08 de janeiro, 2019 - Terça (16h27)
Que bom ver você por aqui!
O Issac precisa de vc 🥺
08 de janeiro, 2019 – Terça (16h27)
De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Procurei "paz" no dicionário, e lá estava escrito para eu desistir, pois não faz parte de meu vocabulário.
Você não vai acreditar na sarna que arrumei pra me coçar, minha irmã. Eu gostaria que minha avó tivesse um pingo de discrição.
Não, ela não se mudou para cá. Não é isso. Bem que eu queria que meu problema fosse a presença irritante dos comentários religiosos e homofóbicos dela. Seria música para meus ouvidos perto da realidade.
Pelo jeito, aquilo que eu falei para ela no telefone ficou cozinhando durante todo o final de semana, sobre o traste do filho dela ser um vagabundo aproveitador, e sobre ela denunciar a forma que ele a trata. Acontece que ela tentou enfrentá-lo, negando ceder um dinheiro com o qual minha avó sabia que ele iria usar para comprar a cachaça que move aquele amontoado de desgraça na forma de ser humano.
Minha avó pode até ter sido corajosa, mas ele deve ter dado um jeito de ameaçá-la e ela deu o dinheiro. Isso foi ontem.
Hoje de manhã, quando já estávamos cuidando da floricultura, meu celular tocou. Era o número de minha avó, e como as ligações dela são raras, beirando a inexistência, já fiquei um pouco apreensivo. Quando atendi, ela nem esperou eu dizer algo, e já disse: "Seu pai que falar com você".
E passou o telefone. Meu estômago revirou.
"O que você andou dizendo pra ela, seu merdinha?", foi a frase de cumprimento carinhosa desse ser tão especial que deveria morar na jaula do capeta. "Minha mãe nunca me respondeu, e agora veio querendo me negar dinheiro. Você tem ideia do quanto eu trabalhei para sustentar essa porcaria de casa?"
"Bem pouco, até onde sei", respondi.
"Essa coragem de responder pra mim é porque não tá aqui, seu filho de merda".
A pior parte é que ele tinha razão. Quando eu morava lá, só o desafiava quando minha integridade física estava garantida. Ignorante como ele é, não tem como saber o que pode fazer.
"O que você fez com ela?"
"Só arranquei dela a verdade. Que o viadinho andou falando de mim pelas costas. Você mandou ela me chamar de vagabundo, moleque? Pois ela chamou. E ganhou uma marca roxa bonita no braço, quer ver? Vou pedir pra velha mandar a foto pra você ver".
A esse ponto, minha respiração estava acelerada. Como me afastei do pessoal, ninguém me viu. Fui até a parte dos fundos da casa, perto do poço desativado, onde ninguém veria minha cara de ódio profundo.
Recebi uma mensagem com a foto de minha avó. Ela estava virando o rosto, mas o braço tinha uma marca roxa, parecida com tantas outras que já presenciei ao longo da vida enquanto morava com aquele pedaço de vômito do inferno.
"Ela teve a ousadia de negar meu dinheiro. Disse pra eu trabalhar e largar de ser vagabundo. Mas eu já trabalhei pra uma vida inteira pra sustentar uma velha ingrata e um bicha que me envergonha só por ter nascido."
Minha avó poderia ter feito as coisas de outro jeito. Procurado alguém e denunciá-lo antes de arranjar briga com aquele desgraçado. Em vez disso, resolveu peitá-lo como se não conhecesse a cria que tem. Dá até impressão que queria que ele me odiasse mais ainda, contando que foi eu que dei a ideia.
Mas, quer saber? Eu estava pouco me fodendo.
"Você, trabalhou pra sustentar a gente? Que ridículo... Até onde me lembro, você voltava pra casa uma vez por mês com uma merreca, porque o resto tinha usado com bebida e puta. Se não fosse a costura da vó, a gente passava fome. Ela não vai poder te sustentar pra sempre, seu escroto. Por que não vira gente e vai trabalhar?"
