19.07.18 - Quinta


De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Festa, túmulos, e um demônio


Olá, amiga...

Não importa o quanto eu diga que falar com você me traz conforto: tem dias que apenas quero sumir do mundo.

Mas não sumi... E sei que você está aí, em algum lugar, olhando por mim. E isso porque é meu anjo. E por isso estou agora pegando no celular e escrevendo...

Acho que, depois desse tempo, já consigo contar sem me sentir tão mal.

Esses dias eu tenho vindo bastante no cemitério. Pois é, estou aqui agora, vendo o sol se pondo. O Seu Antônio (o caseiro que mora nos fundos) estranhou de me ver. Achou que eu viesse visitar alguém... A verdade é que vim para me isolar. Como agora minha casa meio que é a casa dos Belson (porque eles têm a chave, então considero que é parte deles) é como se o meu quarto não fosse exatamente uma concha bloqueadora como era antes.

Pode parecer estranho, mas às vezes eu gosto disso. Ficar sozinho, sem falar com ninguém. Você já se sentiu dessa forma alguma vez?

E o pior é que o Nicolas tem insistido comigo para que eu conte o que aconteceu...

Putz... Ele não tem culpa de nada, e mesmo assim vejo que está todo preocupado, me olhando como se sentisse que devesse fazer algo. Eu tento a todo custo sorrir quando estou perto dele (e às vezes, de tanto fingir, consigo alguns momentos verdadeiros de alegria).

...

Tudo começou naquela sexta-feira, dia 13. Eu não sou supersticioso nem nada, mas às vezes acho que o azar me persegue. E justo numa sexta-13... Eu me vesti para sairmos (camiseta vermelha justa combinando com meu moletom preto) e me encontrei com o Nicolas na varanda de minha casa.

Uma coisa que gosto de lembrar é de como ele me elogiou. Disse que estou bonito, e me abraçou para um beijo. Os braços dele envolvem minha cintura de uma forma tão fácil, que sinto como se eu fosse menor do que na verdade sou.

Não demorou muito, e os amigos do Nicolas chegaram. Eram dois casais, e vieram apenas em um carro para economizar.

Ana com Saulo (o casal que dirigia) e Bernardo com Katia (os que vieram nos bancos de trás). De início foi aquela cena básica de "oi, quanto tempo, como você tá diferente", essas coisas. Pelo que entendi, fazia mais de um ano que eles não se viam.

E depois olharam para mim, com aquela cara de expectativa, esperando eu me apresentar. Então só falei "Sou o Isaac".

Não expliquei nada. Nem sobre ser vizinho, nem amigo, nem namorado. Acho que inconscientemente eu estava testando o Nick. Eu sei, sou horrível, um idiota, bla bla bla. Mas eu só queria ver como seria. Não me julgue por isso...

O rapaz que parecia ser o mais "de boa" (Saulo) olhou para mim e para o Nick, que estava ao meu lado, e perguntou "Então... Aquilo que você comentou no Zap era sério? Eu achei que cê tava zoando".

Na hora eu não entendi bem, mas quando o Nicolas pegou na minha mão e disse "É, a gente tá junto", as coisas ficaram claras. Eu só não senti borboletinhas felizes na minha barriga porque eu ainda estava nervoso sobre a reação deles. E, para minha surpresa, apertaram minha mão, sorrindo.

Eles ficaram meio que "bobos", sabe? Davam risada, mas não de deboche. Era mais aquela coisa do tipo "Nossa, véi, nem acredito", e começaram a conversar comigo... Perguntaram de que cidade eu tinha vindo, e por que havia escolhido aquela casa.

Bem, essa história você conhece melhor que ninguém, não é? Mas eu não contei detalhes a eles. Não falei de meus pais, apenas disse que estava precisando mudar de ares, e que o casarão estava com preço ótimo. No fim das contas, esse pessoal se demonstrou ser bem legal. Não demorou muito para o Jonas (namorado da Jack) chegar e se juntar ao grupo (a Jaqueline demorou um pouco mais, e quando chegou derrubou o queixo de metade do pessoal – ela simplesmente é uma princesa, e estava deslumbrante).

