I - Perseguidos

— O quê? — Sophia altera seu tom de voz, segurando pra não chorar. Ela coloca as mãos no rosto por um instante.

Eu suspiro e fecho meus olhos.

É difícil segurar o choro...

É tanta coisa acontecendo comigo de uma só vez. Eu não mereço todo esse sofrimento!

Sophia se aproxima de mim, preocupada, colocando a mão no meu ombro e perguntando:
— Você está bem? Me diga o que aconteceu.

Eu a olho no fundo dos olhos e digo:
— Um assassino fez isso. Eu o vi. Eu o encarei. E ele está vindo atrás de mim.

Sophia faz uma postura, dizendo:
— Não é seguro aqui. Precisamos fugir.

Eu levanto a cabeça, me recompondo e pronto pra ir. Eu digo:
— Estou pensando em procurar o Jun. Talvez ele possa nos ajudar.

Então, eu utilizo um poder da Rebellion ensinado pelo meu tio. Um poder que pode guiar o usuário ao seu caminho, mas que por um instante, ele falha.

Sophia me interrompe por um instante, dizendo:
— Eu estou com medo... — então Sophia fecha os olhos e suspira, dizendo — Acho que também estou sendo perseguida por alguém.

Eu faço uma expressão séria. Pergunto:
— Como você sabe?

— Um anjo me avisou. — Sophia responde. — E eu tive um pressentimento estranho desde que você saiu!

Um anjo?

Do nada, a Rebellion emite um brilho, me conduzindo ao demônio perseguidor, o revelando.

A Rebellion tem um poder de emitir um brilho e conduzir o usuário da espada a seguir um caminho ou revelar um inimigo. É um poder misterioso que Jun ainda não dominou e tampouco soube me explicar como funciona. O que importa é que funciona.

O demônio se revela num corpo de uma mulher com o corpo todo zumbificado, porém, renovado. Todos os traços de morte foram apagados e o corpo se encontra consideravelmente conservado, aparentemente hidratado. O demônio carrega dois tesouros sagrados, As Lâminas de Ramsés -- capazes de invocar espíritos e absorver a alma de oponentes derrotados.

Não pode ser...

...

Leviathan, O Pecado da Inveja

— Você tinha que aparecer logo no último instante, né, seu fedelho?! — Leviathan me provoca. Ela estava o tempo todo de tocaia esperando o momento certo pra pegar Sophia.

A questão é: Por que? O que ela quer?

Consigo ouvir os batimentos cardíacos de Sophia daqui. Ela permanece imóvel de tão assustada, vendo um demônio tão poderoso assim tão de perto pela primeira vez na vida.

Leviathan começa a gargalhar. Ela é um nojo de tão imunda. O Pecado da Inveja é talvez o pecado mais nojento e desumano, pois conduz a um comportamento nada saudável de rivalidade. A pessoa se inclina em querer algo que é do outro, e quando não consegue, se contenta em destruir o que é do outro para satisfação pessoal.

É por isso que o diabo nos inclina ao mal. Porque ele tem Inveja dos seres humanos, que ainda podem amar e ser perdoados por Deus. O diabo quer destruir isso para que tenhamos o mesmo destino que ele, no inferno.

Inveja é pecado pois é um desejo exagerado (que por sua vez, se torna um ciclo vicioso) por posses, status, habilidades e tudo que outra pessoa tem e consegue. Uma pessoa invejosa ignora suas próprias bênçãos e prioriza o status de outra pessoa no lugar do próprio crescimento espiritual. O invejoso ignora tudo com que foi abençoado e que possui, para cobiçar o que é do próximo. O invejoso pisa no próximo. O invejoso é falso. O invejoso faz fofoca. O invejoso não consegue cuidar da própria vida. O invejoso é também um hipócrita.

— Estou pronto pra cuidar de você. — eu digo, puxando minha Rebellion e fazendo posição de guarda.

Leviathan puxa as Lâminas de Ramsés e parte para o ataque.

Ela, velozmente, desfere alguns golpes consecutivos com as lâminas. Consigo bloquear alguns golpes com a Rebellion mas está se tornando cada vez mais difícil, pois a cada vez que eu bloqueio um golpe, ela já desfere outro com sua outra mão livre.

Um certo instante, ela consegue cortar meu casaco e faz um rasgo visível. Eu me afasto por um instante e digo:
— Até onde você vai com isso?

— Até onde for preciso, fedelho. — responde Leviathan. Ela se aproxima lentamente e se inclina, sorrindo — Esses tesouros sagrados seriam ótimos em minha posse.

Em um combate corpo a corpo eu teria problemas. Então, eu puxo as pistolas Ebony & Ivory e disparo incessantemente.

Leviathan não consegue se desviar de nenhum disparo. Seu belo corpo está todo baleado e furado. Até que...

... uma forte energia e poder mágico circulam o lugar, como se ela estivesse invocando uma força espiritual do além.

Uma forte ventania se forma e Sophia quase é levada pra trás. Eu a puxo e permaneço ao lado dela, dando apoio.

— Ela está sendo curada pelas almas vagantes. — Sophia diz, percebendo o que está acontecendo.

Leviathan abre os braços e as almas circulam em nossa volta em altíssima velocidade, quase como se estivéssemos no meio de um ciclone.

