Capítulo 2 - Preto é a cor mais quente


Janette trazia um copo d'agua e um comprimido para a sala de estar, Marelyn dormia deitada no sofá e ela se aproximou.

— Marelyn... — disse ela e a balançou lentamente para acorda-la. — Tá na hora do seu remédio e daqui a pouco vamos passear.

Ainda sonolenta, Marelyn se ergueu e pegou o comprimido, depois o copo e o tomou.

— Eu dormi mal noite passada, tô morrendo de sono — disse Marelyn, a campainha da casa tocou. — Tá esperando alguém?

— Não... Deve ser esses vendedores ambulantes, vou ver.

— Vou pro quarto descansar um pouco, quando der a hora me chame.

Janette assentiu e foi atender a porta, a abriu.

— Surpresa!

— Simon?! O que tá fazendo aqui? — disse ela quase em sussurro com o semblante nada receptivo. — O Ryan podia tá em casa.

— Eu sei muito bem que ele tá assistindo o filme do Papai Noel do Gorro Preto com a Carolina, ela me disse — disse ele. — Fiquei com saudades e vim!

— Você sabe que é difícil...

— Na verdade não — interrompeu ele. — A gente não precisa ficar se escondendo, vamos assumir logo que tamos juntos, ninguém vai se importar com isso, tenho certeza.

— Você é amigo dele, da mãe dele, e eu sou a empregada deles... Não quero misturar as coisas, já te expliquei isso.

— Empregada não mais, cuidadora. E mesmo assim não vejo qual é o problema disso. — rebateu Simon. — Vai me deixar entrar ou vou ficar plantado aqui fora?

— Entra, entra... A Marelyn tá no quarto.

— Você poderia aproveitar e me ajudar com o Ryan, né, só pensando aqui... — disse ele enquanto era empurrado para dentro. — Ele ainda tá com raiva de mim...

Janette o puxou para o quarto de Ryan.

— Espera aqui.

Janette saiu e depois de alguns segundos voltou.

— Ela já pegou no sono de novo... Mas acho melhor você ir embora, ela pode acordar a qualquer momento e não...

— Nada disso — interrompeu Simon e a puxou para o perto de seu corpo. — Acho que a gente pode aproveitar esse tempo.

Marelyn se levantou da cama e trancou-se em seu quarto, abriu a última gaveta de sua cômoda, e de baixo de algumas roupas retirou um pequeno caderno e uma caneta. Sentou-se em sua cama, apoiou o caderno em seu colo e começou — na verdade, continuou — a escrever.

...se você leu, ainda estiver lendo, eu já estarei morta, seja naturalmente ou por outro meio...

Lágrimas começaram a cair dos olhos de Marelyn e ela parou de escrever, segurava o choro de todas as maneiras, evitando quaisquer barulhos, tentando manipular o seu sofrimento.

...Eu te amo, e é por isso que eu estou deixando tudo isso para você. Você precisa saber a verdade, a minha, a sua verdade. E é isso que importa...

A sala do cinema aos poucos se esvaziava, junto daquela multidão estavam Ryan e Carolina. Os dois, assim como todos ali presentes, haviam acabado de terminar de assistir o filme "Papai Noel do Gorro Preto", hoje foi a sua tão aguardada — e aclamada — estreia.

— Eu tô chocada até agora, Ry — disse Carolina entusiasmada, ela e Ryan já estavam fora do cinema e andavam pelo shopping. — Pra mim é o melhor filme do ano.

— Nossa, de longe o melhor... — disse Ryan em tom de ironia.

— Só não gostei que não mostraram o que tinha na página rasgada, eles meio que prometeram mostrar, mas tirando isso perfeito.

— Só você pra me fazer gastar duas horas de um sábado assistindo isso.

Ah Ry, vai dizer que não gostou?!

— Claro que não — resmungou Ryan. — Mas pelo menos não vai ser uma total perca de tempo.

