2. Turbulências

   – Ei garoto! Garoto, acorde! Está dormindo e sua cabeça está encostada em meu ombro. – Sherlock cutucava o homem que estava quase babando em seu casaco.

   – Huumm!  – O homem levantou a cabeça lentamente. – Me desculpe senhor, não tive tempo de dormir na noite anterior.

   – Mais um idiota. – Pensou Sherlock.

   – Falou algo senhor? – Questionou o homem se ajeitando na poltrona.

  – Você escutou algo? – retrucou o moreno encostando a cabeça na janela do avião.

   – Como assim?

   – Se você escutou algo é porque eu falei algo, caso o contrário, não falei nada. – Falou Sherlock fechando os olhos.

Por mais que achasse aquela ideia de dormir idiota, estava mais do que cansado, o vôo não era tão demorado, uns 50 ou 60 minutos no máximo, fazia apenas 10 minutos que estava no avião, mas já era o suficiente para que o sono e o cansaço apertassem. Apoiou a cabeça de um modo mais confortável na poltrona e fechou os olhos.

Não durou cinco minutos, Sherlock sentiu algo gelado em sua calça, fazendo-o acordar e olhar espantado para a parte esquerda de sua perna.

    – Aaaa! – O moreno levantou, desviando rapidamente do porta bagagens do avião para não bater a cabeça. – Você vomitou em mim. – Disse olhando de forma enojada para o local sujo.

   – Sinto muito senhor. Não me dou bem com turbulências. Se quiser posso ajudar a limpar. – disse o moço com o rosto praticamente pálido.

   – Não precisa. – Sherlock falou pegando sua pequena bolsa no porta bagagens para pegar uma muda de calça e o seu sobretudo que estava dobrado embaixo da bolsa. – É melhor você ir procurar uma das comissárias de bordo.

O moreno seguiu pelo corredor em direção ao banheiro, precisava se livrar imediatamente daquele odor horrível, que agora o deixava enjoado.

    – O que esta fazendo com minha bolsa? – Pergunta Sherlock, que chega após ter gastado dez minutos para se limpar e trocar de roupa.

Sherlock estava parado no meio do corredor próximo de seu acento, segurando a calça levemente húmida após uma lavagem relâmpago. Encarava o menino, que também o encarava espantado, já estava recuperado do mal estar mas permanecia com a aparência pálida.

Antes que pudesse pensar em mais coisas para falar e repreender o garoto que acabara definitivamente de invadir sua privacidade, começou a analisá-lo.

O Garoto aparentava ter entre 28 ou 29 anos, cabelos e olhos castanhos claro, alto, praticamente da mesma altura de Sherlock, magro e seu rosto tinha quase as mesmas semelhanças do moreno.

   – Me desculpe novamente, é que eu estou precisando de um casaco.

    – E pensou "Vou pegar daquele moço estúpido e ele nem vai perceber" - Sherlock o encarava, nunca havia sido tão grosseiro com alguém daquele jeito, pelo menos era o que achava. Não sabia o motivo, mas não estava indo muito com a cara de seu novo companheiro de viagem, que com certeza, estava tornando sua primeira viagem inesquecível.

    – Desculpe.  – continuou Sherlock, vendo que o moço olhava assustado para ele. – Eu me exaltei. Não estou acostumado a conviver com pessoas por mais de 20 minutos, incluindo as que mexem nas minhas coisas.

   – Bem... – o moço começou a falar após recuperar o fôlego  – Eu ia pedir para o senhor, é claro.

    – Sherlock. – o moreno interrompeu a fala do outro.

   – Quem?

   – Meu nome, Sherlock Holmes. Não fomos apresentados ainda e veja, já estamos em conflito sem ao menos conhecer o outro adversário.

    – Ah. Meu nome é Tom. – estendeu a mão para cumprimentá-lo, mas não foi correspondido, pois Sherlock apenas o encarava e permanecia com as mãos no bolso.

    – Então... – continuou Tom, abaixando a mão e disfarçando o vácuo que acabara de receber. – Eu ia pedir, mas estava com muito frio e como o senhor estava demorando resolvi pegar.

   – Corrigindo. – Sherlock começou a falar. – Você não ia me pedir, estava com vergonha e achou que eu iria te ver com meu casaco e ia deixar passar sem ao menos reclamar. Você é um desconhecido e naturalmente eu teria medo de falar com você e te incomodar, pelo fato de você ser um desconhecido, estar passando mal e eu deveria sentir pena de sua atual situação.

Durante alguns segundos, os dois apenas se entreolharam. Tom não sabia o que responder, quando tomou coragem para falar foi interrompido novamente por Sherlock.

    – Mas pode pegar o casaco, eu tenho vários. – voltou a se sentar na poltrona, fiscalizando o local para ver se estava limpo.

