Capítulo 5 - parte 2 (rascunho)
Apolo caiu em um sono profundo e só acordou quando ouviu um grito agudo e assustado. Levantou-se às pressas e correu para a sala, deparando-se com a sua empregada parada na soleira, tremendo.
– Matilde! – exclamou ele –, o que foi que aconteceu?
– A estátua, senhor, a estátua começou a andar e a falar esquisito. Depois foi embora.
– Estátua? – perguntou Apolo, sem entender porque ainda estava meio sonolento. – Mas que raio de estátua? Eu não tenho estátuas, só quadros!
– Era uma estátua de lata; um homem de lata em tamanho natural, senhor – respondeu, ainda tremendo. – Falou de um jeito esquisito que não entendi e, quando gritei, saiu.
– Só pode ser Allan – disse Apolo, rindo. – Matilde, não é uma estátua e sim uma armadura de cavaleiro medieval. Tenho um primo de Portugal que veio passar uns tempos aqui, talvez até trabalhar, e ele é meio excêntrico. Comprou uma armadura de cavaleiro da idade média e deve ter sido isso que você viu.
A empregada suspirou, aliviada e Apolo voltou a sorrir. Ela olhou para os lados, como se procurasse.
– É só um homem normal? – perguntou a mulher, uma senhora dos seus cinquenta anos, bonachona. – Apenas isso?
– Mais normal impossível. Meio doidinho, mas normal – continuou, após encolher os ombros. – Para onde ele foi?
– Para o jardim, senhor – respondeu ela. – Devo preparar café para dois?
– Faça isso, por favor – pediu Apolo. – Vou-me trocar e volto para ver meu primo.
Sem esperar confirmação, o jovem feiticeiro foi para o quarto trocar-se às pressas. Depois, lembrou-se que podia ter feito tudo com um estalar de dedos e fez uma careta. Logo a seguir, dirigiu-se ao jardim, atrás do amigo. A casa era grande e o pátio tinha um gramado bem cuidado e de tamanho apreciável. Não muito longe da piscina, viu o cavaleiro.
– Bom dia, Allan – disse, quando chegou mais perto. – Meu caro, você não pode andar de armadura nos dias de hoje. Além de ter dado um tremendo susto na empregada, se for para a rua será preso e internado em uma instituição de doentes mentais.
– Bom dia, Apolo – disse ele, tirando o elmo e dando um sorriso gentil. – Desculpai-me, mas acho que foi uma pequena saudade. Coisas do hábito. Sabeis que é muito difícil vestir a armadura sem um pajem? Vós precisais de começar a aprender a combater. Por isso, também coloquei a armadura.
– Imagino que seja bem difícil – disse Apolo, sorrindo. – Mas agora o senhor vai tirar essa carcaça e vamos tomar café. Depois disso, nós vamos ao meu escritório e vou mostrar para o senhor o que é uma pistola e como o seu equipamento se tornou obsoleto para os dias atuais.
Allan obedeceu e, para alívio da empregada, apareceu na sala de jantar sem armadura. Feitas as devidas apresentações, ambos sentaram-se a tomar café. Após, Apolo levou o amigo para o escritório e, de uma gaveta, retirou uma pistola nove milímetros.
– Isto é uma arma moderna das mais básicas – disse. Tirou o pente e mostrou as balas. – Estes são os projéteis. A arma atira estes projeteis contra o alvo em grande velocidade, destruindo-o. Esta arma foi feita para uso defensivo e ofensivo para pequenas distâncias e tem uma potência mediana. Há coisas incomparavelmente mais fortes do que ela e do mesmo tamanho, ou quase.
– Mas não se pode lutar com isso, é pequeno demais e os tais projéteis jamais seriam capazes de furar uma armadura. Estou certo de que nunca poderíeis me ferir com isso.
– Vamos ao jardim – disse Apolo, levando a arma. – Eu não pretendo destruir a sua armadura, então vou criar uma chapa de ferro igual.
Em um canto, perto da piscina, o feiticeiro concentrou-se e fez surgir um peitoral de armadura, idêntico ao do cavaleiro.
– Acha que esta peça é similar à sua?
Allan pegou-a e sopesou-a.
– Com certeza é mais robusta – respondeu. – O peso é bem maior.
Apolo encostou-a em uma árvore e puxou o amigo pelo braço, afastando-se uns quinze metros. Ergueu a pistola, destravou-a e engatilhou a arma. Apontou com cuidado e disparou.
Allan deu um salto para trás, assustado, e Apolo olhou para ele, rindo. Fez sinal para o alvo:
– Vá lá ver, meu amigo. – Allan obedeceu e aproximou-se. De olhos arregalados, olhou ora para a arma, ora para a placa onde havia um buraco no peito. – Entendeu? Não adianta usar armadura, sem falar que não é qualquer um que pode portar uma arma em público.
