Capítulo 19

CINZAS

Liza


Fiquei muito tempo ali, encarando a parede preta. Comparei-a ao meu entendimento do que acontecia na minha vida. Confusa, sem explicação e escura.

Difícil de enxergar.

Por que Nathaniel desapareceu? Pior, o que o fez desaparecer?

Esfreguei mais uma vez a esponja mergulhada no sabão. A mancha preta ficou intacta.

A resposta não veio.

Fiquei irritada com a parede.

Por que essa mancha negra não some da minha vida?! Por quê?!

Espremi a esponja dentro do balde. Enquanto as gotas pingavam, fiz um esforço enorme para lembrar de algo importante. Havia um compromisso, uma data, ou alguma coisa que acabei por esquecer no meio de toda a confusão.

— Nossa, Liza! Se você queria mudar a decoração da cozinha, bastava falar, não precisava atear fogo em tudo só para ter uma desculpa.

Ben chegou em casa, sempre brincalhão e com seu bom humor inabalável. Ao perceber que eu não respondi e continuei esfregando a parede, mudou o tom. Ficou um pouco mais sério e perguntou:

— Você não se machucou, não é? Está tudo bem?

— Ah, Ben, oi. Não escutei você chegando — falei sem emoção.

Mas que droga! O que eu estou esquecendo?

— Oi, Terra chamando... — Sacudiu a mão perto do meu rosto.

— Desculpe, acho que essa mancha nunca vai sair. Estava pensando em quanto vai custar uma mão de tinta.

— Relaxa! Depois nos preocupamos com isso. Mas o que aconteceu, afinal? Aliás, a senhorita deixou a porta aberta, sabia? Não que eu ligue, mas logo você? A Miss Responsabilidade? Estou decepcionado — fingiu desapontamento. — E por que ainda está de pijama? São quatro horas da tarde!

Só depois de responder, percebi que ignorei todas as suas perguntas:

— Não se preocupe, não vou sossegar enquanto não estiver tudo limpo.

— Nossa. Você nem finge mais escutar o que eu falo, não é? — Ben saiu um pouco abalado. Nitidamente desistiu de ter uma conversa comigo.

Senti-me mal por ter estragado a sua alegria, mas se eu gastasse uma gota dos esforços que me mantinham em pé esfregando a sujeira para falar, tudo desabaria.

Amanda gritou da porta, ao sentir o cheiro de queimado:

— Liza! Você está legal? — Parou ao meu lado e observou o caminho que subia do fogão até o teto, como se tivessem esfregado carvão naquela parte.

— Estou bem. Esqueci o fogão aceso. Só isso.

— Tudo bem, depois nós cuidamos disso. Aluguei filmes e comprei aquela trouxa de siri que você gosta. O que acha de uma sessão no fim da tarde de domingo? Parece que vai chover o que deixa tudo ainda melhor. Ou, nós poderíamos jogar pôquer!

Todos estavam de bom humor, apenas para tornar ainda mais difícil minha falta de força e disposição para interagir com qualquer um. Só a parede queimada me trazia conforto. Assustei-me com esse pensamento, e antes que eu desse um nome à parede, girei o corpo e disse:

— Obrigada, Amanda. Mas acho que preciso de um banho e cama. Estou com os braços doloridos de tanto limpar esta bagunça.

— Ah, entendo... então... tá, tudo bem. — Ela parecia desapontada e olhava para os próprios pés.

Fiquei comovida.

— Pensando bem, espera só eu tomar um banho rápido? Voto no pôquer.

Até que não seria uma má ideia, pois a última coisa que queria era ficar sozinha com os meus pensamentos. Eles me torturavam, e havia um martelo em minha cabeça, batendo incansavelmente: Nathaniel, bate, Nathaniel, bate, Nathaniel.

— Não demora, hein? — ela respondeu com o ânimo de volta.

Suspirei e fui para o banho. Eu teria a noite inteira para me torturar, não faria mal algum adiar um pouco. Encontrei Amanda na sala, com as cartas já distribuídas, à minha espera. Ben recusou o convite para jogar, comentou que precisava se curar da ressaca. Eu e Amanda nos acomodamos em almofadas que espalhamos pelo chão, em volta da mesa de centro.

Era a vez de Amanda jogar, mas ela parecia absorta. Observei-a com o canto dos olhos e achei-a tensa. Quase não falava, e não prestava nenhuma atenção ao jogo, o que não era nada comum. Ela é quem sempre sugeria que jogássemos. No entanto, toda vez que nossos olhos se encontravam, Amanda baixava os seus para as cartas em sua mão. Quando isso aconteceu pela terceira vez, bufei e bati as minhas cartas na mesa:

— Está bem, Amanda, pode me falar! O que você está escondendo?

— Nada. — Ela pareceu assustada com meu tom brusco.

— Nada? Você sabe há quanto tempo nos conhecemos? Eu sei muito bem quando tem algo acontecendo, você age como se tivesse um cadáver no porta-malas do carro.

— Ai, Liza, que exagero! Tá bom, tá bom, mas juro que não é nada demais. Promete não surtar antes que eu acabe de falar?

Eu arregalei os olhos e apenas balancei a cabeça assentindo.

— Tá vendo só? Você já está surtando, e não tem a menor ideia do que eu vou dizer. O Ben me avisou que sua reação seria essa.

— Ah, então o Ben também sabe e não me contou? Deve ser algo realmente banal, para vocês dois esconderem isso de mim.

