24 de Janeiro, 2019 - Quinta (11h17)
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24 de Janeiro, 2019 – Quinta (11h17)
De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Aquele verme é LOUCO! E eu quase fiz merda, pra variar!
Era para eu ter escrito esse e-mail para você ontem, amiga. Mas eu estava meio fora do ar com o que aconteceu.
Foi no período da tarde, aqui no Pântano dos Mosquitos. Eu estava atendendo uma cliente da Belson's Flora quando ouvi o motor de um carro, bem longe. Olhei pra fora, pois de minha casa é possível ver a extensão toda da Rua Pelicanos, e ao longe um carro surgiu, acelerando cada vez mais. O carro se aproximou mais, e mais... E quando percebi que ele não iria parar, gritei pra todos saírem do caminho.
O carro entrou pelo portão aberto e destruiu uma parte das mercadorias. Arranjos, vasos, mudas, foi tudo pro chão. Algumas caíram em mim, pois eu estava ao lado da prateleira. E demorou um pouco pra eu entender quem era o palhaço no volante mas, quando percebi, meu sangue ferveu. Era ele, meu genitor que não vale o ar que respira, aquele desgraçado discípulo do capeta.
"Cadê você seu filho da puta?", ele gritou, saindo do carro que certamente foi emprestado de algum colega de bar, pois ele não tem carro. "Ingrato do caralho, mandou a polícia pra cima de mim? O que você andou inventando sobre aquele dia, seu merdinha?"
Ele gritava para todos os lados, pois não tinha me visto ainda. Eu estava atrás de uma das tábuas de madeira que caíram da prateleira. A Jack correu com o Lucas para dentro de casa, e o Nicolas, que estava perto de mim, se agachou a meu lado. Os clientes que estavam conosco vazaram. E me lembro de ver uns dois deles pegando um vaso do chão antes de sair. Ladrõezinhos escrotos.
O primeiro a se revelar para o invasor desgraçado foi o Jonas, que abriu os braços, inconformado, e perguntou:
"Tio, que merda pensa que tá fazendo, porra? Sabe quanto isso aqui vai custar pra gente?"
"Tô me fodendo pra essa tralha! Essa é a casa daquele merda que veio do meu saco, então tô cagando pra isso! Eu devia tacar fogo, isso sim! E cadê aquele aborto desgraçado?". Dava para ver a chuva de saliva caindo da boca dele. Acho que aquela parte da grama, onde ele estava, vai secar e morrer. Ele gritou: "Aparece se for homem, moleque! Aaahh, esqueci, você não é homem! É um sodomitazinho expelido pela puta da sua mãe!"
Esse tipo de ofensa vindo dele não era novidade para mim. Chamar minha falecida mãe de puta, falar que fui expelido em vez de nascer... Era apenas minha rotina antes de fugir daquela casa infernal. Nada que meus ouvidos já não estivessem calejados de ouvir. Mas o Nicolas me olhou assustado, provavelmente achando que eu surtaria ou coisa do tipo.
"Aparece!", ele continuou, pegando uma barra de ferro que escapou da estrutura de prateleiras, e batendo nos vasos, quebrando os que ainda estavam inteiros. "E traz aqui aquela minha mãe ingrata e traidora do caralho! Traz ela aqui!"
O Nicolas não aguentou mais ver a destruição de nossa mercadoria. Saiu do esconderijo onde eu estava e surgiu na frente do invasor.
"Olha só, é só gritar 'sodomita' que a rempa toda vem! Já tá conseguindo andar, sodomita? Aquela tua perna ficou fodida, hein! Que tal um braço quebrado também?"
Ele levantou a barra de ferro, para atacar, e meu coração gelou. Mas quando a barra de ferro descia com força, o Nicolas a segurou no ar. Ele tinha o olhar grave e sério. O mesmo olhar que ele lançava para o Marcus, naquela noite.
"Saia daqui... Antes que você faça mais merda. Você está bêbado"
"Se eu estivesse bêbado, não teria pego quatro horas de estrada até aqui, seu oxigenado nojento. Eu já fui caminhoneiro, sabia? Eu respiro a estrada, seu mongoloide! Posso beber o que for, que ainda vou dirigir melhor que você, seu bosta. E cadê aquela puta velha da minha mãe? Tá escondendo ela também?"
A essa hora, eu já tinha mandado uma mensagem para que minha avó trancasse as portas da Casa das Flores. Não que meu genitor soubesse a localização dela – ele pensava que ela estava em minha casa –, mas era melhor prevenir.
