29.07.18 - Domingo
De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Eles descobriram
Boa noite, amiga.
É bem como você leu no assunto do e-mail. Agora o Nicolas e a Jaqueline sabem.
E não foi exatamente porque eu contei.
...
Lembra que eu disse que ficaria bem longe no sábado, para não topar com o Marcus?
Er... Espera. Melhor contar certo.
Atualmente, a casa das flores já não tem mais flores (ficou super esquisito, e agora o Gol do Nicolas cabe na garagem). Ao longo da semana, fomos passando tudo para meu quintal. Inclusive os morangos, que ficaram do lado oposto das flores. Se você ficasse de frente para meu portão, iria ver à esquerda várias fileiras com vasos de flores ainda muito pequenas, e à direita os morangos suspensos. E, ao fundo, minha casa já nem tão dark assim.
Na segunda-feira a Jack teve a ideia de comprar tintas brancas pela manhã. E não foram poucas... Uma parte era daquelas especiais para árias externas, sabe? Resistentes a sol e chuva. E, junto com eles, eu ajudei a pintar minha casa.
Sabe, até que essa tarefa em trio foi divertida. A Jack deu pra mim e pro Nick um lenço (pra proteger o cabelo... ou pro cabelo não atrapalhar a vista – não tenho bem certeza) e ela ficou com o lado de dentro, a começar por meu quarto (tirei tudo do guarda-roupas, para que ficasse leve de ser empurrado – assim não atrapalharia a pintura das paredes) e eu com o Nicolas cuidamos do lado externo (tivemos que usar extensores e escadas para as partes do andar de cima).
Tinta branca na madeira escura... Eu achei que não fosse dar certo, mas depois que fizemos uma lateral inteira, percebi que estava errado.
E a Jack não estava certa somente na questão da cor da casa. Ela também acertou em fazer a gente pintar o lado de fora juntos.
Tipo, nós não falamos sobre o incidente da sexta-13. Mas começamos a falar de outras coisas. Coisas bobas, mas que nos faziam rir.
Uma hora, quando o Nicolas estava alcançando a parte mais alta (na lateral da casa, próximo ao telhado, com um extensor e sobre uma escada) ele acabou derrubando o rolo de pintar. Gritou de cima "Cuidado!", mas quando percebi do que se tratava, o rolo caiu dentro do balde, na minha frente, e fez uma bela de uma sujeira. O Nicolas desceu rápido, ver se estava tudo ok comigo (como ele estava muito no alto, não viu onde o rolo tinha caído). Eu fiquei quieto esperando ele ficar diante de mim, e quando ele chegou, revidei sujando a roupa dele com tinta também...
"Eu não acredito que você fez isso, Zak!", ele disse, rachando de rir. E eu não sei por que, mas comecei a correr.
Aliás, mentira. Sei o motivo sim: eu queria que ele corresse atrás para me pegar.
E ele correu =)
Meu quintal (que mais poderia ser chamada de "mini-floresta" na parte onde não tem armações para vasos) é um lugar perfeito para isso. Tem um gramado bom de correr, e muitas árvores. Eu me escondia atrás de uma delas, e quando ele chegava perto, eu passava para outra.
Acho que foi a primeira vez que dei um sorriso sincero com ele desde aquele dia, na boate.
E teve uma hora que ele me enganou: fez que ia para um lado, mas correu para outro. E com isso conseguiu me pegar, e caímos no chão, rindo até quase nos faltar ar.
E ele me abraçou forte... "Que saudade que eu estava deste você, Zak... Que saudade!". Percebi, pela voz embargada dele, que estava meio que chorando. E, quando ele me olhou, tive certeza.
O Nicolas me deu um beijo tão suave que poderia parecer uma pluma se deitando em minha boca. Ele ainda parece tomar cuidado, mas naquele momento era eu quem estava sentindo falta dele. Aprofundei o beijo ao abrir minha boca. Eu queria sentir de novo a língua quente dele.
Ah, eu queria tanta coisa... De certa forma, minha vontade naquele momento era de virar éter e me fundir com ele, em um único ser sem a consciência da dor de existir.
E o beijo começou a ficar mais quente, até que as mãos dele tocaram minha cintura, perto de onde tenho uma cicatriz funda, e desceram um pouco mais, para perto de minhas nádegas.
