Capítulo 3 - parte 1 (rascunho)

"Quanto maior o poder, mais perigoso é o abuso."

Edmund Burke.


O casal passou os dias seguintes curtindo-se e treinando. Mônica era muito mais fraca que ele, mas tinha mais praticidade com as suas ideias para a magia. Por duas vezes voltaram a falar em filhos e Apolo passou a desejar muito que seguissem adiante com esse plano, chegando a manifestar essa intenção mais de uma vez. Rindo, ela disse:

– Vamos fazer um filhinho muito especial, sim, mas não será agora porque teria que ficar mais uma semana com você e não posso. Amanhã de noite preciso de ir embora porque aconteceram uns problemas no trabalho.

– Tá bom, mas era para irmos embora na sexta – disse ele, um tanto contrariado. – Semana que vem eu lhe mando uma passagem de avião para o Rio e fazemos o nosso filho lá.

– Calma, apressadinho. Me deixe resolver a minha vida antes de sair engravidando.

– Tá bom – resmungou ele. – Tem certeza que não pode ir na sexta?

– Uai, sô – disse Mônica, rindo. – É apenas um dia a mais, meu amor. Não se preocupe que a gente vai se ver antes do que imagina. Pelo jeito, entrei mesmo na sua vida, hein?

– Parece e eu gosto, não acha? – perguntou, afagando a garota que se aninhou no seu ombro. – A gente fabrica o nosso filho e você vem morar comigo no Rio. O que acha de morar em Copacabana bem perto do mar?

– Acho maravilhoso, mas só iria para a sua casa viver consigo com uma condição.

– Você não acredita mesmo que estou disposto a mudar um pouco e tentar ser feliz uma vez na vida, não é?

– Nisso eu acredito, meu amor, o que eu não acredito é que consiga. E pare de desejar filhos quando a gente transa porque você é um perigo.

– Caraca, não tinha pensado nisso – disse ele, rindo. – E agora, se você engravidou?

– Se tiver que ser que seja.

– Qual é a condição para você viver comigo?

– Que a encontre e resolva isso tudo. – Mônica respondeu à queima-roupa. – Se a encontrar e não ficarem juntos, eu aceito viver com você e criaremos nosso filho, juntos como um casal, mas nunca antes disso.

– E como acha que a vou encontrar?

– Use seus poderes, ora – respondeu ela. – Agora vamos dormir que você me deixou de perna bamba.

– E como seria o nosso filho? – perguntou, insistindo na conversa.

– Tem que ser sapeca, inteligente como o pai e bonitão também.

– Esperto como a mãe e com lindos olhos negros? – perguntou, fazendo-lhe uma carícia. – Eu amo os seus olhos!

– Bem, acho meus olhos bonitos, mas gosto muito mais do acinzentado dos seus ou o azul-claro da minha mãe. Ela tem olhos incríveis.

– Então uma linda criança sapeca, esperta, inteligente com olhos cinzentos ou azuis, cabelos castanhos... claros como os meus ou escuros como os seus?

– Claros. Gosto do seu cabelo.

– Certo, cabelos castanho-claros, nadador, mestre de kempô, e um baita mago, super-poderoso. Boa pedida.

– Tem mais essa, uai – disse ela, rindo. Com a voz dengosa, ajeitou-se mais nele e continuou. – Vamos dormir, vamos, meu amor?

― ☼ ―

Mônica dormia aconchegada no seu ombro, mas Apolo não conseguia adormecer. Pensava em tudo o que conversaram e o que aconteceu. Ele sabia que a sua paixão maior não lhe saiu da cabeça, mas a vontade de se estabilizar com alguém passou a ficar forte desde que Mônica começou a compartilhar o leito com dele. Era uma sensação boa e ela uma grande companheira, sem falar que desejou bastante, esse filho que conversaram.

Um outro lado seu dizia que, em breve, teria muito pouco tempo para uma vida pacata como a que levava antes de vir para aquelas bandas e foi então que se lembrou que, em todas as experiências e treinos que fez com a garota, nunca tentaram algo bélico. As suas experiências mágicas resumiram-se a coisas bem lúdicas e cheias de divertimento. Quando ela fosse embora, no dia seguinte, dedicaria o resto do tempo ali a algumas experiências nesse sentido. Aos poucos, acabou adormecendo para ser acordado com beijos.

― ☼ ―

Apolo sentou-se em uma cadeira de balanço no varandão da casa e ficou olhando para a noite que descia rápido, coisa bastante comum naquela latitude e época do ano. No horizonte, um raio caiu e ficou imaginando como seria dominar os raios e trovões que tanto o atraíam, achando que seria muito divertido bancar o Thor. Tranquilo, pensava em Mônica que se foi meia hora antes e não negou a saudade que passou a sentir, agora que estava solitário ali.

Ajudou-a a levar a mochila para o carro, no estacionamento ao lado da casa, e ficaram parados frente a frente, calados em um silêncio que perdurou um tempo razoável. No momento em que a situação beirava o embaraço, a moça aproximou-se bastante e pegou as suas mãos, olhando direto nos olhos.