Eu queria ouvi-lo perdendo o controle no telefone. Sei que sou um idiota de ter pensado isso, mas naquela hora tudo o que eu queria era irritá-lo ao máximo, mas ele deu risada.
Ele riu, e demorou um pouco antes de voltar a falar.
"Não se esquece que eu vi o que você fez, moleque nojento. Eu sei que não foi um acidente. Vi o diabo que cresceu na minha casa. Eu vi tudo, moleque". Não respondi. Me sentei no tampo do poço. Minhas mãos estavas frias e tremendo. "Eu tô precisando de uma grana, e você gastou tudo sem pensar, que nem a ingrata da sua avó. Era pra me dar aquilo e pagar tudo o que já fiz por vocês. Mas nããão... O viadinho tinha que pegar o dinheiro e enfiar no cu!"
"Aquele dinheiro era meu", respondi, com a voz trêmula, o que me deu raiva. Eu não queria que ele percebesse que eu estava abalado, mas sou um fraco desgraçado. "Se eu quisesse enrolar maconha naquele dinheiro pra fumar ele, eu poderia. Se eu quisesse queimar tudo num latão cheio de álcool, eu queimaria. Porque aquele dinheiro era meu, seu porco. Quando você vai entender isso?"
"Você não sabe o que é ter uma família ingrata, moleque. Não sabe o que é ver sua mulher cagar um filho defeituoso, e ter que arcar com isso depois de a desgraçada ter morrido. Se tivesse um pingo de decência, saberia que aquele dinheiro era de meu direito, e teria dado a mim de joelhos, pedindo perdão por ter nascido defeituoso!"
Eu estava chorando, mas não era de tristeza. Cada lágrima era o ódio que meu coração estava destilando, e acabou transbordando através de meus olhos. Meu fígado não estava mais filtrando meu sangue, mas sim o fel que corria em minhas veias. Ódio puro, molhando minhas bochechas na forma de água salgada.
Eu não estava triste.
Não estava.
Ele não é meu pai. Não tenho motivo para sentir tristeza ao ser rejeitado pelo demônio em forma de gente.
Minha maior preocupação é quando percebi que estava lamentando não tê-lo empurrado junto naquela madrugada. Onde eu estava com a cabeça para pensar uma coisa horrível daquelas? Que tipo de ser humano eu sou, afinal? Tive medo. Tive muito medo de perceber por onde meus pensamentos estavam indo.
"O que você quer? Pra que ligou?"
Tentei não deixar a voz tão embargada, mas estava difícil. Sequer tive forças para xingá-lo. E lamento não poder chamá-lo de "filho da puta", pois ofenderia a pobre coitada que sofre nas mãos dele mais do que eu.
"Pra te lembrar que você é só um merda que me deve dinheiro. E se você não pagar, eu vou abrir a boca pra polícia. Vou contar que você é um sodomita assassino".
"E você é cúmplice de um estuprador"...
Ele riu mais uma vez. O traste estava sóbrio aquela manhã, e a voz dele não oscilou nem um pouco.
"Sou vítima, moleque. Ele tinha uma arma na mão, lembra? Essa é minha história, merdinha. Já o seu caso, é de cadeia. Você vai ser enrabado no xadrez do jeitinho que gosta se não me pagar o que deve".
"Não tenho mais aquele dinheiro. Já te falei milhares de vezes..."
"Faz assim, viadinho... Coloca uma saia curtinha e vai numa esquina rodar bolsinha à noite. Com essa cara lisa de mulherzinha, deve ser fácil juntar tudo de novo. Não me importo de receber dinheiro sujo, não. Desde que me pague, tá ótimo".
"Te odeio tanto...". Tive que sussurrar para que o choro não transparecesse em minha voz. Eu não queria que ele percebesse o quão abalado eu estava. "Queria que você morresse, seu traste imprestável..."
"Sinto o mesmo por você".
E desligou.
