Bill, papai anjo


"Em um recente pesadelo, Betânia sentiu-se sugada por uma força sobre humana. Sua vontade completamente subjugada. Lembranças esbofeteavam seu rosto, machucavam sua alma e torturavam seu corpo lenta e cruelmente."

Encarar as memórias daquelas noites, era necessário. 

Acordou ruim do estômago ao lembrar de seu pesadelo. Bill lhe dissera várias vezes, que aquelas noites passaram e que ela não deveria se apressar para enfrentar um trauma, pois com calma tudo seria esclarecido. Porém, houvera a intimação do delegado que também é filho de Bill, por isso ela se esforçou para lembrar-se daqueles eventos terríveis.

Pela manhã não se alimentou e esteve calada o tempo todo. Acomodada na cabine do caminhão, se encontrava assustada e arredia.

— Calma, princesa do Bill. Serafim é justo... embora o tempo o tenha endurecido. Não é obrigada a permitir que a amargura dele lhe afete. Ouça-o. Conte exatamente o que lembrar e não se afobe. 

— É que não entendi...

— Vai entender quando ele conversar com você.

Na porta da delegacia, amparada por muletas, Betânia mantém o semblante triste.

— Espero você aqui. — Bill avisa, sentando-se em uma cadeira na recepção.

Ela dirige-se insegura até à porta com o nome "Serafim Motta", vira-se e encontra Bill lendo um jornal, temerosa supõe que ele vá lhe abandonar ali mesmo. Mal levanta o braço com intenção de bater à porta ela se abre. A sala parece vazia, mas com atenção repara que há um homem em seu interior. O porte esguio e a altura o fazem intimidador, óculos escuros escondem a cor de seus olhos, não há sorriso e nem cumprimentos. Há dureza nos traços. Ele sai de perto do arquivo de latão e senta-se a mesa.

— Por favor, sente-se. — Não há maciez na voz e sim autoridade, tal como a de Bill. Serafim empurra uma foto na direção dela. Rafael. 

Betânia com horror, olha para o homem da foto e o teme pela primeira vez. Serafim se levanta e busca-lhe uma xícara de chá.   

— A pior cegueira é aquela que não lutamos para superar. — Disse ele. — Quer continuar cega? Ou surda? Porque se quiser, lhe mando de volta para a casa do velho. Fique chorando mais um tempo por lá e depois volte. 

Betânia entendeu que chegara a hora de falar e ouvir a verdade.

— Rafael era a cabeça de uma cobra.

— Como o senhor sabe disso, dessas coisas todas?

— É essa pergunta idiota que tem para me fazer? Estou muito irritado, moça. Há alguns anos, um filho da puta roubou uma criança nessa cidade. O pobrezinho foi tirado da coitada da mãe logo que nasceu. Nunca consegui resolver essa merda e isso fez minha reputação ficar em dúvida. Em menos de dois anos, outro bebê foi subtraído e tudo que consegui descobrir até então, é que o médico que fez os dois partos, não fazia parte do corpo clínico desse "açougue". O desgraçado era escorregadio e me fez precisar daquele imprestável do Lúcifer.

O susto dela não foi possível disfarçar.

— Seu irmão?

— Infelizmente. Inserimos o Cesar no hospital daqui e alguns dedos apontaram para sua cidade, o hospital e o cabeça de uma equipe de cirurgiões. Convenci, meu irmão a ajudar-me, quando assumiu a delegacia. Descobrimos que doutor Orlando seu antecessor, era mais do que bem informado, fazia vista grossa. Pessoas "morriam" de parada cardio respiratória, quando "ralavam" as pernas numa queda de moto. Entendeu? Ou sabia disso?

— Eu não sabia. 

— É, não sabia... mas houve várias denúncias. Quando meu irmão começou a fazer alguns progressos, vocês desapareceram. O que sabe sobre isso, sabe que seu marido fodia com outro homem pelas suas costas? 

Betânia baixou os olhos entristecida. 

— Não, senhor. Bill mencionou apenas...

— Não lhe faria muita diferença saber que andava com um par de chifres, não é? Você viveu bem, comeu do bom e do melhor, usou roupas boas e um nome falso. Mentiu a uma cidade inteira sobre sua verdadeira identidade.  Diga-me, porque aceitava apanhar e foder com o mesmo homem por três anos?