Eles pararam em frente á uma loja de decorações, Ryan conferiu o nome e em seguida entraram. No ambiente tocava "Santa's Coming For Us", a música foi tempo suficiente para Ryan escolher e pegar alguns pisca-piscas e decorações de natal, por outro lado demorou quase meia hora para decidir qual árvore de natal levaria, até que junto de Carolina finalmente concordou em levar a tradicional verde e de tamanho médio, permitindo-os dar adeus á aquela loja.

Crianças brincavam com bonecos em mesas espalhadas, outras desenhavam, o cenário era calmo — e até mesmo introvertido —, mas tudo mudou com a chegada de Ryan, que fez com que algumas crianças corressem para abraça-lo.

— Tio Ryan!

— Surpresa! — disse Ryan e sorriu. — Trouxe uma... uma não, várias coisas que vocês vão gostar, me esperem aqui.

Ryan saiu daquela sala, deixando as crianças eufóricas, e foi para outra área do hospital, onde as sacolas que havia trazido estavam.

— Você já pode liberar as crianças que estão nas camas?

— Sim, só precisa aguardar um pouco e já levo elas — disse a doutora. — Mas acho que o Abraham não vai tá animado pra sair de lá hoje, okay?

— Por quê?

— Acho que tudo bem eu falar pra você... — disse a doutora e o chamou para mais perto. — Uma amiga que ele fez recentemente faleceu.

O entusiasmo de Ryan foi destruído no mesmo instante, ele passou a mão na testa e disse:

— Não acredito... Quem era ela?

— Louise. Era nova por aqui, mas o quadro já tava avançado... Infelizmente você não conseguiu conhecer.

— Preciso aparecer mais por aqui... — disse ele com uma entonação triste.

— Não se preocupe, você faz o que pode. Já passei por muitas mortes, até mesmo presenciei, e a cada criança que se vai daqui, mais forças eu tenho de continuar o meu trabalho.

— Como assim?

— Eu costumava me afetar muito, mas tive que aprender a lidar, como médica, eu precisava aprender. As mortes continuam me afetando, mas elas me dão cada vez mais ânimo pra fazer o que eu faço. Tenho que focar no que tá vivo, se eu quiser que menos mortes aconteçam.

— Mas... E a justiça pra quem morreu? Quem vai pagar?

— Câncer é uma doença, infelizmente acontece, ninguém tem culpa...

Ryan balançou a cabeça rapidamente e disse:

— Não... Entendi... Tava pensando alto. Posso ir lá falar com ele?

— Claro, pode sim, só tenha cuidado, é uma situação delicada.

Ele assentiu e saiu a caminho da sala de internação pediátrica, onde Abraham estava. Parou no corredor quando viu um homem levando uma das crianças da sala, foi até ele e disse:

— Quem é você?

— Não te interessa — disse o homem e seguiu em frente.

— Me interessa sim — disse Ryan parando em sua frente novamente. — Quem é você e pra onde tá levando esse menino?

— Você trabalha aqui por acaso? — disse o homem em tom de sarcasmo. — Sai da minha frente. Agora!

— Você não vai levar ninguém daqui, vou chamar os seguranças — disse Ryan e pegou o menino pelo braço. — Vem comigo.

— Você tá caçando confusão com a pessoa errada — disse, puxou o menino para si, e deu um soco em Ryan.

Ele quase caiu no chão, mas se equilibrou e foi para cima revidando o soco, no mesmo momento os seguranças seguraram o homem. O menino tinha uma expressão assustada.

— Que que é isso? — disse o homem em voz alta. — Me soltem.

Ryan puxou o menino para perto de si. A doutora chegou no lugar da confusão e disse:

— O que tá acontecendo aqui? Podem soltar ele.

Os seguranças continuaram o segurando, um deles disse:

— Ele tá arranjando confusão, acabou de dar um soco nele.

— É claro — disse o homem. — Ele tava me impedindo de passar.

— Ele queria levar esse menino daqui — disse Ryan de mãos dadas ao menino.