De início, fomos a uma lanchonete de Eloporto. Eu só comi um hamburger. Eu e o Jonas meio que ficamos de fora do papo, porque tanto os dois casais quanto os gêmeos já se conheciam e ficaram matando a saudade, perguntando "como está fulano, como está ciclano" e relembrando de coisas do passado que me faziam boiar.

Às vezes o Nicolas me incluía na conversa, explicando algo para eu rir junto, mas mesmo sem as explicações eu estava gostando de ver meu namorado tão à vontade com o pessoal dele.

O mais legal era quando ele começava a falar sobre alguma ideia. Ele meio que vestia uma personalidade quase de professor quando estava explicando sobre o novo negócio para eles. O que mais encanta é que: o Nick sabia do que estava falando. Ele se empolgava ao falar, e isso era... Ah, céus. Absolutamente lindo (sim, eu sou um besta apaixonado... e que se foda).

Teve uma hora que uma das garotas (a Ana) olhou pra gente e quis confirmar "Vocês estão juntos mesmo?". E essa dúvida veio porque nós não estávamos agindo como casal. A Jack e o Jonas trocavam beijos às vezes, e os outros lá também... Mas eu e o Nicolas apenas estávamos sentados juntos, sem demonstrações públicas.

Eu preciso dizer que fiquei vermelho com a pergunta dela? Putz, essas coisas me deixam sem jeito. O Nicolas olhou para mim, também meio tímido (é raro ver um sorriso tímido nele) e perguntou "Posso?".

Ele também estava com as bochechas meio coradas... E eu respondi que "sim" apenas acenando com a cabeça.

Ele segurou meu queixo e veio bem devagar para dar um selinho longo e molhado... Não era um beijo de novela (eu já comentei com ele que aqueles beijos mais quentes devem ser apenas nossos, em particular). E com isso todos os amigos dele (incluindo Jack e Jonas) aplaudiram e assoviaram.

No... meio... da... lanchonete!

Oh... My... God...

Isso chamou a atenção de todo o restante de quem estava lá, e teve algumas mesas que também aplaudiram.

Caralho. QUE VERGONHA.

Mas o beijo durou coisa de cinco segundos. Foi rápido. O que levou mais tempo foi a vermelhidão do nosso rosto e as palmas de todo mundo.

Se eu fiquei constrangido? MUITO. Mas também curti isso. Sei lá, foi tão legal... Acho que somente nessa hora os amigos do Nicolas acreditaram mesmo que estávamos namorando. Uma das coisas que o Saulo comentou foi "Quem te viu e quem te vê". Pelo que entendi na pesca de conversas esparsas, isso é porque ele era relativamente popular entre as meninas no colegial.

Eu não duvido... ¬¬

Depois disso a Jaqueline agitou para que fôssemos a uma boate "top" que ela conhecia.

Vou parecer muito ridículo se eu disser que odiei a ideia? A única vez em minha vida que fui em uma eu estava com a Hellen, e dei meu primeiro beijo gay forçado.

Minha cara deve ter denunciado isso, porque a Jack já veio me tranquilizando. Disse que aquele lugar era diferente. "O lugar pertence ao Samuel", ela falou. Eu demorei um pouco para captar de quem ela estava falando, mas depois lembrei do casal que nos buscou para a festa de boas-vindas da Jaqueline, meses atrás. Mariana e Samuel, os donos daquela mansão linda... E donos de uma boate de luxo em Eloporto.

Eu perguntei brincando pra ela "Onde você arranja esses amigos?", e ela deu uma piscadinha, explicando que ele (o Samuel) morava perto da casa de flores no passado. Eram amigos de rua (e pelo jeito ela já teve um rolo com ele, na adolescência).

