Capítulo 1 - parte 2 (rascunho)
Desistindo de racionalizar a situação maluca em que se meteu, passou a caminhar de volta pela estranha trilha, apreciando a beleza exótica e cativante do lugar. Ele, contudo, só tinha metade da atenção para isso porque o resto estava concentrado na situação.
Se partisse do princípio que aquela loucura toda era verdade, lá no hotel fazenda as coisas estariam um verdadeiro pandemônio porque, quando saiu, lançou-lhes uma maldição bem pesada, de tão zangado que ficou.
Por outro lado, meteu a mão na consciência e culpou-se por nunca ter averiguado a autenticidade da amiga na internet. Por causa disso, os seus pensamentos retornaram para o passado recente.
Ele morava no Rio de Janeiro desde que o pai foi transferido de Minas e acabou fazendo a faculdade lá, também estabelecendo-se na cidade maravilhosa. Era dono de um pequeno e muito lucrativo negócio que lhe permitia viver como poucos, não tinha dificuldades em fazer amigos e muito menos com garotas, apesar de não se envolver ou manter relacionamentos mais estáveis.
Por conta da internet e das redes sociais, permanecia em contato com o passado, participando do grupo de ex-alunos da sua escola, mais como observador do que colaborador, até que recebeu um convide para um encontro de comemoração aos dez anos do fim do ensino médio.
No início, ele não desejava ir, primeiro porque era uma viagem de mais de setecentos quilômetros, mas o principal motivo era porque, no tempo da escola, ele era o garoto que sempre se dava mal com tudo, ou seja, a vítima do mal-afamado bullying.
Não que fosse muito diferente dos outros colegas. Na verdade, até não era. Não era gordo, não usava óculos, não tinha jeito de desajustado, possuía um excelente desempenho nas aulas de educação física além de praticar artes marciais e natação. Não era o esquisitão que se sentava no fundo da aula nem era um estudioso fanático, ou seja, era bem normal, um jovem alto para a idade, mas não mais do que vários outros, muito bonito aos olhos das garotas, com olhos castanho-claros que quase pareciam cinzentos e cabelos castanhos, lisos, além do corpo atlético e bem delineado. Era, contudo, demasiado tímido para se enturmar com as colegas, mas, mesmo assim, não havia motivo para ser o "eleito". Ele, entretanto, era dotado de uma inteligência extraordinária além de um dom que poderia ser definido como um sexto sentido e era aí que a coisa se virava contra si, além da timidez com as meninas, que acabava interpretado como medo e era taxado de gay. Para piorar a situação, havia uma garota, a "garota", na verdade.
Apolo foi apaixonar-se pela mais bela, perfeita e graciosa garota da escola. Tímido demais para se aproximar, acabou virando alvo de chacota, quando descobriram.
Já era fim do ano letivo e o professor chamou-o para resolver um problema. Apolo via uma mensagem no telefone e deixou-o em cima da mesa, destravado, o que foi o seu maior erro. Um colega pegou o aparelho e bastou isso porque ele tinha bem uma centena de fotografias dela, sempre tiradas em segredo. Fotografaram isso e colocaram um bilhete falso dela pedindo que a fosse ver no ginásio após a educação física no dia seguinte porque era o último período.
Com o coração aos pulos, ele obedeceu, mas quem o esperava lá não era a garota e sim Carlos, o seu carrasco, acompanhado de mais meia dúzia de colegas.
Riram da cara dele e debocharam tanto que, frustrado, irritado e magoado, Apolo desejou que eles jamais tivessem felicidade com uma garota. Enquanto se virava para ir embora ao mesmo tempo que proferia a sua maldição, foi agredido por cinco deles. Reagiu e feriu muito dois, mas os três restantes deram-lhe uma sova de respeito, apesar de ter conseguido neutralizar mais dois. Para o último e mais cruel depois do Carlos, proferiu mais uma praga, dessa vez assustadora.
– "Tomara que você morra engasgado com uma azeitona, seu filho de uma égua..."
Ocorreu nos últimos dias de aula do ano, mas agora Apolo lembrou-se de ter ouvido, no encontro, que Rafael tinha falecido em um restaurante, engasgado com algo. Estarrecido com o fato de que tudo podia ser verdade, lembrou-se da Helena. A notícia da sua paixão secreta espalhou-se como um rastilho de pólvora e, mais tarde, ele viu Helena e outra colega juntas. Quando o viram, a amiga dela sussurrou algo no ouvido da Helena que olhou para Apolo e deu uma risada um tanto alta. Furioso, o rapaz de coração partido e cansado de ser saco de pancada de todos, aproximou-se dela e disse:
– "Se você acha tão bonito rir dos sentimentos dos outros, acho que eu devo ter feito uma escolha muito errada, mas quero mesmo é ver quando a situação se inverter e tudo em que acreditar ruir à sua volta sem poder fazer nada, porque isso vai acontecer."
