19. Perigo em forma de amor
As mãos de Mariane tremiam descontroladamente e a arma em suas mãos estava a ponto de cair com o sacolejar de seus dedos.
- Eu não... - Sua voz falhava, mal conseguia respirar. - Nunca...
- Ele ainda está vivo! - John gritou da escada.
Arantes havia se jogado na escada ao ouvir o barulho do disparo e a bala apenas passara de raspão próximo a sua cabeça. Com o impulso não conseguiu se segurar no corrimão e rolou escada a baixo, sua cabeça bateu em uma das barras de ferro do corrimão, deixando-o inconsciente.
- Mariane não teve culpa. - Sherlock se manifestou indo em direção a garota e tentando acalmá-la. - Ela estava desesperada e afinal de contas, nem matou Arantes. - Olha para Lestrade. - Creio que isso não a levará para a cadeia, não é mesmo?
- Bem. - Lestrade ainda não havia absorvido todos os acontecimentos, permanecia apenas observando a cena. - Aparentemente não há provas que possam incriminá-la, e muito menos matou esse homem, que praticamente se jogou na escada. - Encara Sherlock. - Mas mesmo assim, precisará passar por um pequeno interrogatório, para que possamos obter mais informações sobre isso, afinal você também foi uma vítima.
- Não se preocupe inspetor, irei contar tudo. - Mari tenta respirar o mais fundo que pode. - Não aguento mais guardar esse segredo.
Molly, que permanecia parada atrás da mesa de Mariane, começava a se acalmar e perceber que as coisas estavam voltando ao controle. Aproxima-se da amiga, que começava a segurar o choro e cobria o rosto com as mãos.
- Mari, vamos estar aqui para o que precisar, não se preocupe. - Molly passa seu braço por cima de suas costas, envolvendo Mariane em um abraço e logo puxando uma cadeira para que Mariane pudesse se sentar.
Sherlock não conseguiu desviar o olhar daquela cena. Sabia que Molly sempre fora carinhosa com as pessoas, talvez até grudenta demais em certos momentos, mas era esse lado da garota que mais havia atraído o detetive, ao mesmo tempo que parecesse ser uma flor que poderia se machucar com qualquer coisa, estava sempre pronta para ajudar sem medir esforços ou temer os desafios que poderiam estar pelo caminho, simplesmente aceitava e dava o seu melhor.
Ficou observando por alguns minutos aquele momento de carinho entre Mari e Molly, o rosto da médica estava corado, seu olhar estava voltado para Mariane e sua expressão facial era capaz de tranquilizar até a pessoa mais atormentada do mundo. Não pode conter que um sorriso escapasse de seus lábios e involuntariamente caminhou até a cadeira onde Molly se encontrava com Mariane e se agachou de modo que fica-se na mesma altura que o rosto de Mariane.
- Molly está certa. - Sherlock pousou seus dedos no queixo da garota, que se assustou com a ação inesperada do moreno, assim como Molly. - Não vamos deixar que esse acontecimento interfira em sua carreira. - Encara Molly, que permanece perplexa tentando entender aquela atitude. - Se precisar de algo, creio que posso conseguir um emprego com o mesmo nível de importância para você, tenho muitos contatos em Londres se precisar.
- Você virou empregador de pessoas agora? - Anderson perguntou, pegando alguns documentos para analisar.
- Pare com isso Anderson. - Molly repreendeu.
- Desculpe Molly. - Mariane tomou a palavra. - Mas por um lado Anderson tem razão. - Encara Sherlock. - Por que está querendo me ajudar? Assim... - Mari fez uma pausa, percebendo que sua intonação de voz havia sido um pouco grosseira. -Não que eu não vá precisar de algo mais para frente, mas no momento vou tentar ver o que posso fazer. Obrigada. - Se aproxima mais do detetive. - Você está estranho. - Coloca a mão na testa do moreno como se estivesse medindo sua temperatura. - São Paulo está literalmente te mudando - Olha para Molly rapidamente e volta para Sherlock com um sorriso malicioso. - Mas as pessoas também.
