5
pdv. Yanka Jonez.
A constatação de que quebrei Mikhail me fez querer gritar, ou até mesmo, não gritar, não respirar. Eu era a eterna culpada por transformar os sonhos de um jovem que conheceu uma menina legal em lama, ou algo pior do que isso. As faíscas que voaram alto pela noite, quando as tentei agarrar, elas sumiram, como se nunca tivessem existido. E por não terem nunca existido, sinto que minha própria existência poderia ser repensada, afinal, como viver fora do mundo que criei? Faço qualquer coisa para não ter que sentir o que estou sentindo.
Corri por entre o corredor, ignorando os gemidos do quarto de Petrus, descendo as escadas para encontrar Mihail abrindo a porta da saída enquanto Page lhe aguardava dentro do seu carro, ou melhor dizendo, o carro de seus pais. A menina encarava Mikhail, que por sua vez, me encarava ainda segurando no trinco da porta. Minhas lágrimas desceram livres, e isso pareceu acordar Mik dos seus devaneios, que começou a andar em direção ao carro de Page.
A menina sentiu que o ar estava carregado com energias negativas, até porque eu estava chorando. Page tentou segurar o rosto do seu namorado, quem eu queria que me amasse da forma como eu o verdadeiramente amo. Ela tentou ler Mik, mas ele apenas desviou seu olhar do raio-x de Page, desvencilhando-se e entrando no banco do passageiro sem falar absolutamente nada, soturno, como se tão somente seu corpo estivesse nesse plano.
Page me encarou séria, ela sabia mais do que aparentava. Ela me analisou de cima a baixo quando pisei para fora de casa, deixando a porta aberta atrás de mim. Seu julgamento não me passou despercebido, pois, querendo ou não, ela estava olhando sua concorrente. Page se virou para olhar para Mikhail dentro do carro, voltando, logo após, seu olhar para mim. Meu corpo tremeu com a constatação de que eu tinha perdido. Ele nunca seria meu, não quando Page o amava tanto quanto eu. E o amor não era fraternal.
— O que você fez? — me questionou.
— Mikhail, não vá! — ignorei Page e corri para a porta do passageiro, batendo na janela para chamar a atenção de Mikhail, que apenas me ignorava, olhando para o nada.
— Saia de perto dele! — gritou Page.
— Nós precisamos conversar!
— Você não ouviu o que eu disse, garota? — a menina me puxou para longe, fazendo com que eu a olhasse, finalmente, nos olhos. — O que você fez à ele?
— Eu não fiz nada.
— Você tem coragem de dizer isso? Olhe para ele! Está em silêncio, como uma múmia sem vida. Ele nem ao menos me olhou nos olhos, com aquele sorriso dele de sempre. Isso é sua culpa, só preciso saber o que aconteceu.
—Você não precisa saber de porra nenhuma — desvencilhei meu braço com força do seu agarre, voltando a tocar o vidro do passageiro, mas Mik ainda me ignorava.
— Saia de perto dele.
— Você vai fazer o que se eu não sair? — Virei-me para ela e me enchi de coragem. Ele precisava de mim nesse momento, não de Page.
— Se você não sair por vontade própria, vou fazer você sair à força.
Encarei Page e estudei, pela primeira vez, sua fisionomia. Ela era maior, mais curvilínea, com olhos expressivos, brilhantes, que agora demonstravam a fúria que estava sentindo. Estava trajando uma calça de moletom e uma camisa simples, nos pés, um tênis qualquer. Respirei fundo e me questionei o que ele tinha visto nela, afinal, éramos parecidas em muitos aspectos. O fato de ele procurar alguém que se pareça comigo me deixava com um misto de sentimentos. Como se ele tivesse procurado em mim o que queria, mas encontrado um defeito, devolvendo à fábrica e buscando outra idêntica, mas sem o erro.
— Mik... — suspirei, mas ele se mantinha alheio ao que estava acontecendo do lado de fora do carro.
Senti meus cabelos sendo puxados por Page. Ela me tirou de perto do carro, me atirando no jardim de entrada da minha casa. Me levantei cheia de fúria, com a adrenalina à mil. Fui para cima da menina a fim de revidar, mas ela estava pronta, me dando um tapa estralado no rosto, fazendo com que a dor se alastrasse por toda a pele. Senti meu lábio formigando, mas não parei para prestar atenção. Virei meu rosto em sua direção, lhe devolvendo o tapa. O rosto de Page foi brutalmente para o lado com a força, deixando uma marca vermelha no seu rosto maculado de boneca.
— Chega. Page, entre no carro. — A voz brava de Mikhail nos tirou da nossa pequena batalha.
