Capítulo 1

 As folhas secas são arrastadas pelo vento. A escuridão penetrava cada canto do parque que outrora trazia diversão.

Os balanços estão abandonados, esperando por uma alma inocente. Esperando por Emily.

A garotinha não tinha mais de cinco anos. Ela havia se perdidos dos pais em uma loja a céu aberto, depois disso, vagou pela cidade segurando Doly nos braços, seu ursinho.

O vestido azul bebê se incha com a nova rajada de vento. Seus olhos se arregalam quando avista o parque de diversões. Ela corre em direção ao unicórnio, era parecido com que havia pedidos aos pais de presente de aniversário ano passado.

Ao longe, escondido por baixo da lona, estava o palhaço. Sentiu gosto doce na boca, o gosto do sangue inocente.

Ele se aproxima sorrateiramente com o machado, o mesmo com que havia matado pela primeira vez. E sorrindo, faz sua próxima vítima.

Ele dá uma tragada na maconha. Joga mais um punhado de terra no corpo da garota.

Emily nasceu um menino, no entanto, logo cedo descobriu o que realmente era: Uma garota.

O palhaço joga o cigarro na grama.

O carrossel voltou a funcionar, assim como o restante do parque. A cidade olhou horrorizada para as luzes coloridas. Todos sabiam o que aconteceu.

Mais uma vítima.

Quem será a próxima?

...

Jogo as armas na bolsa.

Os galhos nus da arvore se emitem sinistramente sua sombra no asfalto.

Atravesso o arame esfarpado, e como sempre, ganho uma cicatriz. O matagal está alto, tocando meus joelhos. Chuto uma garrada de vodca. Escalo a escada podre que leva a casa da arvore.

Ela já estava dentro, me esperando. Dessa vez, não ganho um abraço, e muito menos um sorriso.

— Não pode fazer isso, Laine. — Ela diz, como eu sabia que faria.

— Alguém precisa fazer. Não tenho escolha.

Ela agarra minha mão, suas unhas estão no topo.

— Por favor... Não faz.

Paro de encarar seus olhos marejando. Conseguia ouvir gritos vindo da casa. O som de vidro se estilhaçando.

— Quem vai ser o próximo? — Sussurro. — Eu? Você?

Ficamos em silencio.

— Promete que vai voltar? — Ela me observa. — Você prometeu que ia me tirar desse lugar, juntas, lembra?

Engulo seco. Não devia ter prometido isso. Porra.

— Vou fazer meu melhor.

Ela abre a boca para protestar.

— Isso é o máximo que posso prometer. — Afirmo.

Ela me beija. É doce, calmo.

Enrolo seu cabelo loiro no indicar. Ficamos um tempo ouvindo nossa respiração e trocando caricias.

Os gritos haviam parado. Conseguia imaginar o hematoma gravado na pele da sua mãe ao amanhecer. Você é boa demais para ele. É o que eu digo para ela. Sempre.

Meu relógio apita.

Chegou a hora.

— Eu te amo. — Ela sussurra, antes de eu ir embora.

Eu também te amo. Penso.

O ônibus para no fim da linha. Posso sentir os olhos do motorista, a luta entre me deixar ir ou me impedir. No fim, ele me deixa.

— Boa sorte, garota.

Conseguia ver a silhueta do parque. A enorme roda gigante.

 Observo o ônibus fazendo o seu caminho de volta. Me deixando na escuridão.

O medo que havia reprimido durante todo esse tempo começa a vazar, como uma panela de pressão.

Respiro fundo.

Toco o pingente no pescoço.

Tenha coragem. Isso precisa de um fim.

Com as pernas bambas sigo para o matadouro.

...

Ele tinha terminado de concertar um brinquedo, um dos pôneis do carrossel. A coluna doía.

— Porra, pra que tenho vocês?! Não servem para nada! — Ele grita com outros palhaços.

Sua roupa estava suja de sangue velho. Depois de tanto tempo sem uma vítima, ele conseguia se ver afundando ainda mais na insanidade.

