Está contido no homem
Motta ainda não estava certo do que fazer com as duas crianças. Ambas gritavam no banco traseiro, de fome, maus tratos e tristeza que eram sofrimentos demasiados para tão pequenas criaturas.
Seu dia havia sido agitado, pois pela manhã socorrera Deise, depois de passar as últimas nove horas vigiando sua casa à distância. Perdera algumas horas na casa de José e agora tinha dois pequenos, famintos e fedidos a infectarem seu carro com fraldas sujas.
Deise poderia se assustar com a chegada deles, então precisou de Lola. Ainda casaria com a bela "diaba braba", mesmo que ela não facilitasse, Lúcifer era paciente.
— Quem são? — Ela estranhou quando o homem entrou em casa empurrando em seus braços a criança menor que fedia horrivelmente. Os gritos não eram só por estarem de fraldas sujas e com fome, estavam assados e assustados.
— Sobrinhos. Meu irmão está perdido na jogatina e minha cunhada vive bêbada, eu os trouxe aqui para casa. Vou cuidar deles um tempo.
— Você! Porque eu me recuso a ser sua empregada. Deixe que dou banho neles e você, faça a mamadeira.
— Vou ter que sair, não tenho leite em casa e muito menos mamadeiras.
— Você é imprestável, onde está a bolsa deles?
— Eu esqueci de pegar.
Deise acordou com aquela gritaria e pediu para que o casal acalmasse o ânimos. Ouviu e aceitou a história de que os dois pequenos eram sobrinhos do delegado, ajudou a trocar fraldas, passar pomada e talco nos bebês e depois disso segurou o menino no colo que sugava desesperado o leite da mamadeira. Lola embalava a menina cheia de piedade por ela.
— O que é isso nas costas dele, tem três riscos? Seu irmão bate nele?
— Deise ouça, eles sãos os seus filhos. Aqueles que você achou que estavam mortos.
.....
Betânia sentia saudades de sua mãe, mas arriscaria sua vida e a dela se fosse visita-la, pelo que Bill lhe dissera. Passou o Natal um tanto deprimida ao lembrar de como havia sido o seu Natal anterior. Rafael estivera em plantão no hospital e por isso chegou dois dias depois. Ela aguardava um presente e ganhou uma transada apressada na cozinha mesmo. Depois ele banhou-se e caiu na cama. Sentiu muita solidão e aguardou com calma que ele se acordasse, nove horas mais tarde.
"—Queria ver minha mãe, esse é o segundo Natal que não a abraço."
Ele fez-se de surdo e ela com medo de ser repreendida, calou-se.
Meses mais tarde comemoraram o terceiro ano de matrimônio na mansão dos pais dele. Naquela noite, o marido lhe jurou que mudaria, disse que a amava e jamais lhe surraria outra vez, tudo ficaria bem agora. Adormeceram e então ela foi surpreendida por uma pesada mão que lhe tampou a boca, cordas, mordaça, um saco preto na cabeça e mãos que lhe carregaram, jogando o corpo nu de qualquer jeito dentro de uma Kombi. Fora o som que ela conseguiu identificar, lembrou-se do som do motor da Kombi de José que passava em sua rua todos os dias vendendo pães, nunca imaginou que ele participara de todo seu tormento.
— Bill, porque eu não esqueço tudo? Odeio minha memória, sofro tanto com ela.
— Vai superar, mas não esquecer.
— Posso dormir aqui na sua cama?
Bill arregalou os olhos com o pedido inesperado e precoce dela, mas não o viu com maldade.
— Venha. Mas aviso desde já que ronco alto.
De camisola nova, Betânia sentou e depois deitou-se ao lado dele e chegou só um pouco perto. Depois mais um pouco e mais... até que seu traseiro encostasse no corpo dele.
— Me sinto sozinha, queria um abraço.
— Menina manhosa, parece o Tino. Vem cá.
Bill a apertou em seus braços, beijou os cabelos e ela aproveitou-se para cheirar, esfregar o rosto e amassar o peito peludo dele. O cheiro másculo daquelecorpo a despertou e sem querer ela teve uma ereção involuntária. Não podia se enganar, queria-o. Tímida tentou recuar, mas estava presa pelo abraço poderoso do homem que invadia devaneios da jovem que sob as cobertas, na solidão de seu quarto tocava-se.
O som alto do ronco, a fez assustar-se e quase colar no teto como um gatinho assustado. Cansada pegou no sono, mesmo com a sinfonia dos infernos em seus ouvidos. Pela manhã, era Bill quem estava com olheiras e sentiu as costelas doloridas.
Betânia era tão bonita adormecida que parecia uma princesa de verdade, especialmente pela "delicadeza" com a qual lhe cutucara a madrugada inteira para que ele roncasse menos. Por isso, Bill, perdeu o sono e obrigado a ouvir os roncos dela que não eram mais baixos que os seus.