O homem riu e a doutora disse:

— Ele é o George, o pai do garoto — disse a doutora. — Eddie.

— O pai?! — disse Ryan, iniciando um sentimento de culpa dentro de si.

Os seguranças soltaram George, mas ainda continuaram presentes.

— É, o pai, agora dá um fora daqui antes que eu chame a polícia — disse George. Eddie se soltou das mãos de Ryan e foi abraçar as pernas de George.

— Calma, não é necessário — disse a doutora levantando as mãos. — O Ryan veio alegrar as crianças com enfeites de natal pro hospital, as crianças vão até ajudar a montar a árvore que ele comprou, já távamos planejados pra receber ele.

— Sim... Me desculpa, eu não imaginei...

— Eu não quero saber! — interrompeu George. — Se ele continuar aqui vou chamar a polícia.

— Eu pensei que... — disse Ryan.

— Você não tem que pensar nada — interrompeu novamente e pegou um celular no bolso. — Doutora, se esse homem não for embora agora vou deixar que a polícia resolva. Eu devia até denunciar esse hospital por ter passado por isso, sabe...

— Calma... Tudo bem — disse a doutora. — É melhor você voltar outro dia, causou muito transtorno hoje...

— Desculpa, eu realmente pensei que... ele... Esquece...

— Eu sei muito bem o que você pensou, já passou da hora da sua gente entender que cor não define caráter — disse George. — E que a porra da Terra não é só branca.

— O quê? Não, não foi isso... Não é por causa disso. Eu só...

— Não tenho tempo pra mais asneiras — resmungou George o interrompendo, puxou o seu filho pelo braço e saiu.

— ...Posso pelo menos falar com o Abraham? Acho que posso ajudar.

— Pode sim, você fala com ele e depois vai ter que ir embora.

— Tudo bem, vou deixar a árvore e os enfeites com vocês.

A doutora assentiu e Ryan entrou em uma das salas de internação pediátrica.

— Olá... Abraham tá por aqui? — disse Ryan, Abraham estava deitado e se virou na cama em direção contrária a ele, o ignorando.

Ryan foi até a cama, parou na frente dele e disse:

— Eu sei por que você tá assim... Entendo...

— Você já perdeu alguém? — interrompeu o menino, olhando diretamente para Ryan.

— Não exatamente — disse Ryan e o menino se desfocou dele, olhando novamente para a parede. — Eu nunca conheci meu pai, então eu não pude perder ele.

— Como assim? — disse Abraham, voltando a atenção á Ryan. — Como você vive sem pai?

— Posso sentar e te contar uma história?

Abraham assentiu e Ryan se sentou na cama.

— Quando eu era criança, mais novo do que você, minha mãe costumava me dizer que o meu pai tinha virado estrela antes de eu nascer... Dizia que ele sempre vai tá vivo, por que as estrelas sempre aparecem, então ele sempre vai tá lá... E é justamente isso que aconteceu com a sua amiga... Ela se foi daqui, mas tá lá no céu, sempre...

Com os olhos cobertos de lágrimas Abraham disse:

— Isso é verdade?

— Sim... É a mais pura verdade... — disse Ryan e pensou por alguns segundos. — E eu também trouxe algo pra te deixar mais próximo dela.

— O que?

— Eu trouxe pra vocês todos uma árvore de natal e, com ela, uma linda estrela, pra ser posta no topo da árvore... Ela vai representar a sua amiga, e assim ela sempre vai tá presente por aqui... Eu posso contar com você pra montar a árvore e os enfeites de natal?

— Sim... — disse Abraham, enxugando as lágrimas de seus olhos com as mãos. — Obrigado Ryan.

Ele se levantou, ficando sentado na cama, e deu um abraço aconchegante a Ryan, que retribuiu timidamente.

— Preciso ir — disse Ryan, reflexivo.

— Você não vai ficar pra colocar os enfeites?

— Não... Mas eu vou voltar pra ver como tudo ficou — disse Ryan e sorriu. — Por isso capricha, viu?