O rosto pálido do moreno agora estava completamente corado, sua voz foi barrada e mal conseguia respirar. Não podia deixar Mariane ficar com a razão, apesar dela estar certa sobre o assunto, mas foi salvo por John adentrando na sala com passos longos e chamando por Sherlock.
- A ambulância já chegou, temos que levá-lo imediatamente, seu corpo está ficando febril devido a forte pancada.
- Ele vai morrer? - Mariane perguntou um pouco preocupada com a situação em que Arantes se encontrava.
- A pancada foi muito forte e achamos um pequeno corte próximo a nuca. Ele está desmaiado, respiração fraca e o pulso está caindo rapidamente. - Olha para Mariane, que mesmo estando um pouco preocupada com a situação, parecia estar curiosa em saber do futuro de seu ex companheiro. - Não podemos ter certeza se irá sobreviver após uma queda dessas, mas se formos rápido ainda temos chances.
- Não me dica que está preocupada com esse otário? - Molly olha assustada para a garota.
- Não estou preocupada, quero mais que apodreça no fogo do inferno depois de tudo que ele me fez. - Tenta se acalmar. - Mas gostaria de ter uma conversa com ele e pedir algumas explicações.
- Dr.Watson! - Mycroft sobe as escadas a procura de John. - Estão chamando você, alguém precisa acompanhar Arantes até o Hospital.
- John e Molly, vão com Arantes. - Sherlock se aproxima de Molly, indicando com o olhar para que ela vá com John. - Eu e Lestrade vamos para a delegacia com Mariane para que ela conte detalhadamente sua versão nesse caso.
- Vou pedir para que Mary volte para a Residencia Westminster, não é muito bom que a Sra. Hudson fique só. - John deu meia volta indo em direção à escada e olha rapidamente para Sherlock. - Te aviso quando o quadro de saúde dele se alterar.
Molly passa pelo moreno, mas seu braço é envolto pelo de Sherlock, que a puxa discretamente para próximo de si.
- 221B, às 18:00 horas. - Falou praticamente cochichando em seu ouvido.
A voz de Sherlock e o calor de sua respiração, fizeram um tremor percorrer seu corpo e por alguns segundos poderia jurar que suas pernas já não estavam mais sendo controladas por seu cérebro. Rapidamente se recompôs e apenas balançou a cabeça em tom afirmativo para o moreno e seguiu John.
- Eu e minha equipe vamos ficar aqui e procurar se há mais dispositivos que possam explodir o local. - Mycroft disse se virando para Anderson, que continuava distraído analisando alguns livros. - Anderson? Se puder ficar aqui e me ajudar a analisar algumas coisas?
- Acho que tenho que acompanhar o depoimento de Mariane... - Mal acabou de falar e foi interrompido pelo Holmes mais velho.
- Não tem nada que lhe possa impedir de ficar e me ajudar. - Encara Lestrade e se volta novamente para Anderson. - E creio que também não vai querer perder seu emprego. Não é mesmo?
Anderson engoliu em seco, sabia que Mycroft tinha todos os recursos que precisava para acabar com a reputação e a vida pública de qualquer um presente naquela sala, principalmente a dele.
- Claro! - Falou em um tom confiante e decidido. - Não há nada que me impeça de ficar aqui.
Os dois Holmes se entreolharam e sorriam sarcasticamente.
- Vamos Lestrade. - Sherlock se dirigiu a mesa de Mari, pegou a bolsa da garota e alguns documentos e se aproximou dela, que permanecia sentada na cadeira. - Temos que ir, quanto mais rápido resolvermos este assunto, mais rápido voltará a sua vida normal. - O moreno tentou arriscar um sorriso.
- Pare de tentar bancar o conselheiro Sherlock. - Mycroft retrucou. - Vá logo resolver o assunto.
Sherlock, Mariane e Lestrade seguiram para a delegacia, Mycroft e Anderson permaneceram na livraria, atrás de informações ou de algum outro explosivo que pudesse colocar a livraria em risco. Já John e Molly acompanharam Arantes até o Hospital enquanto Mary, seguia o rumo para o bloco Baker da residência Westminster.