— Eu... amava...

— Isso não era amor, é burrice! Nunca contou a ninguém?

— Os últimos dois anos, quase não vi a mamãe. Ela se tornou muito fechada e meu sogros aconselharam-me a não permitir que ela se intrometesse em meu casamento. 

— Orlando, o ex delegado era amigo da família?

— Era amigo de Rafael.  

— Hum... Fale-me: como era Rafael... 

— Ele... era bem nervoso, um homem "de lua", uma hora era difícil de aguentar e outras vezes era amoroso... mas eu nunca soube de mortes. Não consigo acreditar. Como o senhor sabe que ele me agredia?

— Já ouviu falar em investigação? É o nosso trabalho... Estávamos observando seus passos... Quando Lúcifer me informou sobre o desaparecimento do nosso "suspeito", poucas horas depois que a família dele deu queixa, ficamos em alerta por aqui e avisei meu pai...  Alguns agentes que trabalham com meu irmão, homens que não "procuram" direito, espalharam que você fugiu com Ramiro e o defunto encontrado era o corpo de Rafael. Será que consegue se lembrar de algo? 

— Lembro de um rosto e suas palavras.

" Oh que lindo casal! Pena que isso é errado, porque senão até eu casava com essa vadia. Acredita que eu beijei esse veado, doutor? Olha, eu não queria fazer isso, mas ficou muito ruim pra mim quando os rapazes descobriram que beijei um homem." 

"Foi ele!" 

José! José ajudou Rafael na encenação. Ela logo fora amordaçada, sua cabeça envolvida pelo saco de feltro preto e a partir dali tudo era confuso. 

O medo havia criado vozes, suposições e imagens. Lembrou até mesmo que a caixa de madeira e o corpo caído, o qual, seu pavor lhe fez crer ser do marido, já estavam ali quando chegara.

"Rafael olhou para o corpo nu da mulher que por fora nascera macho. Não sabia, nem saberia o que fariam com ela. Logo ela foi amordaçada e sobre sua cabeça, um saco de tecido grosso foi colocado para impedir que visse algo.

O homem no chão encontrava-se da mesma forma, amordaçado e com um saco de feltro que não o deixava respirar direito. Não conseguia gritar, só balbucios eram emitidos e lamentos que continham dor."

— Não sei quem era o outro homem, senhor Serafim. 

— Ramiro. — Serafim levantou-se e se aproximou. — Estenda suas mãos...

Ele examinou centímetro por centímetro da pele jovem, cremosa e bonita. Cicatrizes de queimaduras feitas com cigarro, cortes costurados nos ante braços, uma lesão que ainda clareava perto do ombro e riscos feitos por faca, no pescoço. Serafim a fez virar-se e desceu o zíper do vestido sem admitir que ela protestasse. Continuou a inspeção nas costas, onde enxergou vergões e mais lugares costurados. Desenhou cada marca com a ponta de seu dedo indicador. Ela se arrepiou por inteiro.

— Vira! — Betânia para a maioria dos efeitos, era macho e Serafim queria ver a extensão da maldade humana no corpo dela. Bill havia lhe pedido para cooperar e fazer o que o delegado pedisse. — Senta, por favor. Dê-me o pé que está ferido.

Como uma princesa que sempre fora, ela esticou o pé e Serafim ajoelhado, a fez pousá-lo em sua coxa, não desviando nem por segundos seu olhar dos olhos dela. Retirou com calma um sapato que seria pequeno para um homem, mas nela ficava do tamanho correto. Deslizou a meia e percebeu que Betânia virou o rosto molhado por lágrimas.

— Como suportou tudo isso? Tem muita vontade de viver, moça. — Serafim fitava com tristeza a mutilação na jovem. — Perdoe-me pela forma dura com a qual lhe tratei, mas precisava muito desse nome: José. Meu irmão vai até ele e quem sabe descobrimos mais alguma coisa. Na verdade só preciso saber o paradeiro de Rafael, o doutor. Me diga, o que lhe fizeram além desses cortes...

