Capítulo único
O MUNDO PARTICULAR DE OLIVIER
Olivier está em pé no corredor de sua casa, em frente ao espelho. No local há pouquíssima luz. Ele está de olhos fechados, fazendo um joguinho consigo mesmo, de quem será derrotado pelo medo: ele ou a sua segunda personalidade?
Ele respira fundo, bem lentamente. Sente seu corpo vibrar. É como se cada membro e órgão de seu corpo estivessem em uma eterna festa escaldante de agonia, e os seus ouvidos agrilhados escutando violinos a tocar notas fora de harmonia. Enquanto isso, sua mente não desiste de acusá-lo, pelo simples fato de não conseguir encarar o mal que há nele mesmo.
Agora, ele está visitando sua terceira personalidade.
"Abra os olhos, abra os olhos!" – Uma voz, em tom de ironia, sussurra em seu ouvido.
Olivier, mesmo assustado, busca enfrentar seja lá o que for que esteja chamando sua atenção. Então, ele abre seus olhos. Ao abrir, observa através do reflexo no espelho, a parede que está ao lado dele. É como se no canto, entre o teto e a parede, estivesse estraçalhando, aos poucos, pedaço por pedaço e resultando em farelos cinzas espalhados pelo chão. Mas, logo adiante, uma grande sombra começa a penetrar pelos espaços curtos que se formaram pela parede.
Já consumido pelo medo, Olivier fecha seus olhos rapidamente, sem conseguir acreditar no que estava enxergando. Mas, num curto espaço de tempo, o que ele mais pressentia, acontece. Ouve passos indo em sua direção e, em seguida, sente uma respiração pesada tocar suas costas. Olivier não consegue reagir, fica paralisado.
Mas o pior chega a acontecer.
Ele sente uma mão grande e fria agarrar suas pernas; seguidamente, sendo derrubado por uma força imensurável, ao ponto de machucar sua testa, partindo-a ao meio. Olivier, já com fortes dores e lesões pelo corpo, entra em um estado de êxtase. É como se tudo estivesse girando ao seu redor, já não tem forças para lutar, nem gritar. Seus olhos vidrados já denunciam o conformismo com seu cruel fim.
Passando alguns minutos, o ser desconhecido volta a agir. Olivier sente seus pés serem agarrados novamente; em seguida, sendo puxado em direção a escuridão que há no fundo do seu corredor. Enquanto é puxado, sente seu sangue ser expelido demasiadamente por toda sua face; ao mesmo tempo que nota suas roupas serem desprendidas do corpo e sua pele ser arrancada dos seus ossos. Por fim, ele é absorvido pela escuridão total...
Para sua sorte ou azar, Olivier ressurge deitado sobre o solo de algum lugar desconhecido. Ele está completamente nu e desacordado. Mas, aos poucos, começa a recobrar os sentidos, é como se seus neurônios estivessem viajando num túnel do tempo. Sente seu sistema vital retornar e alcançando sua mente. E como uma fênix que renasce dos mortos, assim, ele volta à vida.
O ambiente do qual se encontra é beijado pela escuridão e banhado por tons de cinza. Fumaças percorrem por todos os lados e poucos são os raios solares que ali invadem. Há, também, muitas árvores pútridas e vegetações inutilizadas. Sobre os possíveis seres daquele lugar, não se pode afirmar se realmente há. É um mundo em completa decadência, sem esperanças de vida ou uma alma quebrada.
Olivier, ao recobrar os sentidos, ainda meio fraco e com a visão pouco embaçada, se depara com aquele lugar assombroso. Sua primeira reação é levantar num pulo descompassado. E já em pé, ele prende seu olhar estarrecido em cada canto. Não consegue nem sequer lembrar seu próprio nome. Mal consegue engolir a própria saliva.
Conectado às primeiras impressões, Olivier acaba desviando sua atenção para algo estranho que está a poucos metros de distância. Ao avistar com mais clareza, ele se preenche de um medo voraz, que leva-o a correr, instintivamente, pelo caminho mais próximo.
Em pânico, o suor cresce porejando em sua testa e axilas, nem sequer olha para trás, permanece focado a se distanciar o mais longe que puder. E a cada passo que dá, a sensação de está sendo perseguido só aumenta. É como se houvesse milhares de olhos o avistando ao redor, entre a vegetação alta da floresta.