_______________________________________
- Quando se conheceram? - Foi a primeira pergunta que Lestrade fez a Mariane assim que entraram na sala de interrogatórios.
A sala era bem mais espaçosa e aconchegante do que a sala em que Wiliam fora interrogado. Havia duas poltronas de couro vermelha, onde Mariane e Sherlock estavam sentados, uma mesa comprida de madeira, logo atrás uma cadeira giratória onde se encontrava Lestrade. A sala era repleta de arquivos e alguns livros com algumas janelas cobertas por persianas brancas voltadas para o corredor.
- O conheci quando fui prestar o vestibular para entrar na USP, eu estava meio perdida e não sabia qual era o prédio em que iria fazer a prova. - Mari abaixou a cabeça, relembrando do dia em que conhecera Arantes. - Ele estava atrás de mim, quando dei um passo para trás pisei em seu pé sem querer. Ele perguntou se eu precisava de ajuda, por coincidência ele iria fazer prova na mesma sala que eu. Fomos juntos, ele acabou a prova primeiro do que eu, quando sai da sala ele estava me esperando em frente à faculdade.
- Ele estava te esperando sem pelo menos de conhecer? - Lestrade interrompeu.
- Deixe ela terminar de contar a história Galles. - Sherlock interviu.
- É GREG! - Lestrade gritou irritado.
- Tanto faz. - O moreno cerrou os olhos. - Por favor, continue relatando os acontecimentos. - Voltou-se para Mariane.
- Eu também achei estranho o fato dele ter me esperado, mas não vi nada de errado nisso. - Fez uma pausa e bebeu um pouco de água que estava em um copo de plástico na mesa. - Caminhamos, conversamos sobre a prova, rimos e falamos um pouco sobre o que gostaríamos de fazer em nossas faculdades. Por coincidência ele também havia prestado para Letras, mas ao contrário de mim ele tinha o sonho de ser escritor. Trocamos os números de telefones, ele ligava para mim quase todas as noites.
- Então já tinha alguma atração por ele? - Lestrade voltou a interromper.
- Não. - A garota respondeu com convicção. - Até então ele era apenas um bom amigo, não tinha nenhum interesse nele.
- E como se encontraram novamente? - Desta vez foi Sherlock quem formulou a pergunta.
- Nós dois passamos para a segunda fase da FUVEST e mais uma vez fizemos a prova juntos, mas quem conseguiu entrar na USP foi ele. No dia em que soubemos do resultado eu fiquei muito feliz por ele, saímos para comemorar, fomos em uma pizzaria com alguns amigos.
- A partir de então começaram a ficar mais próximos. - Deduziu Lestrade.
- Pelo contrário. - Uma lágrima escorreu em seu rosto. - Foi aí que minha mãe me proibiu de qualquer contato aleatório, achando que a influencia de Arantes não havia me deixado passar na faculdade. Cortei todas as relações que tinha com ele e me dediquei no curso de administração e fiz da fotografia um hobby, apesar de conseguir um dinheiro extra com isso também. As oportunidades foram aparecendo, até que veio o convite para eu trabalhar em Portugal, e por incrível que pareça, no meu primeiro dia de emprego encontro Arantes em uma das livrarias da região. - Sua respiração começou a falhar. - Quando o vi, não sei o que me deu, já fazia tanto tempo que não o via, mas aquele momento foi como se tudo fizesse sentido e eu me toquei que nutria sentimentos por ele. - Mariane fechou os olhos, imaginado a cena e a sensação que vivera naquele dia. - Corri e o abracei com força, de repente nossos lábios se encostaram e quando dei por mim já estava totalmente entregue a ele.
- E então começaram a namorar e se casaram, já que sua mãe nunca aceitaria o namoro e é óbvio que se voltasse de Portugal casada não teria como seus pais protestarem. - Sherlock complementou.
- Exato. - Mari tentou controlar a respiração. - Voltamos para o Brasil após um ano. Como disse, minha mãe não gostou nem um pouco da ideia, muito menos meu pai, mas com o tempo aceitaram e tudo ficou mais tranquilo quando souberam do meu novo emprego e do cargo que me encontrava.