— Eles fizeram "atrás", o senhor sabe... Todos eles, eu acho. Depois enfiaram coisas grandes, mas eu não vi nada, só senti. Um deles descolou todas as minhas unhas e outro, perguntou se eu tinha fome, aí senti quando cortaram o primeiro dedinho do pé.

— Mataria cada um deles se pudesse? Usaria a mesma crueldade? — Serafim perguntou-lhe e ela se encolheu. —  Vou trazer esse Rafael para você... dos demais eu mesmo cuido.

— O que? Não... O Bill disse...

O delegado pareceu não gostar de ter seu pai mencionado, retirou os óculos e um par de miosótis azuis pousaram nela. Era um olhar triste, triste como se a maldade humana lhe causasse dor. A jovem pensou tê-lo magoado. 

— Não tenha pena de quem lhe fez essa barbaridade. Justiça requer pulso firme, coragem e frieza. Se me pedir ou se me permitir, posso fazê-la por você.

— Eu... vou pensar. —  Ela se viu sem saída, sem perceber que optara por uma excelente saída. Serafim era sedento por sangue e não a deixaria em paz.

— Cobrarei. Sei onde está vivendo e a verei outras vezes. —  Serafim finaliza e repõe os óculos escuros, escondendo a beleza azul  da visão dela e mostrando novamente a feia cicatriz na bochecha. 

A ela parecia impossível que o genitor do delegado, era o sujeito grande e simples que a aguardava sentado e que pacientemente lia um artigo no jornal. Os olhos escuros pareceram sorrir-lhe. Tanto calor, amor e bondade havia ali, que fez com que ela se atirasse em seus braços, chorando silenciosa e sentida.

Pai e filho se olharam sem que ela notasse e Serafim baixou a cabeça em sinal de respeito àquele homem que despediu-se.

No caminhão ela contou cada detalhe que lembrou-se e perguntou ao Bill sobre o filho mais jovem.

— Porque o senhor batizou seu filho com aquele nome?

— Rebeldia, princesa. —  Respondeu rindo. — Não houve uma igreja sequer, que quisesse batizá-lo, acredita?

— É que esse nome é assustador.

— Meu filho é bom. É um homem e como tal, é passível de errar. Mas é bom menino. Lhe dei esse nome para provar o quão grande é a ignorância de quem generaliza as coisas. Como pode um bom homem ter esse nome? Pode alguém ter esse nome e não ser mau? Lúcifer significa: aquele que traz a luz, o Portador da Luz. É um bonito significado para um menino que acaba de nascer e trazer luz e alegria aos pais, não acha?

— Sim. Só que eu ainda fico com receio de ouvir esse nome.

Bill gargalhou sonoramente e fez a jovem rir com ele. 

— Bill, você é um urso travesso.  

— Não... sou um velho urso travesso. Por outro lado, meu primogênito tem um temperamento difícil. Imagine que os Serafins são anjos de bondade extrema, grande sabedoria, também são aqueles que estão mais perto de Deus. Os anjos de fogo. Meu filho Serafim é uma dor de cabeça, acho que só o "fogo" que combina com ele.

— Seus filhos não se gostam?

— Já foram muito apegados um ao outro, mas eles se separaram e pouco se falam. Quando conversam o tempo "enfeia".

— Bill, seja o que senhor for, para mim... é um anjo de verdade. Obrigado papai Bill por ter me resgatado. Ah... não paro de chorar.

— Chorar lava a alma, chore, linda menina. Chore de alegria... amanhã é Natal!

....................

Motta ao chegar em casa,acompanhado por Deise, encontrou ali uma mulher irada e com uma faca na mão.

— Você me trancou? Tive que usar isso para arrebentar aquela veneziana. Aquela ali, é...

— Ela mesma. Achei que era seguro aqui. O mesmo que entrou em sua casa, está atrás dela e do menino. De fato, ele enlouqueceu.

— Então ela já sabe de tudo?

— Sei. — Deise respondeu. — Sinto muito por sua filha, senhora. Sinto muito mesmo.

Lola preocupadaencarou Motta, sentou-se no sofá da sala dele e continuou bufando. Quando fora na delegacia dar queixa de que um estranho havia entrado em sua casa, ele se ofereceu solícito:

"— Eu moro sozinho. O que você acha? — Ele sugeriu, escolhendo mal suas palavras, querendo apenas dar um pouco de paz a mulher cansada de sofrer. Sabia que ela recusaria, mas nem pensou direito ao oferecer o próprio lar como abrigo àquela mulher."