E foi aí que senti o arrepio ruim. Lembrei de toda aquela sensação de asco, e afastei o Nicolas. Dessa vez, sem grosseria, apenas deixei claro que não estava bem para ser tocado daquela forma.
Ele ficou confuso... Amiga, você tem ideia de como me dói ver os olhos confusos do homem que amo? Ele me olhou quase como se perguntasse "Que foi que eu fiz?", e eu só sugeri que voltássemos ao trabalho...
Mais tarde, na hora do almoço, pedi que trocássemos: eu quis ficar um pouco sozinho dentro de casa, pintando as partes internas, enquanto os gêmeos ficaram com a parte de trás da casa. A Jaqueline ficou meio decepcionada, já que ela tinha a intenção que nos acertássemos... E até que nos acertamos. Mas... Eu não queria ficar vendo a cara de tristeza dele me olhando. Se continuássemos a trabalhar juntos na pintura externa, ele só sentiria mais dor na minha presença, não é?
E, lá de dentro, eu consegui ouvir, através da janela da cozinha, a Jack falando "Não entendo... Eu ouvi vocês rindo tanto antes da hora do almoço... O que aconteceu pra ele voltar a querer se isolar?". Eu não ouvi a resposta do Nicolas. Ele deve ter dado de ombros, porque aparentemente a Jack ficou satisfeita e não perguntou mais. Em vez disso, ela colocou aquelas musicas de pop coreano pra tocar enquanto eles pintavam (uma de ritmo bem animado... ela sempre ouve essas músicas quando está fazendo algum serviço da casa – já o Nicolas é mais de ouvir MPB 80' e 90').
Quanto a mim? Bem, acho que você já sabe... Geralmente é Trapt ou Breaking Benjamin que ouço. Se bem que ultimamente estou mais para Avenged Sevenfold.
No fim do dia minha casa estava com uma cara diferente. De um casarão terrível e assombrado (porque é feita de madeiras escuras) ela passou para uma bela casa de campo toda branca. É incrível como uma tinta pode mudar um local...
O interior da casa também ficou outra coisa. Até me sinto mais aconchegante aqui, agora. Antes parecia que eu estava afundando nas paredes, mas agora elas até refletem a iluminação. Ficou com uma sensação de mais espaçosa (e, por estar toda vazia ainda, essa impressão aumenta consideravelmente).
O único móvel que comprei para ela até agora foi uma mesa para a sala de jantar (a cozinha é pequena, não caberia, então coloquei no cômodo contíguo – que é junto à sala). Com isso, tenho um cômodo enorme contendo apenas uma mesa. O outro cômodo mobiliado é meu quarto (que só tem o guarda-roupas e minha cama – mais nada). O segundo quarto da casa está vazio e empoeirado. Eu não entro lá porque não há motivo para isso (a Jack entrou para pintar, e só).
Na noite daquela segunda para terça, dormi nos Belson. Dessa vez, eu insisti para que fosse eu a ficar no colchão da sala. Mas o Nicolas insistiu para que eu ficasse no quarto... COM ele. Quando ele viu minha cara (acho que eu devo ter ficado pálido, não tenho certeza) ele jurou que não faria nada. Acabei aceitando.
Quando nos deitamos (eu no chão e o Nick na cama dele, virado para mim e me olhando com um sorriso bondoso) ele afirmou com uma certeza surreal "Alguém mexeu com você naquele dia, né?". Eu levei quase um choque quando ele disse isso... E perguntei "Por que acha isso?". E ele explicou: "A forma como ficou, quando te toquei...". E, com isso, eu só fiz um "Ah", e desviei o olhar dele.
A mão do Nick veio, tão delicada e cuidadosa, no meu queixo... Ele fez com que eu voltasse a olhar para ele e chamou "Zak" com aquela voz linda que meu namorado tem. Eu fiz que não com a cabeça. Aquele momento, com ele, estava tão bom... Eu não quis estragar tudo, por isso apenas segurei a mão dele, e fechei os olhos.
Ele não insistiu mais. Mas ouvi ele respirando fundo, como quem busca paciência nos recônditos de si mesmo.