— Vou prender vocês em uma ilusão. — diz Leviathan, emanando boa parte de seu poder, fazendo com que o ambiente fique escuro.

É como se eu estivesse num tipo de vácuo, um lugar de esquecimento e onde não há nada.

Ouço uma voz ecoando no meio dessa escuridão de nadas. Ela diz:
— Você terá que lutar contra sua própria consciência.

Então, naquele vácuo, surge um outro eu logo na minha frente. É como se eu estivesse de frente para o espelho. Como se fosse uma duplicata.

A duplicata diz, com minha mesma voz:
— Você caiu mesmo nisso? Que vergonha. Não soube proteger sua mãe, nem sabe proteger a si mesmo. Coitada da Sophia.

Eu fico um pouco enraivecido. Puxo a Rebellion e parto para a batalha. A duplicata também puxa a Rebellion e troca golpes comigo por um bom tempo. O impacto de nossas espadas causam faíscas e sons fortes.

Eu dou um golpe por baixo, fazendo a duplicata recuar e imediatamente pego minhas pistolas réplicas da Ebony & Ivory e disparo um monte de vezes.

Mas... a duplicata também faz a mesma coisa. Ela recua e saca as pistolas também, atirando e fazendo com que as balas fiquem colidindo, numa mira impecável. É super improvável que tiros acertem outros tiros, mas aconteceu.

— Podemos ficar aqui o dia inteiro. — diz a duplicata.

Eu ranho os dentes e guardo as pistolas, dizendo:
— Mas que droga é você?

— Eu sou você. — diz a duplicata, também guardando as pistolas. — Sua alma doente. Seu lado humano e pecador.

Que jogada bem feita de Leviathan. Usou um poder de altíssimo nível.

O que meu pai faria?

— Não é a primeira vez que luto com minha própria consciência. Faço isso todos os dias, me martirizando a cada vez que erro. — digo, sinceramente, já que não consigo esconder nada de mim mesmo.

— Mas é a primeira vez que você se vê perdido. Ou você se resolve comigo, ou jamais sairá daqui. — diz a duplicata.

A duplicata caminha vagarosamente em minha direção, andando em círculos a minha volta, com as duas mãos para trás.

— Você não tem preocupação de como as pessoas te vêem? — pergunta a duplicata.

Eu fecho os olhos e respiro fundo, entrando no jogo. Respondo:
— Me preocupo até demais, infelizmente. — então abro os olhos e continuo — É por isso que fofocas são destrutivas. As pessoas comentam coisas que não sabem, criticam atitudes gratuitamente ao invés de olharem para o próprio umbigo primeiro.

A duplicata diz:
— Esse é um medo que você tem que vencer para sair daqui.

Como assim? Se importar com essas coisas é normal do ser humano.

— Todas as vezes que fizeram fofocas sobre mim, eu reagi da maneira mais madura possível. Não sei o porquê de eu estar nesse dilema com você. — digo.

Todas as vezes que estive trabalhando e ouvi comentários idiotas sobre minha maneira de trabalhar.

Todas as vezes que estive sorrindo e ouvi comentários ridículos sobre minha vontade de ser feliz.

Todas as vezes que falhei ou errei, e fui crucificado por isso mesmo sendo um erro comum e ínfimo.

A duplicata para de caminhar e fica de frente pra mim. Ela me encara e afirma:
— Sei o que está pensando.

— Você me entende. Você sou eu. Os fofoqueiros não entendem, pois nem sequer buscam entender. — digo.

A duplicata sorri.

— Exatamente, garoto. — ela diz. — Entendeu onde quero chegar?

Eu faço uma expressão séria. Penso por um instante e refleti.

Talvez devêssemos simplesmente aceitar e nos conformar com isso.

Existem pessoas que criticam, mas não ajudam. Pessoas que só olham os erros, nunca as qualidades. Pessoas que não conhecem sua história ou o que você passou, mas estão dispostos a darem palpites na sua vida como se tivessem esse direito.

Sabe por que essas pessoas são assim?

Porque elas não tiram um tempo com a consciência delas.

Elas não sabem olhar para si mesmo antes de olhar para os outros.

— Por que você me humilhou? Dizendo "que vergonha, coitada da Sophia" como se eu fosse totalmente incapaz. — pergunto.

— Você mesmo respondeu. — a duplicata responde. — Você mesmo se martiriza todos os dias com isso. Você mesmo se tortura com isso... E eu sou você.

Uau.

Respiro fundo.

As vezes não são apenas os fofoqueiros que dizem coisas absurdas sobre nós mesmos. As vezes nós mesmos fazemos isso... Seja por influência deles, ou apenas por uma frustração temporária juntamente de uma baixa autoestima frequente.

Não podemos nos deixar por convencidos quando os invejosos cobrem nossas cabeças de suas sujeiras e imundices. Precisamos ter consciência de nossas falhas, mas precisamos acima de tudo reconhecer nosso próprio valor. Sem isso, viver se torna insuportável.

Sabemos quando somos capazes de algo. Sabemos quando não somos. Enxergamos nossas limitações, mas as vezes não enxergamos as limitações do outro.

Somos todos hipócritas.

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