– Sabe, meu amor – começou por dizer. – Em todos os meus vinte e sete anos de vida não me lembro de ter experimentado tanta felicidade, alegria e paz quanto foram estes poucos dias ao seu lado. Eu queria muito ter a sorte da Helena porque você é a alma mais doce, pura e apaixonante que já vi e agradeço muito que tenha cruzado o meu caminho porque me mostrou o que é amor de verdade.

– Eu já lhe disse...

– Não – pediu ela, colocando a ponta dos dedos nos seus lábios, calando-o. – Não diga nada, meu amor. Falamos sobre isso mais de uma vez, mas ainda nos veremos mais. Treine bastante os seus poderes que farei o mesmo para que não sejamos apanhados de surpresa. Lembre-se de aprender a lutar com eles porque nós esquecemos desse detalhe. Até mais. Amo você. Ela entrou no carro e foi-se embora.

Calado, lembrava-se de tudo e também que a presença dela lhe fez bem e agradou muito, tanto que já sentia saudades. Suspirou e pensou no que faria no dia seguinte, uma vez que era o único hóspede no momento. Depois disso, os pensamentos convergiram para Helena e ficou imaginando onde ela estaria, se estaria bem. Ele queria muito tê-la visto e o que mais lhe doeu com a brincadeira de mau gosto que lhe fizeram foi o fato de continuar sem saber dela e de ter tido a esperança de a ver, roubada. Decidiu não ficar se martirizando e levantou-se, entrando para jantar e dormir.

De manhã, quando se levantou, tratou de arrumar todas as coisas e procurou um bom esconderijo para o medalhão porque desejava exercitar-se um pouco ainda antes do café para depois ir a um lugar isolado praticar a magia. A ideia era nadar e treinar um pouco de kempô no gramado junto à piscina, espaçoso e bastante agradável, mas, desde a tentativa de roubo anterior, tinha medo de o deixar sozinho.

Descobriu que a melhor forma de o esconder era usando os próprios poderes para criar o esconderijo e, para isso, aproximou-se do espelho do quarto porque teve uma ideia maluca. Concentrou-se um pouco e tirou o medalhão do pescoço, estendendo a mão para o espelho de modo a atravessá-lo. De alguma forma macabra, a mão atravessou a matéria e ele alcançou o reflexo da mesa, deixando o medalhão nela. A seguir, afastou-se e olhou, satisfeito. Moveu a porta e o medalhão desaparecia sempre que não estava virado para a cômoda. Procurou tocá-lo, mas, sem usar os seus dons, não conseguia.

Satisfeito, fechou o armário, colocou a sunga e foi nadar por uma hora, dando braçadas vigorosas e tranquilas, exercício que amava praticar desde a mais tenra idade. Após, saiu e passou a treinar artes marciais no gramado. Quase no fim, sentiu-se observado e olhou para o lado pelo canto do olho, vendo uma mulher com a atenção fixa nele, compenetrada. Era linda e jovem, talvez uns vinte e um a vinte e quatro. Ela aproximou-se e sentou-se em uma espreguiçadeira, ficando apenas de biquíni para aproveitar o sol fraco da manhã. Apolo ignorou-a e concentrou-se nos movimentos que fazia até encerrar o exercício, pouco depois.

O feiticeiro parou e olhou para ela, que ainda o observava. Fez um aceno de cabeça e deu um sorriso cortês em cumprimento, indo para o chuveiro que havia à beira da piscina e ficava bem ao lado da recém-chegada. Lavou o suor do corpo e ouviu:

– Você é bom, muito bom mesmo – disse ela. – Trabalha aqui ou é hóspede?

– Não trabalho – respondeu o jovem. – Estou aproveitando o último dia de férias. Você deve ter chegado hoje bem cedo, imagino. Oi, meu nome é Apolo.

– Prazer, Apolo – afirmou a mulher com um sorriso. – Sou Tânia. É verdade, chegamos aqui hoje bem cedo. Tem alguma sugestão sobre este local?

– Depende do que gosta, mas garanto que opções não faltam. Você pode cavalgar, se souber; há um lago com cachoeira de águas transparentes a um quilômetro daqui; o açude para pescar e umas cavernas na montanha a meia hora de cavalo, entre outras pequenas coisas, sem falar na grande paz do lugar.

– Tem razão, Apolo – concordou Tânia. – São excelentes opções. Pretende fazer alguma coisa?

– Bem, agora vou-me trocar e tomar café – respondeu ele sorrindo. – Depois, vou fazer caminhada.

– Isso parece uma excelente ideia, Apolo – disse ela. – Seria incômodo se o acompanhasse? Claro que não desejo atrapalhá-lo, mas meu namorado dormiu e fiquei sem companhia para nada e assim aprenderia alguma coisa sobre o lugar.

