Capítulo 4 - parte 5 (rascunho)

Almoçaram em um restaurante na estrada e foi tudo tranquilo com um sir Allan que, além de falar muito estranho, ficava maravilhado com tudo. Como o sotaque lembrava bastante o de Portugal, Apolo fazia com que parecesse um português excêntrico. Após a refeição, ele pediu café para ambos e conversaram um pouco, com o jovem feiticeiro sempre explicando sobre o mundo moderno e o Rio de Janeiro. Allan não concebia a ideia de uma cidade em que o volume de habitantes superava com vantagem o total de britânicos da sua época. Para ele, seis milhões era um número além da imaginação.

Quando entraram no carro, Apolo pegou o celular e olhou as horas:

– É uma hora da tarde – disse, relaxado. – Se o trânsito ajudar, chegaremos pelas duas e meia.

– Esse instrumento também mostra horas?

– Claro, ele faz muitas coisas – disse, mostrando o relógio.

– Vejo que estais muito pensativo desde esta manhã – disse o guerreiro, solícito. – Algo vos preocupai?

– Não é nada de especial – respondeu Apolo, com um suspiro longo. – São lembranças do passado e preocupações com o futuro.

– Seria a dama com quem falastes nesse apetrecho o motivo?

– Ela também faz parte de um passado – respondeu ele. – E um passado agradável, apesar de tudo.

Apolo soltou outro grande suspiro e olhou para sir Allan, perguntando:

– Você, que convivia com Morgan; via como ele fazia as suas magias?

Sir Morgan é o nosso feiticeiro mais forte e um bom amigo, Apolo – respondeu, correspondendo ao olhar. – Sim, estive muitas vezes com ele e presenciei várias delas onde usou seus poderes. Na maior parte das vezes, ele apenas pensava e pronto. Os outros feiticeiros, exceto Bryan, o demônio, e uns poucos, quase todos mortos por Bryan, entoavam cânticos ou recitavam versos e as suas magias eram fracas. Quando sir Morgan faz algo, é certo que se trata de um resultado concreto e grandioso.

– Alguma vez você viu Morgan apresentando imagens no ar?

– Variadíssimas vezes, Apolo – respondeu Allan, rindo. – Foi assim que ele me mostrou o vosso rosto, por exemplo.

– Sabe como funciona essa magia?

– Meu Deus, não – respondeu o cavaleiro, Atônito. – Não há como saber o que se passa na mente de um mago daquele nível. Às vezes ele fazia a imagem surgir em uma bolha de algo fervendo, outras dentro de um copo de água e outras ainda no ar, do nada. Como eu já disse, a sua magia é demasiado poderosa. Dizei-me, pretendeis ver algo ou alguém?

– Sim – respondeu lacônico. – Eu poderia identificar o paradeiro de meus inimigos e golpear antes, sem falar que há uma pessoa que desejo encontrar.

– Entendo, Apolo, mas deveis evitar qualquer tentativa de localizar o feiticeiro das trevas – disse Allan, incisivo. – Sir Morgan me orientou em algumas coisas e foi bem claro que, se usardes esse poder para localizardes um mago poderoso, ele poderá rastrear-vos com alguma facilidade, ainda mais que ele tem um perfeito domínio da sua magia, ao contrário de vós.

O cavaleiro meteu a mão no seu alforje, que deixara dentro do carro, e retirou um cristal negro, entregando-o.

– Conforme orientação de sir Morgan, se tivéssemos essa conversa, eu deveria entregar este cristal para manterdes convosco.

– Para que serve o cristal? – perguntou Apolo, pegando a pedra e olhando. A ele parecia apenas um pedaço de Turmalina Negra.

– Impedirá que sejais rastreado, mas também de rastreardes alguém, como um efeito colateral. Bloqueia a ligação nos dois sentidos. Isso manter-vos-á invisível para o inimigo, mas, no caso de precisardes de usar esse poder para alguma outra finalidade, devereis ficar longe da pedra por uma braça.

Apolo colocou a pedra no bolso e disse, distraído.

– Ontem consegui ver o rosto dela, mas preciso de muito mais, preciso de a localizar.

– Sois muito poderoso, Apolo – comentou Allan. – Segundo sir Morgan, deveríeis ser capaz disso apenas com um ano de prática.

– Meu, caro, faça um esforço para falar de forma mais informal, pelo amor de Deus – pediu Apolo. – Olhe ali à frente. Está vendo? É a periferia do Rio de Janeiro. Chegaremos em breve.

― ☼ ―

Desde que chegaram aos limites urbanos, sir Allan apenas observava, pasmo. Apesar de irem pela margem de São Gonçalo e por uma região nada bonita para turistas, ele não perdia um detalhe. O trânsito fluía sem dificuldade e não demoraram muito a chegar a Niterói para pegar a ponte em direção ao Rio. A proximidade da baía da Guanabara com aquela quantidade imensa de barcos para todos os lados dava-lhe uma sensação de imponência e prosperidade que não tinha igual na Bretanha do seu tempo. Assim que pegaram a ponte, ele viu a cidade ao longe e ficou extasiado.

– Linda, não acha? – perguntou Apolo. – Nós brasileiros temos muito orgulho dessa cidade, uma das mais belas do mundo.