Eu só girei os olhos e deixei quieto... Desde que fui morar com os Belson, ouvi várias histórias de ex-namorados da Jack (ela sempre reclama que nunca acerta quando escolhe, mas pelo visto está indo bem com o Jonas).

Enfim... Voltando ao assunto... Da lanchonete até a boate não demorou muito tempo, mas é bem verdade que atravessamos quase a cidade toda. O lugar fica bem no limite de Eloporto, perto de uma ponte luminosa (enorme) que atravessa o rio. Eu nunca tinha visto aquele lado da cidade antes. Tem muitos comércios noturnos (vários motéis também) e uma quantidade atordoante de luzes piscantes dos diversos letreiros.

Parecia que eu estava entrando em um outro mundo, sabe? O tipo do pessoal que andava por lá era diferente: uns chiques demais, e outros maltrapilhos, se esgueirando pelos cantos e pedindo esmolas (me incomodou um pouco ver essa dicotomia explícita de classes sociais).

Quando chegamos, o carro ficou em uma garagem subterrânea (cheia de luzes também). O pessoal estava saindo para entrar pela frente da boate (que se chama DouxFun), mas a Jack disse que não: era para entrarmos pelos fundos, porque ela (e convidados) eram vips (a verdade é que por trás é mais rápido, e ela conhece o segurança que faz a ronda – ele tem ordens de deixar a Jack passar sempre que ela quiser).

Depois de subir por uma escada estreita e meio escura, chegamos à arena principal, ao lado da pista de dança. Naquele momento, achei que meus tímpanos explodiriam.

Sério, eu não estou habituado a um som tão alto, fazendo "tunds-tunds-tunds" na minha orelha. Mas, como tudo na vida, eu fui me habituando... O mais impressionante ali eram as pessoas (super bem vestidas, parecendo selecionadas a dedo) e as luzes neón.

De fato, aquele não era um clube qualquer. Tudo ali parecia estar embebido em luxo puro. Cada canto tinha uma daquelas mesas com sofás em volta, e havia também andares com camarotes.

Na pista, onde as pessoas dançavam, as luzes não paravam quietas. Pareciam curtir junto com o pessoal... E nas partes onde ninguém estava dançando (e sim bebendo ou conversando), as luzes eram azuis ou roxas, dando um ar todo psicodélico ao local.

Parecia que eu estava mergulhando num sonho esquisito. Perguntei ao Nick se ele já tinha estado ali antes, e ele respondeu, meio gritando para ser ouvido "Algumas vezes".

Eu gostaria de dizer a você que não senti ciúmes, mas eu estaria mentindo. Só que eu nem sei de quê seria o ciúme. Apenas porque ele tinha uma vida antes de mim? É, claro... Eu sou um idiota babaca! Não é só porque eu era (ainda sou) um antissocial sem vida que meu namorado também teria que ser...

Mas não disse nada. Segui andando, olhando para os lados, e vendo que havia, perto do DJ, duas bolhas de vidro... Dentro de uma delas havia uma mulher fantasiada de polícia sexy, dançando. E dentro da outra, um cara só de sunga e gravatinha borboleta no pescoço também se movia no ritmo da música...

Preciso dizer que os dois eram do tipo "delícias"? Pois eram... Eu fiquei boquiaberto vendo aquilo. Não que eu nunca tenha visto um cara musculoso de cueca-garçom (a Internet está cheia de fotos e vídeos), mas o que mais me chocou foi a ousadia.

Ousadia de quê, você me pergunta?

Bem, por mais que eu goste de acessar alguns pornô de vez em quando (sou humano, ok?), ver aquilo ao vivo era simplesmente... UAU! ← Não tem outra forma de descrever. Não que eles estivessem fazendo nada de mais... Apenas estavam com fantasias sexys e dançavam (de forma sexy também).

Fiquei encarando porque não é todo dia que se vê isso a olho nu. A verdade era que: eu estava chocado. Posso ter visto o que for pelo computador, numa imagem 2D, mas estar numa boate com um show daqueles faz a gente perceber "quem são os homens e quem são os meninos".