No café da manhã, três jovens bem humorados riam do bocejante homem que parecia ter passado a noite em claro. O urso riu com eles e logo ficou sério.
— Marvin, feche a casa e não abra haja o que houver.
— Bill, está nos assustando. — Tino ficou preocupado. — O que há lá do lado de fora.
— A morte de Betânia. — Ele baixou o olhar.
— Rafael?
— Ratos aparecem. Ninguém entra e ninguém sai. Fui claro? Não abram a porta.
O grande urso esperou Marvin trancar a porta e se afastou. Touro ainda estava calmo, Urso já levantara as orelhas, os animais agitaram-se como se uma tempestade de raios se aproximasse, os dois cães menores foram enxotados por Bill, pois estavam agitados. Touro rugiu e então o ronco de motores foram ouvidos. Eram pelo menos três. Jamais houve quem se atrevesse a aproximar-se da casa dele. Seria muito fácil que não lhe perturbassem, bastava que ele entregasse a mulher que se escondia ali.
O velho urso sabia que Serafim com sua sede por justiça, um dia lhe traria problemas. Esperou calmamente os três veículos pararem em frente à humilde porteira de madeira e se manifestarem. Não os temia. Muito menos permitiria que a levassem.
Desceu o declive e se aproximou de onde eles estavam.
— Boa tarde, caipira. — Um distinto homem lhe cumprimentou com arrogância. Os outros que juntos estavam, empunharam as armas. — Vim buscar minha nora. Pobrezinha, deveria estar de luto, vim trazer-lhe a notícia da morte de meu único filho. Se é que ela não sabe ainda. Ou planejou a morte dele.
Bill sabia que entre aqueles homens, haviam policiais que se amotinaram contra Lúcifer, perseguiram-no e também a Serafim. Mesmo que os delegadosfossem homens misteriosos, eles caminhavam sobre a terra, logo poderiam ser investigados e seguidos.
— Tenho uma boa notícia, senhor "bem vestido": seu filho está bem vivo. É aquele ali.
Dentre os homens, Rafael era o único a manter um sorriso em seu bonito rosto.
— Sinto muito, caipira. Descobriu muito rápido. Adeus.
Betânia, Tino e Marvin ouviram um estrondo alto, os cães latiam, mais tiros e silêncio do lado de fora da casa humilde de madeira que os abrigava.
— Ai, o Bill! Não! — Betânia tremia convulsiva. — O Urso? O Urso, eles mataram o Urso.
— Fique aqui! — Tino falou. — Ninguém entra e ninguém sai.
Lágrimas escorreram pela face de Tino e Marvin soluçou. Seguraram Betânia para que não abrisse a porta. Sem muletas ela caiu em frente a porta trancada e ali chorou, ouvindo tiros que deviam estar acabando com todos os animais do lado de fora. A culpa era dela. Porque nascera? Pessoas morriam por culpa dela. Isso precisava acabar.
Vozes de homens se aproximavam da casa, socos nas paredes e chutes na porta e janelas pareciam querer arrombar aquele lar.
— Betâniaahhh... amor... venha para mim.
Rafael!
Rafael sorria ao lembrar do quanto era bom atormentar sua pobre mulher quando a amarrou naquela árvore.
Se irritava ao lembrar da coronhada na cabeça que tomou para que a cena ficasse mais convincente.
"— Ramiro largue a vadia ou acabo com ela."
"— Me deixe em paz, são anos que me persegue, siga sua vida Rafael. Amo Betânia, amo! Não vou deixar que destrua isso. Eu não sou bicha. Aconteceu, mas éramos jovens, por favor, você é médico tem uma carreira e é uma pessoa importante. Deixe-nos em paz."
"Rafael chorou com amargura, amava aquele homem. O filho do oleiro. Tentou seguir à diante, mas não conseguiria sem ele. Tentou beijá-lo mais uma vez e foi rejeitado. A culpa era da mulher por quem Ramiro estava apaixonado. Quem sabe se o casal brigasse, ele teria uma chance."
"José era um infeliz que retirava os lixos hospitalares. Fora pego roubando e por isso, Rafael deduziu que ele não era um sujeito que prestasse. Alguns trocados em suas mãos o fizeram jurar amor eterno a Betânia. Ela o repudiou e ele resolveu agarrar a força. Pelo dinheiro que recebera ele seria capaz de violentar a mulher, mas quando forçou a mão entre as pernas dela agarrou o órgão masculino."
"— Aquilo é um homem, doutor, eu quase vomitei, senti vontade de dar uma facada nela, nele, aquela desgraça."
"—Ainda não. Preciso dela viva. Não chegue perto enquanto eu não ordenar."