– Imponente seria mais adequado – respondeu em um murmúrio, absorto. – Se o rei Henrique visse isto sentir-se-ia minúsculo, apenas uma pulga. Nada na Bretanha é lindo assim.

– A Bretanha dos dias de hoje chama-se Reino Unido e é formada por vários países da sua ilha, um deles a Inglaterra, é seu lugar de origem, Allan. Os ingleses são até hoje um povo muito rico e avançado, muito mais do que nós. A capital, Londres, também é uma das cidades mais belas que já conheci. Lembre-se sempre que quase mil anos o separam da atualidade.

O carro avançava veloz pela ponte quando Allan Apontou para a esquerda, de queixo caído.

– O que é aquilo?

– Um avião – respondeu Apolo. – Lembra-se que lhe disse que temos máquinas que voam em alta velocidade transportando pessoas para lugares longínquos em pouco tempo?

– Mas aquilo é enorme!

– Não, esse é de voos domésticos, não mais de cento e setenta passageiros – respondeu o amigo. – Há aviões bem maiores que atravessam o oceano. Se fossemos em um desses para o seu país, levaríamos dez horas, enquanto um barco do seu tempo demoraria meses. São muito rápidos.

– Isso até faz pensar que o mundo encolheu, Apolo – disse Allan, introspectivo.

– Não deixa de ser verdade, Allan. – Apolo sorriu. – A mais pura verdade.

Allan calou-se, aproveitando cada momento para olhar a cidade mais maravilhosa em que havia posto os olhos. Na hora em que viu a praia, ainda distante, suspirou.

– É demasiado belo – disse. – Esse sol e o mar. O nosso clima não é tão bom.

– Isso é verdade, mas também não precisava de ser tão quente.

Agora, na praia de Botafogo, Allan arregalou os olhos e espichou a cabeça até que o cinto de segurança o impediu.

– Mas, pelo amor de Deus, essas mulheres estão nuas! – exclamou, quase berrando. – O que raio vem a ser isso?

– Elas não estão nuas, Allan – respondeu Apolo, rindo. – Vestem um biquíni. Bem sei que não há muita diferença entre isso e nada em alguns casos, mas, nos dias de hoje, é assim mesmo. Afinal os homens estão de forma parecida, não viu?

– É verdade – disse ele. – Céus, isso tira a minha concentração. Por que não tiram logo tudo? Daria menos vontade.

Apolo deu uma grande risada, mas depois disse, já bem preocupado:

– Allan, em primeiro lugar, jamais mexa com uma mulher assim que será preso na hora se ela o denunciar. Em segundo lugar, a nudez total em público dá cadeia pois é conhecida como atentado violento ao pudor. Existem praias fechadas para aqueles que querem e gostam de praticar o nudismo, chamadas praias naturalistas, mas são muito isoladas porque não é permitido andar sem roupas em público. Antes de tomar alguma atitude, observe como os que estão à volta agem, mas lembre-se do que lhe falei. Aqui no Rio temos um alto índice de criminalidade, então mantenha atenção a tudo para não ser atacado à traição, especialmente o senhor que parece de cara com um turista.

– Seguirei vossos conselhos.

– Lembre-se de que temos leis muito mais rigorosas do que no seu tempo e também que nobres e plebeus, nos dias de hoje, não têm qualquer distinção. Até mesmo no seu país de origem, que ainda é uma monarquia, as coisas são assim.

– Vós não tendes monarca? – perguntou, espantado. – Como podeis ter leis rígidas se não há um monarca.

– Muito antes do seu país existir, meu amigo, os gregos inventaram um sistema de governo chamado democracia, onde a vontade da maioria impera. Depois, eles mesmos viram as deficiências graves da democracia que poderiam causar o seu fim e criaram a república. Neste país, somos uma república democrática presidencialista. – Apolo dirigia com calma e ia dando os mais variados tipos de aulas para o novo amigo, que ouvia com toda a atenção. O jovem feiticeiro notou que o cavaleiro medieval era muito inteligente e aprendia rápido, apesar de ser um pouco teimoso.

Apolo entrou em uma rua mais tranquila do bairro de Copacabana e seguiu por alguns quarteirões até chegar a uma casa cercada por muros altos. Parou em frente ao portão e apertou o botão do controle.

– A porta do castelo abriu sozinha! – exclamou Allan.

– Isto não é um castelo – ensinou Apolo, explicando sobre o controle. Estacionou na garagem foram para dentro. Apolo espreguiçou feliz e levou o amigo para o quarto de hóspedes.

Apesar de o jovem mineiro achar tolice, Allan não abriu mão de manter a armadura no quarto, perto dele, e os dois acabaram carregando aquela tralha pesada.

A seguir, Apolo mostrou onde era o banheiro, ensinou como usar o ar-condicionado e a televisão.

– Definitivamente, Apolo – voltou a dizer. – Vou gostar muito do vosso tempo.

– Nem tudo são flores, meu amigo. Muita gente vive bem mal. Você teve sorte em encontrar uma pessoa rica. A propósito, para todos os efeitos, você é um primo afastado que veio de Portugal conhecer o Brasil. Isso deverá explicar as suas excentricidades e as falhas da língua.

– Obrigado, Apolo – disse Allan, sorrindo.

– Bem, vou tomar um banho e descansar um pouco. Dirigir tudo isso é cansativo. Sairemos para jantar pelas vinte horas.

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