17 de dezembro, 2018 - Segunda (10h36) → 1 de 3



Três avisos rápidos ^_^


1) Vou começar a postar aos domingos (coisa da minha agenda aqui... tive que realocar)

2) Alguns capítulos serão divididos em mais partes (como este). Mas pode ter certeza que TODO domingo vai ter postagem, ok?

3) Vocês são fodas. Obrigada por existirem 💙



17 de dezembro, 2018 – Segunda (10h36)   1/3


De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Do outro lado do precipício tem uma estrada


Bom dia, amiga! Você conhece aqueles gráficos de cardiogramas, que medem a batida do coração na forma de picos para cima e para baixo? Pois bem, acho que se a linha das coisas que acontecem em minha vida fosse colocada num gráfico, seria mais ou menos daquele jeito. Altos e baixos tão absurdos que fazem inveja para a montanha russa mais perigosa que existe.

Não que eu tenha deixado o pico negativo de semana passada e migrado para um pico super iluminado, às mil maravilhas. Não é isso. Inclusive, os pesadelos ainda me acompanham a cada maldita noite, cheio de acidentes e mortes. Mas acho que posso dizer que alguma coisa está mudando dentro de mim. Não sei... Vou te contar sobre esses últimos dias, aí você decide por si mesma se eu estou mesmo mudando algo, ou se é só um momento de epifania besta de minha parte.

Tudo começou naquele dia que já relatei, quando meu quarto voltou a ser meu quarto – e confesso que amei ter meu lugar de volta –, junto com o do Nicolas. Dormir num cômodo de porta fechada com ele, em vez de dormir na sala... Dormir com ele sem uma criança perto... Ah, isso faz toda a diferença! Eu nem imaginava que seria tão significativo.

A princípio, vale comentar que o Lucas não gostou da alteração, como já imaginávamos. Mas ele precisa desacostumar a ter sempre alguém para dormir junto. Na casa de Dona Rosa ele dormia no mesmo quarto que ela, também. Essa coisa de ter um cantinho só dele é novidade para o Pinguinho. Mas conversamos com ele, e a princípio ele compreendeu. Mas é durante a noite que ele faz manha, abre um bico enorme e fica com os olhinhos lacrimejantes, querendo que fiquemos com ele. A Jaqueline apelou para uma ex colega de trabalho que tem filhos pequenos e, pelo que a mulher disse, os primeiros dias serão assim mesmo. Mas dentro de um mês ele acostuma e para de dar trabalho.

Por um lado, meu coração se despedaça quando ele puxa minha camiseta e fala: "Vem dumí comigo, Dáki". Mas aí lembro que se ele crescer com esse hábito, poderá ter problemas no futuro. E não quero que ele seja um degenerado depressivo como eu. Não que dormir acompanhado da gente vá causar isso no Pinguinho, mas... Realmente não podemos mimá-lo mais do que já fazemos. Li em algum lugar que o excesso de atenção com a criança faz dela uma dependente emocional.

Bom, voltando ao relato... Esses dias tem sido bom ficar só com o Nicolas à noite. E combinamos que um pouco antes de dormir ficaríamos ambos sentados na sacada do quarto, contando um para o outro os pensamentos mais obscuros que tivemos no dia. Ou em tempos passados, não importa. A intenção é se abrir com isso para alguém que possa dar uma resposta imediata. Para me acostumar com a ideia de... sabe? De ver um psicólogo.

Ainda tenho uma espécie de tabu dentro de mim quando falo nisso, amiga. É complicado.

Enfim. Durante essas noites, sou praticamente o único que fala. O Nicolas ouve com toda a atenção do mundo. Às vezes dá a impressão que ele nem pisca. Falei sobre o motivo de eu me machucar, para tentar dar vazão à dor emocional que sinto. Ele me perguntou:

"E por acaso adianta? Quando você se machuca, a dor que sente no peito diminui?"

