Capítulo 18
PESADELO
Liza
Tentei mover meu corpo e não pude. Senti-me frágil, pequena. A palavra tomou forma em meus pensamentos, mas se embaralhou na língua. Olhei para o lado e vi uma fileira de bebês.
O que eu estou fazendo em um berçário?
Fitei a parede de vidro à minha frente e sorri. Nathaniel me observava através dela.
Uma sombra surgiu atrás dele... Mãos negras e esfumaçadas tatearam seu pescoço.
Um calafrio me percorreu. Tentei avisá-lo, mas eu era só um bebê. Quando ergui o braço, a sombra desapareceu.
***
Um toque quente percorreu meu pescoço. Uma voz macia em meus ouvidos me fez sorrir de olhos fechados.
— Desculpe Liz. Não queria acordar você, mas seu cheiro é irresistível.
— Ah, droga, estou sonhando de novo! — soltei sem pensar.
Agradeci silenciosamente por sua presença, estaria atormentada se ele não estivesse ali. Mas achei melhor não comentar nada, foi só um pesadelo.
Rindo baixo, ele segurou a minha mão e a beijou.
— Eu acho que sei o que sente. — Ele acariciou meu braço, me provocando arrepios. — Não sei por que se sente dessa forma comigo, mas para mim, estar com você é como se o sonho não tivesse acabado.
Suspirei e sorri para ele. Perdi minha voz e as palavras também. Cerrei os olhos para a luz forte entrando pela janela. Olhei o relógio da cabeceira, era meio-dia. Ainda bem que eu sempre tinha os domingos de folga, pois a senhora Barbara era religiosa e nunca trabalhava nesse dia.
— Caramba, já é meio-dia! — Fiz menção de levantar e ele me puxou delicadamente de volta à cama.
— Aonde a dorminhoca pensa que vai? — Cantarolou as palavras, deitando-me de volta no travesseiro.
— É... café... para você.
— Naaão! Eu faço, e vamos comer aqui, na cama. — Ele enrolou carinhosamente uma mecha de meus cabelos em seus dedos e abriu aquele sorriso torto que eu tanto amava.
Subitamente Nathaniel levantou e saiu do quarto. Ouvi seus passos na escada, de onde anunciou, a fim de não me dar chance de responder:
— Fique ai, Liz. Eu já volto! — falou um pouco mais alto, enquanto descia os degraus.
Continuei pregada na cama. Revi a noite anterior em meus pensamentos e me dei conta do quanto ficava diferente com ele. Eu era outra Liza, mais feliz. Finalmente agia mais como eu mesma, não precisava ser a preocupada e responsável, o tempo todo. Eu poderia simplesmente, relaxar. Por outro lado, seria impossível não notar que não só eu, mas todos reagiam de forma intensa à sua presença.
Amanda, por exemplo. Lembro-me perfeitamente de vê-la entrar saltitando pela casa e me perguntar quem era aquele deus com Raquel. Eu teria de inventar alguma história para ela quando lhe apresentasse Nathaniel. Afinal, ela o viu com Raquel, mas procurei afastar essa ideia, já que ele ainda não me explicou por que saiu com minha irmã.
Fiquei perdida em meus devaneios. Analisei os vários ângulos de todas as minhas dúvidas. Perdi a noção de quanto tempo havia passado desde que ele desceu para fazer o café da manhã. Olhei o relógio novamente, contei quarenta minutos. Não que eu estivesse impaciente, mas resolvi espiar pela porta, pois a curiosidade me corroia.
O que ele está fazendo para demorar assim?
Abri a porta do meu quarto. Assim que cheguei ao primeiro degrau da escada, senti o odor de queimado. Percebi uma densa fumaça negra escapando por debaixo da porta. Mais uma vez, bendito seja o domingo! Ben devia estar na segunda etapa de mais uma de suas várias noitadas. Amanda comentou que sairia para a liquidação que esperava havia semanas. E, pela primeira vez, não me importei de saber onde estaria Raquel, pois tinha medo de encará-la.
Será que ela sabe que Nathaniel passou a noite aqui? O que ela sente por ele? Como e exatamente o que eu direi a ela, se nem mesmo eu suspeito dos motivos dele?
