Capítulo 2

O SONHO

Um mês depois...

Liza

Meu corpo viajou em uma velocidade que julguei impossível de ser alcançada por um humano. Não registrei cores, sons, aromas ou qualquer sinal de vida. Tudo girou em borrões. O mundo se moveu com muita pressa, como naqueles sonhos em que caímos em um túnel sem conseguir parar. O mais estra- nho foi que a sensação era de estar subindo. Quando comecei a ficar enjoada, a subida bruscamente parou. E o cenário à minha volta, mudou. Senti chão firme debaixo de meus pés. Olhei para baixo.

Grama?

Regulei a respiração. Tentei controlar o enjoo. Olhei para o horizonte e abri a boca, incrédula. Como cheguei sozinha no topo de um Penhasco?

Caminhei hesitante até a beirada onde vislumbrei o mar batendo furio- samente nas rochas, tão alto que me provocou frio no estômago. Subi os olhos e registrei lentamente seus detalhes. O lugar era lindo, majestoso. À frente do Pe- nhasco, três colinas baixas formavam um semicírculo. Criava a impressão de que as colinas serviam ao Penhasco, como se existisse algo mais naquela formação, oculto e grandioso!

Como eu sairei daqui?

Mas por que eu sairia? Estou sozinha e este é o lugar mais bonito que já estive em minha vida!

Escutei o som das ondas, o vento me abraçou com sua brisa fresca. Ape- sar de não fazer a menor ideia de onde me encontrava, me senti confortável e despreocupada, mesmo com o algo estranho no ar. Mesmo com uma sensação de olhos em minhas costas. Observei a imensidão do mar no horizonte e con- templei as rochas. Foi como se eu abrisse os olhos pela primeira vez. Tudo era tão vivo, de uma coloração tão palpável. Até o ar, se comparado ao de outro lugar, era mais leve à minha respiração. Eu inspirava e recebia de presente o aroma doce e sutil das folhas, misturado à grama, aos meus pés. Havia um leve cheiro de terra molhada.

Parecia mágico.

Permiti-me ficar um tempo assim, em estado de deslumbramento. Ad- mirei as cores, as plantas, os pássaros, e a majestosa árvore que me protegia do sol forte.

Definitivamente, o sonho mais lindo que já sonhei.

Após me habituar à visão sublime, recostei minhas costas no tronco da bela árvore e fui invadida por uma sensação morna, me senti dormente. Minutos depois, comecei a ficar sonolenta, sob a calmaria daqueles galhos...

Sobressaltei-me quando o ambiente se agitou de súbito. Lembrou-me da ventania que antecede uma tempestade.

O vento rugiu furioso em meus ouvidos, balançou meus cabelos soltos, os pássaros voaram assustados. As ondas quebraram nas rochas com tanta força, como se tentassem escalar o Penhasco. Se uma rajada de chuva caísse, eu não teria para onde fugir, mas mesmo sendo um pouco assustador, não pude deixar de interpretar como um grito da natureza. Um grito para mostrar a mim que a partir daquele momento em diante, minha vida nunca mais seria a mesma.

Estranhei meu próprio pensamento, mas dei de ombros, de tão relaxada.

Fiquei de pé e inspirei o ar com força, cerrei os olhos e abri os braços. Senti um tipo desconhecido de poder, uma espécie de força, ou vibração, trazida pelo vento. Repeti o gesto algumas vezes. Até que ao expirar e abrir os olhos, eu me deparei com um homem a um palmo do meu rosto.

Ele permaneceu imóvel. Era semelhante a uma estátua de um anjo, cui- dadosamente moldada, dono de uma beleza indescritível. Meus joelhos amole- ceram, escorreguei e caí no chão devido ao susto. Ele me estendeu a mão. Fiquei sem reação durante certo tempo, congelada na minha surpresa.

Havia um sorriso torto nos lábios dele, os olhos verdes como esmeraldas carregavam a insinuação de algo condenável.

Fitei-o boquiaberta.

Isso, definitivamente, é um sonho! Homens como ele não existem no mundo real.