Demorei um tempo para responder, mas não por não saber a resposta. É por estar com vergonha dela. Eu estava sentado no chão, de pernas cruzadas. Mexia nos dedos do meu pé pois não sabia o que fazer com as mãos. Ele não insistiu na pergunta, mas respondi com a cabeça o óbvio: não.

Afinal, é verdade. Nessa noite, com a pergunta simples do Nicolas, consegui finalmente retornar a esses momentos com um pouco mais de equilíbrio. Quando eu faço esses relatos para você, minha memória visita esses momentos ainda com um resquício da dor que eu havia sentido (afinal, ao lhe contar eu meio que revivo tudo sem filtro – como foi minha promessa desde o início desse diário). Mas ao ouvir a pergunta do Nicolas, voltei apenas ao ponto específico do motivo de eu me ferir.

Amiga... Fiquei um pouco surpreso ao perceber que, de todas as vezes que cometi o autoflagelo, em nenhuma delas me senti melhor. Na verdade, foi bem o contrário. Eu piorava, pois começava a emanar uma onda de ódio contra mim mesmo. O e-mail anterior, que lhe enviei, é uma prova. Só de escrever aquilo eu estava sentindo raiva de mim.

Eu comentei isso tudo com o Nicolas, que me perguntou outra coisa:

"Então você não se fere para sobrepor a dor do sentimento. Você faz isso para se punir... Não é?"

Isso não era nenhuma novidade, então movi a cabeça positivamente sem muita emoção.

"Por que, Zak?"

Ele estava muito triste quando perguntou isso. Ainda na cadeira de rodas, se inclinou para mim, que estava no chão, e acariciou meu queixo. Inclinei a cabeça na direção da mão dele, aceitando o gesto com o peito ardendo.

"Para eu aprender a não ser idiota, e não fazer de novo o que quer que seja o erro que eu tenha cometido."

"Não acho que se punir por um erro vá ensinar a não repeti-lo. Aliás... Você acha que funcionou, em alguma das vezes?"

A resposta era óbvia, mais uma vez.

"Não", falei, quase sem voz. Ele ficou quieto, então fui dando continuidade a essa linha de pensamento: "Nunca adiantou para sobrepor a dor que eu sentia no peito, e nunca serviu para eu aprender a não errar de novo. Então..."

"Então?", incentivou ele.

"Acho que eu só faço aquilo para descontar a raiva que sinto de mim mesmo. No fim das contas é apenas isso. Eu sinto raiva de mim. Eu meio que... Me odeio."

Ele deu um impulso numa das rodas e girou a cadeira para ficar de frente para mim.

"Zak, como pode falar com tanta facilidade que odeia o homem que eu amo?"

A voz dele não tinha tom de bronca. Foi gentil, suave, e cheia de algo que preencheu meu peito de um sentimento bom e ao mesmo tempo doloroso. Meus olhos lacrimejaram, e eu sorri de leve.

"Então seu gosto para homens é meio duvidoso", brinquei, finalmente fazendo o sorriso virar risada. Mas uma risada contida, de quem chorava enquanto achava graça de algo complicado. Ele riu junto.

"Não, Zak. É você que não se enxerga direito."

Dei de ombros.

Nas outras noites continuei contando sobre meus pensamentos. Não os que tive no dia, mas os antigos, que me levaram a fazer as várias coisas de que hoje me arrependo. Ele ficava quieto na maior parte do tempo, e depois fazia observações. Disse que esse ciclo está acabando comigo – e tem razão –, e que teme a forma como pensamentos mórbidos me invadem com tanta facilidade. A forma como perco o controle para a insanidade, me levando a fazer coisas que eu nunca faria em momentos sãos... E como ele se sente um lixo quando isso acontece.

Ouvir isso da boca dele foi um choque. Ele explicou que fica sem saber o que fazer e, pelo que entendi, perder o controle da situação não é algo frequente para ele.

"Eu sei, acabo estragando tudo", respondi.