O restante da semana começou a ser mais movimentado. Eu aprendi algumas formas de anúncio no Google que pega o pessoal local, e começamos a ter algumas visitas. Deixamos o meu portão aberto, e instalamos uma placa com o nome "Belson Flora" bem chamativo. A localização de minha casa não é exatamente aquelas coisas (fica numa área residencial, no fim de uma rua sem saída, e não seria encontrado facilmente por transeuntes), mas com as propagandas conseguimos alguns visitantes. A maioria dos que vêm só para olhar acabam levando algo (o que mais tem saído são os vasos de morangos, porque eles estão maduros e lindos... chamam muito a atenção).
Por este motivo tivemos relativas distrações ao longo da semana. Eu e o Nicolas voltamos a conversar, mas sempre evitando aquele assunto. Ele às vezes passa por mim (porque fica mexendo em várias coisas, de lá pra cá) e dá uma olhadela sorridente. Tipo um "oi" silencioso, sabe?
Eu amo tanto isso... É tão simples, mas tão especial.
Ele é especial...
Na sexta-feira eu estava ocupado plantando alguns bulbos num vaso (a Jaqueline me mostrou como deveria ser feito) enquanto o Nicolas estava ocupado com a horta que ele está criando nos fundos da casa.
Sexta-feira. Era sexta-feira! O Marcus disse que viria no sábado, e eu estava preparado para sumir no sábado.
Mas foi na sexta-feira que ele veio.
Como agora este é um lugar voltado a comércio, o portão estava naturalmente aberto. Era um horário que não tinha ninguém (apesar de ter visitantes às vezes, estes são bem poucos).
Por estar ocupado com os bulbos, só reparei na presença dele quando estava do meu lado.
"Boa tarde, princesinha...", foi o que ele falou. Eu praticamente dei um pulo pro lado e meu coração quase parou de bater. Gelei completamente, e eu nem acreditei em como fiquei: minha mão gelou e começou a tremer.
Juro que eu não imaginei que fosse ter uma reação tão forte. Pedi pra ele sair de perto de mim, mas ele continuou vindo, um passo após o outro. Eu estava ao lado de uma daquelas estruturas para os vasos suspensos, então fiquei encurralado. De novo.
"Dessa vez eu não tô bêbado, princesa. Se você ficar quietinha e virar essa bunda pra mim, dessa vez vou conseguir meter meu pau aí". Ao dizer isso, ele me segurou pelo cabelo e forçou a boca dele na minha... E eu mordi ele.
Pra quê? Por que eu fui fazer isso...? O Marcus ficou com raiva, e começou a me xingar daquelas coisas de novo. Me deu uma bofetada tão forte que me derrubou. E aí, nessa posição, ele colocou o joelho nas minhas costas e abaixou meu short, me expondo.
Enquanto eu sentia gosto de terra na boca, ouvi ele desafivelando o cinto. Aquela impotência novamente, sem poder me defender... E voltou aquela sensação de que sou um desastre para mim mesmo, e que não sou bom o suficiente para me proteger sozinho.
E o fato é que não sou, mesmo.
Ele ficava me chamando de "viadinho desgraçado", e falou "Naquele dia eu não tive o bastante, já que o putinho é uma bicha difícil". E ele mais uma vez veio com a boca dele pra perto de mim, no meu pescoço, fazendo eu querer de novo arrancar fora minha pele...
Quando ouvi o zíper dele descendo, veio a voz do Nicolas: "Já ouvi o bastante", e ele deu com uma pá na nuca do Marcus, que rolou para o lado. Ele veio rápido para ver como eu estava, e odiei notar que eu novamente chorava desesperado (eu achei que dessa vez iria mesmo acontecer). Ele me ajudou a levantar (e a subir meu short, que eu nem lembrava mais que existia) a tempo de ouvir o Marcus rosnando e voltando com cara de quem queria briga.
A diferença entre o Marcus e o Nicolas é: o Marcus é mais fortinho (o cara é tipo rato de academia), só que ele é baixinho perto do Nicolas. Meu namorado não é tão forte quanto o desgraçado, mas não fica pra trás.
