Capítulo 5 - parte 1 (rascunho)
"Pior que a dor de uma mágoa é magoar a pessoa amada, assistir o seu sofrimento e não poder mudar o passado."
Rafael Rômulo Cardoso.
Apolo enfiou-se debaixo do chuveiro e procurou relaxar bastante. A seguir, colocou uma roupa confortável e sentou-se na cama, pensativo. Olhou para a mesa de cabeceira onde tinha deixado alguns pertences seus e havia uma fotografia da Helena, por acaso uma em que estavam ela e Mônica juntas, a rir. Lembrou-se da experiência iniciada no hotel, durante a viagem, e decidiu repetir a dose.
Tentou de várias formas até começar a ficar cansado, mas o resultado era nulo. Simplesmente não via nada a não ser as próprias mãos. Frustrado, deixou as coisas acontecerem no seu ritmo normal e tratou de se recostar e relaxar um pouco.
Estava tudo tão quieto que tomou um susto quando o telefone tocou o alarme que programara e descobriu que dormiu cerca de duas horas, sentindo-se revigorado. Foi desligar o aparelho e viu a Turmalina Negra, lembrando-se que ela inibia certas atividades mágicas, segundo Allan, descobrindo por fim o motivo do fracasso enorme que sofreu antes. Olhou a hora e notou que aquele momento não seria adequado para uma experiência daquelas porque aproximava-se o momento de sair e não desejava interromper no meio.
Levantou-se e olhou-se no espelho. Ensaiando os seus poderes, fez com que novas roupas surgissem no lugar das anteriores e sorriu divertido, imaginando a miríade de possibilidades.
Foi ao quarto do amigo e bateu à porta, encontrando-o compenetrado a ver o noticiário na televisão.
– Salve, Apolo – disse Allan, levantando-se. – Via a televisão. Esse tal de jornal é bastante informativo. Aprendi muitas coisas.
– É esse o seu objetivo primário, meu amigo. Narra fatos. Infelizmente, nos dias de hoje algumas vezes as notícias são manipuladoras e tendenciosas, mas esse canal mantém-se bem imparcial. Pronto para sair?
– Quando desejardes, Apolo – Allan fez uma mesura leve. – Eu estou pronto há algum tempo.
Entraram no carro e Apolo preferiu ir a um shopping por ser mais prático, aproveitando para comprar algumas roupas para o novo amigo. Allan estava de tal forma fascinado com as novidades que até parecia um caipira pela primeira vez na cidade grande, o que não deixava de ser a mais pura verdade. Como era uma pessoa muito inteligente, optava por observar em silêncio e procurar aprender ou imitar, na medida do possível. Nunca imaginou que encontraria lojas ricas e cheias das mais variadas coisas em um lugar muito limpo e ordenado.
Enquanto Apolo olhava algumas roupas em uma loja de departamentos, ele chamou-o de forma discreta:
– Vede, ali – disse, apontando um balcão não muito longe de onde estavam. – Aquele sujeito é um ladrão.
– É verdade – confirmou Apolo. – Sempre tem um desses, perdido por aí.
– Vamos pegá-lo.
– Não podemos chamar a atenção para a sua pessoa e esse trabalho é dos seguranças – afirmou Apolo, preocupado –, mas confesso que não me agrada deixar um ladrão desses fazer das dele. Por sinal, parabéns pela observação porque ele é bem discreto.
– Certa vez, o rei Henrique pediu que eu fosse cuidar do mercado porque um bando de ladrões agia lá. Disfarcei-me de plebeu e fiquei muito tempo observando. Acho que adquiri uma boa prática na arte – explicou o cavaleiro, distraído. – Tentai usar os vossos poderes, Apolo. É até uma forma de treinar.
– Boa ideia – respondeu o amigo, pensando em uma magia adequada e de efeito. – Mas tem tantas formas de fazer isso...
– Melhor apressar-vos porque ele vai sair.
― ☼ ―
Jardel estava satisfeito com a coleta que fez. Todos os produtos que conseguiu roubar eram desprovidos de sensores para o alarme e agora bastava sair, como se não devesse nada para ninguém. Para seu deleite ainda passaria debaixo das barbas do segurança. Eram dois, um de cada lado da porta e mais seis circulando dentro da loja, mas nenhum foi capaz de superar a sua habilidade.
Agora, faltavam apenas dois metros para chegar à saída e passaria ao alcance do segurança. Já rejubilava por dentro, colocando um dos pés na rua quando teve uma vontade incontrolável de esbofetear o homem, que mais parecia uma muralha, de tão grande. Sem pensar duas vezes, meteu um vigoroso tabefe no sujeito. Tão forte que chegou a sentir a mão ardendo.
Não chegou nem mesmo a entender por que motivo fez aquilo porque foi agarrado pela mão e sofreu uma chave de braço tão forte que pensou que teria o membro arrancado pelas juntas.
Jardel soltou um grito de dor e inclinou-se para a frente, fazendo com que todo o produto do roubo caísse.
