24.05.18 - Quinta (manhã)



De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Ah, se meu olhar matasse...


Bom dia, amiga! Um lindo dia!

Ontem foi meu último dia no cemitério. Quando eu cheguei lá para cumprimentar o Seu Antônio (que é o que eu vinha fazendo todos os dias) ele ficou meio marrento. Eu não entendi na hora, mas depois me liguei que era o jeito estranho do velho ficar "sem jeito" por não querer dizer algo chato. Ele disse que depois de hoje eu não precisaria voltar. Deu um tapinha no pé e explicou que já estava bom.

Eu já sabia que acabaria essa semana, não foi surpresa, nem nada.

E justo no último dia eu presenciei uma cena bem diferente, lá. Tinha uma mulher gritando com um dos funcionários. Eu fiquei longe o bastante pra não entrar na dança, mas perto o suficiente para ouvir enquanto retirava uns matos e raspava cera das velas derretidas (que atire a primeira pedra quem nunca espiou treta alheia). A reclamação dela era que tinha uma camisinha (yep! Um preservativo) usada e toda suja sobre o túmulo do avô. Nossa, que sufoco o do funcionário, rs. Ela ficava dizendo "onde já se viu? Que pouca vergonha", e essas coisas.

Tá certo que ninguém quer encontrar isso no túmulo de um parente, mas que foi engraçado (o jeito que ela esguelava), ah, isso foi.

Geralmente é o Seu Antônio que faz as rondas noturnas do cemitério, sozinho. Mas o lugar é grande, e daria tranquilo pra dar umazinha num dos cantos enquanto ele andava pro lado oposto com o lampião.

Mas, convenhamos... Que fetiche estranho, o de transar num cemitério. Eu, hein. Nem morto (kkkk.... Ô piadinha besta!).

Na volta, eu me encontrei com o Nicolas no meio do caminho (voltando do mercado). Como nos últimos dias eu vinha voltando depois das 21h, isso não era possível, e antes de eu ter começado as horas-extra eu mudava bastante o caminho pra conhecer a cidade nova, então encontrá-lo nunca tinha sido possível.

Ele brincou, perguntando se eu tenho visto muitas "caras de velório" por lá (e infelizmente sim, porque sempre tem enterro), e quando eu contei que havia sido meu ultimo dia, ele me chamou para jantar na casa dele (não que o ultimo dia de trabalho de alguém seja motivo de comemoração... pelo que entendi, foi apenas uma gentileza, mesmo). Eu estava quase recusando, mas ele ficou me chacoalhando, e falando com voz boba e infantil "vamos tio Zak, vamos", e toda vez que eu ficava em dúvida ele dava risada e me chacoalhava mais (e repetia o "vamos tio Zak").

No fim, o Nicolas acabou vencendo. Eu não tinha motivos para recusar, mas não queria que parecesse que eu estou me aproveitando (sei lá, eu fico com esses receios na cabeça, com medo do que eles pensem de mim).

O sol ainda estava visível, um pouco acima da linha do horizonte. Eu ia andando com ele (levando a bicicleta ao meu lado) enquanto o ouvia falar... Aquele cabelo loiro brilha que nem cobre no sol do entardecer... A gente comentava sobre a partida de HoTS (que jogamos domingo). Ele disse que estava difícil se concentrar nos estudos, de tanto que ele pensava no jogo (eu entendo... é foda). E isso deu gancho pra eu perguntar a respeito: ele vai fazer o exame de vestibular no dia 1º de Julho. Pode parecer que ainda tem muito tempo, mas para quem está estudando para passar na universidade, é pouco. A Jaqueline já tinha comentado antes (quando minha mãe veio) que ele quer fazer Engenharia de Alimentos, mas ouvir dele foi legal. Ele comentou que o cultivo das flores (que era um negócio próprio da falecida mãe) deu início a esse interesse, mas que a ideia de plantar morangos partiu dele (e daí a paixão por cultivo aumentou, levando-o a fazer curso superior a respeito... lindo e inteligente!).