Me deitei de lado no poço e cobri a cabeça com os braços. Deixei que o ódio escorresse pelo meu rosto, junto com o catarro que começou a pingar de meu nariz.
A única pessoa que eu não queria que me visse, chegou perto de mim. Aquela voz inocente de quem ainda nem sabe falar direito. Me encolhi mais para que meu rosto ficasse oculto, e engoli o choro para que ele não ouvisse.
"Dáki, machucô? Tá dodói?"
Funguei, chupando aquele monte de meleca líquida do nariz.
"Tô bem, Lu. Só bati o pé e doeu muito... Pede pra Tia Jack levar um remédio no meu quarto, tá?"
"Tá bom!"
Quando ouvi os passinhos se afastando, levantei e corri para meu quarto, trancando a porta. Não me deitei na cama. Fui até a sacada e espiei. Não demorou muito para que ela viesse com o Pinguinho andando junto. Nossos olhares se cruzaram de relance, e certamente meu estado ficou claro, pois a ouvi pedindo ao Lucas que ficasse la em baixo.
Pouco depois, duas batidas na porta.
"Dáki, o que houve?"
"Tá sozinha?"
"Falei pro Lucas ficar com meu irmão. Abre a porta, deixa eu ver como você está".
Deixei que ela passasse, e voltei a trancar. Ela me olhou de cima a baixo, procurando algo que eu sabia bem o que era.
"Não fiz nada, Jack... É só minha cara feia que está vermelha, mesmo. Juro que não fiz nada pra me ferir".
Ela suspirou e colocou a mão no peito.
"Menos mal... Então o que houve?"
"Você não vai acreditar com quem eu estava falando no telefone uns minutos atrás..."
Não mantive o suspense, e contei o que você já sabe. Quando terminei o relato, ela tinha as mãos na boca, e uma feição que não sei se era de pena ou medo.
"O Nick já sabe?"
"Não. O primeiro que me encontrou depois da ligação foi o Lucas. Menti dizendo que tinha machucado o pé..."
Ela olhou para o chão e cruzou os braços.
"A gente precisa tomar alguma atitude... Vou conversar com a advogada e ver o que a gente pode fazer".
Me desesperei, e segurei as mãos dela.
"Não..."
"Calma, Dáki... Vou só tirar algumas dúvidas. Enquanto isso, fala o que aconteceu para o Nick também. Ele precisa saber".
"Ok..."
Ela deu um beijo em minha testa e saiu fechando a porta do quarto. Mandei uma mensagem ao Nicolas, que estava lá na frente com o Jonas, perto da entrada da Belson's Flora. Na mensagem, resumi a história. Tirei os detalhes e falei apenas que eu estava sendo chantageado. Ele não precisava saber o quão podre e minha raiz.
Ele respondeu dizendo que estava movimentado lá, e que logo viria conversar comigo.
Para esperar, abri meu notebook e aqui estou eu, lhe contando tudo. Ainda nem almocei, e meu estômago deve ter roncado umas trinta vezes enquanto redigia todo esse relato.
O que eu tenho a dizer sobre tudo isso é: estou com medo. E não e medo dele, mas sim medo de mim mesmo. Medo de perceber o quanto odeio aquele ser. O quanto eu gostaria que ele tivesse um treco e parasse de desperdiçar o oxigênio do mundo.
Eu sei, eu não presto, irmã. Não sei onde estou com a cabeça para ousar desejar, novamente, a morte de alguém, mas sei que tenho que parar com isso.
Aquilo não pode acontecer novamente. Absolutamente, não pode.
Minha alma já está no limbo pelo que fiz ao Marcus. Não posso piorar minha situação. Vou parar por aqui... Preciso comer alguma coisa antes que meu estômago me sugue num vórtice de fome, e eu deixe de existir.
Apesar de tudo, ainda ouso querer viver. Isso que é o mais hilário nessa minha vida esquisita.
K I S S E S ~ K I S S E S
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