo seguida por Ethan, que me fazia gestos de desculpas enquanto corria para alcançá-la.
Não consegui pensar em nada para responder. Isso tornou tudo pior, deu a entender que nós realmente fizemos algo errado. Obviamente não havia nenhuma segunda intenção ali, pelo menos não de minha parte.
As palavras de Raquel ecoaram em minha mente:
“Devoradora de homens!”
“Devoradora de homens!”
“Devoradora de homens!”
Se isso não significasse o fim de nossa trégua que sequer iniciou, eu até poderia rir. Nathaniel foi o primeiro homem com quem eu me envolvi. Meu primeiro amor e seria, definitivamente, o único. Não tive tempo de compreender o que foi aquilo. Num instante eu fitava Ethan, no outro, caia aprisionada em um túnel de puro breu. Sem voz, coberta pelo medo.
Você está alucinando, Liza!
Não. Eu não vou me deixar levar por essa conclusão de ter enlouquecido. Alguma coisa está atrás de mim e é melhor descobrir o que é isso.
Não precisei de muito tempo para perceber que, se eu não buscasse pelas sombras, elas viriam atrás de mim.
No dia seguinte, levei o maior susto da minha vida. Meus olhos jamais se esqueceriam daquela cena de horror.
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Hmmm personagem novo, e aí? O que acharam do Ethan? E o que será que vai acontecer no dia seguinte?
Deixem seus comentários e estrelinhas! =D
Beijosss
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