Voltaram para dentro e o cavaleiro medieval manteve-se calado. Ambos sentaram-se no escritório, após Apolo guardar a arma e, curioso, ele perguntou:
– O que o preocupa tanto, Allan?
– Bem – disse, após pensar um pouco. – Quando sir Morgan me mandou para cá, pensei que eu seria útil, mas vejo que não tenho mais serventia. Não entendo o que ele desejava e estou certo que a intenção de me salvar da morte não pode ter sido o único propósito dele. Ele sabe demais e há coisas que nem mesmo para vós posso falar até que aconteçam. Isso não se encaixa!
– Vejamos, meu amigo – começou Apolo, pensativo. – Vamos por partes. Como lutador, você é muito bom porque vi aquela escaramuça no posto de gasolina e até participei dela. Mesmo assim, não é páreo para me enfrentar em um corpo a corpo mas eu tenho treinamento desde criança, ou seja, não me encaixo na média. Como guerreiro, você não tem poder para enfrentar os armamentos modernos, mas sabe coisas que eu e os meus contemporâneos não sabemos mais porque são desnecessários, só que aquilo que nos aguarda também não é desta época, logo, pode haver algo que as nossas armas não consigam vencer.
– Essa vossa exposição faz algum sentido, mas ainda não me parece determinante.
– É possível – concordou o feiticeiro. – Ainda temos o caso dos meus poderes que não domino direito, mas você também não é um mago.
– É verdade, essa parte, Apolo, mas há algo que deveis saber sobre isso – explicou Allan. – Eu tenho uma certa particularidade que me torna quase que imune aos magos. Se me fizerdes uma maldição ou feitiço, ele ou não funcionará ou será muito fraco.
– Mas isso já por si é um grande passo, pois não vamos enfrentar uma coisa qualquer e sim um bruxo.
― ☼ ―
A segunda-feira amanheceu chuvosa. Apolo não repetiu a experiência de tentar localizar Helena porque ainda sentia um pouco o efeito do susto que e o mal-estar que passou.
Deixou Allan em casa a ler alguns livros de história que selecionou para ele, já que o cavaleiro lia português, e foi para o trabalho, prometendo voltar cedo. Na volta, achou válido que ele lhe ensinasse táticas de combate medievais, da mesma forma que começou a lhe ensinar kempô. Passaram assim a semana e os empregados já se haviam acostumado a ele e à armadura que ficava no seu quarto, parecendo um homem de ferro em vigília à sua cama.
Apolo também aproveitava para treinar o uso dos poderes e gostava bastante de brincar com os raios, para deleite do amigo. Ele sentia-se de tal forma bem com as tempestades que o que mais usava na sua magia era isso, tornando-se hábil na arte de criar trovões, lançar raios, produzir água e fogo e cavalgar o vento.
Na sexta-feira, o telefone tocou no horário do almoço e viu que era a Mônica. Feliz, atendeu.
– Sentiu a minha falta, anjo? – perguntou, brincalhão.
– "Ei, essa deixa é minha, safado" – respondeu a garota, rindo tão alto que ele afastou o fone do ouvido. – "Senti tanta que acabei de pegar uma passagem para passar o fim de semana com você na cidade maravilhosa, a menos que não me queira por perto."
– Caraca, isso é legal porque também tô sentindo muito a sua falta. A que horas o avião chega?
– "Dezesseis e quarenta, mineiro de araque" – respondeu ela, voltando a rir. – "Vai me pegar no Santos Dumont?"
– Estaremos lá, meu amor.
– "Estaremos?"
– Esqueceu que tenho um apêndice do século doze?
– "Tinha esquecido esse trem, sô." – disse Mônica. – "Desde que ele não fique na mesma cama que nós dois, tudo bem, uai."
– Uai, sô – disse Apolo. – Cê já vem que vem...
– "Temos que unir o útil ao agradável e tenho muitas novidades para você. Preciso desligar. Amo você."
– Beijo, anjo, mal posso esperar.
Apolo desligou o telefone e ficou olhando para ele por algum tempo. Depois sorriu e colocou no bolso. Sentia-se contente com a vinda da amiga e lembrou-se que precisaria de reagendar uma reunião. Ligou para a secretária, solicitando que remarcasse todos os compromissos e informou que não voltaria ao escritório. Almoçou com toda a calma e, depois, pegou no carro e foi para casa, torcendo que o túnel não estivesse congestionado. Não tinha o trânsito vazio, mas fluía bem e foi da Barra da Tijuca para Copacabana em pouco mais de meia hora. Ainda havia muito tempo para sair, por isso tratou de instruir os funcionários a deixarem tudo pronto para uma hóspede.