Balancei a cabeça para a minha consciência voltar ao normal e aceitei a mão que ele me oferecia. O toque de sua pele passou volts de eletricidade por todo meu corpo. Lutei contra minha respiração irregular e tentei me acalmar.

Finalmente, após o que me pareceram séculos de silêncio, reuni cora- gem e olhei-o nos olhos outra vez. Naquele momento, eles mudavam do verde esmeralda para cinza.

O homem do Penhasco travava alguma luta interna. Seu semblante pa- recia dividido entre satisfação e seriedade. Havia algo errado acontecendo?

Ele estampou um sorriso claramente forçado e me levantou com de- licadeza do chão. Com nossas mãos ainda unidas, sorri de volta. Mesmo sem compreender nada do que acontecia e o que sentia, tive certeza... Aquele seria o momento que mudaria a minha vida para sempre.

Reuni a força necessária para desviar o olhar dos olhos dele. E notei que ele se vestia como se estivesse de luto. O jeans e a blusa preta realçavam sua pele branca.
O homem do Penhasco era, no mínimo, dois palmos mais alto do que eu, e apesar do seu rosto de anjo, seu olhar me suscitou medo.
Perfurando minha pele com suas esmeraldas, ele me encarou:
— Estive esperando por você.
Eu não consegui responder. Senti meu coração acelerar em resposta àquela voz que, mal sabia, seria dona de minha mente em pouco tempo.

Levantei-me cheia de esperança, mas me deparei com a parede.
Fiquei decepcionada ao ver o quarto ao meu redor. Novamente meu consciente reproduziu o sonho daquela noite. Não foi real como da última vez. Foi apenas uma lembrança, me dilacerando de saudade, de alguém que eu sequer conhecia, mas ansiava em reencontrar.

Outra vez, aquele sonho... O mesmo sonho da noite que despertou to- dos os meus pesadelos. Um daqueles que nos fazem acordar, se perguntando onde estamos de verdade.

Claro que havia ainda a realidade. O pesadelo que eu tinha de olhos abertos. A viagem de carro, pela costa da Califórnia, que deveria ter sido a cele- bração do meu aniversário de vinte e um anos. Uma surpresa, que meus pais me deram de presente. Mas, infelizmente, nenhum de nós voltou daquela viagem.

Ao chegarmos a Los Angeles, fui com Raquel para o hotel. E nossos pais ao mecânico, para fazer ajustes no carro. Às cinco horas da manhã, acordei sobressaltada após sonhar com o homem do Penhasco. Liguei para o delegado, Machado, e respirei fundo antes de despertar minha irmã. Lembro-me das lágri- mas escorrendo violentamente, contra a minha vontade.

Eu precisava estar no controle da situação.
— Raquel, acorde! Preciso conversar com você!
Minhas mãos tremiam quando toquei o braço dela. Ela resmungou algo ininteligível e virou para o outro lado. Eu já transpirava quando senti, de repente, uma brisa morna envolver todo o meu corpo. O ar morno penetrou por meus poros e se espalhou até minhas extremidades. Subitamente fiquei calma, quase entorpecida.

Foi quando ouvi, pela primeira vez, a voz dele. Sussurrada em meus ouvidos, uma melodia, que me proporcionava uma paz inexplicável:

“Acalme-se, Liza, não se desespere. Vai ficar tudo bem.”

Mas não aconteceu como ele falou, eu nunca mais o vi. A não ser em sonhos repetitivos.

Hoje completaram-se trinta dias de buscas em Los Angeles. Um mês sem pistas dos meus pais. Setecentas e vinte horas remoendo em detalhes tudo o que eu lembrava sobre minha vida até o dia do desaparecimento deles, o dia do meu aniversário. Quarenta e três mil e duzentos minutos buscando uma razão para tudo isso e, em paralelo, dois milhões quinhentos e noventa e dois mil se- gundos tentando me convencer de que o homem e o Penhasco não passavam de um sonho. Mas isso seria impossível.

Vez ou outra, eu o sentia, bem perto de mim.

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Beijosss

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