— Eu aceito. Mas não chegue perto, entendeu? Não confio em você. Vou por aviso na porta de casa, avisando minhas freguesas que precisei viajar. Motta, eu estou com medo. Ele quer a minha filha, fez coisas horríveis com ela. Eu entreguei meu maior e mais precioso tesouro a um monstro."

"— Olha, se não fosse tão importante achar esse vagabundo para livrar a cara do seu filho, ou filha, meu irmão ia adorar dar um "corretivo" nele. Mas... meu velho pai me ensinou que sempre devemos dar a outra face."

"— Seu pai que me desculpe, mas eu combino mais com o seu irmão."

"— Serafim? Ah Lola, não diga isso. O que o velho William nos ensinou, cada um só aprendeu uma parte. Acho que um equilíbrio é mais adequado. Bondade mais justiça igual a bom senso."

Ele interrompe os pensamentos dela...

— Vou acomodar, Deise em um quarto. Imagino que ela precise de paz tanto quanto você. Um sorriso safado enfeitou o rosto barbudo. Poderíamos dormir na mesma cama.

Lola com receio de perder a razão e socar aquele homem, calou-se. Motta continuou rindo e abaixou-se para não ser acertado por um sapato de salto que ela arremessou. Acomodou Deise e ao retornar, encontrou Lola folheando uma revista, de tão enfezada, não percebeu se tratar de uma Playboy até chegar no poster central de Magda Cotrofe pelada.

Ela não conseguia parar de pensar naquele sorriso, o charme e calor emanando forte do corpo dele. Percebeu que tinha que redobrar os esforços e não deixar que ele chegasse mais perto do que já chegara.

— Amanhã é Natal... é impossível não pensar nela. Mas agora sinto esperanças de revê-la, mesmo que demore. Me peguei a pensar no que me falou sobre si e seus filhos. Perdeu os dois, isso deve ser muito triste.

— Foi triste por muito tempo, agora são memórias. Hoje eu tenho você. — Lola baixou os olhos e segurou o choro. Motta se ajoelhou em frente aquela sofrida mulher e levantou o queixo dela. — É a mulher mais poderosa que conheci até hoje e a mais forte! Sua alma é de valor, senti isso no primeiro momento.

— Estou tentando não chorar e fica me dizendo essas coisas. Não sou nada de importante, sou só uma mãe e uma costureira, e pobre ainda por cima.

— Astuta. — Ele falou como nos primeiros momentos em que se viram. — Mesmo assim eu tentei do jeito mais safado, lhe atrair... me atrai muito

— Tente me beijar e vai levar uma bofetada.

Motta sorriu com a ameaça e calou a mulher com um beijo. Lola não percebeu ainda, mas sua alma já era dele. 

Ao interromper o beijo, pesou sua mão na bochecha do homem que dava risada.

— Por um beijo eu tomaria até uma facada sua. Deixe-me cuidar da vida e do meu trabalho. Pega isso! — Motta entregou-lhe uma arma. — Aparecendo o traste, atire no meio da cara.

— Eu? Eu? Não sei atirar.

— Está carregada e engatilhada é só apertar, segure com firmeza. — Motta terminou de falar e deu-lhe mais um beijo, pôs o óculos, sorriu-lhe quando saiu e trancou a casa.

— Filho da puta, me beijou... — Lola viu que sobre a mesa de madeira no centro da sala, havia um chaveiro e que esteve ali o tempo todo. Rindo-se, falou quando ele saiu — Lúcifer Motta, sua mãe podia ser uma santa, mas você continua sendo um filho da puta.

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Oiii pessoal!!! Tudo numa nice?

Tá ficando "coisado" o negócio" kkkk Mas é isso, a história foi conduzida de forma lenta onde coloquei bastante detalhes, então não posso correr para resolver, sendo que será resolvido em algum momento. Preciso resolver a parte mais pesada do "conto" para focar um pouco em alguns casais, trisais e esquentar as caminhas deles, né... hehe.

Beijos, amor e "murdidinhas" ♥



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