– "Apolo, espere..." – pediu ela, mas o jovem virou as costas e saiu quase que correndo para que ela não visse as lágrimas.
Como já estava passado de ano, decidiu que não voltaria à escola essa semana e nunca mais a viu porque também não compareceu à formatura do ensino médio. Agora, andando por aquele local tão estranho, perguntava-se se ganhou alguma coisa com as pragas que rogou, já que também era um solitário que não se envolvia emocionalmente.
Claro que, no presente, ele não temia mais nada nem ninguém. Sempre se manteve ativo no treino das lutas, então não era qualquer um que poderia bater nele, nem mesmo meia dúzia, Tinha poder, dinheiro e respeito, exceto por alguns que ele poderia meter no seu lugar sem dificuldades, mas, apesar de tudo, não passava de um pobre solitário, como se o que disse para a garota da sua vida também tivesse impregnado em si.
Por essas e outras, o jovem não desejava participar do encontro e podia usar a distância como desculpa, mas acabou mudando de ideia quando a sua inesquecível paixão apareceu no grupo de colegas e chamou-o nas mensagens particulares. Quando viu a sua fotografia, o coração acelerou tanto que ele até estranhou. De memória, Apolo tentou reproduzir a conversa:
Helena: "Oi, Apolo, você se lembra de mim? Já faz tanto tempo! Só soube hoje do grupo."
Apolo: "Oi, Helena, lembro sim."
Helena: "Ainda está zangado?"
Apolo: "Não, não estou. Afinal, dez anos cura muita coisa."
Helena: "Eu não queria magoar você, mas não me deixou falar..."
Apolo: "Tudo bem, esqueça isso."
Helena: "Notei que está morando no Rio. Pretende voltar para Minas?"
Apolo: "Confesso que não sei. Gosto muito de viver aqui no Rio e não fui lá muito feliz, quando estava aí."
Helena: "Soube do encontro?"
Apolo: "Sim."
Helena: "Não quer se animar a ir?"
Apolo: "Para quê, para ficar recordando os bons velhos tempos em que quase todo mundo me sacaneava? Não me parece que valha a pena viajar tanto para me incomodar de novo."
Helena: "Eu gostaria muito de ver você, muito mesmo. E nunca zoei você."
Apolo: "Você riu de mim, Helena, e nem faz ideia da dor que me provocou."
Helena: "E você não me deixou explicar, Apolo. Eu ri porque fiquei feliz de saber aquilo, porque eu tava a fim de você. Foi por isso que ri."
Apolo: "É sério isso?"
Helena: "Sim, é sério e gostaria de ver você de novo. Venha, vai ser legal. Além disso é um feriadão. Eu queria muito ver você."
Apolo: "Posso dar a resposta amanhã?"
Helena: "Claro, mas não se esqueça que sexta é o último dia para confirmar a presença,"
Apolo: "Lembrarei disso... hã... Helena, foi bom falar consigo."
Helena: "Um beijo, gatinho, vejo você lá."
Apolo: "Um beijo."
Apolo teve vontade de bater em si mesmo quando viu o que ela disse. Admitiu que o seu erro era compreensível, mas que por causa dele, perdeu a grande chance da sua vida. Acontece que aquele evento seria nada menos do que uma segunda chance, a oportunidade perfeita para ter o amor da sua vida nos braços. Decidiu que iria ao encontro, até porque acreditava que, dez anos depois, todos os ex-colegas já fossem pessoas responsáveis, alguns até pais de família.
O encontro seria por um período de três dias, de sexta a domingo, aproveitando um feriado e em um hotel fazenda muito agradável que havia a duas horas de viagem da sua cidade natal e que ele conhecia bem. Atendendo ao apelo da Helena, Apolo enfiou-se no seu carro e decidiu encarar a longa viagem, aproveitando para tirar umas férias depois de mais de seis anos trabalhando e quatro estudando, sem nunca parar. Conforme fosse, desejava passar alguns dias com a moça que não lhe saía da cabeça, em especial depois do último diálogo. Assim, enfiou-se no carro e tratou de encarar a estrada, longa e muito perigosa em alguns trechos.
