Irmãos de alma



Pele negra, firme e brilhante, o mais saboroso pedaço de chocolate, chama-se Diamantino. 

Já fora sofrido, humilhado e desprezado pelo tom de pele. Diamantino ou Tino, o jovem barbeiro é um tipo que exalta seu ofício. Sempre ostentando um sorriso largo e feliz, exibindo dentes branquíssimos e lábios grossos, fazendo até senhores conservadores terem pensamentos libidinosos com sua pessoa.

Ele fora sofrido? Não parece. 

O que será que proporcionou uma reviravolta tão grande em sua vida?

Do seu passado, poucos sabiam.  Do presente, conhecem o fato de Tino ter sido adotado por um estranho sujeito montanhês. Antigamente, as más línguas espalhavam boatos que eles viviam maritalmente, algo que nunca foi comprovado, pois Tino sempre foi discreto e respeitável, não dando margem a questões sobre o que ocorria na sua residência. 

E sobre o homem que o adotou? Sabiam menos ainda. Ninguém sabia, nem sabe de nada, somente especulações... Mistérios sempre envolveram o grande homem, um tipo bronco que dificilmente se aproxima do perímetro urbano, optando por cuidar de sua vida de forma reservada. Há pessoas que sequer sabem como ele é. 

Seu nome, bem, ele possui vários... Tio Bill, Will, velho William, urso Will ou Bill. Urso? Sim, também tem as lendas inventadas sobre ele e Tino jamais desmentiu coisa alguma, até se diverte com as mirabolantes ideias a respeito de seu "papai".  

Bill junto com Tino, vive na grande casa de madeira cheia de entalhes bonitos e feitos manualmente, construída sobre um daqueles montes forrados de verde claro, cercados por árvores velhas e escuras, de acesso difícil, longe dos bairros e ainda mais distante do centro em desenvolvimento. Tino faz o percurso todo de bicicleta, vai e volta do trabalho, cumprindo algumas tarefas que o papai lhe incumbe como sendo sua responsabilidade e até dá suas voltas para espairecer à beira de um lago cristalino sempre cheio de patos e cisnes brancos.

No fim de seu expediente, Tino pega a bicicleta que deixa atrás da barbearia, passa na padaria, escolhe algumas guloseimas, algo que papai não prepara e depois então, toma o caminho de casa. Chega sempre antes de escurecer, pois a pequena cidade já não é mais tão segura quanto já fora. Boatos e registros na delegacia sobre furtos, ataques ao pudor e desaparecimentos, estavam se tornando um tanto costumeiros. Mas nada era pior que a lenda de um homem fera que vivia na região. Ninguém de fato o viu e quem diz que viu, geralmente se apoia em comentários delirantes que já existiam. Assim a tal pessoa que em noites sem luar aparecia e atacava malfeitores como se fosse um justiceiro é apenas um mito.

O que reforça o mito do justiceiro, é uma história tremendamente antiga, sobre o assassinato de três pessoas da mesma família, pai, mãe e bebê. Dizem que num passado remoto, um candidato a prefeito, um bom homem fazia muita diferença e isso perturbava o candidato da oposição. Este ordenou que matassem os três, fazendo questão de estar presente quando começaram a torturar a esposa e a criança que tinha menos de dois anos, e finalmente executou o adversário político com um tiro.

O mandante dos assassinatos e cada um dos comparsas fora morto na calada de uma noite sem luar e as cabeças decepadas, foram espetadas em estacas no pátio da prefeitura. Isso não era lenda local e sim verdade. Pela barbárie dos crimes, atribuíram a alguém meio selvagem, pois todos os corpos foram mutilados de forma horrível.

Anos mais tarde, crimes foram "punidos",  tais como furtos ou assaltos, nos quais os bens foram devolvidos com junto com a falange do ladrão para que fosse fácil de identificar quem cometia os delitos. Isso causava temor e inibiu por anos as práticas criminosas na localidade. Muitos eram suspeitos e vários foram interrogados. Houve muitas casas reviradas, inclusive a de um grande homem bruto e estranho que morava no monte mais bonito avistado ao chegar à cidade. 


Tino viu fumaça saindo da chaminé e abriu um sorriso imaginando que papai tinha chego. Ele dissera que ia demorar, não poderia ser ele, deveria ser o Marvin, seu irmão.

