O Opala do "demo"
Enquanto rumava à área rural da região, o Opala preto fazia levantar a poeira na estrada de chão. As casas ficavam muito afastadas umas das outras, as pessoas eram simples e ariscas, por isso estranhos eram alvo da curiosidade, especialmente dentro de carros esportivos.
Os motorizados que por ali transitavam eram tratores, caminhões e caminhonetes. Havia também a Kombi de um morador que fazia pães e bolachas e os vendia próximo a Igreja Matriz Católica do centro. Era especificamente com este morador que Motta queria conversar.
Uma bonita jovem pendurava roupas muito alvas no varal, agradecia a Deus pelo sol e o vento, pois com duas crianças pequenas, sendo uma de colo, tinha muitas fraldas para serem lavadas. Fora isso, ela ajudava o marido na produção.
Sobre um cobertor velho no gramado, o bebê menor sossegou enquanto roía uma bolacha Maria, mas o menino mais velho que tinha três anos, não parava quieto. De repente ele sumiu.
A poeira trazida pelo veículo em alta velocidade, distraiu a jovem mãe, fazendo coração dela disparar no peito.
— Filho, filho, filho... — Seu desespero pelo sumiço rápido do menino, não a deixaram gritar, mas repetir incessantemente o chamado. Conforme a poeira baixava, surgia a visão de um carro preto e um homem alto que segurava algo... Seu filho!
— Precisa ser mais atenta, moça. Sua propriedade não tem porteira. Se eu não fosse cuidadoso, poderia ter atropelado a criança.
Motta libertou o menino, porém ele não foi para os braços da mãe, ficou encarando com curiosidade o homem estranho que usava um óculos escuros modelo Ray Ban Aviator, um item que ele nunca vira antes. Ela correu até onde estava a criança e o pegou no colo.
— Quem é você? — Perguntou sem gentileza. Não era por falta de educação, sim por falta de contado com pessoas, Nena era grosseira e simplória.
— Desculpe. — Delegado Motta sorrindo, retirou os óculos e fitou-a com seus escuros olhos, poços sem fundo... — Sou o delegado. A senhora é esposa de José?
— Delegado? O meu marido está ali. — Nena apontou para o local onde havia três fornos de tijolo. José cortava lenha com o machado. Até chegar nele, Motta passou por dois vira-latas que brincavam, ele sempre gostou de cachorros, os preferia aos gatos.
— Dia José. Sou o delegado Motta. — O delegado estendeu a mão e apertou com força a de José. O simplório homem permaneceu de olhos arregalados. A figura do homem da lei nada tinha de assustadora, mas a sua aparição ali.
Homens de bem são temerosos, mesmo aqueles que por ventura têm a consciência tranquila.
— Senhor.
— José você fez uma denúncia. Parece que encontrou em sua propriedade uma caixa. — Motta chega bem perto dele. — Aquela caixa, lembra?
— Eu disse tudo que sabia para aqueles outros policiais e eles já caminharam por essa região toda. Doutor, eu achei enterrada no meu sítio, mas não tenho nada com isso. O doutor Rafael era boa pessoa, um médico abençoado.
— Você que a encontrou enterrada... — Motta repetiu olhando para o nada.
— Sim, senhor. Quando eu fui catar lenha para cortar.
—Não se importaria de me mostrar o local?
— A polícia já fez... — José tentou se esquivar.
— Sou chefe da polícia! — Motta não era de se exaltar e quando fazia, rapidamente amaciava a voz — Por obséquio, José.
— Sim... — José baixou os olhos morrendo de vergonha e saiu caminhando como sinal para que fosse seguido por Motta.
Encaminharam-se para os fundos da propriedade, entrando numa clareira entre árvores, trilhando por uma estradinha que ele deve ter feito com um enxadão. Havia um brinquedo meio enterrado no chão, um cachorrinho amarelo de borracha com apito, o que indicava que talvez o filho de José brincasse por ali. Era uma boa distância de casa para uma criança sozinha. Motta já tinha contado uns trinta passos, então José parou subitamente e apontou para uma área onde a terra tinha sido remexida. Ainda havia uma depressão no local de onde a caixa fora extraída.
