Não! Por favor...


Lola irritada cruzou os braços dentro do carro, já estava a algumas horas aguardando ali. Sabia que não podia confiar em homens, ainda mais um desgraçado perfumado e charmoso que se chamava Lúcifer.

— Esse sem-vergonha me disse para espera-lo aqui por quinze minutos e estou há horas nesse fim de mundo. Vou sair daqui e ir a pé para casa.

Abrindo a porta se assustou com o breu noturno, não havia luar. A brisa fresca fez uma carícia ousada em seus braços e ela se arrepiou.  

Notou que havia um carro estacionado há uns cem metros de onde fora "abandonada" por Motta e caminhou até lá. Imaginou que ele estivesse dentro com alguma vagabunda e se exaltou sozinha.

— É bem o tipinho dele. Mas onde ele foi? Estou há horas perto desse matagal assustador e... — Ouviu um gemido ali por perto e pensou que poderia ser alguém ferido... mas poderia ser algum procurado. Talvez Motta lhe trouxera para um "passeio" e no fim das contas estava perseguindo algum elemento. — Filho da puta, odeio esses mistérios dele.

A mulher acabou voltando para o carro e procurou a pistola pequena que o delegado lhe fornecera, mas ela havia sumido. Revirou o porta-luvas, baixou e levantou os bancos e quando se virou, a encontrou nas mãos de um homem.

— É a vadia do delegado, olha Eufrásio... — Outros dois homens apareceram e o quarto completamente pálido, sem um dos braços tentava conter o sangue que escorria surgiu por trás de Lola.

Mesmo apavorada, ela se manteve fria. Poderia morrer ali, mas arrancaria os olhos de pelo menos um deles.

Um latido estranho dispersou aqueles homens e Lola se viu sozinha com Touro. Ele mostrava-lhe os dentes e ela pensou que correr seria uma ideia válida, caminhou de ré e tropeçou caindo sentada, tampou o rosto quando o grande cão pulou por cima dela e agarrou o comparsa de Rafael que ele mesmo mutilara. Mesmo às escondidas, um dos homens teve a brilhante ideia de atirar em Touro, mas ele não largou o corpo para perseguir o atirador. Tendo duas bocas e muita força rasgou a pele, puxando com os dentes os pedaços de carne até que os gritos agonizantes de dor do pobre diabo cessaram.

Lola estava em choque com a cena e percebeu que se corresse poderia ser pior, morreria ali e do pior jeito.

— Lola, minha Lo... Touro, junto! Já pra casa, anda!

Lúcifer chegou sorrindo, falando com a fera canina como se fosse um pequinês. Deu a mão à mulher que não estava só apavorada, mas furiosa. Lola se jogou nos braços dele e chorou. Nunca tinha visto algo tão tenebroso, um cão de duas cabeças e uma pessoa sendo morta e devorada viva. Imaginou naqueles momentos de terror que ela seria a próxima e socou o peito dele.

— Que diabo de lugar é esse, o que era aquele monstro. Tem homens armados, você fica rindo, seu...

— Aqui é a casa do meu pai, nada acontecerá conosco. Venha, vou apresentar você a ele.

— Não! Me solta, já! Não vou lá para onde, onde aquele bicho dos infernos foi mandado. Você com esse nome deve estar me levando para dentro do inferno. Sim, porque um cão daqueles é um demo... — Lúcifer a beijou pela segunda vez. Um beijo doce, romântico e comportado. — Não faça isso outra...

O charmoso homem a pegou com firmeza pela cintura e a puxou aproximando-a do seu corpo quente. Colou sua boca máscula na dela e naquele encaixe perfeito de lábios, forçou sua língua para o interior quente e macio. Interrompeu o beijo e esperou ela socar sua cara, mas a pegou recém abrindo os olhos.

— Não permiti isso... — Lúcifer outra vez a beijou, buscando a língua da mulher, sugando lento, mordiscando os lábios desejosos, apertando a cintura com mais força até que ela suspirasse. Uma mordidela antes de finalizar o beijo, arrancou um gemido discreto de protesto dela. E uma mão pesada foi segurada no ar.

— Alguns truques seus eu já conheço. — Disse ele rindo e beijando a mão da costureira. — Venha, tenho aquela surpresa que disse que lhe faria depois do Ano Novo, mas circunstâncias anteciparam minhas intenções.

Ainda preocupada, Lola o seguiu de perto. Na porteira avistaram a casa bonita e simples de madeira, a maioria dos animais já tinham se recolhido e apenas os cachorros vieram ao encontro dos recém chegados.

Betânia tinha um ar de riso quando percebeu que Serafim perto de seu pai, era apenas um garoto birrento. Estavam em família, o seio de uma linda família.

Lola segurou a mão do delegado ao passarem por Touro...