Quando chegou ao hotel, já havia uma turma grande que o recebeu de braços abertos e calorosos, fazendo com que se sentisse bem e tranquilo porque os colegas não eram mais os idiotas infantis de antes. Apesar de cansado, ficou na recepção e participou da primeira reunião, mas os seus olhos não paravam quietos, procurando por ela que não aparecia.
Olhou na rede social e no grupo para ver se havia uma mensagem, mas estava tudo mudo. No segundo dia, mandou uma mensagem para ela e fez a mais triste das descobertas. Aquilo tinha sido armação do Carlos que, em pleno café da manhã em grupo no restaurante, mostrou no celular a conta fake que tinha criado para iludir Apolo, provocando uma gargalhada geral na maioria deles.
– Você não aprende nunca, né? – perguntou um, rindo tanto que o jovem pensou por um instante em rebentar a cara dele. – O encontro não seria a mesma coisa sem o bobo da corte.
Mais zangado do que jamais esteve, Apolo, que já havia terminado o café porque não comia muito, levantou-se. Olhou em torno dele, vendo os ex-colegas de escola. Eram cerca de trinta pessoas e a maioria deles, ao contrário do que pensara, continuava idiota. Não chegou a ver quantos ficaram fora da brincadeira, mas foram muito poucos os que permaneceram calados. No momento em que se ergueu e começou a falar, o silêncio foi geral, como se fosse um palestrante muito importante que todos desejavam ouvir. A raiva era tanta que sentia as mãos formigando e a cabeça parecia quente, como se exalasse energia a cada palavra que era proferida de forma ferina.
– Até parece que nunca crescem, não é? – questionou, furioso, olhando em volta. – As mesmas crianças idiotas de dez anos atrás, adolescentes sem responsabilidade e preocupações, mas inúteis para a sociedade. São dignos de pena, porque eu poderia dar cabo de todos vocês de uma vez só, mas isso não seria lá muito engraçado e talvez eu precisasse dar explicações para a polícia.
Viu os colegas na mesa, a maioria deles empanturrando-se com as fortes iguarias mineiras, muito apreciadas em qualquer lugar do país. Com toda a calma, apesar da ira, ele continuou:
– Mas não se preocupem. Podem continuar a comer esses queijos maravilhosos. Vocês sabem que o leite da vaca aqui do campo é bem mais forte e gostoso que o da cidade, já que é puro, não é? – deu uma risada. – Eu vou dar um passeio, mas, quando voltar, quero mesmo é ver todos vocês que debocharam de mim de quatro, tão fracos, mas tão fracos de tanto cagarem diarreia por causa de uma super-intoxicação alimentar que desejo que tenham. Nessa, hora, eu vou rir muito.
Apolo virou-se e saiu do recinto debaixo de um silêncio constrangedor. Uma moça bonita levantou-se e foi atrás dele enquanto outro colega falava, baixinho:
– Uai, sô, as pragas desse cara sempre emplacam. Pensando bem, vou parar por aqui.
– Com o que a gente já comeu? – disse outro, rindo. – Se for verdade já é tarde mesmo!
– Que bobagem – falou um terceiro. – Cês até parecem criancinhas de creche!
A garota alcançou o colega, já no lado de fora, e puxou-o pela manga. Apolo parou, mas não se virou para que ela não notasse os olhos úmidos.
– Não acha que essa sua atitude de ficar rogando pragas para os outros é meio infantil, quase tanto quanto a estupidez deles em brincar com os sentimentos alheios? – perguntou ela, bem séria mas com a voz doce.
– Tudo o que eu acho é que eles conseguiram estragar as primeiras férias que tiro em dez anos, Mônica – respondeu o jovem. – Que eu me lembre, você e Helena fizeram algo similar ao rirem de mim no último dia que estive naquela escola. Vocês nem imaginam como aquilo me doeu
– Meu Deus, Apolo, então foi isso que pensou? Você não podia estar mais errado em toda a sua vida! – argumentou a moça, fazendo que ele se virasse para si. – Mas... você está prestes a chorar!
O jovem, ao ouvir isso, puxou o braço para se soltar e saiu dali andando a passos largos, sentindo o rosto molhado porque não segurou as lágrimas muito tempo. Atrás dele, a amiga da sua Helena olhava para ele, pensativa.
Conta Fake é uma conta falsa que uma pessoa, em geral com más intenções, usa para se ocultar ou fazer passar por outro nas redes sociais, como um pseudônimo/ N.A.
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