O Nicolas me cutucou no ombro, e perguntou "Você gosta de ver aquilo?". Pela cara dele, parece que estava meio surpreso.

Bom, eu sempre gostei... Não que eu queira agarrar o cara, mas, porra! Eu sempre soube que era daquilo que eu gostava. E ver aquele corpo serpenteando é um deleite para os olhos. Mas, como eu não sabia o que dizer (porque era meio óbvio), dei de ombros e perguntei de volta "Você não gosta?". Ele torceu o nariz e disse que não faz o tipo dele.

Aí eu lembrei do que o Nick disse várias vezes, sobre eu ser o único que lhe despertou o interesse... Eu sou um cara andrógino, magrelo, sem um músculo sequer, e pernas praticamente femininas (a Jack já disse que se eu quisesse, enganaria fácil: bastaria um make... ← coisas de minha cunhada ¬¬).

E o cara que estava sensualizando dentro da bolha de vidro era o total oposto de mim. Com isso, entendi o motivo de ele não gostar de ficar olhando.

Desviei os olhos do Gogo Boy e pedi desculpas. O Nicolas riu e disse que estava tudo bem. "Ainda tenho muito o que conhecer sobre você... Isso torna as coisas interessantes", ele disse com uma piscada que me deu aquele gelo na barriga.

Pois é... Ele ainda tem muito o que conhecer sobre mim. E, no que se refere a "certos assuntos" (tipo o pagamento de minha aposta), eu também tenho muito o que conhecer sobre mim.

Apesar de esse meu relato já ter levado vários parágrafos (de eu ver os dançarinos e me impressionar com a ousadia da quase nudez deles), isso tudo não durou mais do que trinta segundos. Foi uma paradinha rápida no meio da multidão, e depois continuamos andando.

A Jack direcionou a todos até uma daquelas mesas luxuosas, que ficavam em "caverninhas" na parede. Deixa eu explicar melhor: são reentrâncias profundas na parede para acomodar a mesa e os sofás que a rodeiam. Cada uma dessas "caverninhas" é para um grupo, e é iluminado com luzes coloridas. Esses não são os camarotes. Depois aprendi que na DouxFun as mesas em que ficamos são chamadas de "células". As células são as mesas mais caras da área livre, e a Jack pode usar sempre que quiser porque é super amiga dos donos... (agora sei onde ela vai às sextas e sábados a noite).

E as bebidas começaram a chegar. Você sabe super bem que eu não curto beber, mas acabei acompanhando o pessoal. Ali dentro estava quente, e eu estava com a garganta seca. Aquela garrafinha individual de cerveja gelada meio que conversou comigo...

Depois de um tempo, a Jack e o Jonas foram para a pista de dança. Eles perfazem um casal fofo quando estão só entre eles... O Nicolas e os outros dois casais continuaram conversando, e eu continuei bebendo. Os garçons traziam umas coisas diferentes que nem sei o nome, todas em copinhos coloridos e muito enfeitados. Eram doses pequenas, mas pareciam fazer evaporar a alma com apenas um gole.

O Nicolas mais conversava do que bebia (quero um dia aprender a ser "gente grande" que nem ele).

Teve uma hora que começou uma sequência de músicas pop mais nostálgicas (acho que era dos anos 90), e o Nick olhou para mim de um jeito que acho que nunca vi antes: parecia uma criança pedindo chocolate. "E se a gente dançar um pouco?".

Sério... Com ele me olhando daquele jeito? Eu faria qualquer coisa... E aceitei.

O Bernardo e a Katia acabaram aproveitando o nosso embalo, mas os outros dois (Saulo e Ana) preferiram ficar na mesa.

Nossa... Dançar com o Nicolas foi algo surreal. Eu nem sei se eu estava dançando certo (provavelmente não)... Eu não sou de dançar, isso não faz meu estilo (sou mais do tipo que toca guitarra ou bateria imaginária), mas naquele momento isso não importou. Eu apenas estava ali, me movendo com o ritmo junto com meu namorado, e acabei me divertindo.