    – Você mora em São Paulo? – Pergunta Tom após colocar o casaco e se acomodar na poltrona.

   – Estou indo a trabalho.

   – Que legal. – Tom se empolga e tenta puxar conversa para esquecer o acontecido. – Trabalha em que? Ramo empresarial? Negócios?

    – Trabalho para mim mesmo. – Responde o moreno olhando para as nuvens que começavam a escurecer demostrando chuva.

   – Ah, então você tem seu próprio negócio.

   – Não considero um negócio, é mais uma distração e um divertimento particular.

    – Desculpe se estou me intrometendo demais. – Tom continua, mas imediatamente recebe uma olhada sarcástica de Sherlock, que o observa da cabeça aos pés, tendo como ponto principal o grande casaco que havia pego "emprestado".

    – Bem... é verdade, já me intrometi demais. – corrigiu Tom, depois de alguns minutos da observação de Sherlock. – Mas já pegando o fio da meada, o que você faz no seu trabalho?  – solta uma leve risada, mas que não surte efeito para quebrar o gelo e tornar o rumo da conversa mais agradável.

    – Sou um Detetive Consultor. – o moreno volta a olhar o céu, que ficava cada vez mais escuro e acinzentado.

    – Poxa vida! Isso é fantástico! – Tom se exaltou de um jeito tão chamativo, que em menos de segundos todos próximo à poltrona estavam voltados para os dois.

    – Desculpe.  – pediu o garoto, olhando para as pessoas.  Então você ajuda o governo? – diz voltando-se para Sherlock – Sabe, eu sempre quis trabalhar como detetive, desde criança adorava resolver casos e coisas misteriosas, mas sempre falavam que eu não tinha jeito pra coisa. Mas eu sempre senti que possuía dons de dedução, mas nunca tive a chance de provar isso.

    – Eu não ajudo o governo.  – começa o moreno – Quando há um caso que a polícia não consegue resolver, sou chamado, mas só aceito se o caso me interessar, caso contrário, não é problema meu.

     – Que legal. Um dos meus maiores sonhos era conhecer um detetive de verdade. – Tom tira um papel e uma caneta de uma pequena bolsa presa no sinto de sua calça.  – Poderia me dar um autógrafo? – estende o braço para que Sherlock possa pegar a caneta e o papel.

     – Não sou ator, sou um detetive, não dou autógrafos.  – fala recusando o papel e a caneta de volta para o colo de Tom. – É ridículo como um pedaço de papel com algumas letrinhas, trazem felicidade. Não é uma felicidade concreta, é apenas uma ilusão formada pela mente humana, que dá ao entender de que a pessoa que está autografando se importa com a outra.

     – Então isso significa que você gosta das outras pessoas? – Tom pergunta sem entender muito bem o rumo da explicação.

      –  Não. Só acho desnecessário iludi-las com algo que não é real.

" Senhores passageiros, dentro de 10 minutos estaremos pousando no Aeroporto Internacional de Guarulhos"

    – O inverno é sempre chuvoso em São Paulo? – Pergunta Sherlock após o aviso da comissária e perceber que estavam passando em meio a uma enorme nuvem de chuva.

   – Nem sempre. –  responde Tom – Alguns dias chove... outros faz sol... o clima paulista é bem diversificado, logo você se acostuma.

Sherlock não entendeu muito bem o que ele quis dizer, olhou para ele novamente dando um leve sorriso, que mais parecia um sorriso contra sua vontade, mas que o deixava com uma aparência muito fofa.

Não demorou muito para que o moreno conseguisse ver algumas das milhares de luzes da noite paulistana.

     – Uau. – o próprio Sherlock, que sempre se mostrava neutro e tentava demostrar o mínimo de emoção, não conseguiu conter a emoção de ver todas aquelas luzes juntinhas, que se espalhavam por toda a cidade, cercando prédios, casas, indústrias e avenidas.

Vinha de uma cidade pequena do interior do Rio Grande do Sul, quase nunca frequentava o centro, normalmente a maior parte dos casos eram resolvidos na própria cidadezinha, tornando tudo aquilo um mix de sensações dentro de si.

     – É lindo não é? – o companheiro de vôo logo perguntou, ao perceber o quão admirado se encontrava o detetive.

   – É diferente. O retrato de uma verdadeira metrópole. – o detetive assentiu ainda observando a paisagem, que aos poucos ia ficando nítida conforme o avião ia perdendo altura.

Sentiu um frio na barriga ao sentir o impacto das rodas do avião encostarem na pista. Aquilo era real, definitivamente estava em São Paulo, de braços e coração, se é que ele tinha coração, abertos para novas aventuras, descobertas e quem sabe, um novo amor.

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