— Ei, aquilo é um osso? Motta, tem uma pessoa morta aqui perto e quem são aqueles homens? Você procurando eles? Como consegue agir com essa calma irritante?

— Serafim vai cuidar deles em breve.

— Eu te odeio, fica de palhaçada comigo...

Betânia não conseguiu beber o chá, devido a ansiedade que antecipava a chegada de Lola. Ouviu a voz da mulher e caiu no choro antes da porta abrir.

— Mãe?

— Quem é ela?

— Mãezinha, sou eu.

Lola estranhou sua filha, Betânia estava muita magra, cabelos curtos e cicatrizes nos braços, porém seu rosto choroso e sorriso ainda era de sua menina.

— Filha... oh meu Deus, meu anjo... — Quando se abraçaram Tino segurou-se para não chorar alto, Marvin deixou as lágrimas rolarem pela bochecha e Bill se aproximou andando devagar.

— Seja bem vinda, mãe da minha Betânia, a moça mais forte que conheci. Sou o Bill...

— O senhor que cuidou dela? Achou minha filha?

— Sim... encontramos nossa Betânia.

— Obrigado, senhor. 

Lola estava naquele estado de graça, entre sorrisos e lágrimas, apertando e cheirando sua cria, cujo interior desta vivia o bebê Bento e a menina Betânia.

Os homens saíram da cozinha e se reuniram fora da casa. Serafim consultara seu relógio de pulso pela enésima vez, sabia que Cesar era mais que suficiente segurar o traste do Rafael, mas ainda havia Fernão, Orlando, Fabrícia e alguns policiais que ele adoraria cuidar antes. Porém era Betânia que tinha que decidir o que fazer com o homem.

Se Serafim e Lúcifer fossem policiais convencionais, só poderiam chegar até a prisão dos envolvidos. Envolvidos presos. Rafael desmascarado perante a cidade. E a família de Ramiro finalmente poderia ter seu luto e tratar seu filho falecido com a dignidade devida. Um sorriso após anos de seriedade e dureza lhe enfeitou a cara. 

"Não somos policiais convencionais."

...

Rafael estava zonzo, pensou ter sonhado com cobras e logo se descobriu em um lugar úmido e estranho. Fedia a mofo, coisas estragadas e azedas, além de carniça. Parecia um túnel com terra barrenta sob os pés descalços e as paredes vertiam algo líquido de cheiro alcalino. Não tinha uma visibilidade muito boa, pois a escuridão era pesada como ar que ele respirava, aspirando veneno.

Perguntou-se muitas vezes sobre a sua localização. Seu braço doía onde a cobra havia picado. Fome. Frio. Medo. Terror.

No final do túnel achou ter visto uma luz, mas o túnel não acabava. Tinha curvas, outras voltas, nem um final. Um sibilo indicou a proximidade do ofídio mortal.

— Rafael... levante-se... — Uma voz o ordenou. Era mansa, suave e autoritária. Percebeu que na realidade estava deitado e de olhos fechados, abriu-os e nada enxergou ou enxergou apenas a escuridão. O braço estava febril e dolorido como na alucinação. Tentou se levantar e bateu fortemente com a cabeça. Praguejou e tateou em volta.

Estava em um cubículo!

Desesperado socou a caixa e começou a gritar.

— Socorro, socorro, me tira daqui. Ah meu Deus o que está acontecendo? Me tira daqui. Eu quero sair... ahhhhh...

Perdeu as forças dos braços e pernas, a voz ficou completamente rouca naquela luta pela liberdade. Chorou e gritou até o fôlego faltar e a tontura tomar conta.

— Ahhhhhh, me tira daqui, desgraçado, filho da puta. Eu vou te matar. Me tira. Vou acabar com você, vou destruir você e aquela vagabunda. Vou matar você lentamente.

Nada acontecia, ninguém lhe obedecia ou lhe atenderia. Arranhou a caixa, buscou alguma possível maneira de abrir o "recipiente" e então respirou devagar. Precisava de calma, pois estava ficando sem ar e isso encurtaria sua vida, não sem antes prologar ao nível máximo a agonia de morrer de forma lenta.

Ficou naquele silêncio pelo tempo que julgou ser o suficiente para voltar a calma. Desesperou-se ainda mais quando escutou uma voz por perto. Alguém poderia ajudá-lo talvez, só precisava pedir.

— Socorro... eu estou vivo, estou vivo! Tem alguém que pode me escutar? Me ajuda!

Novamente o silêncio e a seguir uma esperança.

— Ei, Getúlio, ouviu alguém gritando?

— Deus me livre e guarde, homem. Tem alma penada aqui?

— Ouvi uns gritos pedindo ajuda.

— Ave Maria, cheia de graça... Misericórdia, Cido. Enterra logo esse "trem" e "vamo pica a mula"...