A gente girou, e girou, e eu fiquei meio zonzo. E tive que parar.

Eu não queria acabar com a diversão do Nick ao sair assim, por isso achei legal quando a Katia e a Jack chamaram ele para uma roda dançante (eles estavam inventando algum passinho). Vendo aquilo, fiz uma anotação mental para nunca mais beber além de meus limites, para não precisar me auto-excluir de uma diversão em grupo.

(não precisa me dar bronca, amiga. Eu já estou ciente de que sou um idiota que não sabe beber)

E fui para o banheiro. Não que eu quisesse vomitar, mas é que estava tudo girando, e eu estava mesmo apertado (depois de beber tanto, aquele líquido todo tem que sair por algum lugar).

E foi depois de me aliviar, quando eu estava lavando as mãos para voltar para a mesa, que eu o vi... O nada querido parceiro das flores do Nicolas. O orc que deveria ter sido filho de meu pai em meu lugar.

Se você achou que eu estava falando do Marcus... É, você acertou.

A primeira coisa que eu disse foi "Você?". E ao mesmo tempo eu fiquei pensando o que raios ele estava fazendo num lugar como aquele. As piadinhas dele me irritaram por vários dias (mais vezes do que as que te contei), então eu apenas fui desviando para sair, mas ele me segurou pelo braço. "Vim dar um passeio hoje a noite, e que surpresa! A mocinha estava rebolando toda gostosa no meio da multidão...".

Eu ignorei o que ele tinha acabado de falar e tentei me soltar (inútil, o cara tem mão de aço). E ele falou, com aquela voz nojenta "Não vá tão cedo, princesa".

Ele estava com um olhar estranho. Com certeza bêbado (bem mais do que eu), mas não era isso que dava a ele aquele ar sinistro. Tinha algo de cruel ali. E ele me arrastou de volta, para perto dos mictórios. "Veio aqui para checar tamanhos, gracinha?", e antes que eu pudesse mandar ele se foder, o filho da puta me arrastou para uma das cabines individuais, e nos trancou naquele cubículo com uma privada toda suja de mijo.

Amiga, eu já comentei que ele é do tipo "fortinho da academia"? Bem, imagine... Ele é bem maior do que eu. Você consegue imaginar a merda que isso gera numa situação dessas? Não importa o que eu fizesse, ele conseguiu virar minha cara para a parede e segurar minhas mãos no alto. Depois aquele retardado reprimido filho de uma puta começou a me xingar de tudo o que vinha na cabeça.

Eu nunca na minha vida senti tanto nojo. Nojo dele e nojo de meu próprio corpo, porque ele conseguiu abaixar minha calça para se esfregar em mim. Sim, eu tô falando exatamente do pinto nojento e fedorento dele. O desgraçado tentou enfiar em mim. Ele enfiou a manga da blusa dele na minha boca e ficou tentando forçar a entrada.

Como ele não conseguia, continuou só se esfregando, e me cheirando. Me chamou de puta, de "viadinho desgraçado", disse que minha bunda ainda iria se entender com ele. Ele falou mais coisas, só que não estou a fim de ficar lembrando agora.

O que eu fiz?

Bom, o que você acha que eu podia fazer? Só o braço dele é quase do tamanho da minha cintura. Eu tentei gritar, mas com um pano enterrado na minha garganta, ficou difícil. E ele me lambia e mordia minha orelha, deixando um rastro de cheiro ruim no meu pescoço. Ele estava se punhetando, aquele tarado anencéfalo do inferno...

Quando ele "terminou", disse que eu sou uma desgraça para o mundo, e que faço que homens "de bem" como ele e o Nicolas caiam "em tentação". Falou que eu sou um íncubo do inferno.

O Marcus colocou em mim a culpa pelo que ele fez.