Quando chegamos na frente da casa dele eu disse que antes do jantar eu iria tomar um banho, mas ele me puxou e disse "nah, cê tá ótimo" (meu Deus, que vergonha.. Ele realmente me arrastou pra casa dele, sendo que eu estava suado e sujo de terra), mas depois entendi o motivo: ele queria surpreender a Jack. Ele abriu a porta fazendo mais barulho que o normal, e fez sinal para que eu não dissesse nada, apenas ouvisse. Quase no mesmo instante a Jaqueline começou a falar que ele tinha sumido com as coisas dela. Chamou ele de praga, e ameaçou esconder o controle do PS4. Eu tive que me segurar pra não rir enquanto ele me olhava com cara de falso inocente, girando o dedo na orelha (tipo quando fazemos sinal de "doido", sabe?), e aí a Jack apareceu (ainda dando uma senhora bronca nele) com uma toalha enrolada na cabeça (mas já vestida).

Quando ela me viu... Nossa, kkkk...

Amiga, eu nunca imaginei que fosse ver a Jack tão surpresa e constrangida. O queixo dela arrastou no chão, e o Nicolas começou a gargalhar como eu nunca vi antes. Eu fiquei parado na porta, assistindo enquanto ela corria atrás dele pra bater com um pente. Eu ri tanto daquilo... Ver o Nick daquele jeito foi tão lindo! Os dois irmãos brincando/brigando (ainda estou em dúvida). Fiquei feliz que o Nicolas tenha me chamado. Ele correu pra cozinha e ficava rodando em volta da mesa, depois pro sofá da sala, e ficava gritando pra mim "Tá vendo, Isaac, o que eu tenho que aguentar?", só que num tom de brincadeira.

Percebi que amo ele mais do que imaginava...

E ele veio até mim para "se proteger". Amei ele segurando em meus ombros e se abaixando para encostar a cabeça em minhas costas (ele é BEM mais alto que eu). Eu não sabia o que fazer além de dar risadas. E a Jack também já estava achando graça, chamando ele de "covarde insolente".

(e, nossa... eu estava cheirando suor... ele deve ter sentido, ao encostar o rosto em mim, óbvio... fiquei com vergonha disso, mas foi ele quem insistiu e não deu tempo pra eu tomar banho, né... T_T)

Neste momento (em que ele ainda me usava como escudo anti-Jack) alguém deu uma batucada lá na frente, no portãozinho de ferro deles. A Jack deve ter reconhecido o som porque fez um "Ih, o Xarope chegou. Nick, faz a entrega lá, porque eu não tô afim de falar com ele", e saiu (nessa hora eu já suspeitei que fosse o tal Marcus).

O Nicolas ainda estava rindo com as mãos em meus ombros. Quando ela se fechou no quarto, senti as mãos dele descendo devagarinho por meus braços... Ahh... Eu queimei em cada centímetro que ele tocava da minha pele, e arrepiei todo. Eu acho que ele notou que aquele toque mexeu comigo, porque me olhou de uma forma assustada, como se ele estivesse com medo de me machucar.

Sei que é besta de minha parte achar isso, mas foi a impressão que eu tive. Era parecido com a cautela que ele teve comigo no sábado, lá no parque. Depois de tudo o que fiz, devo ter ficado com uma etiqueta de "quebrável" na testa. Que inferno...

Eu não queria que ele parasse, mas o som de batuque no portão continuou insistindo, e o Nick foi abrir a porta (ele parecia estar daquele jeito confuso de novo... e isso ME deixa confuso também, porque num momento ele me beija, me acaricia nos braços, segura minha mão daquele jeito no parque, e no momento seguinte sai como se estivesse com medo - está me dando nos nervos, e me deixando louco).

Bom, no fim eu espiei lá fora e: bingo. Era realmente o Marcus. O brutamontezinho de academia (daqueles que anda com os braços meio abertos pra todas as "minas" verem o bíceps), orc machinho e desgraçado.

(desculpe se te assustei com essas coisas... mas você vai entender minha raiva)

O Nick cumprimentou ele, e abriu o portão. Os dois vieram até uma parte coberta da varanda para pegarem um carregamento de violetas, e o Nicolas pediu uma ajuda pra mim (tinha vários tablados de madeira com encaixe para os vasinhos), e eu fui. Quando cheguei na calçada, coloquei as flores na parte de trás da Saveiro, e o Marcus esperou o Nick sair pra falar "Não acha que tá olhando demais, bichinha? Eu e o Nicolas gostamos de buceta. Bu-ce-ta! Então vai dar essa bunda em outro lugar".