Rafael fora ouvido, chegou a rir e chorar.

— Eu estou vivo! Ei! Não, por favor... por favor...

Houve algum silêncio, depois pancadas estranhas sobre o "teto" do lugar onde ele fora aprisionado. Era terra e dois homens trabalhavam rapidamente para cobrir o local. 

Era isso, ele foi enterrado vivo!

Seus gritos perderam o eco, o calor aumentou e até a atmosfera pesou sobre ele. Seu ar diminuía e não adiantava respirar menos ou mais calmamente, estava quase sem ele: o precioso oxigênio. Tão simples, tão gratuito e que lhe era retirado aos poucos até a inconsciência jogá-lo no túnel gelado, fétido e assustador.

— Rafael! Levante-se! — Algo gelado acertou seu corpo desnudado, ar fresco, vida, podia respirar. — Opa, que maus modos os meus, permita que eu me apresente: sou Lúcifer!

— Se afasta de mim, demônio.

— Isso é bem engraçado de ouvir, sempre fui um bom menino. Afinal o que é um demônio para um homem que estudou medicina e traz a morte? Acredita em Deus, Anjos e Demônios?

— O que vão fazer comigo?

— Eu? Apenas quero ter uma boa conversa com você, quer conversar?

— Não.

— Então, saio de cena. Coveiro pode levar esse cidadão. Enterre-o novamente...

...

Lola largou sua filha depois de acalmar Betânia cantando baixinho uma música que ela gostava, "Quando" do Roberto Carlos, cantor preferido da jovem. Ela não parava de soluçar, fazendo sua mãe lhe chamar de dengosa e buscar para ela um copo da água.

— Filha, está tudo bem agora, não é? Agora você vai ficar bem, não vou largar de você nunca mais.

— Mãezinha, eles fizeram...

— Não me conte filha, se falar vai reviver isso. Quando perdi seu pai foi um momento terrível para mim e tentava me concentrar somente em você. Observando seu crescimento, suas curiosidades, a forma como lidou com os obstáculo que te apareciam e me tornei um pouco mais forte.

— Eu fui tão burra, amava tanto, perdoava, nem imaginava o que ele preparou para mim. Não queria me separar, tinha medo e por isso, eu pensei que se contasse sobre o que eu suportava casada, a mamãe ia interferir, se meter.

— Olha Betânia, filha, acho que chega um momento na vida em que caminhamos com nossas pernas, nos tornamos independentes e isso tira o direito de um pai ou mãe intervir. Mas eu juro que se eu soubesse, cortaria os "bagos" dele com minha tesoura de costura.

— Mãe! — Betânia secou as lágrimas e se aninhou no colo da mulher, ficou quietinha ganhando seu carinho e sendo reclamada pela mulher que tanto se sacrificou para dar-lhe a condição mais digna de vida que pode. — Mãezinha, eu não vou voltar.

— Hum? Porque, filha?

— É que nunca vou ser uma pessoa aceita como eu sou. Não vou ficar sofrendo e implorando para que as pessoas me respeitem e não quero ser olhada como se eu fosse uma atração bizarra de circo. Eu gosto de mim assim e aqui, eles me aceitam. Bill é...

Lola baixou o olhar triste e um pouco inconformada em ter Betânia em seus braços e saber que não poderia mais segurá-la.

— Eu só quero uma coisa para você minha filha, que você seja muito feliz. Mesmo no meio dessa gente estranha que não faço ideia de quem sejam. Afinal, quem são eles?

— Ah mamãe, eles são... a minha família agora. Bill me salvou cuidou dos meus ferimentos e meus irmãos tiveram paciência comigo, o Tino nem tanto, mas ele é tão precioso, mãe. O Marvin é um anjo de verdade. Ele nunca vai deixar nada me acontecer, porque ainda hoje ele falou, depois de anos de traumas não superados. Ele sabia que se não falasse, eu seria levada pelo Rafael.

— Deixa eu ver seu pé... — Lola retirou o chinelo de pano que a filha usava e encontrou a triste cena de mutilação na filha. Foi perceptível para Betânia que sua mãe engoliu a saliva e lutou contra as lágrimas de piedade, resultando em olhos úmidos e os lábios comprimidos. — Não consegue olhar?

— Não. Eu sinto dor, raiva e medo. Não consigo olhar como ele ficou. Sei que foram cortados os cinco dedinhos.

— Filha... Me perdoa, mas se ninguém punir essas pessoas que lhe fizeram isso, eu mesma faço!

...

Serafim partiu muito depois de Lúcifer, seu pai havia lhe segurado por muito tempo, até que sua ira estivesse transbordando. Desceu a trilha após fechar o portão de madeira em estacas, que selava a propriedade do velho urso.