Na hora indicada, chamou Allan para irem ao aeroporto. O cavaleiro, que nada perdia com o olhar, perguntou:
– Vamos pegar a vossa amiga onde?
– No aeroporto – respondeu ele. – Ela vem de avião. Lembra a máquina voa e vem em alta velocidade.
– Sei o que é um avião, Apolo – disse ele. – Vi na televisão, mas, com certeza, deve ser muito mais interessante frente a frente.
– É engraçado – comentou Apolo. – Todo mundo achava que um homem que viesse do passado seria um sujeito supersticioso e incapaz de compreender as coisas e que seria muito deslocado, mas vejo que todos erraram nas suposições. Você reage bem, aprende muito rápido e tem a mente aberta para as coisas novas.
– De fato, não imagino porque os outros me podem tomar por idiota – comentou Allan. – É verdade que o choque é grande, mas depois que passa o primeiro impacto, vale a pena aprender a aproveitar as maravilhas do seu tempo. Aprendi muito, especialmente lendo os livros que me indicou. Pelo que li de História, acredito que talvez os estudiosos se baseassem em pessoas hipotéticas que viessem dos tempos da inquisição porque a liberdade de pensamento naquela época era demasiado restrita. Com certeza essas pessoas sofreriam muito.
– É provável que você tenha razão, Allan – disse o amigo, suspirando. – Fico muito feliz que veja as coisas assim.
Estacionaram e, como ainda era cedo, Apolo levou o amigo a um lugar onde podia ver os aviões decolando e pousando. Ele controlava o painel de avisos e disse:
– Aquele avião ali – apontou o que pousava –, deve ser o dela. Vamos para a sala de desembarque aguardar porque Mônica não deve ter malas e sai rápido.
Desceram e aguardaram a chegada da garota mineira, que ainda demorou uns vinte minutos. Tão logo a porta se abriu ela apareceu e a previsão sobre a bagagem estava certa porque ela tinha apenas uma mochila na mão. Atirou-se ao colo do amigo, lascando-lhe um longo beijo, muito feliz.
– Que recepção maravilhosa – disse Apolo rindo.
– Tava com saudades, sô – disse. Só então notou a amigo ao lado do Apolo e sorriu. – Oi, você deve ser o Allan. Desculpe, sou Mônica.
– Boa tarde, Mônica – Allan sorriu. – Sois mais bonita frente a frente do que na foto do telefone, muito mais.
– Ei, Allan, nada de cantar esta daqui que já é da minha seara, viu? – disse Apolo, rindo. – Bem-vinda à cidade maravilhosa, anjo.
– E você vai ter que me mostrar tudo, viu? – exigiu ela, fazendo um beicinho. – Quero ver o Cristo, o Pão de Açúcar, pegar uma praia, bares...
– Melhor se mudar logo para cá e daí já vemos aquele outro lance... – disse ele pegando a mochila da moça e sendo interrompido.
– Não se afobe, amor – disse Mônica rindo. – Temos muito que conversar sobre tudo, viu?
– Tá bom. Vamos logo.
– Então, já aprendeu a fazer algo mais forte que pragas e entortar colheres?
– Depende do seu parâmetro para forte, anjo – abriu a porta do carro e ela entrou. Esperou Allan entrar e ligou o veículo. Àquela hora era preciso um pouco de paciência para chegar a Copacabana, mas a garota estava tão alegre e sorridente que o tempo parecia não existir. Allan falava pouco porque ainda sentia-se meio sem jeito com ela, mas participava da conversa com respostas e cortesia, contando em especial como reagia ao mundo moderno, que ele simplesmente estava amando.
Tão logo chegaram, Mônica brincou:
– Uau, isso é que é vida hein, amor. Quem diria no tempo da escola que você acabaria neste vidão? Eta trem bão!
– Não me queixo da minha vida, anjo – respondeu ele. – O que vocês acham de tomarmos um bom banho e depois sairmos a um bar e também jantar fora?
– Maravilhoso – disse ela. A seguir perguntou. – Onde fica o nosso quarto?
– Vamos – respondeu ele, pegando a sua mão. – Com licença, Allan.
– Gato, a sua casa é linda – disse ela, enquanto se despia e puxava a amigo para o banho.
– Que bom que gostou dela. Quanto tempo pretende ficar?
– Uns poucos dias, amor, mas vai dar para a gente se divertir e pôr tudo em dia. Mais tarde conversaremos, mas apenas nós dois. Amanhã preciso comprar umas roupas que não trouxe quase nada.
― ☼ ―
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