Eu sou o culpado de ele ter praticamente me estuprado.

De acordo com aquele cretino, filho do demônio, a culpa é minha.

...

Aquilo me ardeu tanto, de uma forma que não consigo descrever aqui. E antes de abrir a porta da cabine ele deu um tapa na minha cara, falou que era pra eu parar de "seduzir" ele.

Aquele tapa não ardeu nada. Ele poderia ter dado mais vinte que eu não ligaria.

O problema verdadeiro era todo o resto...

Ele saiu, e eu fiquei sentado na tampa da privada, chorando que nem uma criança idiota.

Eu não queria me mover, nem queria continuar sentado onde estava. Foi um daqueles momentos em que desejei não existir. E eu puxei as mangas da blusa que eu estava usando, e acabei me arranhando... Mesmo com minhas unhas estando curtas, me arranhei de ódio. De desgosto. Como venho usando blusas de frio, ficou fácil não deixar que notassem.

Naquele momento eu queria um chuveiro. Quis esfolar minha pele nos lugares que ele tocou. Senti nojo de meu corpo, nojo daquele demônio... E nojo da vida.

Quando saí da cabine individual, não vi mais o Marcus (óbvio que não, ele já devia ter fugido). Usei a água da pia pra lavar meu pescoço, orelha e rosto... Praticamente molhei toda a minha roupa. Devo ter parecido um bêbado deplorável aos olhos de quem estava ali...

Quando saí do banheiro, todas aquelas luzes e as pessoas dançando pareciam fazer parte de um plano diferente de existência. Era como se eu fosse um fantasma andando no meio de todos. E, como eu não sabia como olhar para o Nicolas depois daquilo, fui para a porta de saída, na frente da boate. Acho que ouvi alguém chamando o meu nome (devia ser um dos amigos do Nick), mas ignorei totalmente.

Assim que cheguei na calçada parece que tudo revirou dentro de mim. Todo aquele nojo começou a se mover e girar de cabeça para baixo... E eu vomitei. Eu tinha bebido tantas coisas estranhas que o que saiu de minha boca parecia um arco-íris mórbido, com restos de outras coisas que apenas me fizeram vomitar ainda mais.

Eu estava lamentável, escorado na parede como um bêbado qualquer e com uma ânsia que só aumentava à medida que as cenas do banheiro voltavam à minha mente, num looping horrível de saliva pegajosa e xingamentos. Nessa hora, senti uma mão no meu ombro. Minha primeira reação foi virar bruscamente e bater nela, espantar para longe quem quer que fosse... Mas era o Nicolas.

Ele se assustou com minha reação violenta, e pediu desculpas.

Puta que pariu... O Nicolas é a pessoa que menos tem que me pedir desculpas nesse mundo... Você faz ideia de como dói ver a pessoa que você ama te pedir desculpas por algo que sequer fez, ao mesmo tempo em que você está dilacerado por dentro por algo que não pode contar, te fazendo parecer a pessoa mais imunda da face da Terra?

Eu é que tinha que pedir desculpas. Eu é que sou o nojento, o que sempre causa algum tipo de problema na vida do Nicolas.

E então ele perguntou o que houve...

...

...

...

Eu não tinha como responder àquilo. O que tinha acontecido poderia parecer ridiculamente simples, mas para mim era como se eu tivesse sido pisoteado e depois jogado em um bueiro, feito lixo.

Esse cemitério, onde estou escrevendo esse e-mail, é um lugar perfeito para como estou agora... E, como o sol já se pôs, está escuro e com uma leve neblina começando a tomar conta do chão. É a ilustração perfeita de mim, por dentro.

O Seu Antônio está com o lampião dele, rondando. Estou entre dois túmulos altos, daqueles de mármore escuro e com estátuas de anjos em cima. É como se fosse uma pequena cova protegida por sentinelas de pedra.

O Nicolas mandou uma mensagem perguntando onde estou... Eu só queria ficar aqui mais um pouco antes de voltar... Do jeito que estou agora, vai ser difícil sorrir verdadeiramente.