― ☼ ―
Rindo, o segurança fez sinal para um colega no outro lado da porta e seguraram bem o meliante, enquanto recolhiam as mercadorias furtadas. A seguir, arrastaram-no para uma sala isolada e o sorriso do homem era tão grande que Apolo até ficou com pena do criminoso porque estava estampado na cara do segurança que lhe ia aplicar uma sova de respeito, mais do que merecida, na sua opinião.
– Devo admitir que haveis usado um método nada ortodoxo, mas deu certo – disse Allan –, mas, se os dias de hoje ainda forem como no meu tempo, acredito que esse aí nunca mais vá roubar, isso se sair vivo.
– Com certeza vai levar uma surra fenomenal, mas ninguém o vai matar – disse Apolo. Sorriu e continuou. – Sinto que estou mais hábil a cada dia que passa, mas preciso de aprender a combater com magia.
– Sim, sois inexperiente nisso – constatou Allan. – Do contrário não teríeis lutado com aquele bando, quando viemos porque bastaria um pouco da vossa magia. A partir de amanhã começaremos a treinar a arte dos combates. Sir Morgan deu-me sugestões.
– Veremos isso amanhã – falou Apolo, distraído. – Vamos embora que já comprei tudo o que precisávamos.
― ☼ ―
Antes de se deitar, Apolo colocou o cristal protetor na cômoda, a uns dois metros dele de forma a cumprir os requisitos para anular o efeito defensivo da turmalina. A seguir, apagou todas as luzes exceto uma pequena lâmpada regulável, que ficou em uma penumbra tão cerrada que era impossível distinguir cores e ajeitou-se na cama de forma bem confortável.
Relaxou e olhou um ponto aleatório no espaço, procurando não pensar em nada que não fosse a Helena.
Focou a mente na lembrança dela, visualizando o rosto da garota como se estivesse bem ali, à sua frente. Uma imagem difusa apareceu e reconheceu nela a manifestação do poder, tal como foi no hotel. Prestou atenção na moça que surgiu, olhando apaixonado para aquele rosto de anjo. A visão firmava-se e ele reconhecia até as cores. Era como se estivesse em uma janela a observar a ex-colega, tal e qual um voyeur inocente. Notou que a imagem ampliava, parecendo que o seu espírito corria para lá e não mais estava na cama. Sentia-se leve, a flutuar no nada, mas a visão dela dava-lhe um êxtase de paixão.
– "Helena, sou eu" – disse, na esperança de que ela ouvisse, mas era incorpóreo e acabou recriminando a si mesmo por pensar tal bobagem. Notou, entretanto, que ela olhou em volta, assustada. Achou prudente não dizer mais nada e ficou apenas a olhar o seu rosto.
Ela parecia estar na praia, em algum lugar do Rio, talvez na Barra da Tijuca, pela aparência. A seguir, a imagem mudou. Foi rápido e não mais estava na praia e sim na faculdade, estudando. O seu telefone tocou e ela atendeu para logo a seguir sair a correr em prantos. Aflito, Apolo desejou consolá-la, mas nem sabia o que foi que lhe aconteceu. Helena chamou um táxi e o feiticeiro entrou ao seu lado, preocupado com o estado da mulher. Meia hora depois, com a garota sempre chorando, o carro parou em um hospital e a coitada desceu.
Foi levada a um lugar reservado para se deparar com os pais em macas, mortos. Pela aparência deles, Apolo calculou que fosse acidente de trânsito. Desesperada, Helena abraçou um e outro, chorando sem parar. Foi deixada sozinha e o mago estava muito infeliz e aflito por ela. Sentiu algo estranho e quente, descobrindo que não era mais incorpóreo, tendo se materializado bem ao lado dela. Aproximou-se devagar e colocou a mão no seu ombro.
Assustada, Helena virou-se e viu Apolo, que a puxou com toda a delicadeza, abraçando-a pela cintura com uma mão enquanto a outra pegava a sua nuca, fazendo um carinho suave e oferecendo o ombro para a moça, que apoiou o rosto e chorou ainda mais.
– Minha doce Helena – disse ele. – Não sei o que dizer a não ser que sinto muito, muito mesmo.
Ela apertou-o mais e acalmou-se um pouco, permanecendo abraçada e encostada no seu ombro, fungando. Apolo ergueu a mão e fez surgir um lenço. A seguir, afastou-se e pegou o rosto da garota, limpando-o com todo o cuidado.
– Sabe – disse ele. – Bem sei que não é a hora mais apropriada para falar, mas você não imagina a falta que me faz olhar para si todos os dias e principalmente dizer que a amo tanto.
Helena aproximou-se mais e Apolo acariciou-lhe o rosto, olhando direto nos seus olhos e puxando-a devagar até que os lábios de ambos se tocaram e começaram um beijo terno. O seu coração começou a bater tão forte e descompassado que se assustou e o elo foi quebrado.
A sensação foi horrível porque abriu os olhos e deu um salto na cama, ofegante e tremendo um pouco.