Desci correndo e abri a porta, batendo-a com força na parede. Tossi ao inalar a fumaça. Com uma mão segurei o nariz, e com a outra, abanei o ar para tirar as nuvens pretas a minha volta. E vi onde o fogo começou. Havia uma frigideira com óleo esquecida no fogão. Desliguei a boca, abri as janelas e olhei ao redor. Nenhum sinal de Nathaniel.
O ar deixou meus pulmões. Sufoquei. E não teve nada a ver com o cheiro forte de queimado, que a essa altura havia se espalhado pela casa inteira. Nem a bagunça na cozinha foi o suficiente para me distrair do vazio dentro de mim.
O que aconteceu para Nathaniel esquecer o possível incêndio que causaria deixando óleo no fogo? E sem se despedir de mim? E quanto a tudo o que disse na noite passada?
A noite anterior, de repente, me pareceu ter acontecido há anos. Cada segundo da sua ausência injustificada me provocou dor. Ele prometeu me explicar tudo hoje, disse que estaria ao meu lado a cada segundo.
E aqui estou eu, em minha ruína, sozinha, mais uma vez.
Com um nó na garganta, reparei na mesa da cozinha, a única parte intacta por estar próxima à janela e afastada do fogão. Engoli em seco.
Eu não me lembrava de ter nada daquilo na geladeira. Em uma bandeja azul, ele havia colocado uma pequena cesta com vários tipos de pães, mini potes com os mais variados tipos de geleia, uma jarra de vidro com suco de laranja e dois ovos fritos em um prato de porcelana. Em um pequeno vaso com uma rosa vermelha, havia um pedaço de papel dobrado entre suas pétalas. Suspirei e abri.
"Que esta tenha sido a primeira de mil noites.
E quando essas mil acabarem, que se multipliquem. Mil vezes mil, e assim por diante. Porque mil noites, me parece pouco. Quero um milhão de sorrisos, um milhão de abraços, um milhão de verdades.
Mas saiba que mesmo se pudesse me dar apenas uma, eu esperaria, porque mil anos não são nada. Uma só noite basta para justificar toda uma existência.
A minha por ti.
N."
Mantive-me congelada em minha dor. Segurei na cadeira com as duas mãos, como se todo o meu mundo dependesse do apoio dela. Foi só quando meus dedos ficaram dormentes que minha consciência retornou. "Calma", repeti para mim mesma, enquanto ofegava. Ele está bem, provavelmente algo muito sério ocorreu e ele teve de resolver algum problema, só isso. A única parte danificada da casa é a cozinha, o que indica que... — um calafrio percorreu meu corpo e me obriguei a seguir a linha de pensamento. — Ninguém fez nada com ele, ele saiu por conta própria, apenas com uma pressa inexplicável.
O desespero me dominava, enquanto eu escorregava e caía sentada. Era a segunda vez, em meses, que alguém que amo desaparecia sem explicação. E agora seria pior, muito pior. Só havia visto Nathaniel uma vez fora do Penhasco, na noite em que ele me levou para jantar. E por mais que tudo fosse tão palpável quanto o chão frio abaixo de mim, ele apareceu de verdade em minha casa. Não havia mais dúvidas. Não era fruto da minha imaginação. O que deu chance para a concretização do maior de meus temores. Perdê-lo.
Seria então como ele mesmo escreveu? Antes uma única noite ao seu lado, a uma vida inteira sem aqueles momentos, aquelas lembranças? Permaneci por horas ali, pensando nas palavras do bilhete. Alimentei a esperança de que Nathaniel voltaria, mas não aconteceu. Dei-me conta de que precisaria inventar alguma história para Ben e Amanda, quando chegassem, e comecei a limpar tudo antes que me flagrassem naquele estado. Eu deveria estar parecendo digna de internação, e acima de tudo, não desejava que ninguém mais visse o abismo aberto à minha frente, me seduzindo.
O que fez Nathaniel desaparecer?
Tremi com a pergunta. O aroma ardente de sal, de terra e de orquídea, queimou minhas narinas. Estremeci. Meus poros se arrepiaram dolorosamente. Mas o que fez meu mundo praticamente desmoronar, foi o que Amanda me contou ao chegar em casa.
***
Nathaniel
Tentei voltar até Liza. Não consegui ultrapassar a barreira. Uma lufada de ar quente pairava atrás de mim. Viva. Como alguém respirando.
Virei-me. Não compreendi o que aconteceu.
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Olááá, nossa gente, eles estão sofrendo né? Mas vou dizer uma coisa, está só começando. rsrs
bjossss
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