— Oba, você está cozendo a janta? Sabe que adoro quando prepara... eca... abóbora. — Tino olhou enojado para o cozido caprichado e bem temperado que Marvin prova na intenção de saber se está no ponto certo. — Me diz que fez umas batatinhas. Ei, será que papai se importaria se comecemos um pedaço do queijo que ele fez? Ah Marvin, que saudade do Bill. Já que certas pessoas só falam com ele.

Tino e Marvin sempre tiveram uma pequena rivalidade de irmãos, mas a amizade é ainda maior e mais forte. Assim como Tino, Marvin fora adotado e chegou nas piores condições humanas que se infringia a alguém. Baixo e gordinho, peludo, ruivo, de pele rosada e sardenta, olhos castanhos claros, sempre mantém a barba acobreada cheia. Não fala, ou melhor, raramente fala e dirige-se apenas ao papai quando estão sozinhos. Não por timidez e muito menos arrogância, mas por medo. Seu trauma poderia explicar melhor o medo que palavras lhe proporcionam.

Ao contrário dele, Tino fala pelos dois, pois fala e responde sendo ou não, o que Marvin pensa. O sinal de que está certo, é um sorriso tímido na cara do irmão ruivo.

— À tarde tive que aturar aquele vereador estranho outra vez. Sabe aquela pessoa que é muito legal? Não se pode confiar em pessoas legais demais. Ou pode? — Tino serviu-se da janta mesmo reclamando de ser abóbora ensopada, arroz campeiro e pedaços do pão saboroso do papai. — Você está certo Marvin. Hoje em dia é bom ter um pé atrás. Acredita em intuição? Eu também. Papai acredita né? Ele nunca erra. Como que pode algo assim?

Marvin sorriu de leve. Bastava ouvir falar em Bill que seu olhar ilumina. Estavam com saudades gigantescas do homem grandalhão e sempre tão amoroso com eles. A falta que sentem do grande macho é tão intensa que na sua ausência, os irmãos dividem a cama imensa e abraçam os travesseiros que preservam o cheiro do homem.

Na manhã do dia seguinte, os irmãos acordam e se abraçam. Algo que Bill faz questão, é que sejam amigos e tenham carinho um pelo outro. Depois preparam café, broas assadas, comem alegremente e Marvin olha para o nada parecendo haver pesar em seus olhos claros. Tino segue aquele olhar com preocupação, pois seu irmão era dado a esquisitices e presságios.

— MARVIN! — Tino tirou o irmão de seu devaneio assustando-o. — Odeio quando faz isso. Você é estranho quando o papai não está conosco.

Tino passou mão no lado esquerdo do peito e de repente deu um salto.

— Meu irmãozinho, rápido passe uma camisa para mim que vou tomar banho. Preciso sair umas horas antes e passar pelo centro, quando você olha para o nada é porque algo de esquisito aconteceu e adoro ser um homem bem informado. Anda, anda, levanta essa poupança rechonchuda do banco. Meu Cristo, tem água quente nessa casa? Porque a banheira não tá cheia? Como você é devagar Marvin. Cruzes!

Tino saiu aborrecido catando panelas para buscar água no riacho da propriedade e xingou até os peixes coloridos que nadavam lindamente na água transparente. Estava exaltado tão somente porque não sairia adiantado de casa para ficar a par das fofocas. Eram sete horas da manhã e só para ter ideia da afobação do negrinho, seu expediente iniciava pontualmente às quatorze horas.

Marvin não trabalha fora, prefere obedecer ao papai que lhe fornece uma vida calma e digna, mas com Tino isso não funciona. Ele quer ter seu ofício, ver rostos, ouvir boatos e ajudar a espalhá-los. Não é mal sujeito e jamais fala sobre o próprio lar, esse ele guarda com segurança em seu coração.

Muito irritadinho colocou duas panelas sobre o imenso fogão a lenha feito de tijolos, com um balde voltou ao riacho para buscar água fria para temperar seu banho. Já tinha encanamento moderno e rede de esgoto naquelas regiões rurais, mas o banho ainda é numa tina grande que cabe até papai junto com eles. Então é realmente muito grande, pois Bill é um urso de mais de dois metros de altura. Marvin ajeitou a roupa sobre a cama do irmão, para que Tino pudesse se vestir quando saísse do banho.