— Sua esposa está sempre em casa?
José hesitou em responder.
— Sim...
— Se algum estranho se aproxima daqui, seus cães avisam?
— Avisam.
— Cães são muito bons. Meu pai tens alguns cachorros. É um homem do interior, um tipo rude que, igual a você, vive uma vida bem simples.
— Ele mora aqui na cidade? Como é o seu nome?
— Não. Não mora aqui. Você tem outros animais? Gatos, porcos... vi que há um galinheiro.
— Tem galinha, cachorro, uns passarinhos e a vaca.
Conforme iam retornando pela trilha, Motta comentou algo sobre o brinquedo da criança.
— Foram os cachorros que trouxeram isso?
— É. Eles ficam enterrando e desenterrando coisas.
— Foram eles que encontraram?
— O que?
— O caixote? Eles devem ter latido, sentido o cheiro de carniça ou ter ouvido pessoas.
— Eles devem ter latido, doutor. Eu passo o dia fora de casa vendendo e a minha mulher não tem como correr atrás de dois jaguaras que vadiam por aí. Percebeu que tenho dois filhos?
— Bom. — Motta limpou a mão empoeirada na calça social e estende-a para José. — José, obrigado por cooperar. Qualquer novidade eu volto. Me acompanhe, por favor, para que eu não me perca. Será que me consegue um copo de água?
O delegado encostou-se à porta da casa para beber a água e observou as crianças, ambas tão calmas. O menino era meio estranho, muito novo para ser tão protetor com a pequena. Chegou a seguir a mãe quando ela tirou a garotinha do chão e se dirigiu ao quarto, parecia irritada em ter que trocar a fralda. O cheiro da fralda suja deixou o ambiente bastante impregnado e José tinha uma expressão um pouco nauseada.
— Não se importe com isso, José. Eu tive dois filhos. Essas coisas são imprevisíveis. — O delegado sorri — Deveria ajudar sua esposa nessa tarefa. Logo seus filhos crescerão e vai lamentar ter perdido essa oportunidade. Bom, até logo e tenha um bom dia.
Motta não era homem de compartilhar suas intuições com os colegas. De repente concluiu que seu dedo apontava para o padeiro. O pobre infeliz escondia algo. Se arriscaria mais, José sabia de algo!
......
Voltou à delegacia perto do horário do almoço e fez dezenas de suposições, cansou de falar com as paredes, cansou de ouvir teorias de subordinados que ainda seguiam a sombra de Orlando, seu antecessor no cargo. Orlando... "O homem que sabia de menos", Motta o apelidou assim quando era cobrado a respeito de resoluções de casos que nem foram registrados. Ou foram registrados e "consumidos".
O que era fato, é que Motta sabia uma porção de coisas além do que deveria, preferindo manter seu jeito dissimulado, sendo chamado de idiota pelas costas. Realmente era uma pena não poder mostrar sua verdadeira "forma" e seu real conhecimento à respeito do que havia em volta. Resolveria aquele caso à maneira normal. Por Lola...
Queria saber como ela estava, sentir seu cheiro, tocar em sua mão e receber dela olhares ameaçadores. Estava fascinado por aquela leoa raivosa. A viúva lhe deixava muito além de sexualmente excitado, lhe deixava eufórico.
Estava meio sem tempo para vê-la, mas arrumaria uma desculpa esfarrapada para ouvir sua voz e assim, telefonou-lhe.
— Lola... sou eu...
— Delegado, Motta? Tem notícias?
— Querida Lola...