"Se você tivesse estragado tudo, não estaríamos aqui agora."

"Sim, mas... A impressão que tenho é que, por mais que o tempo passe, não adianta. No mês que vem já faço vinte e um anos, então eu deveria ter maturidade para lidar com essas coisas."

"Ah, mas isso depende, Zak. Quando você fala em maturidade, refere-se a quê?"

"Não é óbvio? Saber o que fazer nas situações que me pegam de jeito... Não me sentir tão mal quando algo sai do planejado... Sei lá! Ser tão foda quanto os adultos deveriam ser, oras."

Ele tocou a boca com as costas da mão, e riu com as narinas. Olhei-o de esguelha, me sentindo um otário.

"Que foi?"

"É que... Essa maturidade que você disse é uma ilusão! Não tem como, Zak... Mesmo eu, que você sempre elogia tanto, tenho meus momentos, não tenho? Eu não fui maduro quando aconteceram aquelas coisas com a Sônia me impedindo de ver o Lucas, e tentando tira-lo de mim. Te tratei mal, e desencadeei um monte de coisas exatamente por minha imaturidade. Então lembre-se: a maturidade é uma ilusão. A gente até aprende como lidar com certos problemas, mas no geral ainda somos como crianças perdidas. Pensar que você vai estar sempre preparado para tudo é criar uma imagem de perfeição que não existe, Zak! E isso faz sua frustração ser ainda maior quando você não atinge esse padrão impossível. Não concorda?"

Fiquei apenas pensativo, repassando as palavras dele. Não concordei logo de cara, mas dentro de mim a coisa toda fazia muito sentido.

A maturidade é uma ilusão.

"É difícil lidar com esse monte de merda, Nick. Às vezes parece simplesmente que abriram um bueiro no fundo da minha alma e tacaram veneno lá dentro. Em seguida, todo tipo de criatura sai para fugir do veneno, invadindo minha superfície... É mais ou menos assim que me vejo quando estou naqueles momentos. Não consigo deter as coisas que escapam, pois são muitas, e todas de uma vez."

Ele franziu o cenho.

"Imagino, Zak... Por isso a gente insiste que você converse com um profissional... Até onde sei, eles ajudam com essas coisas."

"Como assim, 'até onde sabe'? Isso foi sarcasmo?"

Ele piscou e mordeu a língua de lado. Achei graça. Sim, era sarcasmo. Deve estar aprendendo comigo.

"Eu não sei se conseguiria contar minhas coisas íntimas para um completo estranho."

Me encolhi no canto da sacada, pressionando o rosto contra as grades do parapeito de madeira. Fixei o olhar num canto da casa, na varanda lá de baixo, onde uma aranha aproveitava a noite para refazer a teia. Detesto esse bicho. As oito patas se movendo me dão asco. Mas admiro a forma como essas crias do capeta são tão disciplinadas.

"Não tem como saber se não tentar...".

"Eu quero tentar... Mas ainda não. Por favor, dê um tempo pra eu absorver isso."

Eu sei que o melhor seria puxar esse esparadrapo de uma vez, mas sinto que preciso mesmo me acostumar com a ideia. Pensar em me sentar diante de um psicólogo ou psiquiatra para ser analisado ainda é uma coisa que me gela a espinha. Eu já concordei em fazer isso, não é? Já passei da negação, não passei? Então minha condição é que ao menos esperem o meu tempo. Daqui a uns seis meses, talvez?

Ok, nem tanto. Sei disso.

Colocando essas conversas densas de lado, tem mais duas coisas que quero lhe contar. Uma delas aconteceu no domingo à tarde, quando a Jaqueline e o Jonas saíram com o Lucas para passear. Desconfio que tenha sido premeditado, para eu e o Nicolas ficarmos sozinhos por algumas horas.



(fim da parte 1 de 3)


Lembrem de votar no capítulo ^_^

Atenciosamente,

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