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pdv. Yanka Jonez.
Depois de jantarmos com a mamãe e eu contar sobre minhas peripécias na faculdade, ela foi logo se arrumar para o plantão no hospital que ela trabalhava como enfermeira. Estava lavando a louça nesse exato momento, tentando ignorar os olhares nada discretos de Mikhail. Petrus estava em uma ligação longa com a sua namorada, que também viria para cá depois que os seus pais voltassem do trabalho para trazê-la até aqui em casa.
Estava distraída quando meu irmão saiu da cozinha para ter um pouco de privacidade para falar com a Zalika, me deixando abespinhada por ter que ficar sozinha com Mikhail, o ser que meu coração insistia em dizer que era meu, mas que a realidade jogava um balde de água gelada com dois quilos de gelos por cima do meu corpo, afinal, ele nunca seria.
— Então... — tentou Mik. Respirei fundo, ainda de costas para o amigo do meu irmão, e pintei um sorriso falso no rosto.
— Então... Como está sua namorada? — Escutei o barulho da cadeira, mas não virei para olhá-lo, pois poderia ser fatal. A atração que sentia pelo menino homem era demasiadamente grande.
— Page está ótima, ela quer muito te conhecer, já que nos outros encontros você não pode ir. — Não poder ir era uma invencionice, eu tinha deliberadamente inventado desculpas para não poder comparecer. Não aguentaria conhecer a namorada do melhor amigo do meu irmão —, por quem era apaixonada.
— Imagino que ela deva estar embevecida por me conhecer... — Rolei os olhos e coloquei os pratos que estavam limpos no escorredor de louça.
— Você ficará aqui até quando? — Dei um salto quando percebi que ele estava do meu lado, olhando diretamente meu perfil.
— Só até segunda-feira de manhã, pois preciso estar à noite na faculdade para a aula. — Ele assentiu e eu continuei com os olhos focados na louça.
— Sei que não estamos mais agindo como normalmente agiríamos em outra ocasião... Não precisa ser desse jeito, Kany. Podemos ser o que éramos antes de Page chegar. — Cada palavra sua parecia uma adaga em meu pobre coração, que sangrava de amor pelo menor.
Larguei o copo que estava lavando e me segurei na bancada da pia, respirando de olhos fechados. Ele não fazia ideia do que estava me pedindo, era como balançar erva de gato no nariz do felino. Daria tudo para poder voltar a ser como éramos antes dele começar a namorar, mas não podia me iludir mais do que já estava. É como Bakhtin afirmava: as pessoas mudam e aquilo que se disse não se recupera mais, querendo ou não; portanto, era impossível voltar ao passado, aos "bons tempos" – que nem sabia que eram bons na época -. Mikhail pegou minha nuca, fazendo um carinho gostoso, lento e torturante na minha nuca —, da forma como ele sabia que eu gostava.
Era assim, nós nos conhecíamos demais, ele me entendia e eu o entendia. Não precisávamos de palavras, só de olhares. Todavia, quando o assunto dizia respeito ao amor, éramos cegos. Tentava lê-lo, tentava entender o que se passava no seu interior, como se fosse uma filósofa, buscando conhecimentos sobre o descobrimento do sentimento, das emoções, mas não conseguia avançar nas descobertas, Ele era, ao mesmo tempo uma incógnita e uma necessidade. Um livro aberto, mas do gênero mistério. Um romance, mas Shakespeariano. Nós não teríamos um final feliz. Estava escrito nas estrelas.
— O que você está pensando, Kany? — disse.
— Acho que você tem absoluta razão, não tem porque sermos diferentes um com o outro, mas suas baixas provocações deverão parar para que essa amizade dê certo, Mik. — Me virei para ele e olhei em seus olhos.
Quando estávamos só nós dois, nessa nossa bolha anti-realidade, nada mais parecia nos obstaculizar, pois nesse nosso mundo, ele não tinha dezesseis anos, não era o melhor amigo do meu irmão e não estava namorando; eu também não tinha dezenove anos, não morava longe e não era a irmã do seu amigo de infância. Nessa nossa dimensão, éramos apenas Mikhail e Yanka, dois apaixonados. Ele sorriu para mim, fazendo com que eu parasse de respirar.
— Então vamos lá, Kany, precisa me contar tudo que está acontecendo na faculdade! Estou nervoso pela formatura que se aproxima. — Pintei um sorriso no rosto e assenti, voltando a lavar a louça.
— Estou apenas estudando por lá, não tenho tempo para mais nada... Não tenho uma amiga de quarto, tive sorte de conseguir um privativo, o que me deixa mais à vontade para estudar durante a madrugada... Você sabe como sou apreciadora das madrugadas. — Deixei-me contaminar pelo seu entusiasmo por conversar com a sua amiga, e consegui deixar de lado a parte romântica do nosso relacionamento, focando apenas no amigo que via em Mik.
— Não é possível que seja tão chato assim! — Ele sentou-se por cima da bancada de mármore da pia.
— Você achou que fosse que nem nos filmes? Sinto desapontar, é uma chatice. — Terminei de lavar a louça e sequei minhas mãos no pano de prato, o colocando por cima do meu ombro e sorrindo para Mikhail.
— Não, mas um pouco mais divertido pensava que seria, se quer saber da minha opinião. Não te convidaram para nenhuma festa? — Escorei-me na bancada, cruzando os meus braços no peito.
