PARTE 3
A figura estacionada à frente do jovem era imponente. Um brilho singular o emoldurava e a beleza que chegava aos olhos do humano era na verdade o reflexo de algo que transcendia sua compreensão.
— Você é um anjo? — Perguntou o rapaz com surpresa.
— Certamente. — Respondeu.
— Onde estão suas asas?
— Não posso me revelar a você como sou realmente. — Alertou.
— Por quê? É a primeira vez que vejo um anjo...
— Sou tremendo!
— O que significa isso?
— Tremendo... tipo assustador! — Voltou a exortar.
— Mas você é um anjo... não deveria ser assustador. — Indagou o rapaz com certa ingenuidade.
— Está além do vosso saber... OK, como queira... lá vamos nós... — Disse o anjo se revelando para o humano.
Suas asas se expandiram e com elas, seu esplendor. O fulgor abraçou o jovem que tomado pela luz prostrou-se, temeroso.
— Não temas... Disse enfadonho, um pouco antes de recolher suas asas e se mitigar. — Entende agora?
— Sim! — Respondeu o jovem, ofegante e com surpresa.
— Bom... Suponho que seja o mensageiro, certo?
— É... provisoriamente, eu acho...
— Humm... tem algo para mim?
— Esta carta. — Entregou.
— Lá de baixo, suponho.
— Sim, mas não sabia que o Céu e o Inferno tinham uma relação tão próxima... — Indagou o rapaz.
— Diplomacia... como você acha que a humanidade sobreviveu até hoje? — Disparou o anjo.
Os olhos esmeraldinos do celestial percorreram o conteúdo da correspondência de maneira ágil.
— Ok! — Disse a si mesmo, enquanto redigia uma resposta.
— Não existem formas mais eficazes de transmitir uma mensagem? — Perguntou o humano.
— Somos tradicionais. — Retrucou, enquanto deslizava a ponta de sua língua rósea pelo envelope, fechando-o em seguida. — Tome!
— Como chegarei até lá?
— Ora, da mesma forma que chegou aqui. — Concluiu o celestial.
— Antes que eu esqueça, qual o seu nome?
— Meu nome é impronunciável aos vossos ouvidos... — Sorriu enquanto estalava os dedos.
O jovem perdeu o chão, em uma queda livre que parecia não ter fim. Ao abrir os olhos, estava em frente ao antigo prédio, e ofegante, segurava em sua mão, o envelope.
Cambaleante e ainda se recuperando da viagem, avistou uma fenda no meio da rua. Um brilho incomum fulgurava de seu interior, e pelo odor, imaginou se tratar da porta de entrada para o submundo.
Seus olhos contemplaram mais uma vez a carta e procurando por eventuais testemunhas, percebeu que estava estranhamente solitário. Camuflando o envelope, violou o lacre de forma a não o comprometer. Uma lufada de vento percorreu o local arrepiando sua espinha.
Ignorando a coincidência, desvendou o conteúdo da carta.
— Um encontro entre um anjo e um demônio não deve ser coisa boa... — Pensou alto. — Rua do Martírio, número 12... só pode ser uma brincadeira... vão debater sobre o fim do mundo! — Disse com inquietação.
O jovem recuou. Não aceitaria participar de tão sórdido conluio. Não fazia ideia de como o seu tio havia entrado nessa fria, mas caberia ao jovem resolver tudo de outra forma. Em um canto qualquer, permaneceu recolhido, pensando a respeito do que estava por vir.
Apegando-se a ideia que surgiu em sua mente, fez uso de um pequeno graveto pontudo. Um discreto picote em seu dedo e a gota de seu próprio sangue serviria de tinta para adulterar o conteúdo daquela carta do fim do mundo.
Com o dedo furado na boca, para estancar o sangue, ergueu-se confiante e à beira da fenda, lançou-se para o seu interior.
Alguns dias transcorreram até a data prevista para o encontro. O jovem sobrinho manteve-se oculto, até surgir mais adiante, na Rua do Martírio, número 12 um indivíduo, que ali permaneceu imóvel. Os transeuntes iam e vinham, sem ao menos esbarrar na figura singular. O jovem percebeu que o anjo estava oculto aos olhos comuns, que continuavam sua vida ordinária, sem se dar conta que o mundo caminhava para o seu enlace.
O sobrinho caminhou com sobriedade até a frente do indivíduo que admirado por ter sido notado, encarou o jovem.
— Você por aqui? — Disparou.
— Sim, está esperando mais alguém? — Provocou.
— Este alguém não seria você... — Respondeu com secura. — Apesar de ter a eternidade a meu favor, não gosto de ficar esperando, e aquele que deveria ser pontual, está atrasado... a não ser que... — Disse, encarando o humano com desconfiança.
O jovem sorriu.
— Tenho algo melhor a lhe propor, uma vez que o seu requisitado não virá para esta reunião.
— Criatura abjeta, quem pensa que é? — Ralhou o anjo.
— Preciso que salve uma alma. — Pediu.
— Salvar uma alma?
— Sim... um anjo não se negaria a libertar uma alma das garras do Tinhoso, certo? — Jogou o jovem.
— Você está sendo desleal, sabe que minha condição angelical não me permite recusar um salvamento... — Proferiu, olhando ao redor. — Diabo! — Exclamou batendo o pé no chão e colocando a mão sobre a boca. — Aquele decaído não virá... não sei o que você fez garoto! De qualquer forma, conte mais a respeito desta alma que precisa de meu auxílio.
— Claro. — Disse o jovem caminhando ao lado do celestial.
O decaído havia chegado no endereço indicado na carta, "Rua do Martírio, número 1212". O celestial não havia comparecido ao encontro e o assunto pautado pela dupla haveria de ser procrastinado, mais uma vez.
— Onde está aquele miserável? — Indagou a si próprio, já sem paciência.
Os olhos do infernal acompanharam o movimento das pessoas que adentravam um templo. Os fieis enchiam o local para mais uma seção de exorcismo. Acontecia toda semana e segundo o prometido por seus ministros, uma forma de mostrar o poder de Deus.
O decaído abriu um meio sorriso nos lábios empretecidos e caminhou, seguindo o fluxo.
— Não darei viagem perdida, e nada como uma boa comédia para renovar os ânimos. — Disse, adentrando o templo.
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