Eu não gostei de ver aquilo. Queria, sim, ver o Marcus sofrer de tudo o que fosse, mas acontece que o Nick também começou a apanhar... Estavam os dois rolando pelo chão, e, amiga... Eu nunca na minha vida poderia sequer imaginar ver o Nick daquele jeito. Ele parece que ficou com a íris vermelha, de tanto que era o ódio dele. A diferença entre os dois, no fim das contas, era essa: O Nicolas estava com raiva e frustração acumulados.
"Então foi você!", ele rosnava pro Marcus, metendo um soco atrás de outro na cara dele, que tentava se defender como podia. O Nicolas estava sentado no peito do Marcus, e parecia uma metralhadora de socos.
Eu tive medo de vê-lo assim. Uma parte minha estava gostando de ver a boca e o nariz do Marcus se empapando de sangue. Mas um outro lado começou a entrar em desespero. O primeiro golpe que ele tinha dado, com a pá, deu uma atordoada... E por isso ele estava na vantagem.
Se ele não parasse, eu não sei o que aconteceria... E a última coisa que eu preciso nessa vida, é de ser o motivo de o Nicolas sair encrencado (tipo: preso).
Eu tentei arrancar ele de cima do Marcus... Não pra defender o filho do demônio, mas para que o Nicolas não o matasse. Mas era impossível... Nunca imaginei que ele fosse tão forte (ou talvez seja só eu que seja fraco demais), e por isso comecei a gritar pela Jack. Ela estava na casa dela, com o Lucas, e torci para que ouvisse. A casa deles fica há uns 60 metros da minha, mas o corredor da rua meio que fez meus gritos reverberarem. Depois de um tempo, não somente ela chegou (sem o Lucas, ela deixou ele com fones de ouvido assistindo algo no celular), mas a Dona Maionese e outros vizinhos que só conheço de vista estavam lá.
Quando conseguiram arrancar o Nicolas de cima dele eu gelei. A cara do Marcus e a mão de meu namorado estavam encharcadas de sangue. E o Nicolas com a maçã do rosto inchada e o lábio cortado. O Nicolas gritava "Estuprador filho da puta, você ainda não viu nem metade do que vou fazer com você".
Eu quis tanto abraçá-lo, mas... Ele estava com um olhar de tanto ódio, que tive medo de chegar perto. O Nicolas é lindo, mas conseguiu ficar assustador naquele momento.
O Marcus olhou pra mim, limpou o sangue da boca (não adiantou nada, continuou muito vermelho e inchado) e falou que eu ia pagar por isso. Disse que eu deveria ter morrido naquele ataque, na Parada do Vale "Pena que ele não te cortou mais fundo, viadinho". E com isso o Nicolas conseguiu se soltar de um vizinho. Partiu pra cima e fez o Marcus voar com outro soco.
Dessa vez criei coragem, e fui até ele. Segurei o braço do Nick... Não que eu consiga contê-lo, mas quando ele sentiu meu toque e olhou para mim, percebi as feições do Nicolas mudarem. Ele relaxou um pouco, e colocou as mãos em meu rosto perguntando se eu estava bem.
Eu estava longe de estar "bem" com aquela situação toda, mas respondi que "sim" (afinal, no sentido que ele queria saber, eu estava bem – sem ferimentos e talz).
O Marcus saiu de minha casa sob o olhar dos vizinhos curiosos, todos cochichando e olhando para os três envolvidos (o demônio, o Nick e eu). Quando o Marcus se mandou com o carro dele, todos desataram a falar, perguntando o motivo da briga, e quem é que ele tinha estuprado (já que era o que o Nicolas mais gritava: "Seu estupradorzinho de merda").
A Jaqueline olhou pra gente, e diante de tudo o que tinha acontecido nas ultimas semanas (tipo: meu silencio incomum) acabou deduzindo em partes o que tinha rolado. Ela debandou a galera pra fora, pegou o Lucas com as coisas dele e deixou na casa da Dona Maionese (ela gosta do pinguinho, e já teve que cuidar dele outras vezes) e quando voltou para o Pântano dos Mosquitos trancou o portão, colocando uma plaquinha de "fechado". Depois veio para mim e perguntou apenas isso "Você o encontrou na boate, aquele dia, não foi?", e eu movi a cabeça em um "sim" meio desanimado.