— Estudantes calouros de filosofia? Acha mesmo que somos convidados para as festas? Sinto desapontar, mais uma vez, mas não somos convidados pelos veteranos. — Ele riu e pegou um biscoito de doce de leite, o mordendo enquanto me encarava nos olhos. Minhas bochechas ficaram coradas, pois meus pensamentos corriam por um ambiente obscuro, algo normal para uma mulher adulta, mas não envolvendo um menor de idade.
— Espero que sua vida seja um pouco mais agitada quando sua hierarquia estudantil mudar. — Dei os ombros.
— Não estou muito incomodada se quer saber, preciso focar nos estudos para conseguir uma bolsa para o doutorado. — Ele me deu um beijo na bochecha quando tornou a ficar de pé à minha frente.
— Estarei torcendo por você, Kamy. Você é uma menina incrível. — Quando ia responder, fomos atrapalhados por um Petrus bastante animado.
— Zalika está quase chegando, pensei de fazermos algum jogo legal, já que vamos ficar todos sozinhos por aqui... Você não quer convidar a Page? — indagou Petrus. Meu corpo gelou naquele momento, mas o mais estranho foi que senti que Mikhail também pareceu incomodado.
— Não, ela está na casa de uma amiga hoje, se não me engano. — Petrus deu os ombros e logo saiu, satisfeito com a resposta do amigo.
— Ei, se quiser convidá-la, não tem problema... — Dei um sorriso que não alcançou meus olhos, e sinto que ele também conseguiu ver isso, pois colocou suas mãos no bolso da calça jeans e suspirou pesadamente.
— Não, vamos deixar para outra oportunidade... Faz tempo que não ficamos juntos... Como amigos. — Umedeci meus lábios e assenti. Ele seguiu o caminho da minha língua, mas também pareceu acordar dos seus devaneios.
— Bom, vamos para a sala, não podemos ficar para sempre nesta cozinha. — Não esperei que ele me respondesse, fui à frente, tentando respirar fundo e me acalmar.
Sentamo-nos no sofá confortável da sala, ele era grande, pois virava uma enorme cama de casal para as visitas que vinham pernoitar aqui em casa. Liguei a televisão e senti a perna de Mikhail encostar na minha, sendo amenizada a sensação por causa das nossas roupas. Se não estivesse com calças jeans, teria entrado em combustão pelo simples toque. Fiquei um tanto duvidosa, com pensamentos a mil, pois em um enorme sofá, ele resolveu se sentar extremamente perto de mim. Troquei de canal —, não pensaria sobre isso agora, senão surtaria.
Não tardou para meu irmão voltar acompanhado da sua namorada, que parecia mais velha do que eu mesma. Ela era morena, com lindos olhos castanhos, um corpo cheio de curvas bem desenhadas, seios avantajados e um sorriso doce. Era uma boa menina, sempre tirando notas boas e obedecendo os pais, o tipo exato para o meu namorado. Ela largou sua bolsa no aparador da sala e deu um selinho no meu irmão. Virei o rosto para a televisão novamente com a finalidade de lhes conceder um pouco de privacidade.
— Desgruda dele, Zalika, tem mais gente aqui nesta sala — comentou Mikhail.
— Você é um chato, moleque — respondeu a menina. — Olá, Yanka! Como você está? — Me levantei e abracei a menina. Tínhamos desenvolvido uma boa relação de convívio.
— Estou bem, e você? Está tudo certo para a apresentação na interescolas? — Ela sorriu e se sentou no colo do meu irmão, que estava na poltrona à nossa direita.
— Sim! Estamos nos esforçando bastante para os debates, acredito que temos uma boa chance. — pisquei para a menina.
— Tenho certeza de que vocês levarão o prêmio!
— O que vamos fazer? Parece que não tem nada que preste passando na televisão às dez da noite — reclamou Mik.
— E se nós fizéssemos um jogo? — questionou meu irmão.
— Não estou afim de brincar de esconde-esconde, pirralho — respondi para o meu irmão, que jogou a almofada na minha direção.
— E o que você tem em mente, senhorita adulta?
— Vamos jogar um jogo de gente grande! Um que envolva muita bebida. — os presentes ficaram um tanto temerosos, mas meu sorriso ladino os convenceu.
— Bom, mamãe não voltará até domingo de tarde, então podemos tomar um pouco de bebida — Rolei os olhos para a caretice do meu irmão.
— Está na hora de vocês se embebedarem um pouco, são todos muito certinhos.
Levantei-me, indo até a estante onde mamãe guardava suas bebidas preferidas. Me agachei e escolhi a melhor de todas, uma boa vodka para misturar com o suco de maracujá que ainda tinha na geladeira. Se eu fosse oferecer a bebida pura, ninguém tomaria, pois são todos inexperientes.
Retornei da cozinha já com a mistura rápida e alguns copos para tomarmos a bebida alcoólica. Todos me olharam meio desconfiados, mas não questionaram minhas escolhas. Me sentei no tapete — de frente para a mesa de centro —, colocando uma garrafa no centro da mesa.
— Venham logo se sentar, vamos jogar "eu nunca" e estou animada para descobrir o que vocês, caretas, já fizeram... E a julgar pelo rosto de vocês, sinto que beberei todas.
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