"Isaaaaac!", ele gritou de novo, tentando pegar de volta a barra de ferro que o Nicolas ainda segurava. "Você mandou a polícia na minha casa, não foi? Tá inventando mentiras sobre mim, seu merda? Você vai se arrepender disso, Isaac. Vai se arrepender! Vou contar que você empurrou o rapaz pra morte, seu assassino sodomita do caralho! Vou contar o que você fez naquela noite! Tá me ouvindo? Aparece, desgraça!"
E, de onde eu estava, saí.
"Eu já contei"
Tanto o Nick quanto meu genitor me olharam. A barra de ferro ainda estava segura com meu namorado impedindo que ele destruísse mais coisas, mas o desgraçado a soltou e veio pra cima de mim com os braços abertos, e expressão de puro ódio. Ele gritou, como um touro correndo para o pano vermelho.
Desviei fácil. Ele caiu de cara na grama.
"Seu desgraçado..."
"Eu não contei nada sobre você para a polícia, pai". Sim, usei essa palavra para falar com ele. Sei que ele detesta ser chamado de pai por mim, da mesma forma que eu detestaria que ele me chamasse de filho. "Acontece que a polícia soube que o Marcus foi falar com você dias antes do ataque, e querem saber detalhes, só isso"
"Só isso o meu rabo!" gritou ele, enquanto levantava e corria novamente em minha direção. "Vem aqui, seu..."
Assim que ele pulou, desviei novamente. Ele mais uma vez se esborrachou no chão. Eu poderia ficar fazendo isso o dia todo, que ele não me pegaria. Ele devia ter bebido muito. Fico surpreso de não ter causado nenhum acidente na estrada. No fim das contas, é meio verdade o que ele falou sobre ser bom no volante. Acho que trabalhar como caminhoneiro é a única coisa que ele fez bem na vida, antes de virar um alcoólatra e ferrar com tudo. Era uma época boa, essa em que ele trabalhava como caminhoneiro. Boa, porque passava a maior parte do tempo viajando com as fretagens, e eu quase não o via. Foi lá pelos meus dez ou onze anos que ele foi assaltado, perdeu tanto o caminhão quanto a mercadoria, e em vez de dar a volta por cima, caiu nas bebidas e começou a descontar o ódio do mundo em mim e em minha avó.
Não que antes disso ele tenha sido um pai para mim. Não foi. Mas a ausência dele era agradável. Havia apenas pequenos momentos de inferno quando ele voltava de viagem, uma vez por semana. Depois do assalto, a convivência com um bêbado rancoroso virou rotina.
Enquanto eu desviava do touro bêbado, pensei em criar uma armadilha para que ele se jogasse num tronco, em vez do chão. Olhei para a árvore espinhenta que tenho no quintal, olhei para o Jonas, e depois para o Nicolas. Eles entenderam meu plano. O Nick balançou a cabeça para os lados.
"Zak, não... Por favor!"
O Jonas se juntou ao pedido dele:
"Mano, para de graça... Não suja suas mãos com o tio... A Jack já deve ter chamado a polícia! Não faz isso não, primo..."
Respirei fundo, e um arrepio percorreu meu corpo ao perceber o que eu estava pensando em fazer. Desisti da ideia. Afinal, não posso sair causando acidentes com todas as pessoas que querem me ferrar na vida. Já chega ter um na minha conta espiritual. Como eu pude ter cogitado algo assim? Se meu genitor se lançasse com aquela velocidade no tronco daquela árvore de espinhos, a cena seria muito feia. Ele provavelmente sobreviveria, mas com sequelas.
Desviei da investida, e meu genitor raivoso caiu mais uma vez no gramado. Ele estava com o rosto vermelho de raiva e as roupas sujas de terra. Os olhos lacrimejavam, provavelmente porque a frustração era tanta que já estava vazando. A cada queda, ele se demorava mais para levantar. Estava ofegante, e não conseguia nem gritar mais comigo. Eu apenas olhava o touro moribundo, que agora agia mais como um porco abatido, correndo quase sem forças para me pegar.
Até que deixei. Não porque eu queria levar uma surra, nem nada. Mas porque me senti seguro ao ver o carro da polícia estacionando na frente de casa.