Frustrado e muito triste, deu por si de volta. Levantou-se para tomar um pouco de água e descobriu que se sentia fraco, com as mãos tremendo um pouco e calculando que esse fluxo de magia devia consumir muito o mago, mas ele precisava de tentar de novo.
Voltou a se deitar e insistiu mais uma vez. Não demorou muito para que sentisse a magia acontecendo e, em pouco tempo, flutuava perto dela, mas não era o mesmo lugar. Era barulhento e com iluminação fraca, cheio de fumaça. Olhou em volta e notou que se tratava de um bar. Voltou a prestar atenção em Helena e viu que usava avental; logo, ela trabalhava ali, com toda a certeza uma garçonete. O seu olhar era muito triste, quase apático. Já devia ser tarde e Helena parecia cansada, mas caminhava para o fundo do recinto e tirava o avental, sinal de que o seu turno terminara. Apolo acompanhou-a, prestando atenção em cada nuance sua.
Saiu de forma discreta e a rua estava deserta, o que lhe dava preocupação e medo, fazendo com que andasse com muito cuidado e olhando para todos os lados.
Caminhou meia hora e entrou em um prédio caindo aos pedaços. Subiu dois lances de escada e andou mais uns poucos metros até ao fim do corredor, entrando em um apartamento. Era um cubículo minúsculo, não mais do que um recinto de três por quatro metros que fazia as vezes de quarto e sala, com um banheiro sem porta e uma pia ao lado.
Preocupado e triste por ela, Apolo deu-se conta de que Helena vivia de forma miserável e não entendia direito o motivo porque os pais não eram ricos, mas também não eram mal de vida. Algo de grave deve ter acontecido após a morte deles. Ele desejava aparecer fisicamente para ela, como foi no hospital, mas a verdade é que não tinha a menor ideia de como fazer aquilo.
Helena sentou-se na cama e tirou os sapatos, massageando os pés com uma careta desagrado. A seguir, tirou o vestido e Apolo até que tentou não olhar, mas falhou por completo. Viu a moça pôr uma camiseta folgada e uma bermuda confortável. A seguir, ela pegou um caderno pequeno que tinha na gaveta do criado-mudo e abriu na primeira página. Pasmo, Apolo viu que ela olhava uma foto dele e acariciava a sua face. Desejava com cada vez mais intensidade aparecer para a moça, mas não conseguia fazer. Era mais do que óbvio que havia uma lacuna temporal ali e devia ser esse o motivo, mas antes também foi assim, só que agora ele ouvia ruídos e sentia cheiros, coisa que não ocorreu na primeira vez senão depois que apareceu para ela. Os devaneios foram interrompidos por pancadas na porta. Ela abriu e apareceu um homem com cara de poucos amigos.
– O aluguel venceu – disse ele, estendendo a mão.
– Desculpe, mas o pagamento só sai amanhã – respondeu a moça, lacônica. – Pagarei com juros.
– Todo mês é a mesma coisa, mulher – disse ele, entrando. Olhou para Helena de alto a baixo e continuou, fechando a porta e aproximando-se com um sorriso cruel. – Hoje você vai pagar de outro jeito.
Assustada, Helena começou a recuar, sentindo o que a esperava. Ofegante e exalando medo, disse:
– Por favor, amanhã pagarei, mas vá embora. Você não quer fazer isso.
– Mas claro que quero – respondeu ele estendendo a mão e apalpando a moça que saltou para trás com um grito. – Você é gostosa demais...
Apolo sentiu uma ira incontrolável. Foi algo que jamais imaginou ou concebeu, em especial quando, com um gesto rápido, o homem rasgou a roupa dela, que começou a gritar por socorro. Nesse momento, sentiu mais uma vez que estava ali de corpo físico e não pensou duas vezes. Avançou e agarrou o homem pelo pescoço, afastando-o dela. O molestador virou-se e Apolo chutou-lhe o peito com violência, tanta que ele voou e colidiu com a pia, caindo atordoado.
– Ó, meu amor, o que foi que aconteceu com você? – perguntou o feiticeiro, agoniado. Abraçou-a com doçura e pôs a mão no bolso, tirando um maço de notas. – Tome, guarde para si e me procure, me procure que você é tudo para mim. Eu cuidarei de você, juro.
Um ruido nas suas costas mostrou que o criminoso levantou-se e queria briga. Apolo virou-se a tempo de o ver empunhando uma faca que pegou na pia e não perdeu tempo.
– Estupradores têm que morrer – bradou, irado. Ergueu as mãos e raios jorraram delas para o corpo do bandido, que passou a gritar, envolto em uma luz branca acompanhada de uma cascata de alta voltagem. O seu corpo enegrecia e ele incendiou, ao mesmo tempo que Apolo ouviu gritos de medo atrás de si.
Isso foi a última coisa de que teve recordação porque, logo a seguir, acordou suando e tremendo de fraqueza. Sentou-se na cama com um mal-estar violento que lembrava uma ressaca. Ligou o ar-condicionado e olhou as horas, constatando que era cedo, mas que precisava de dormir porque ficou muito fraco e não tinha condições de repetir a façanha.
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