Aquilo me deixou absolutamente pasmo. Não fiquei triste. Fiquei com RAIVA daquele filho da puta. Aí ele voltou pra varanda do Nick para pegar mais coisas e ainda teve a audácia de olhar atrás de mim e falar "e que bunda, hein, veadinho?".


...


QUE

ÓDIO

DESSE

CRETINO!


ÓDIO!!!!


Minha vontade era simplesmente a de pegar um daqueles tablados e dar na cabeça dele. Mas eu me segurei e tentei ficar tranquilo.

E não adiantaria chegar nele falando um monte de merda, nem dar uma de espertinho com uma respostinha "inteligente". Não ia sair nada além de um barraco se eu ficasse respondendo o cretino, porque eu só iria alimentar a fogueira (aquele retardado olhou MESMO pra minha bunda - e falou AQUILO).

Quando o Nicolas voltou com outro tablado de violetas e me viu parado sozinho, com aquele olhar (eu devia estar muito assassino) perguntou o que aconteceu. Eu fiz uma força descomunal pra dar um sorriso respondendo "nada, não", e voltei pra ajudar com o restante. O Marcus veio voltando com o penúltimo tablado, e eu falei para somente ele ouvir "Você é o típico enrustido que bate uma pensando em cu de homem!", e ele fez uma cara de bosta, mas depois disfarçou com uma risadinha nojenta, e ainda respondeu: "Deve estar piscando a bunda de vontade enquanto me olha, né bichinha?".

(o que teria acontecido se eu tivesse metido um chute no saco dele naquela hora? Putz... ele morreu mil mortes na minha imaginação)

Não adiantaria tentar revidar, porque ele sempre iria ter qualquer porcaria pra falar de volta. Não tem como dar sermão pra quem tem o único objetivo de provocar... Morder a isca dele era a pior coisa que eu poderia fazer.

Mas que ele é um enrustido, ah é, com certeza. Porque um cara bem resolvido não sai por aí secando a bunda de alguém que acabou de chamar de "bichinha".

O Nicolas olhou meio estranho pra gente (aquele olhar analítico, mas dessa vez com a testa enrugada). Deve ter notado que trocamos algumas farpas no caminho...

E por sorte o Anencéfalo já estava de saída. Mas antes de entrar no carro fez questão de falar em alto e bom som: "E aê, Nick, curtiu aquele pornozinho que te emprestei? Vadia gostosa, aquela japa, né?".

(dá pra odiar mais uma pessoa?)

O Nicolas ficou visivelmente sem graça com aquele comentário do Mr.Odioso. Ele me deu uma olhadinha rápida (mas logo desviou) e tentou mudar de assunto falando alguma coisa sobre umas outras flores, que ficariam prontas na semana que vem... E o Imprestável deu risada da cara do Nick pela tentativa de fuga. "Tá com vergonha de quê, Nicão? Só tem homem aqui, não é? Ou será que tô vendo uma putinha entre a gente?".

É claro que o cretino olhou pra mim. Mas ele foi bem rápido pra se safar: deu a partida e se despediu do "Nicão" (... ¬¬) dando uma buzinada. A gente ficou parado na calçada, vendo a Saveiro se distanciar, e o Nicolas pediu desculpas. Disse que sabe que o Marcus é "esse tipo de pessoa", mas que não tem como cortar a relação porque a família do filho da puta tem aquele negócio de floricultura na cidade vizinha, e são os únicos pra quem o Nick e a Jack vendem o que produzem. Ele parecia arrependido, como se tivesse sido ELE a falar aquele monte de asneira. E falou: "Não dá bola, ele é cheio de problemas com as dezenas de namoradas dele, e por isso acaba descontando em todo mundo".

Eu não queria desiludir o coitado do Nicolas, falando a real. Eu não queria que ele tivesse conhecimento da extensão da minha raiva e desgosto, nem do quão cretino o Marcus poderia ser (por ter me insultado e depois me secado).

Mas por dentro eu estava gritando (aquilo NÃO É frustração... é HOMOFOBIA, mesmo). Eu não só estava gritando por dentro, mas assassinando aquele demônio de várias formas diferentes. O pior é que ele tem umas duas vezes o meu tamanho.