— Você nunca mais chegue perto dele, está me ouvindo? Nunca mais — disse Page, com o dedo apontado para o meu rosto.
— Mikhail, você não pode fazer isso, você não pode ir com ela! E toda a nossa história? Tudo o que vivemos e compartilhamos? — Ele ignorou meu discurso, fechando novamente a janela do carro.
Page deu a volta e entrou no banco do motorista, ligando o carro na ignição. Quando as luzes apareceram novamente nos faróis da frente, me vi andando com o veículo enquanto ela dava a ré. Por um mísero segundo, tudo que estava sentindo se foi, como se tivesse anestesiada, o que não pareceu ser algo ruim no momento. Quando Page olhou para a embreagem do carro e engatou a primeira, minhas pernas falaram por si só. A borboleta, antes presa no casulo, queria se libertar. Ela não queria mais permanecer presa dentro de uma pupa, ela queria voar, estar no céu.
Numa fração de segundo, Mikhail entendeu que eu não queria mais sentir, tentando parar o carro de Page, mas o estrago já tinha sido feito, a borboleta, depois de cansar do escuro, encontrou, de certo modo, um momento de calmaria quando se permitiu voar. Meu corpo foi arremessado para o ar, fazendo com que eu caísse à alguns metros de onde a menina conseguiu pisar no freio.
A sensação de que todos os ossos do meu corpo estavam quebrados veio com força, assim como a tosse com o meu sangue, me fazendo sentir uma dor excruciante no peito pelo esforço de tossir para conseguir respirar de alguma forma. Escutei as portas do carro sendo fechadas com força e alguns passos, assim como o grito de dor de Mikhail antes de fechar os olhos. Saber que ele sentiu a minha falta nesse mísero período fez com que eu pudesse descansar em paz, como se tivesse cumprido meu propósito na terra.
Eu tentei tão fortemente, mas não cheguei tão longe. Tive que forçar algo, para não chegar a lugar algum, e no final de tudo, nada importou. Todas as vezes que nos imaginei juntos, que pensei que ele sentia o mesmo, que sabia que ele sentia o mesmo, foram uma ilusão, ou talvez um vislumbre de um outro momento, quando ele me queria, mas que, por medo de rejeição, deixei passar.
Em meio às diversas constatações que fiz quando pensei ter virado uma borboleta, fui acordada abruptamente, meu corpo abriu os olhos quando uma luz forte atingiu minhas pálpebras. Olhei para os lados, encontrando mamãe dormindo em uma poltrona mal ajeitada. O médico me pediu silêncio quando viu que eu tinha acordado. Olhei ao redor e constatei que estava presa às máquinas que apitavam constantemente, frequentemente. O homem estava segurando gentilmente meu queixo para olhar meus olhos, ainda colocando as luzes nas minhas írises.
Tentei mexer minhas pernas, mas ambas estavam engessadas e presas para cima na cama. Olhei para o meu braço, e um deles estava do mesmo jeito que as minhas pernas. Respirei fundo, mas minha garganta doeu. O médico pareceu entender, me saindo de perto para alcançar-me um copo com um canudo, que colocou na minha boca. Tomei a água desesperada por um alívio. Sentia como se não tivesse bebido água há dias.
— Como você está se sentindo? — cochichou.
— Estranha... — Ele anotou no seu IPad.
— Alguma dor localizada?
— Acho que não, na verdade, não sinto muita coisa. — Ele assentiu.
— Você se lembra como veio parar aqui?
— Só me lembro de querer ficar livre... — Ele me encarou por um tempo e suspirou pesadamente.
— Você se atirou na frente de um carro, Yanka. — Dei um sorriso triste.
— Sim, não consegui ficar livre.
— Voltarei com os remédios para você tomar agora que acordou, vamos tirar os intravenosos, assim você não fica muito sonolenta e pode conversar com a sua mãe. Ela não saiu desse quarto desde quando você chegou. — Me preparei mentalmente para a pergunta.
— E desde quando estou aqui?
— Quatro dias, Yanka. Faz quatro dias que você está desacordada nessa cama depois da cirurgia de emergência. — Dito isso, o médico saiu do quarto para falar com uma enfermeira que o chamou discretamente na porta, me deixando sozinha com os meus pensamentos.
Aparentemente, ainda estava presa na pupa. Na escuridão, pronta para que os sentimentos me sufocassem novamente com a verdade, com o fato de não terem valido por nada, pois nunca seriam correspondidos da forma como, por muitos anos, desejei secretamente, mas que coloquei a perder por os deixar no holofote num momento de coragem... ou talvez de covardia.
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