Banho pronto e água no ponto convidaram Tino a entrar. Despiu-se manhosamente e se olhou num espelho que Bill comprou para agradá-lo, ele adorava sua pele escura. Papai lhe ensinou a amar-se, convencendo-o de quanto era belo. Bill era a melhor pessoa que conhecera. Amava-o com todas as forças.

— Marvin, venha. Dispa-se e aproveite essa água. Ai, me sinto renascido e numa lagoa morna dentro do Éden. Largue dessa timidez, já te vi pelado, seu bronco. Certo, só o papai que pode dar banho nesse chato, porque você é isso: chato. Cha-to.

Tino mostrou a língua e cruzou os braços, sentando de costas para a porta querendo ignorar o irmão. Então Marvin saiu do cômodo discretamente para dar-lhe privacidade.

Papai permite que o seu filho Tino só trabalhe meio período que é a tarde. Marvin poderia "abrir o bico" contando que ele saíra pela manhã e teria problemas, talvez levasse uma bronca, ficaria de castigo sem poder passear de bicicleta aos domingos ou seria incumbido de ajudar a lavar, passar e cozinhar. E ele odiava isso. Melhor não desobedecer e esperar pelas deliciosas fofocas, à tarde no seu turno.

— Que ódio de gente fofoqueira! Porque o Marvin é assim, porquê? Esse danado. Vai fofocar quando o Bill lhe ajudar no banho. Poxa, não é justo! Estou com tanta saudade do MEU urso, quero ele agora mesmo. MARVIN!

Marvin veio correndo com o grito.

— Esqueci a toalha. Espera, espera... Marvin, se eu for dar aquela passeada, você contaria ao nosso pai? Porque você não ganha nada com isso, não é? Pensa bem, pra que contar não é mesmo? Combinado? Como assim, não?! Ai, eu te odeio! Por sua causa eu sou uma pessoa desinformada. Você tá feliz com isso? Ei, ei... minha toalha. Muito obrigado, senhor Marvin.

Tino estava aborrecido, mas não ia desistir. Rodeou seu irmão gordinho e abraçou-lhe a cintura por trás.

— Meu irmão, eu te amo tanto. Sou tão sortudo porque papai nos acolheu. Mesmo que sejamos tão diferentes fisicamente e até nossas personalidades entrem em conflito por sua culpa, eu te adoro. Mesmo que meu irmão seja uma pessoa meio malvada e difícil de lidar, duvido que você me entregaria para o papai. Hum? — Tino permaneceu abraçado ao irmão e suspirou. — Está bem, vou ajuda-lo com uma ou duas tarefas domésticas, seu chantagista. Mas ai de você se contar alguma coisa. Pessoa que não facilita minha vida. Credo!

Sem que Marvin esboçasse qualquer reação, teve arrancado de sua mão o pano de secar louça. Mas a louça estava seca e guardada. Então Tino resolveu ir para a segunda tarefa e tentou enfiar lenha no fogão, só que já tinham sido recém-colocadas.

— Bom, veja você, Marvin. Justo as duas coisas que escolhi, você já as fez. Parece que não quer ser ajudado. Posso ir? — Tino sorria encarando seu irmão e encontrou uma sobrancelha erguida em Marvin. — Eu desisto, vou dormir até o meio dia, posso até morrer com tamanha injustiça.

Marvin deu um pequeno sorriso vitorioso e se encaminhou para a cozinha. Sentiu um grande orgulho de si, pois seu irmão ficando em casa,  pouparia a si mesmo de problemas. Podia ser "mudo", mas sabia assobiar muito bem e assim passou a manhã cuidando de seus afazeres domésticos.

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Oii Pessoal!!

Irmãos são amigos que a gente escolhe né? Eu tenho um que é meu tudo! 

Espero que gostem desse conto diferente, logo haverá interligação com a história de Betânia.

Muito abraços, carinho  a todos!!!!!!!

E hoje um denguinho pra Tamiresbcarvalho , muito amor e muita vida, moça! Não desiste daquele seu sonho e tenha muita força pra passar por tudo. És uma fortaleza! Uma grande e forte muralha! Fique bem!!! ♥

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