Gostava da noite, a escuridão e o silêncio que denunciavam vidas insignificantes à maioria das pessoas, mas o atento sabia que o fato dos insetos estarem quietos é que entregavam alguém escondido.

— Mão na cabeça, corvo.

Serafim obedeceu e os três homens que restaram por aquelas bandas, o renderam, amordaçaram e usaram seu próprio Maverick para sequestra-lo.

— Mais fácil que isso, impossível. Doutor Fernão e Rafael vão querer fazer umas perguntas...

— É... quebrar umas pernas, um nariz...

— Nem parece que um advogado possa ser tão sádico.

— Nem me fale, eu estava lá na noite que pegaram o "veadinho". Doutor Fernão mandou enfiar um cabo de enxada do cu nela. Hahaha, desmaiou na hora, desmaiou o tempo todo, tinha que ficar jogando água na cara.

Era estranho olhar para Serafim tão calado, parecia amedrontado, nada condizente com sua natureza. Foi bom ouvinte pelo trajeto que consumiu quase quarenta minutos do seu tempo. Chegando na cidade vizinha eles pararam o seu carro em frente a uma chácara, lhe arrastaram pelo caminho, destruindo sua roupa, sujando-o e humilhando-o, até adentrar um galpão velho.

— Olha só doutor, o que nós achamos. Estive espiando aquele rancho e esse homem esteve lá.

— É da polícia? — Fernão perguntou a ele. Houve silêncio. — "Depilem" as pernas dele, só meia canela e bem devagar.

— Não, por favor... não me machuquem, eu sou um homem da lei. Isso não ficará impune.

— Amordacem!

— Não, não... o que vão fazer, ah por favor, não me "esfolem" com essa faca... — Serafim chorava desesperado. — Não, por favor... olha, eu posso devolver aquela imunda.

Não houve pudor, ele foi amarrado e içado por um gancho suspenso como de um frigorífico, suas calças foram retiradas, restando apenas uma cueca fina a cobrir sua intimidade. Ele lutou para não ser imobilizado e implorou muito, pedindo para que não executassem nele os métodos que coincidentemente utilizaram em Betânia.

Gritos do mais puro horror saiam de sua boca quando o couro das canelas começou a ser raspado com uma grosa de afiar que arrancava os pelos, pele e gotas de sangue... O resto de sua roupa foi cortada até revelar o corpo magro e abundantemente peludo. Com auxílio de um cabo de machado, ele foi espancado até perder-se no desespero e cansou de implorar. 

O desceram do gancho, seu ânus foi rasgado com uma ferramenta e mais espancamentos com o cassetete o fizeram desmaiar, mas era acordado com baldes de água fria.

— É da polícia mesmo?

— S- sim... por favor chega...

— Nem começamos. Imagino que um homem bonito como vossa excelência, o delegado...

— Serafim... — Ele respondeu.

— Serafim... Imagino que não vai arrumar uma vadia se ficar banguela. Arranquem os dentes dele.

Cada dente fora removido da boca ensanguentada, depois as orelhas cortadas e os dedos...

— Imagino que me farão em pedaços! Ignorantes! — Uma voz firme como um trovão ecoou pelo galpão. — Judiem mais... me castrem, eu imploro... me façam engolir minhas próprias bolas, hahaha...

O medo instaurou-se de imediato e Fernão escapou...

Serafim surge das sombras com um sorriso de canto de boca a deixa-lo diabolicamente assustador. Mãos nos bolsos do terno e passos destemidos. Corpo na mira de armas que falhavam. Homens que estavam com medo demais para ataca-lo.

— Oh, parece que o velho fugiu e deixou vocês aqui comigo. O que têm para mim?

— Onde...

O corpo ensanguentado e mutilado havia sido uma ilusão! Havia sumido.

— Demônio! Sai!

Serafim andou na direção de um daqueles homens e dois deles tentaram se esconder e conseguiram arrombar a porta para escapar dele. O delegado juntou o cabo de ferramenta completamente limpo e falou para o terceiro homem.

— Vou te dar uns dez minutos de vantagem, vá!

O homem venceu o medo e correu feito louco para o exterior daquele lugar.

"Uma caça do jeito que eu gostava nos velhos tempos." Pensa o homem que sai assobiando "Quando" do Roberto Carlos enquanto caminha a passos firmes em busca de cada um dos caras que estavam ali naquela noite.

............

Oioioi pessoal♥ Acho que Serafim tá puto com eles... sei não

Eu havia matado Rafael nesse capítulo, mas depois reescrevi a cena... achei que tinha ficado muito Jogos Mortais e muito rápida...  nem dá tempo de se arrepender, né...

Obrigado pessoal pelo apoio, gente que tanta leituras♥ Cacildis que felicidade, hahaha.

Muitos beijos, murdidas e abraços de partir as costelas. :D

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