Mediante a sua ânsia por salvação, seu coração inquieto começa falhar. O clima frio torna seu sangue inconsistente, ao ponto de fazê-lo perder os movimentos e cair. Olivier se machuca, acaba rolando pelo chão por alguns metros. Ao desacelerar, ele pára em posição fetal, atordoado.
Aos poucos, ele recompõe a consciência, reconhece um leve sabor de sangue escorrer pela sua boca, ao mesmo tempo que um forte cheiro de terra molhada penetra pelas suas narinas. Consequentemente, ele reage e começa a se arrastar, bem lentamente, buscando sair da estrada fria que está a céu aberto. Sua intenção é ir em direção da floresta.
Cansado e machucado, Olivier busca forças para se levantar, com a ideia de começar explorar a pequena floresta, em busca de qualquer ajuda e refúgio.
Já adentrando ao verde escuro da mata fechada, Olivier se encontra percorrendo entre uma árvore e outra. É notório a sua fragilidade, repulsa e tensão, ao tocar com seus pés e mãos em cada canto daquele lugar frio e estonteante. Suas narinas farejam podridão enquanto seu corpo transpira descontroladamente.
Passando-se longos minutos desde que iniciou a sua lastimável busca por refúgio, parece que a sorte começou a bater em sua porta. De longe, caminhando entre as grandes árvores pútridas, ainda com seus olhos pouco falhos, devido ao esgotamento físico, Olivier consegue captar reflexos de algo grande. Ele fica visivelmente desconcertado e cético, chega a passar suas mãos em seus olhos, na intenção de quebrar qualquer vestígio de ilusão. Mas a cada passo que dá, mais o tal objeto cria formas, até que num determinado momento ele consegue enxergar mais nitidamente, e fica difícil em não acreditar: é uma residência.
É, talvez o senhor destino tenha realmente um bom coração.
Mesmo com seu coração cheio de medo e seus olhos lacrimejando desconfianças, ele é tomado por uma coragem e esperança, que o faz correr incansavelmente até o tal lugar. Todo esgotamento físico expresso acaba sendo substituído por um pico de adrenalina e excitação. Ele está determinado a se salvar.
A tal residência é grande, da cor branco gelo. Ao redor há uma vegetação que dá um toque vintage. Ela evidentemente parece ser bem antiga. Suas paredes são enormes, devem haver uns dois ou três andares. É revestida por uma madeira bem refinada, que por sinal, quem morou ali deveria ser alguém de riquezas muito bem guardadas. No telhado há duas chaminés, um em cada lado; e ainda na parte de cima se percebe um pequeno local que se sobrepõe, aparenta ser um quarto ou um sótão. Já na parte frontal há janelas espalhadas, divididas igualmente: quatro na parte superior e mais quatro na parte inferior. E na parte debaixo, frontalmente, há um pequeno espaço: é um pátio com uma entrada tímida, bem modesta, porém convidativa, servindo de boas vindas para quem chega. Ah! Não posso esquecer de citar as colunas altas: nela, há uma varanda ligada ao segundo andar.
Ao chegar próximo da residência que não há nenhum cercado de proteção, Olivier decide entrar. Sobe uma pequena escada de três degraus, bem devagar e ofegante, quase caindo pelo chão, por conta do cansaço elevado. Já alcançando o pátio, ele levanta a cabeça, e seus olhos conseguem visualizar a porta destrancada. No mesmo instante, ele sente uma sensação muito ruim vindo de sua barriga, uma sensação que se aproxima do estado de fome, chega a parecer um presságio. Porém, mesmo desconfiado, ao se lembrar do ser desconhecido que lá fora avistou, ele ignora a mensagem e lá se instala.
Adentrando a residência, Olivier se depara com uma sala bem espaçosa. Há pouca iluminação, a sorte é que as janelas permitem a entrada de luz natural, que praticamente é quase escasso por conta do clima local. Dentro existe um grande lustre no teto, também há uma escada rústica bem no centro, que dá acesso ao segundo andar; e ao redor há algumas entradas, que são longos corredores para outros compartimentos da casa. Enfim, o ambiente tem um mal cheiro exorbitante, parece estar há anos sem limpeza. O teto está coberto por teias de aranhas; as paredes têm um tom branco suavemente encardido; e o solo se encontra em um estado degradante, ao ponto dos pés serem perfurados pelos estilhaços coberto por lixos.