O porco abatido ficou mais surpreso por eu não desviar do que pela presença dos policiais. Ele não me agarrou com raiva, como achei que faria. Apenas se apoiou em mim, para não cair. Com o pouco fôlego que tinha, falou entre arfadas:
"Eu devia ter dado... algum remédio praquela puta te abortar enquanto era tempo... Ela também não te queria, seu bostinha! Você só nasceu porque... tua avó é uma religiosa molenga do caralho!". Sei que o Nicolas ouviu, pois estava perto de nós. Meu primo também deve ter ouvido, mas para ele esse discurso não era novidade, já que ouviu dezenas de vezes no passado. Então, meu genitor se afastou de mim e gritou a plenos pulmões: "Ouviu, mãe? TÁ ME OUVINDO? Esse aborto de satanás tá vivo por sua culpa!"
Não respondi nada, apenas senti o olho arder com as lágrimas que se formaram. Elas escorreram por minhas bochechas como ácido. Mesmo que eu já tenha ouvido isso diversas vezes, sempre é doloroso saber o quão indesejado fui antes mesmo de nascer. Sei que não foi por amor que minha avó impediu o aborto, mas sim por temer o castigo de Deus.
A policial com quem conversamos na segunda-feira, no dia que completei meu depoimento, se aproximou com um outro, e levaram meu genitor até a viatura. Olhei rapidamente para minha casa, dezenas de metros distante do portão de entrada. Consegui identificar a Jaqueline como um pontinho loiro espiando pela janela. Só depois eu soube que ela havia ligado alguma música na sala para que o Pinguinho não ouvisse as merdas que o touro bêbado gritou.
Os policiais conversaram conosco, dizendo que iriam detê-lo por apenas uma noite, devido ao alvoroço causado na vizinhança (mesmo minha casa sendo longe das demais, alguns vizinhos saíram para ver do que se tratava a gritaria – imagino que a Maria Onésia tenha se encarregado de espalhar a fofoca).
Quando foram embora, fechamos o portão e mudamos a placa de "aberto" para "fechado".
Ver os vasos quebrados no chão, as plantas que o Nicolas cuida todos os dias espalhadas pelo gramado, deu uma tristeza enorme. Sei que é besteira, pois ninguém se machucou nem nada, mas... Ahh... Por que todo tipo de merda tem que acontecer comigo? Eu me sentei no gramado, olhando para as prateleiras – metade destruídas – e escondi o rosto nas mãos.
Naquele momento, não chorei. Mas meu peito ardia.
"Ei, Zak... Vem cá..."
O Nick sentou do meu lado e me abraçou. Não falou mais nada. Então finalmente as lágrimas vieram. Um choro silencioso de frustração e indignação.
Mesmo de olhos fechados, notei outra presença ao meu lado. Era o Jonas.
"Aê, primo... Liga não... O tio é um babaca, e todo mundo sabe disso. Não dá bola pras besteiras que ele falou"
Eu sorri.
"Você é meu único parente que presta", murmurei, com voz embargada.
"Não fala assim. A vó te ama do jeito dela... Ela só é muito teimosa e cabeça dura, mas ela te ama, pô..."
Não respondi. As atitudes de minha avó sempre me deixam na dúvida se ela gosta de mim ou se me odeia. Uso a palavra "gosta" porque não ouso achar que ela me ama. Ao menos não da forma como avós costumam amar seus netos. Mas eu ficaria feliz em saber que ela ao menos gosta um pouquinho de mim por quem eu sou, e não porque é obrigada a gostar do neto por pura convenção sanguínea. Tenho certeza de que se eu fosse o Jonas ela me veria como o neto exemplar: estudou no exterior, tem um apartamento que comprou com o próprio esforço no centro de Eloporto, vai casar com uma deusa super gentil... Enfim. Todas as coisas para que minha avó o considerasse o neto perfeito.
Porém eu sou o único neto de sangue dela. O Jonas a chama de "vó" porque a adotou como tal desde criança, mas ele e filho da irmã de minha falecida mãe. Então sou o único ser que carrega os genes da família.
E como não vou ter filhos – ao menos, não de meu sangue –, é fim da linha para a geração dela.
Para uma senhora que cresceu pautada nas histórias bíblicas que tanto valorizam as gerações sanguíneas, eu devo mesmo ser um desastre biológico.
Não, não. Biológico, não. Sou um desastre bíblico.
Fiquei mais alguns minutos sentado no gramado olhando a destruição, até que finalmente perguntei:
"O que a gente vai fazer?"
"Botar tudo de pé de novo, ué", respondeu o Jonas.
O Nicolas olhou em volta e suspirou.
"Os vasos de barro quebraram, mas acho que dá pra salvar todas as plantas. Não é como se uma queda fosse matá-las", falou, tentando imprimir um pouco de humor na frase, mas logo notei que se arrependeu. "Ah, esquece... Falei merda..."