Isso confirmou aos gêmeos o que tinha me calado por duas semanas. Naquele momento, com a briga ainda fervendo nos punhos ensanguentados do Nick, não dei explicações de nada. Eu ainda estava em choque (pela segunda tentativa do Marcus em mim, e por eu quase ter presenciado um homicídio). A Jaqueline era a que estava mais centrada ali.
Juro: se eu não fosse homo, certamente me apaixonaria por ela. Porque ela é, de fato, apaixonante. Ela estava tão séria, tão forte, que serviu como uma base para mim e para o Nicolas. Pegou nós dois pelas mãos e nos levou para a "casa-das-flores-sem-flores". Nos sentou nas cadeiras da cozinha, colocou água para ferver, e foi buscar algodões, faixas e gaze (tinha sobrado algumas coisas de quando ela me fazia curativos). Ainda mantendo-se séria, começou a cuidar das mãos e do rosto do irmão.
Estávamos os três num silêncio mórbido, como se tivesse morrido alguém. O único som era o apito da chaleira, e ninguém olhava nos olhos de ninguém.
Aquilo era opressor. Horrível. E eu me sentia cada vez pior, cada vez mais indigno de estar ali, sendo alvo de tantos cuidados.
Tudo o que eu queria naquele momento era tomar um banho e me isolar em algum canto. Quando percebi que ia começar a chorar de novo, levantei para ir embora, mas a Jaqueline disse: "Você vai ficar aqui, Isaac. Nem ouse se fechar de novo, entendeu? Senta aí agora senão eu vou te buscar, nem que eu tenha que derrubar a porcaria daquela sua porta e te arrancar pelas orelhas".
Eu fiquei tão pasmo com o que ela disse, que não consegui fazer mais nada além de voltar e me sentar de novo. Até minhas lágrimas, que estavam ameaçando cair, secaram de medo da Jack.
Um único olhar dela para mim fez eu entender que ela não permitiria uma nova reclusão.
O Nicolas estava quieto demais. A Jaqueline cuidava dele, limpando as feridas enquanto ele olhava para o nada (ele perdeu a pele dos nós dos dedos, de tanto atrito nos socos). Eu fiquei olhando para ele, e reparei, pelo maxilar tenso, que ele estava cravando os dentes.
Depois ele virou os olhos verdes para mim. Estavam com um brilho diferente. O ódio dele ainda estava ali. Aquele Nicolas que me dava medo ainda não tinha deixado o corpo de meu namorado.
"O cretino já fez algo para você antes daquele dia, na boate?". Eu fui rápido ao dizer que não. "Nada além dos insultos de sempre... Aquela foi a primeira vez". Ele disse "Bom", e voltou a olhar para o nada. Imagino que ele estivesse, assim como eu fiz semana passada, matando o Marcus de várias maneiras na mente dele.
Enquanto a Jack tirava a chaleira do fogo para colocar a água fervente em canecas com saquinhos de chá, olhou bem séria para mim e falou, no tom mais manso que ela conseguiu imprimir apesar do nervosismo geral: "Agora acho que é a hora de contar pra gente, Dáqui... Precisamos entender o que houve naquele dia".
"Ele tocou em você?", foi a pergunta áspera do Nick (ele perguntou com raiva, mas eu sabia que não era raiva de mim – ao menos isso eu sabia). Eu não soube bem o que falar... Responder "sim" não iria explicar nada. Afinal, estava óbvio que ele tinha tocado em mim. A Jack olhou de mim para o irmão, e acho que ela notou que eu estava engasgado com tudo para falar, e disse para conversarmos depois de um banho. Ela fez com que eu me banhasse lá mesmo, e depois vesti uma camiseta velha dela (as do Nick ficam grandes demais em mim).
Enquanto eu tomava banho, ouvi uma buzina de moto lá na frente, e quando me troquei e fui para a sala, vi três caixas de pizza sobre a mesinha e uma travessa com brigadeiros e um pote de Paçoquitas. Fiquei olhando para aquilo com cara de "hein?", e a Jack se aproximou, explicando que eram mimos para amaciar a conversa que teríamos.