Pra desviar o assunto, eu falei que iria pra minha casa tomar um banho (eu realmente estava precisando de um). E ele disse que se eu não voltasse dentro de meia hora, ele iria me buscar (ele falou num tom de brincadeira, mas eu fiquei imaginando ele entrando e me arrancando do banho... ok, parei). E eu fiz isso mesmo: fui rápido pra minha casa, fiz o que tinha que fazer e voltei quando já estava anoitecendo.

A partir daí, foi tranquilo. Sem nenhum Marcus pra encher o saco. A Jack tinha feito um arroz à grega com uva passa (amo agridoce) e frango frito. Sentamos os três à mesa, e ela disse que era raro eles comerem ali (na mesa), e que estavam fazendo isso por causa da visita (eu). Comentei que eu sempre como na varanda de casa, sentado no parapeito de madeira (ou na cama, quando está mais frio), e ela disse que nunca viu casa tão "desmobiliada" como a minha (enquanto isso, o Nick ia separando de lado as uvas, e eu pedi pra mim - porque realmente amo aquilo no arroz). Depois de comer eles fizeram questão que eu visse alguns episódios daquele desenho que eles falavam tanto (Rick&Morty). Eu achei que iria ser meio bestinha, mas acabou que o desenho é muito legal.

(a Jack me agarrou pra eu sentar com ela, e o Nick ficou sentado no chão, sobre o tapete felpudo... ele ficava naquela coisa de esbarrar "sem querer" em minha perna esquerda de vez em quanto... Sou bobo por amar esse joguinho? ^_^)

Quando deu onze da noite, levantei para ir embora (eu estava começando a ficar cansado, e ainda queria escrever este e-mail para você). Foi aí que a Jack falou "Tem que estar inteiro pra pegar no batente amanhã", e eu lembrei que só tinha falado para o Nick sobre ontem ter sido meu último dia no cemitério. Expliquei pra ela, e disse que a partir do dia seguinte (hoje) eu teria que começar a procurar algo novo.

Ela fez uma cara de pensativa, e disse que vai ver o que pode fazer por mim! Nossa, fiquei realmente empolgado. Ela trabalha num escritório, então... Talvez haja algo relacionado para mim.

Eu me despedi dela ainda dentro da casa, e o Nicolas foi comigo até o portão, já que ele teria que trancar. Ele perguntou se eu não estava chateado mesmo com aquilo do palerma (ele não usou essa palavra). Pensei em dizer que estava "tudo bem", mas achei que mentir TANTO seria ruim (afinal, não está NADA BEM aquele demônio falar aquelas coisas). Optei por dizer que: "Não é como se eu nunca tivesse ouvido aquilo... Vou ficar bem. Ele é um babaca ignorante". O Nicolas riu e disse que percebeu que de fato o cara é um babaca mesmo.

E surgiu aquele silêncio...

Ele ficou me analisando com aquelas duas fubecas verdes, dele. Ele encarava meus olhos, minha boca, e depois mordia o próprio lábio pra desviar a cara.

(ele quer me matar de ansiedade, isso sim)

Ele pareceu hesitar com alguma coisa, queria dizer ou fazer algo, isso era evidente (eu queria muito beijá-lo, mas me segurei, porque estou ainda incerto sobre tudo... deu impressão que ele estava mais ou menos no mesmo tipo de indecisão). Acho que salvei ele quando falei que "vou nessa", porque o Nick pareceu ter se livrado de um peso (talvez não quisesse que fosse ele a falar "tchau", pra não parecer que está me enxotando).

E eu me virei pra ir. Não dei nem cinco passos e ele me chamou. Hesitou de novo, mas só falou "Se cuida"...

Ah, Nicolas, Nicolas... Está de novo com algo engasgado pra me falar. Isso me deixa num estado de nervos pela curiosidade e medo do que possa ser, que... Nuss, parece que vou explodir.

Por que é tão difícil nos relacionarmos, hein? Podia ser simples... Tipo, chegar na pessoa e PÁ! FALA O QUE TEM QUE FALAR!

Mas eu sei que não é bem assim.


... Bom, por hoje é só, amiga (lembrei do Gaguinho, da Loney Tunes agora, rsrs). Espero que tenha um dia excelente, e que todos os raios de sol te iluminem!



PS: acho que descobrimos o que o Nicolas estava assistindo naquela madrugada em que eu o tinha filmado, hein? Pornô hétero... E oriental, ainda por cima. ¬¬ ... Quem diria, hã? Senhor punheteiro lindo e gostoso...


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