Apolo desejava ficar sozinho, mas não quis ser grosseiro e havia tempo para o resto depois. Por isso, respondeu:

– Óbvio que pode vir. Terei muito prazer na sua companhia.

– Obrigada, será excelente – disse Tânia, levantando-se. – Que tipo de roupa devo usar?

– Fique à vontade. Aqui não há animais perigosos e o calor é grande. Sugiro tênis para caminhada, camiseta ou mesmo o biquíni e uma bermuda.

– Excelente – disse ela, indo para dentro. – Vou-me trocar e procuro você no restaurante.

– Combinado.

― ☼ ―

Apolo ainda tomava café quando ela se juntou a ele, vestindo biquíni com um short bem curto, além dos tênis como foi sugerido. Aproveitou para um café rápido e saíram.

Ele achou que seria bom mostrar onde ficava o lago com a cachoeira, mas escolheu um caminho mais longo para se exercitar. Enquanto andava, conversava, apresentando coisas ou falando curiosidades a respeito da região.

– Você é daqui, Apolo? – perguntou Tânia, curiosa. – É que seu sotaque parece carioca, mas você sabe demais sobre este lugar para ser apenas um turista.

– Bem, Tânia – ele sorriu. – Nasci em uma cidade a duas horas daqui e vim muitas vezes passar férias neste hotel, mas, nos últimos dez anos, morei no Rio, daí o sotaque.

– Que legal – comentou. – Nossa, como está quente!

– Vamos entrar debaixo das árvores logo ali e ficará um pouco mais fresco. O lago fica a uns trezentos metros dentro da mata.

– Isso é excelente – disse, fazendo o acompanhante franzir a testa.

Depois disso, Apolo calou-se e ficou a pensar que havia algo errado. Uma mulher nova e linda de morrer aparece no hotel com o namorado, deixa o sujeito dormindo e procura a companhia de um completo estranho para sair.

Ou o namorado é um incompetente, mas que tem algo que a segura a ele ou existe alguma armação. Considerando que ela vinha aos poucos a se insinuar podia ser qualquer das duas opções, apesar de a probabilidade maior ser da primeira alternativa.

Assim que entraram na trilha do lago, ele tratou de ficar mais atento aos sinais. Como não havia hipótese de ela estar armada e sabia que não foram seguidos, o mais provável era mesmo a primeira possibilidade.

Assim que chegaram ao lado com a cachoeira a mulher ficou maravilhada e disse:

– Tem problema se eu der um mergulho ou você prefere continuar caminhando?

– Se deseja mergulhar um pouco, fique à vontade – respondeu ele, sentando-se em uma pedra. – Não tenho pressa. Como disse, estou no último dia das minhas férias.

– Excelente – disse ela e Apolo voltou a franzir a testa.

Tânia tirou o calção minúsculo, ficando apenas de biquíni e ele teve a certeza de que ela desejava seduzi-lo. A questão mesmo era para que finalidade.

– Seu namorado e você fazem o quê da vida? – perguntou, tentando pescar algo útil enquanto a mulher entrava com um mergulho.

– Mas que gelada! – exclamou. Rindo, disse. – Mauro é um empresário milionário e eu gasto o dinheiro dele. Não quer mergulhar?

– Não estou com roupas para isso – respondeu Apolo, lacônico.

– Então tire tudo, ora – disse ela rindo e começando a abrir o jogo. – Venha que está uma delícia. Se o seu problema é constrangimento, eu também tiro tudo. Um gato como você queria mais era nos meus braços do jeito que Deus o fez.

Passou das palavras aos atos, mas Apolo permaneceu no mesmo local, apesar de não tirar os olhos de tamanha beleza.

– Você nem me conhece direito, Tânia! – disse ele. – Além disso, é uma mulher comprometida.

– À, mas ele é meio enjoado, às vezes – disse, fazendo beicinho e aproximando-se da margem onde ele estava. – Num dia lindo como este e ele inventou de ir dormir e eu louca para me divertir. Daí você aparece e até achei que caiu do céu.

– Me perdoe, Tânia, mas eu não gostaria que uma mulher fizesse isso comigo e não vou corroborar com você – afirmou, decidido a pôr um ponto final. – Bem vejo que é linda e muito gostosa, mas nem pense em me seduzir que não vai dar certo.

– Mas...

– Mas algo me diz, mocinha – interrompeu, continuando a falar com toda a calma –, que mandaram você fazer isso. Agora, só me resta saber o motivo e deve ser um excelente motivo, como você mesma diz, não é?

Levantou-se e continuou, apontando um caminho bem às costas da mulher:

– Para retornar, siga por aquela trilha que não tem como errar. Eu vou continuar a me exercitar. Até mais tarde.

– Você me paga – ameaçou-o a mulher. – Verá.

– Não me ameace que só tem a perder. – Dizendo isso, saiu de perto e continuou o seu caminho.

― ☼ ―

Thor – Deus do trovão, raios e tempestades na mitologia nórdica.

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