— Lá vem você com sua paranoia. Ele só me contou para que eu contasse a você. Garanto que não é nenhum dos desastres que você já imaginou.

— Tá, vai, pode falar! Prometo que vou me controlar e ficar quieta até ouvir o fim da história.

Tentei manter uma expressão de quem não liga, e encostei-me ao sofá para esperar. Amanda não disse nada.

— E então? — perguntei sem paciência, levantando os braços. Percebi que não era uma atitude de quem não se importava, e cruzei-os automaticamente.

Amanda me olhou, analisando se devia ou não falar, suspirou por um segundo, e depois riu do esforço que eu fazia para manter o rosto calmo:

— O Ben esteve outro dia naquele restaurante, onde fomos comemorar a promoção dele, lembra?

— Hum... — Fuzilei-a com os olhos.

— Então, quando ele estava indo embora — Amanda pigarreou —, viu sua irmã jantando com um homem, digamos assim, diferente dos demais.

Ergui as sobrancelhas. Amanda levantou a mão, fazendo sinal para que eu esperasse.

— O mais peculiar, segundo ele, foi o comportamento de Raquel. Assim que o viu, em vez de se esconder como era de se esperar, acenou para ele fazendo sinal para que se aproximasse. Ele foi até a mesa e apertou a mão do homem, cujo nome não lembrou ao me contar. Só lembro-me de ele dizendo que era um nome não muito comum. Enfim, ele disse que ela parecia estar feliz e até meio diferente, como se tivesse amadurecido.

— Ótimas notícias! Não tenho nada com o que me preocupar, afinal, minha irmã só está namorando. Um HOMEM, sendo que ela tem 16 anos...

— Ela estava jantando! — rosnou Amanda.

— E ele é um homem assim, diferente, com um nome estranho. Será que vocês dois pararam para pensar que ele pode ser o Anthony? Aquele que fazia parte da armação que fizeram para ela na festa?

— Liza, dá um tempo? É claro que você, com sua paranoia, não percebeu o que eu ACABEI DE FALAR. Como eles foram apresentados, o Ben saberia se fosse o Anthony. Enfim, a parte que eu quero chegar é a seguinte: o Ben disse que era um homem estranho, porque ele era "muito bonito", nas palavras dele. Você sabe que ele nunca admite isso a respeito de outro homem... E, ele sentiu confiança naquele estranho, viu que era uma pessoa boa, só de olhar. É isso.

— Sério? Mas, se isso é verdade, por que ela não o trouxe em casa? Ele deve ter uns 50 anos. Posso apostar!

— Impressionante! Às vezes você é meio tapada, sabia? — Amanda balançava a cabeça, incrédula. — A partir de que idade pode-se dizer que homem é homem? O Ben falou que ele aparenta, no máximo, uns 20 e poucos anos.

— Mas o que você quer de mim? Quero dizer, que reação espera?

— Sei lá, Liza, deixa pra lá. Achei que você fosse se sentir feliz por Raquel ter encontrado uma pessoa boa, por isso resolvi te contar. Mas dá pra perceber, só de te olhar, que você já está preocupada.

— É claro que eu estou feliz! Tomara que os dois deem certo.

— Tá, mas eu sei que ainda tem alguma coisa na sua cabeça.

— Não tem nada, sério.

— Mentirosa, esqueceu há quanto tempo te conheço?

Sorri para ela e minha cabeça deu um estalo com as palavras: Raquel, jantar, Raquel, jantar...

Finalmente me toquei "do algo a mais" martelando em minha cabeça o dia todo. Levantei em um pulo do chão, Amanda se assustou com o meu grito.

— O aniversário de Raquel! É amanhã! O jantar!

Levantando-se quase ao mesmo tempo em que eu, porque entendia o quanto aquilo significava para mim, Amanda disse:

— As compras! Você fez, não foi?

Joguei-me no sofá, desanimada.

— Não! Esqueci! É isso! Estraguei tudo!

Obviamente não poderia contar a Amanda, que ver Nathaniel, todo o fundamento de minha vida voltando de um encontro com minha irmã, foi mais do que suficiente para me fazer esquecer qualquer coisa. Ainda mais quando ninguém sabia do envolvimento entre nós, porque até a noite passada, para mim, Nathaniel poderia existir apenas em outro mundo. Em um Penhasco, sendo esse o único lugar onde poderíamos nos unir. Amanda já ouviu a história da noite em que jantamos no Pallais, mas não sabia que o meu Nathaniel, era a mesma pessoa vista na noite anterior com Raquel. E acreditava que o jantar havia sido nosso único encontro.

Conferi o relógio, sete horas da noite. Uma hora para fechar o mercado.

Será que vai dar tempo?

Eu tinha sessenta minutos para agir e fazer algo capaz de mudar minha vida. Eu arruinaria tudo, se essa chance de fazer as pazes com Raquel fosse por água abaixo. Se ela chegou a concordar com o jantar e traria até um convidado, então era mesmo sério.

Refleti novamente sobre o que Amanda acabou de me contar. Ben a viu jantar com um homem, mas não se lembrou do nome do acompanhante. Disse apenas "que era um nome não muito comum".

Um nome não muito comum.

Meu batimento acelerou dolorosamente nas costelas.

Nathaniel é considerado um nome comum?

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Oláá, e aí gente? O que será que vai acontecer? Quero saber as teorias de vocês! =)

beijossss

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