O Nicolas não estava por perto. Estava somente eu e a Jack. Então... Não suportei mais. Eu abracei minha cunhada, essa mulher mais incrível do que qualquer uma com quem eu já tenha tido contato, e chorei o que tinha que chorar. Tinha muita coisa acumulada... Muita. Eu já tinha chorado antes, mas não daquele jeito.
Eu me senti fraco por me entregar a isso, mas ao mesmo tempo parece que a cada soluço, a cada grito que eu dava, algo ruim ia sendo drenado de dentro de mim. Tudo o que eu queria naquele momento, era sentir o abraço quente de alguém que demonstra se importar mais comigo do que minha própria mãe.
E, depois dessa sexta, eu meio que entendi por que a Jack é tão importante para mim. Ela não é somente como uma irmã para mim mas, principalmente, a mãe que eu nunca tive. Não importa que ela é praticamente só quatro anos mais velha que eu: ela tem sido mais mãe para mim em poucas semanas do que a minha foi uma vida toda.
E eu continuava a chorar, soluçando, e querendo agradecer por tudo o que esses dois fizeram e fazem por mim. Eu não mereço tanto... Não mereço os Belson.
Ela não dizia nada, apenas permitia que eu soltasse todo aquele veneno preso na garganta. Num dado momento, senti outro abraço vindo pelas minhas costas. Eu estava entre os dois, Nick e Jack. O Nicolas deu um beijo em minhas costas, e quando eu me acalmei um pouco ele perguntou "Que contar pra gente?".
Aquilo fez eu querer chorar ainda mais (ok, sou um chorão nato, confesso), mas desta vez era por um senso de gratidão. Eu apenas queria agradecê-los eternamente por existirem em minha vida.
Eu os amo tanto... De maneiras diferentes, mas amo.
E, antes que eu respondesse, meu estômago roncou. Foi um momento minúsculo onde rimos, pois eu não tinha comido nada desde o café da manhã, e naquele momento já passava das 21h.
Sem ligar a televisão, comemos quase em silêncio. Vez ou outra fazíamos algum comentário sobre a pizza estar gostosa, mas não passou muito disso. Foi depois que terminamos (com várias fatias deixadas para mais tarde) é que comecei a contar tudo o que você já sabe. Falei que foi no momento em que fui no banheiro, e falei como ele me abordou e me levou para uma cabine. E expliquei o que ele fez... Só contei detalhes porque a Jack fez perguntas específicas (constrangedoras, mas necessárias) sobre penetração, e essas coisas.
Bom, você sabe: não teve penetração porque ele estava bêbado demais (e eu, fechado demais) para que isso fosse possível.
Quando eu terminei de contar, os gêmeos o xingaram de várias coisas que eu já tinha xingado antes. A Jack explicou que de vez em quando ele vai à DouxFun (a boate onde tudo aconteceu), mas que nunca imaginou que ele estaria ali naquele dia, nem que ele seria capaz de algo assim. O Nicolas se levantou com uma almofada na mão e jogou ela conta a parede, com raiva. Depois meteu um soco no encosto do sofá, e gemeu com a dor que deve ter causado (ele estava – e ainda está – com as duas mãos enfaixadas por causa dos socos).
Os dois estavam transtornados, e mudos.
Já eu, me senti leve... Tudo o que eu carreguei no sufoco dessas duas semanas, saiu de minhas costas. A Jaqueline voltou a me abraçar, mas naquele momento eu já não queria chorar. Só queria descansar, pois toda aquela conversa havia sido absurdamente exaustiva. E, mais uma vez, passei a noite na casa deles.
Estava tarde, mas mesmo assim fomos bater na Dona Maionese (a Maria Onésia) para pegar o Lucas de volta. Fizemos de novo o que ele gosta de chamar de "festa do pijama", e desta vez a Jaqueline pegou o colchão dela e levou na sala também. Demoramos a dormir, porque ficamos comendo brigadeiros e Paçoquitas, e conversando sobre as coisas mais leves do mundo junto com o Lucas (que estava empolgadíssimo porque estava acordado após a meia-noite). E mesmo depois que o pinguinho dormiu, ficamos um tempo jogando cartas (é difícil jogar truco sem gritar, mas fizemos uma força).