Abraham assentiu, Ryan passou a mão na cabeça dele e se levantou da cama. Ao sair daquela sala seu semblante se tornou inexpressivo.

A noite chegou, Ryan estava em seu quarto sentado na cadeira giratória enquanto refletia olhando para o teto e se auto girando. Não tem problema nenhum... É só uma pesquisada, pensou ele. Tirou o celular do bolso e o desbloqueou, uma mensagem recebida de Simon estava pendente, ele clicou.

oi, como vc ta? precisamos conversar direito. sdds

Ryan o respondeu:

Sentado.

Ele deixou o celular em cima da escrivaninha de madeira em sua frente, ao lado de seu notebook. Refletiu por mais alguns segundos, dessa vez parado, e ligou o notebook. Dane-se, pensou ele.

Abriu o navegador de internet, e digitou em um site de buscas:

Papai Noel do Gorro Preto

Várias notícias e acontecimentos relacionados ao livro e ao filme surgiram, Ryan apenas lia os títulos dos links, buscando algo incerto.

Maior livro do ano, best-seller mais curto da história dos Estados Unidos, veja todos os recordes do livro 'Papai Noel do Gorro Preto'

Depois de virar filme, 'Papai Noel do Gorro Preto' pode virar série

Ryan revirou os olhos e continuou.

Autor de 'Papai Noel do Gorro Preto' ainda é um mistério

Vcs acreditam no papai noel do gorro preto? | Fórum Curiocity – Os últimos curiosos inexistentes

Este último despertou o seu interesse e ele clicou. Com a sua curiosidade ainda mais aguçada, Ryan decidiu mergulhar naquela página, onde várias pessoas discutiam suas crenças sobre o caso.

Vcs acreditam no papai noel do gorro preto?

Silva2103: Eu: as vezes sim, as vezes não...

xpaolokox: dia 25 eu te conto

Pikacool: sim, pokemons também existem

Silva2103: [xpaolocox: dia 25 eu te conto]

vai morrer

Doucheman24: Vocês sabem que o site existe mesmo né?...

ladyblink: [Doucheman24: Vocês sabem que o site existe mesmo né?...]

a fic

BeaThroughSea: [ladyblink: a fic]

É vdd, mas só funciona na deepweb, eu li em algum lugar alguém falando que já entrou

ladyblink: [BeaThroughSea: É vdd, mas só funciona na deepweb, eu li em algum lugar alguém falando que já entrou]

fonte: vozes

Doucheman24: [Doucheman24: Vocês sabem que o site existe mesmo né?...]

Eu vi em um chan na deepweb, tinha gente que entrou, mas eu não consegui e também não queria...

Silva2103: [Doucheman24: Eu vi em um chan na deepweb, tinha gente que entrou, mas eu não consegui e também não queria...]

Vcs tão falando sério??

Doucheman24: [Silva2103: Vcs tão falando sério??]

Sim, pelo menos eu tô.

Silva2103: Mas oq tem no site?

Purple.land: dia 25 q me aguarde, bjs

35447486: [Purple.land: dia 25 q me aguarde, bjs]

ele só vai na casa se você entrar no site por web normal

Doucheman24: [35447486: ele só vai na casa se você entrar no site por web normal]

Você quis dizer na "internet normal"... E também fazer a receita, porque ele vai invadir suas câmeras e se não houver sinal de receita, ele não vem. Boa morte.

Doucheman24: [Silva2103: Mas oq tem no site?]

No chan falaram que é apenas de compras, ninguém postou print, só ficaram falando, mas eu nem vi tudo.

Silva2103: [No chan falaram que é apenas de compras, ninguém postou print, só ficaram falando, mas eu nem vi tudo.]

Compra de que?

vaderSon: Pelo visto só tem gente doida aq

Doucheman24: [Silva2103: Compra de que?]

Órgãos.

Marelyn abriu a porta do quarto e Ryan automaticamente fechou o notebook com uma forte batida.

— Boa noite, filho — disse ela.

— Boa noite.

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