"José sentia tanto nojo de ver Ramiro beijando aquela criatura a quem ele tanto desprezava e contou a ele sobre o beijo, na frente dela. Ele apanhou, Betânia lhe desmentiu sobre o beijo com medo e apavorada fugiu, certamente imaginando que José contaria a todos sobre seu pequeno segredo."
"Ramiro viveu por quatro anos um terror psicológico, perseguição da família da esposa que acreditavam na boataria que espalharam sobre ele ser um homem agressivo e infiel. Rafael arquitetou a morte do ex amante depois de fazê-lo crer que seus filhos haviam morrido. Ramiro se tornou perigoso quando começou a procurar a polícia. Orlando o velho delegado extorquiu a família de Rafael o quanto pode para não abrir o bico, sendo que já recebia muito dinheiro para fazer vista grossa quanto a Máfia dos Órgãos em sua cidade."
" O que Rafael não esperava, é que entraria um novo delegado e que o desgraçado não aceitaria seus "favores". Fernão o pai de Rafael foi quem lhe sugeriu dar fim na "tranqueira", referindo-se a Betânia.
"— Já se divertiu e matou a curiosidade com o maldito travesti. Se livre disso antes que seu nome vá para o lixo. Ah, e aproveite para se livrar do problema que arranjou. Ter um filho puto já degradante, mas é muito pior quando esse filho traz sujeira nos sapatos para dentro de casa."
"— Nela eu já estava pensando em dar um sumiço, mas Ramiro..."
"— Faça os dois sumirem ou quem vai sumir é você."
"— Fernão, sobre o que estavam conversando?"
"— Sobre sua nora, aquela abominação. Está de acordo que ela suma, Fabrícia?"
"— Não entendo o porquê de tanta demora em fazê-lo."
....
Serafim sabia que sem uma isca não colocaria as mãos no homem que tirava sua paciência. Sentiu que estavam lhe perseguindo e agiu de forma descuidada propositalmente. Chegou a salivar como se estivesse prestes a se deliciar com um prato da melhor iguaria. Mais do que isso, ele estava excitado. Nem se irritou ao lembrar da vagarosidade do irmão em conduzir aquele "Ato".
Quanto antes aquilo acabasse, antes poderia pegar Cesar à maneira que sempre teve vontade. "Maldita serpente!" Pensou, esboçando um sorriso. Se não fosse sua devoção à Lúcifer, já teria rouba-o para si.
Só esperava chegar em tempo de pegar todos os homens juntos para gravar seus rostos em sua memória. Gostava de caçadas lentas. O cheiro deles ficava mais forte quando se escondiam amedrontados. Como uma hiena que sente o cheiro da carniça, Serafim buscaria seus perseguidos, chegando perto e deixando que se afastassem pelo prazer de sentir seus medos.
Ligou para a delegacia da cidade vizinha e a voz macia e sibilante de Cesar lhe informou:
— Seu irmão já saiu daqui. Meu tigre demoníaco, você deveria ter saído também...
Serafim não usava armas de fogo, mas mesmo assim as carregava consigo. Entrou em seu carro e acelerou, fazendo o ponteiro do velocímetro marcar de forma crescente aqueles números que lhe empolgavam.
.....
— Rafael! Porque?
— Já imaginava essa pergunta, abra a porta e respondo.
Alguns policiais atiraram nas paredes de madeira, estranhando que nada acontecia com elas.
— Abra! Vamos, amor, abra! Não me irrite. O velhote está morto e vou trazer a cabeça dele para você. Ou você é fraca demais para ver uma cabeça decepada? Ei, corte a cabeça.
Rafael ordenou a alguém que trouxesse a cabeça de Bill.
— Não abra sua burra. Não! Não! — Tino gritou quando Betânia abriu a tranca da porta. Com horror gritou ao ver a cena do lado de fora. Homens invadiram a casa, Fernão surgiu com a cabeça de Duque, o doberman de Betânia e jogou aos pés dela.
Marvin e Tino foram rendidos e ajoelhados aguardavam a execução, quando um rosnado alto foi ouvido. Não era Touro, o cão de duas cabeças. Era algo maior que ele, estava furioso e parecia muito próximo.
O ronco de dois motores misturou-se aos rosnados cheios de raiva e latidos estranhos ecoaram. Touro, Betânia lembrou-se que ele latia quando Serafim se aproximava.
...
Oii de novo :3
Mais um revisadim e postadim. Aqui gostaria de me desculpar pelo atraso nas respostas, logo coloco em dia, sempre dou um jeitinho♥ Mas tô apurado por aqui com umas coisas, hehe. E também para terminar esse conto.
Um forte abração e ótimo domingo com churrasco e maionese a todos, hehe.
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