- Mas quando começaram as desavenças e você descobriu quem ele era realmente? - Prosseguiu o moreno.
- Já fazia um ano que estávamos casados, mas ele sempre ficava distante, escrevendo e pesquisando. Não que eu não me fechasse ás vezes mas ele era demais, quase nem falava comigo e meu apresso perante ele foi diminuindo cada vez mais quando Arantes começou a me pressionar para publicar suas obras, mas nunca eram aceitas pelo comitê e ele achava que era minha culpa. Começou a ficar agressivo e eu já não o suportava mais, não pensei duas vezes para pedir o divórcio. Nem preciso falar que ele ficou enfurecido, mas cedeu e assinou o papel, mas sempre me alertou que isso não ficaria assim, um dia eu iria pagar muito caro por tudo isso. Ele sumiu, só fui saber de notícias esse ano, quando me mandou uma carta, anunciando que estava de volta e se caso eu denunciasse algo, seria a primeira a morrer. Bem... O resto vocês já sabem.
Todos ficaram em silêncio por um tempo, apenas se entreolhando e decidindo qual seria o desfecho desta história, até Lestrade começar a falar.
- Você não cometeu crime algum, mas mesmo assim terá que pagar por não ter nos contado logo de início quem era Arantes e guardar esse segredo.
- Então eu serei presa? - O rosto da garota empalideceu.
- Não. Não será presa, mas terá que cumprir pelo menos três meses de trabalho comunitário.
- Acho que isso eu posso cumprir. - Mari sorriu aliviada por ter tirado um peso de suas costas.
O interrogatório foi interrompido com o toque do telefone de Sherlock.
- Alô. Sim. Já era de se esperar. Ok. - Desligou o aparelho e encarou Mariane. - Arantes teve uma hemorragia Intracerebral e veio a falecer.
Mariane apenas encarou Sherlock, já sabia que Arantes não tinha muito tempo de vida após aquela queda e sua morte também não iria fazer muita diferença para ela. Por mais que ela o tivesse amado, ele nunca demostrara nenhum afeto por ela ou algo semelhante e nos últimos meses vivera um tormento, mas no momento que recebeu a notícia, sentiu uma pontada no peito, ainda queria vê-lo e dizer poucas e boas para ele.
- Foi ele quem procurou isso. - Mariane respondeu firmemente levantando-se da cadeira e pegando sua bolsa. - Que Deus tenha piedade de sua alma. - Se volta para Lestrade. - Posso passar aqui por volta das 10 horas e acertamos sobre como será a questão do trabalho comunitário?
- Sim, claro. - Lestrade olha para o relógio. - Já está bem tarde para pensarmos em qualquer outro assunto, já passam das duas da manhã.
- E quanto a livraria? - Mariane pergunta preocupada.
- Mycroft irá cuidar dos detalhes não se preocupe. - Sherlock avança em direção a porta. - Vou chamar um Uber para te levar para casa, eu pago.
- Mas eu moro muito longe e meu carro está no estacionamento da livraria, não tem que se preocupar.
- Acha que vou deixar você voltar para casa sozinha a está hora? Depois desse acontecimentos é melhor nos prevenirmos. - Sherlock pega o celular já solicitando o carro. - Vou chamar um Uber comunitário, vou pedir para que te deixe em casa e depois para meu apartamento.
Assim como Sherlock havia planejado, o motorista deixou Mariane em sua casa e logo seguiu novamente para a Paulista deixando o moreno na residência.
- Senhora Hudson? John? - Gritou os nome dos dois, não obteve resposta. O que era um bom sinal. Mary deveria estar no apartamento ao lado cuidando da senhora enquanto John iria passar a noite no Hospital resolvendo o óbito de Arantes junto com Molly.
- Molly. - O moreno repetiu em tom baixo o nome da garota, relembrando que havia pedido para que a moça o encontrasse naquela tarde.
Já eram quase quatro da manhã, o sono de Sherlock era quase nulo como de costume, mas naquela madrugada se dedicou a pesquisar vendas de ingressos para uma peça de teatro que iria ocorrer no Teatro Municipal de São Paulo naquela tarde.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top