Sua língua estava seca. Ansiando por sangue.

Ele pega um facão e acerta um dos seus servos. Ele tem um cabelo azul.

O sangue jorra do pescoço.

Ele nunca havia gostado daquele palhaço.

Ele ascende a maconha.

Satisfeito com o sangue fresco grudado em sua roupa,

Mas ainda assim não era o suficiente.

Precisava da fragrância que só um inocente poderia ter.

Os outros palhaços olhavam para o corpo sem vida do companheiro, sabendo que se não aparecesse logo uma nova vítima seriam o próximo.

...

Tiro uma pistola da bolsa. Tinha pegado todas as munições do meu pai. Deve ser o suficiente. Tem que ser.

Rastejo para dentro. Não havia mais volta.

O cheiro de esgoto entra pelas minhas narinas. Afundo minhas botas grandes no terreno lamacento. E começo a colocar em prática o plano.

Primeiro

Localize o inimigo. É um palhaço, onde ele estaria? Fácil, em uma tenda.

Encaro as dezenas de tendas ao redor. Ele é um assassinado, seu ego é do mesmo tamanho da sua quantidade de vítimas. Ou seja, é grande. Tenho que encontrar a maior tenda.

Segundo

Observe sua presa, acompanhe seus passos.

Tiro o binoculo e olho através de uma brecha. Há pouco iluminação no interior da tenda. Consigo ver apenas silhuetas. Amplio mais a imagem. Contei o total de cinco palhaços, emitiam movimentos aleatórios, como se tivesse dançando.

Um rato passa nos meus pés, derrubando a câmera. Felizmente, o som é abafado pela terra. No entanto, não podia dizer o mesmo do meu grito.

Escuto cochichos, depois, silencio.

Um palhaço sai e aponta uma lanterna para o local onde eu estava.

— Ratinho. — Ele cantarola. — O que você está fazendo aqui? Não sabia que tem monstros à solta.

Meu estomago embrulha com a visão dele comendo a carne crua do animal.

— Foi o maior que peguei em semanas. — Murmura satisfeito para si, e vai embora.

Saiu do meu esconderijo.

Cometi um erro. Um erro que poderia ter custado minha vida. Por outro lado, conheci uma face do meu inimigo.

Terceiro

Mate-os.

Silencio. Meus pés nus deslizando para dentro.

Em poucos minutos, depois que os palhaços caminharam para floresta, encontrei uma oportunidade. Preparei o terreno, e para isso, foi necessário um estomago forte.

A lona por si estava cheia dos roedores. Mas tomei cuidado em selecionar os mais grandes. A luz fraca do celular dificultou o trabalho, no entanto, não poderia arriscar de eles verem a iluminação.

Pego uma seringa e injeto uma quantidade abundante de veneno. Os ratos cambaleiam, bêbados.

Escuto passos.

Desligo o celular. E entro em uma sala, um tipo de camarim.

— Eu peguei! Eu peguei! A corda bamba eu peguei. O sangue eu jorrei. Meu mestre eu adorei. — Eles cantarolam.

Eles estavam distraídos demais para notar os ratos mortos, o cheiro pútrido empesteava o lugar.

Um deles, o com peruca vermelha, esvazia a garrafa de bebida com um gole. Os outros, por outro lado, enfiava doces na boca.

— Senti cheiro de algo hoje... Mais doce e prazeroso que açúcar. — Ele inspira fundo. — Consigo sentir agora.

Quando seus olhos varrem o lugar, me afasto da porta entreaberta, e espremo atrás das fantasias.

— Também senti algo quando sai para fora.

— O rato que comi tinha uma essência diferente. — Divaga outro.

O lugar fica silencioso.

— Pode ter... Não, o mestre sentiria quando colocasse os pés aqui.

— Ele está velho, cabeça de céu. Ele mal consegue levantar uma caixa. — Uma voz grossa diz, reconheço como o que estava bebendo.

Outro breve silencio.

— O que é isso?

Uma agitação toma o lugar.

— Ratos.