De início eu não entendi, mas ao repensar a frase imagino que ele pensou que poderia ser algum gatilho para eu lembrar daquela noite, com o Marcus. Dei um sorriso fraco.
"Relaxa, você não falou nada de mais", e olhei para a bagunça. "Desculpa por isso... É por minha causa que ele fez isso. Então... me desculpem..."
Meu primo deu um tapinha em meu ombro:
"Em vez de ficar pedindo desculpas, levanta essa bunda do chão e ajuda a gente a colocar tudo no lugar"
"Boa ideia", concordou o Nick. "Jonas, vai no depósito e pega uns vasos extra pra gente"
"Por que eu? Ah, ok... Entendi..."
Na hora eu não sabia o que meu primo havia entendido, mas no segundo seguinte ficou claro. O Nicolas sentou de uma forma que ficasse de frente para mim, bem perto. Encostou a testa dele na minha, e segurou meu rosto com carinho.
"Zak... Olha pra mim", pediu ele. Eu olhei. As duas safiras dele estavam úmidas. "Nunca, em momento algum, duvide que você é amado, ok? Não importa o que ele diga, não importa o que ninguém no mundo diga... O que ele diz ou faz não define quem você é!"
Sorri, passando meus dedos pelo queixo dele, sentindo a barba baixinha.
"Eu sei..."
E me beijou. Devagar mas intenso, como se quisesse demonstrar com os lábios que cada palavra que disse era verdade. E eu sabia que era. O beijo passou para a bochecha, e depois virou um abraço. Ouvi a voz dele, sussurrando tão baixo que mesmo alguém ao lado poderia não ouvir:
"Te amo, Zak... Nunca duvide disso!"
Não respondi, senão a voz iria embargar e eu choraria novamente. Apenas apertei o abraço e fiquei ali alguns minutos, até notar o Jonas vindo até nós com a Jaqueline e o Lucas. Traziam os vasos e algumas ferramentas para conserto.
Tivemos que acender algumas luzes para trabalhar durante o início da noite, pois todos concordamos que esperar até o dia seguinte seria insuportável. Não terminamos os consertos ainda, pois foram várias prateleiras pro chão, e muitos vasos desmontados ou quebrados. Então apenas organizamos as coisas, jogando fora o que estava de fato quebrado, e separando o que daria para usar. A sorte é que a plantação de morangos do Nick fica mais no canto, longe do portão, então a confusão sequer chegou lá.
Convidamos minha avó para jantar, como tem sido feito quase toda noite, e contamos a ela o que aconteceu. Ela se manteve quieta, em parte pelo horror de estar diante de um casal de homens (é sempre o mesmo olhar de julgamento, me pergunto se me acostumarei um dia), e em parte pela tristeza de saber que tem um filho mais inútil que o neto. Pedimos que ela continuasse sem entrar em contato com ele porque, apesar de o traste tê-la chamado quando veio, ele não tem como ter certeza de que ela está aqui (mas deve desconfiar, já que se deu ao trabalho de pegar quatro horas de estrada para encher nosso saco).
De acordo com o que a Lílian conversou com a Jaqueline no telefone, no depoimento que ele deu ao ser deito, na delegacia, definiram que ele foi coagido pela arma do Marcus, e que não tinha ideia do que seria feito. Na cabeça do traste, eles iriam apenas cobrar dinheiro de mim e me dar um susto com o rapto do Nicolas.
E por mais que eu o odeie, admito que acredito nessa versão da história.
Tenho medo do que ele possa inventar agora, mas não tenho o que fazer. Foi sorte de meu primo e o Nicolas terem percebido minha intenção ontem, e me puxado de volta para o juízo antes que eu fizesse meu genitor dar de cara com o tronco espinhudo.
Eu não sou esse tipo de pessoa, amiga. Não quero me tornar algo pior do que já sou perante os olhos de minha avó. E mais ainda: não quero que o Nicolas pense que sou assim.
Foi apenas um lapso. Tenho que aprender a me controlar.
Vou agora ajudar o pessoal na reconstrução da floricultura. Temos ainda que calcular o prejuízo também, e isso vai ser mais chato que a montagem das novas prateleiras.
Então... é isso, minha querida irmã espiritual. Um abraço, e que tenha um dia sem surpresas desagradáveis.
Muito obrigada por estar acompanhando o nascimento do livro:
"O Monótono Diário de Isaac"
🥰
Você pode me ajudar muito ao recomendá-lo para outras pessoas ^_^
💙
Depois dá uma olhada no link de minha Bio.
Pode ser que você encontre coisas interessantes por lá
❤️
KISSES~KISSES
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