Acho que esta noite serviu para me restaurar ao antigo "eu". Nós sabíamos que aquela história estava longe de ter um fim, mas nos demos esse tempo para acalmar os nervos. E no momento em que abandonamos o baralho para dormirmos, o Nicolas veio para o meu colchão e dormiu abraçado em mim. Ele falou, sem receio de a Jack ouvir: "Essa noite não vou largar de você".
Eu poderia morrer feliz.
Este sábado e domingo foi a continuação da "Operação restaurar o tio Dáqui" (como a Jack chamou), e ficamos de fato fazendo trivialidades. Fomos à prainha (e comemos raspadinha, aquele treco sem graça de gelo com groselha que o Lucas ama) e depois à galeria de artes (está tendo uma exposição de fotos de animais), e por fim voltamos para uma maratona de Shrek na Netflix.
Eu estava no sofá grande com o Nicolas (estávamos debaixo de uma coberta, e abraçados), e a Jack estava deitada no colchão com o sobrinho. Numa cena onde o Shrek beija a Fiona, o Lucas perguntou "Por que eles fazem isso?", e a Jack explicou com a maior simplicidade "Por que eles são namorados, ué". E o Lucas levantou a cabeça e olhou para mim e pro Nick. Disse, na maior inocência: "Ah, tipo o papai e o tio Dáqui?".
Minha... Nossa...
O moleque tem quatro anos.
Desde quando essas crianças ficaram tão espertinhas? Ou sou só eu mesmo, que era lerdo demais quando tinha a mesma idade?
Bom, tanto eu quanto os gêmeos ficamos meio mudos nessa hora. A pergunta do Lucas foi tão simples e tão despretensiosa, mas deixou os três de queixo caído. Quando o Nicolas finalmente recuperou a fala, disse "É, tipo a gente".
O Lucas apenas se voltou para a televisão e continuou assistindo. Não achou estranho, não fez tempestade... Nada.
Isso me deixou tão feliz. Estupefato, mas feliz. Fui visto por um olhar absolutamente puro, como sou: uma pessoa que gosta de outra.
Se pelo menos metade do mundo tivesse essa visão leve do Lucas, acho que não haveria nem guerras. Seria um mundo perfeito.
Naquele momento, assistindo a uma animação com meu namorado, cunhada e o pingo... Apesar de tudo que tinha acontecido (e tudo o que ainda teremos que fazer referente ao caso), eu me senti pleno.
Muitas pessoas querem dinheiro, bens, casas maravilhosas, carros incríveis, seguidores disso e daquilo... Mas a felicidade verdadeira não tem preço. Ela estava ali, diante de mim, na forma de três pessoinhas que começo a enxergar como minha verdadeira família.
Os três anjos que apareceram para fazer eu entender que existem, sim, motivos para viver, e que basta olharmos para o ângulo certo.
Hoje à tarde, depois que o Lucas foi embora, eles me disseram que vamos precisar ir à delegacia para contar o que houve: tanto na boate como no meu quintal.
Eu fico com uma dor no peito só de lembrar disso. Ter que reviver tudo, recontar para estranhos que nunca vi na vida as coisas que não queria nem falar para quem amo... Não vai ser fácil.
Tudo o que eu queria era estender os sentimentos de ontem para toda a vida e simplesmente esquecer que o Marcus existe. Fingir que nunca aconteceu. Mas a Jack disse que, se ele fez isso duas vezes comigo, pode voltar e fazer novamente (e pode fazer com outras pessoas).
Eu só concordei por este motivo, pois, por mim, eu enterraria isso para sempre.
Provavelmente é amanhã o dia em que vamos à delegacia.
Nem sei como vou olhar para a cara do policial quando chegar lá. Não deve ser uma coisa comum um cara chegar e dizer "quero relatar um estupro", sei lá.
É estranho.
É nojento.
Bom, veremos como vai ser né, amiga...
Obrigado por aguentar tantos e tantos parágrafos de tanta baboseira. Se não fosse por você, acho que eu teria explodido bem antes de ter conversado com os Belson.
Escrever para você é uma das razões de eu não ter endoidado de vez.
Obrigado, obrigado, obrigado!
Que seu início de semana seja lindo!
Boa noite, querida irmã anjo!
🙏
🙏
Hey, readers, fujoshis e fudanshis! Posso fazer um pedido?
🙏 🙏 🙏
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