O som agressivo de um telefone recolocado no gancho era o suficiente para ele entender que ela estava de mau humor e queria respostas. Ela teve a petulância de desligar quando ele ia fazer uma pergunta simples, sendo importante para ele. Há tempos que alguém não lhe tirava o sossego dessa forma. Encerrou seu expediente às dezenove horas, saiu apressado da delegacia e dirigiu-se ao outro lado da cidade, de onde Lola saia para vir obter notícias e nunca as tinha.
Bateu palmas e a chamou pelo nome. Lola abriu a porta, mas pode-se notar que suas narinas estavam bufantes.
— Não vou convidar o senhor para entrar. Moro sozinha.
— Não tem importância, Lola. Só me responda algo... sendo mãe, alguma vez sentiu nojo que trocar as fraldas de seu filho?
— Hã? — Ela parecia não crer na pergunta, revirou os olhos e parecia prestes a agredir o homem. — O quê?
— Seu marido, o soldado falecido, alguma vez sentiu nojo do seu filho?
Lola tentou fechar a porta na cara dele com toda a força, mas ele segurou a porta. Só poderia estar maluco. Queria estar com a sua faca nova de cortar carne mais perto, ia enfiar no olho dele.
— Lola...
— O senhor é louco?! Sai.
— Eu atravessei a cidade para lhe perguntar isso.
— O pai da Betânia nunca trocou fraldas. E é claro, compreensível, humano e normal que até uma mãe sinta-se estafada pelo menos uma vez na vida com o cuidado com crianças. Agora vai. — Ela empurrava a porta querendo fechar e ele sem esforço, segurava-a com o pé.
— Sua filha namorou um rapaz chamado José?
Filha! Era a primeira vez que ele tratava sua menina assim. Lola deixou escapar a porta e o distraído homem deu um encontrão nela quase lhe derrubando.
— Minha filha teve só um namorado antes de Rafael, um tal de Ramiro. O cara que está desaparecido. Sobre esse José, Betânia me contou que ele era bem insistente, a perseguiu algumas vezes e por fim a beijou. Ramiro descobriu por outras pessoas e ficou furioso. Socou a cara de José e quebrou o nariz do rapaz. Minha menina ficou com medo de ser agredida por ele e não saiu mais de casa.
— Esse Ramiro gostava de sua filha então? Era possessivo...
— Ele casou logo que eles terminaram, engravidou uma moça pelo que eu soube. Depois sossegou. Apareceu no casamento de Betânia e passou muito tempo até que o vi novamente. Mais de três anos, acho... No final, ele me seguiu algumas vezes e insistia para que eu lhe desse ouvidos e que tinha um assunto perturbador para conversar. No fim, ele que era perturbado.
— Porquê?
— Minha filha está desaparecida e meu genro morto! Eu tentei alertá-la... — Lola luta bravamente com uma lágrima no canto do olho. — Ela não saia mais de casa, acho que por segurança. Rafael estava preocupado com sua segurança, ele foi um bom marido para ela, não merecia morrer...
— Eu vi uma foto da "mocinha" no quarto do casal. Era bem bonita mesmo, sequer parecia com um homem. Impressionante. Não me leve a mal, mas causa-me estranheza o fato de uma mãe apoiar esse tipo de coisa...
— Se eu tivesse alguma liberdade com o senhor...
Novamente ele sorri e a provoca.
— Pode ter toda a liberdade que quiser.
— Não posso, mas gostaria muito. — Ela baixa os olhos de forma travessa e ele tem uma ereção indiscreta.
— Diga-me... peça...
— Eu quero que o senhor morra! Vá para o inferno, para o diabo que o carregue. Odeio você! Lúcifer Motta.
Ele fica sério e dessa vez não acha divertido uma simples dona de casa e costureira de bairro lhe desaforar. Saiu de suas vistas e foi embora. Não estava triste, estava com raiva. Como e em quem descontar? Pensou em ligar ao seu irmão Serafim, mas eram tantos anos que não tinham assunto que ele desistiu.