Volto a aproximar da porta.

— O mestre deu um presente para nós. — O cabeça de céu grita, feliz. — Ele se arrependeu de matar o cabeça de balão.

Houve briga para quem ficasse com o último rato, impressionantemente, o menor deles venceu depois de acertar as bolas dos companheiros.

— Temos que avisar o mestre do cheiro... — O palhaço interrompe sua fala, e vomita sangue.

Os outros também passam mal. Quando certifico que não serão capazes de se defender saiu do esconderijo.

Observo os corpos imóveis, me encarando.

Aperto o punhal. E encontro uma forma de silenciar eles.

Estava muito fácil. Consegui entrar na tenda maior, me esconder. Tudo isso com ele no meu campo de visão.

Meu cabelo estava grudado na nuca. A adrenalina corria pelas minhas veias.

Ele estava sentado confortavelmente em um banco. O fumo entre os dedos.

A arma em minha mão ficou pesada. Todos os anos ano sonhando com esse momento, sedenta por vingança. Ele a pegou. Tinha cinco anos quando ouvi isso.

Minha prima. Emily.

Ele a matou.

E agora ele pagaria com seu sangue.

— Posso ver você. — Ele diz, prolongando cada palavra no final, como se estivesse cantarolando. — Espero que seja tão deliciosa quanto a última.

Aperto os lábios. Saiu do esconderijo.

Eu iria acabar com ele:

Olho por olho, dente por dente.

— Assassino. — Rosno.

Ele ri, jogando a cabeça para trás.

— Não somos muito diferentes. Vamos! Você me fez um favor fazendo aquele trabalho por mim. Aqueles inúteis foram um peso durante anos.

Aponto a arma na sua cabeça.

— Você matou aquelas crianças inocentes. Crianças!

— Veja. Aqueles monstrinhos não deveriam viver, fiz um favor a eles. — Ele joga o fumo. — Deixa eu te contar uma historinha. Quando eu era criança, já fui um pecador. Vestia as roubas da minha mãe, seus calças e saltos. Um belo dia, meu pai descobriu, e tentou me concertar. Foi então que aprendi que pessoas como nós não tem solução, a única forma é a morte.

Aperto o gatilho. Com um movimento rápido ele me derruba. A bala perfura a tenda. Ele pega uma pedra e acerta minha cabeça. Apago.

Escuto o som de água. Meu corpo sendo puxado pelo pé. Grito quando sinto algo cortar meu braço, era um caco.

— Aqui estamos. Sob a luz da lua e das estrelas.

— Pensei em te enterrar ao lado da minha última vítima. Vocês duas tem os mesmos olhos azuis.

Abro os olhos.

Penso nela. No seu sorriso doce, fala mansa, e olhar que conseguia colocar até mesmo Reis de joelhos.

Prometi vingança. Mas agora quero justiça.

— Sinto muito... — Seu sorriso morre. Franzi o cenho. — Pelo que o seu pai fez com você. Foi errado. E sinto mais ainda por se tornar essa criatura viril, sem alma.

Tomo folego.

— Você não é um mostro. Não é um erro. Nós não somos isso... 

Deslizo os dedos cuidadosamente em direção a minha coxa.

Seus olhos estavam úmidos, parecia perdido em pensamentos. Aproveito e cravo a faca no seu estômago, me aproximo do seu ouvido:

— Essa é a única forma de conseguir a justiça. Você precisa morrer.

Acerto ele de novo. Jogo na vala.

Demora horas até que eu encontre seus restos mortais ao lado do ursinho de pelúcia.

A polícia chega. 

Os outros palhaços foram levados para o hospital e depois para prisão, não havia conseguido mata-los então dei uma boa dose de tranquilizantes neles.

— Você conseguiu. — Ela diz.

Fito seus olhos. Uma sensação agradável enche meu estomago.

— Eu não disse que conseguiria?

Ela ri. Enquanto caminhávamos de mãos dadas para o ônibus, indo para o mais longe possível do passado. 


Palavras:1833

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top