Olivier, em meio ao seu cruel desbravamento, já bloqueando as vias respiratórias com as mãos, observa poucos objetos, artefatos esquisitos que transmitem um certo ar de mistério; além disso, há alguns móveis embrulhados por lençóis sujos.
Apesar de estar muito atônico, Olivier é tomado pela curiosidade, então ousa a tirar os lençóis que cobrem os móveis. Ao tirar, avista coisas que o deixa ainda mais preocupado. É algo como ferramentas de caça e alguns objetos de mutilação. Havia, também, potes com fetos de animais e alguns respingos de salivas misturadas com sangue. Ao se deparar com tudo isso, um arrepio circula dos pés a cabeça, ao mesmo tempo que sentimentos de medo e angústia tomam conta de si novamente.
É, ele não sabe mais o que fazer.
Pra completar sua desgraça, ele ouve passos pesados vindo do segundo andar. Além disso, as movimentações vêm acompanhadas de um som estridente como se fosse um machado sendo arrastado pelo chão.
Olivier, pressentindo o mal cada vez mais próximo, entra em um estado de desespero e calamidade. Suas lágrimas começam a escorrer pelo seu rosto. Sua primeira atitude é correr para o mais longe possível; ele pega o caminho mais próximo: um corredor que está a sua direita.
Já em ação, se arriscando a correr pelo longo corredor, o azar acaba batendo à sua porta: ele escorrega pelo trajeto, ao ponto de machucar sua costa; porém, Olivier não perde tempo, busca se recompor apressadamente, e no decorrer de seus movimentos bruscos, ele capta uma entrada bem ao seu lado.
Sem cogitar tanto, ele vai em direção ao local.
Olivier, ao entrar no que apresenta ser uma cozinha compactada, busca uma saída a todo custo. O local, de pouca iluminação, está numa situação precária e com forte mal cheiro. Nela, encontra-se muitas louças, ferramentas cortantes e alguns cacos de vidro jogados pelo chão. Um completo caos. Mas, uma luz no fim do túnel começa a surgir para Olivier, ao perceber uma porta que está a poucos metros. Então, rapidamente, sem se importar com os estilhaços no chão, ele vai em direção dela. Ao chegar próximo da porta, ele inclina-se, eleva sua mão e toca na maçaneta fria e enferrujada. Ele gira, faz um grande esforço, mas não consegue abrir. A porta está trancada. Olivier fica claramente mais nervoso e ofegante, dá para ouvir seu coração pulsar fortemente. Ele chega ao ponto de se ajoelhar no chão e implorar por sobrevivência, até mesmo se atreve a amaldiçoar os deuses. Contudo, ele não desiste fácil. Em meio ao desastre, Olivier caça algo que possa abri-la, pois arrombar seria impossível. A porta indica ser bastante antiga, porém muito resistente.
Se passaram alguns minutos, Olivier não encontrou nada que pudesse abrir a maldita porta. A situação deixa-o ainda mais furioso e desesperado, levando-lhe a buscar outros meios de fugas. Então, ele retorna pelo mesmo caminho que entrou, embora, na volta, decida pegar a esquerda. É um corredor que mal dá para se vê as cores do ambiente, mas se percebe através do toque que as paredes estão bem desgastadas.
No decorrer de seu deslocamento, um pingo de esperança ressurge dentro de Olivier, ao vê um vestígio de luz no fundo do corredor que, até o momento, ele não tem a certeza de sua origem. Ele fica empolgado e começa a correr mais rapidamente, ignorando o fato do piso não está em boas condições. A cada passo que dá, ele é consumido pela ansiedade e o desejo de liberdade. Suas lágrimas voltam a escorrer pelo seu rosto.
Para sua surpresa, ao chegar no fim do corredor, ele percebe uma janela pequenina que está alguns metros à sua frente; porém a tal saída de fuga está situada em uma posição elevada. Por um momento, Olivier se sente impotente, mas ele se nega a perder. Em seu coração ainda há uma faísca de bravura. Então, sem pensar muito, ele vai em direção da janela. Chegando lá, rente à parede, ele impulsiona seu corpo enquanto suas mãos, marcadas pela dor, se agarram na borda da janela, forçando as únicas energias que ainda lhe restam no corpo. Mas, num momento inesperado, no vai-e-vem de sua ação, ele se descuida ao avistar uma criatura horrenda que está indo em sua direção.
É, talvez o senhor destino não esteja a favor de Olivier.