Depois daquela noite, com o Nicolas na calçada me perguntando o que tinha acontecido, eu só disse que estou passando muito mal e voltei a chorar. Eu odeio chorar na frente do Nick. Não quero que ele pense que sou fraco, ou coisa assim. Sei lá... De repente ele percebe que não valho a pena. Tenho muito medo.

Por isso essa semana comecei a fingir que estou bem. Falei que o problema era a dor de barriga, que o lanche não tinha caído bem, essas coisas. Naquela noite de sexta-feira, ele fez questão que eu ficasse com eles, mas eu não queria aquilo. Minha vontade foi de me prender num porão e não sair mais... É que, com os Belson, as perguntas acabam vindo cedo ou tarde.

"O que foi, Zak?", "Dáqui, fala comigo", "Eu sei que aconteceu alguma coisa na boate, você não quer conversar a respeito?".

Essas são apenas algumas das coisas que eles falaram.

A desculpa de que eu estava apenas passando mal só colou até o sábado. Depois disso, eles perceberam que eu fui ficando mais e mais na minha. Até a final da copa acabei não querendo assistir (todos os times para os quais eu torcia perderam, então nem vi graça). Os dois casais (Ana/Saulo e Bernardo/Katia) apareceram por lá e fizeram uma pequena festinha na casa de flores para ver o último jogo (o Lucas também ficou por lá). Mas eu falei que precisava tomar um ar, e peguei minha bike para vir aqui (no cemitério).

Ao ficar perto deles, dos mortos, tento colocar na cabeça que tudo isso é passageiro. É como se eles fossem aconselhadores mudos, me mostrando que no fim todos vão acabar do mesmo jeito.

Mas esse pensamento só funciona enquanto estou aqui, com eles. Quando volto a conviver com os vivos, os problemas dos vivos vêm junto.

Sabe, se não houvessem leis no mundo, eu iria dar um jeito de me vingar do Marcus. O problema é que todas as coisas que passam pela minha cabeça são trinta vezes pior do que uma "masturbada à força". E não vou nem começar a te falar de quantas formas eu já matei ele, senão você vai pensar que estou ficando louco, amiga.

E talvez eu esteja, mesmo.

Sei que o Nicolas notou que estou estranho, e por isso mesmo estou poupando-o de minha presença essa semana. Não só a ele, mas a Jack e o Lucas também (que ficou lá de sábado para domingo).

Estou mais uma vez com aquela coisa ruim na garganta. Vontade de chorar, de gritar, de quebrar tudo à minha frente...

Contar isso não foi exatamente a melhor coisa para meu estômago. Só de lembrar, sinto-me enjoado. Mas pelo menos, em algum lugar de meu espírito, sinto um certo alívio.

Eu ainda não sei o que vou fazer sobre isso. Só sei que as coisas não podem ficar assim.

O problema é que não sei como contar a verdade ao Nicolas e à Jack. Sei que devo muito a eles, e eu deveria ser sincero... Mas falar dessas coisas não é exatamente fácil. Tenho medo de parecer ridículo.

Os vergões do meu braço já estão sarando. Estão com uma casquinha, como se eu tivesse ralado no asfalto, numa queda de bicicleta. Se alguém ver e perguntar, é isso que direi.

O foda é que a cara de quem realmente eu queria esfolar, está intacta.

Ele vai vir buscar um carregamento na semana que vem. Faço questão de estar bem longe nesse dia.

... Bom, amiga. Me desculpe por esse e-mail mórbido. Sei que você não merece isso, mas faz parte de minha promessa de contar todas as coisas, por piores ou monótonas que sejam...

Não se preocupe comigo. Não tentarei nada contra mim. Ao menos, nada definitivo. Sei que não parece, mas a verdade é que não quero morrer. Não depois que me mudei para Vale do Ocaso, ao menos.

Boa noite, irmã-anjo... Fique bem.


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