Precisava dela... tinha sede de todo seu ser e estava começando a achar que seu poder de persuasão não funcionava mais. Tinha que dar a mais àquela mulher e só assim poder ganhar alguma vantagem. Havia uma pergunta que o atacava por todos os lados:
"Será que Ramiro e Betânia deram cabo no médico e fugiram juntos?
Ele já teorizava diferente:
"Será que Rafael e Betânia tinham se livrado do Ramiro por segurança e depois fugiram?"
Ou quem sabe:
"Ramiro e Rafael deram um fim em Betânia e fugiram juntos?"
Betânia sumira. Ramiro: desaparecido. Rafael fora o único a ganhar um enterro
Se é que o cara todo "cortado" no caixão, era realmente ele.
Lúcifer Motta, contra todos e até contra as provas, achava que o corpo não era de Rafael e sim de Ramiro. Só precisava tirar suas dúvidas com a esposa do homem, ou quem sabe a verdadeira viúva. Faria-lhe uma visita depois que saísse do hospital, pois recém tinha dado à luz.
....
Lola respirou irritada sempre achando que o delegado estava se divertindo às suas custas. Não conseguia desfazer a primeira impressão que ele lhe passou ao lhe assediar no momento mais difícil de sua vida e agora tinha pedras nas mãos quando ele aparecia. Ele a perturbava, não conseguia negar a si. A presença daquele homem parecia estar dentro de sua casa e até o forte perfume cítrico permaneceu.
Anoitecia e sua solidão tornava-se um tormento quase físico. Tristeza. Silêncio.
Uma tábua do assoalho rangeu...
Lola rapidamente entendeu que tinha alguém dentro de sua casa. Caminhou para a cozinha tentando manter o controle e abriu a gaveta dos talheres. A luz acima dela piscou três vezes e apagou. O breu a engoliu. Ruídos no assoalho indicavam que alguém ali caminhava. Pareciam vir de seu quarto. Ficou parada, ouvindo o coração bater com força quando os ruídos cessaram.
Alguém deu dois toques na parede de madeira de seu quarto. Lola pensou em sair pela porta da cozinha e lembrou que as únicas chaves que tinha estavam no mesmo chaveiro na porta da frente. Longe demais...
Outra tábua rangeu e uma porta fora aberta, quem quer que fosse, agora estava em seu minúsculo atelier. Se fosse Motta, ela o faria em pedaços... mas e se não fosse?
Alguém parecia correr dentro de sua casa e Lola pôs a mão na boca para não gritar. Poderiam escutar sua respiração. Então, ouviu o som alto de pancadas na parede do quarto que fora de Betânia. Lola se abaixou deslizante e ficou onde estava, agachada. Apavorada, chorava com a mão cobrindo a boca. Tinha que ter frieza, mas como? Alguém estava ali dentro com ela e viera para lhe fazer mal.
Ramiro sumira, talvez fosse ele.
O pulsar de seu coração agora era no ouvido, as têmporas não eram nada silenciosas. Os passos estavam na sala ao lado da cozinha, os móveis estavam sendo remexidos, alguém novamente correu dentro de sua casa. Não parecia humano, os passos eram estranhos e leves ou quem sabe, era uma criança. O andar era apressado e logo a encontraria.
Silêncio. O cheiro forte de perfume entrou em suas narinas. Cítrico e conhecido.
Estava na cozinha!
Lola só pensou em uma pessoa, mas essa pessoa não estava ali amigavelmente naquele momento.
***************
Oiii pessoal!! Uhuuulll sexta! Adooooooro, kkkk
Já tem gente com teorias... aii tô amando. No findi posto mais♥
Obrigado pelas leitura e votos! Pelo carinho e cafuné! Recebam todo meu carinho e abraços
👨❤️💋👨💏👨❤️💋👨💏👨❤️💋👨💏👨❤️💋👨💏👨❤️💋👨💏👨❤️💋👨💏👨❤️💋👨💏
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top