A criatura tem acima dos 3 metros. Seu corpo é aparentemente, queimado, está em carne viva, porém coberto por uma capa escura. Em sua mão dá para notar uma ferramenta grande e pesada que serve como arma. E em seus olhos, escuro como as trevas, é visível a maldade. Já em sua boca há sangue escorrendo entre os dentes.
Diante disso, horrorizado e com o coração quase saindo pela garganta, Olivier consegue passar metade do seu corpo nu pela janela minúscula. No entanto, parte dos seus membros acabaram ficando presos, por conta da janela ser bastante estreita. Contudo, ao ouvir passos se aproximando cada vez mais, Olivier chega ao extremo do medo e adrenalina; portanto, sem raciocinar muito, ele busca forças até onde não têm, só para se livrar da morte. Em seguida, com muito esforço ele consegue se jogar para o outro lado, consequentemente se encontrando em uma área externa fria e nublada.
Com seu corpo jorrado sobre a terra e plantas pútridas, seus membros pedem arrego. Um corpo em calamidade: soado, cansado e ferido; mas um coração esperançoso, em farelos, ainda habita dentro de Olivier. Desabilitado, alguns momentos se passam e um leve pensamento, sobre toda sua trajetória, surge com toda força em sua mente; isso levá-o a recobrar os sentidos e a visão que tentavam dizer adeus. Isso foi o suficiente para o ressurgimento de Olivier. Em seguida, como uma explosão de energia, suas mãos se firmam sobre a terra e sua visão se estende ao horizonte pálido; e com impulso de seu corpo, ele se ergue e se apruma. Sem pestanejar, como se não houvesse amanhã, Olivier corre apressadamente pelo grande campo de vegetação, chega até esquecer o horror que passou durante às últimas horas. É, ele já não se importa mais com os riscos ao redor, tudo que deseja é se afastar o mais longe possível daquele lugar maldito. Caramba! Dá pra perceber um sorriso frouxo surgindo, quase que descontroladamente. É lindo de vê a esperança reluzindo através das lágrimas que brotam dos seus olhos. Lágrimas brilhantes de esperança. Seu corpo acelerado e em chamas, enquanto sua mente e o coração estão abraçados à esperança.
Mas, num determinado momento enquanto corre, olhando para frente fixamente, sem prestar muita atenção ao redor, Olivier acaba deixando passar, despercebido, uma presença duvidosa. E quanto menos espera, ele é atacado, de surpresa. Que desgraça! A vida parece odiá-lo mesmo.
Por conta da força do golpe, ele acaba voando uns 10 metros de distância.
Ele sente algo ultrapassar seu pescoço. Sente cada pedacinho dos seus ossos sendo quebrados, milímetro por milímetro. Seu corpo começa a expulsar sangue, freneticamente, em uma proporção gigantesca. Já não consegue mais produzir palavras. A sensação é de está sendo asfixiado. Ele começa a paralisar lentamente, soltando pequenos sons de agonia enquanto sua respiração dá os últimos gritos de esperança e seus olhos já não piscam mais...
Olivier está de volta para onde tudo começou; no corredor de sua casa, em frente ao espelho, ainda de olhos fechados. Aos poucos, ele retoma a consciência...
Olivier, natural de Manaus, é um jovem problemático de 23 anos. Mas sua vida nem sempre foi assim conturbada. Em sua infância, ele era aquele ser que tinha um sorriso frouxo, era um menino saudável como qualquer outro, que tinha sonhos e cores, tinha desejos e amores, tinha talentos e dons.
É, ele tem algo, do qual não sabe explicar e que o tempo só intensificou da forma mais negativa. Infelizmente, tudo isso se tornou dores.
Por conta de certas circunstâncias da vida, acabou tornando-se uma alma quebrada, irreparável. Tudo que restou dentro de si só foi medo. Levou tantas surras da vida, que acabou cogitando ser apenas um saco de ossos. E quem mais deveria amar e protegê-lo, foram justamente estes que mais vacilaram com ele: seus pais.
É, a vida nem sempre é bela.
Então, jogado ao vento e perdido no tempo, ele acabou mergulhando em si próprio, tornando a sua vida um purgatório.
Por fim, ele criou reflexos de si mesmo, os quais alimentavam sua carência existencial. Ele falava consigo mesmo, atacava a si mesmo, destruía a si mesmo. A vida o tornou seu próprio inimigo!
F I M
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