Capítulo 3 - parte 3 (rascunho)

O grupo caminhava pelas ruas de Londres e Igor, apesar de estar muito apreensivo, sentia um prazer nisso porque não ia lá há algum tempo e gostava bastante da cidade, em especial durante uma noite fresca de verão. A família da Carol morava em um bairro residencial muito tranquilo, tão calmo que àquela hora nem se via sinal de gente e carros na rua. A casa era um sobrado antigo e imponente, com uma cerca viva na frente e dois carvalhos enormes à beira da rua que produziam uma sombra grande. Aquelas árvores eram o orgulho dos pais da amiga.

Pararam de frente para a entrada e Hernandez disse:

– A esta hora costumam estar acordados, mas hoje está tudo escuro.

– Eu sei – disse Igor que, quando criança, frequentou aquela casa muitas vezes nas férias. – Tens a chave?

– Não.

Igor aproximou-se da porta e os demais seguiram-no. Quando chegou perto, estendeu a mão e a porta abriu-se. Ele parou ao lado e fez sinal para que entrassem, ficando por último. Olhou com toda a atenção para cada canto daquela parte da rua e jardim, sem ver viva alma e entrou. Atrás de si, a porta fechou-se em silêncio, da mesma forma que se tinha aberto.

Na soleira, os outros olharam-no, mas a escuridão tornou-se completa. Hernandes e Ezequiel ouviram Igor estalar os dedos e, a seguir, um barulho estranho. Quando cessou, as luzes acenderam-se, iluminando cada canto da vasta residência. Bastou olhar em volta para Ezequiel entender que, antes de acender a iluminação, Igor lacrou todas as janelas e portas externas para que nada se visse ou ouvisse.

O primeiro grito foi de Hernandez, que olhou primeiro para dentro procurando a esposa. A sala estava praticamente destruída, cheia de marcas de queimaduras nas paredes. Tremendo, apontou para o que deve ter sido um campo de batalha dos grandes. Igor sentiu-se tonto e ficou ofegante, mas Ezequiel recuperou-se da surpresa bem mais rápido e disse:

– Não há corpos, então não se precipitem, pelo amor da Deusa.

– "Sinto vibrações estranhas" – disse Gwydion. – "Não sei identificar, mas quem esteve aqui não era uma pessoa normal."

– "Mas eu sinto uma mente por perto" – afirmou Saci, complementando. – "Parece uma mente adormecida!"

Igor respirou fundo e controlou o nervosismo. A seguir, olhou para os companheiros e disse:

– Vocês dois e Saci revistam este andar enquanto eu e Gwydion vamos olhar em cima. Tenham cuidado.

– Vamos – disse o mago espanhol, tentando manter a voz firme e fracassando por completo. – Em algum lugar temos que encontrar uma pista.

Sem esperar mais, apontou uma porta para Ezequiel e seguiu em linha reta, para a cozinha, enquanto Igor galgava as escadas. O corredor, em cima, também tinha marcas de uma batalha, mas eram muito menores. O primeiro cômodo tratava-se de quarto dos pais da Caroline e estava intacto. Igor não perdeu muito tempo, olhando apenas os armários e debaixo da cama, achando que, apesar de tudo, era estupidez procurar lá. A seguir, foi para o quarto ao lado, que era da Caroline.

Esse também estava vazio... e intacto. Passou para o quaro seguinte e notou que, pelas marcas de luta no corredor, também não deveria ter nada. Mal entrou, reconheceu logo o cheiro do perfume preferido da Morgana e sentiu um aperto no coração, pensando na filha de duzentos anos.

Mudou de tática e seguiu as marcas de batalha que iam até ao quarto no fim do corredor. Viu de cara a porta chamuscada e uma pulseira caída, reconhecendo como pertencente à esposa. Apavorado e sentindo um nó na garganta quase arrombou a porta e entrou.

Os sinais de luta no quarto eram fracos e também não havia ninguém. Igor já ia sair, quando Gwydion disse:

– "Há alguém aqui. Alguém profundamente adormecido, tanto que nem sonha. Eu sinto."

Igor abriu a mente para a telepatia e sentiu o que o dragão queria dizer.

– Tens razão – concordou o mago. – Acho que é no armário, mas quem iria dormir dentro de um armário. Isso tá com cara de armadilha.

Igor afastou-se e, com uma mão, criou uma bola de plasma concentrada ao mesmo tempo que erguia uma barreira de proteção pessoal. Quando o tradicional brilho verde manifestou-se, fez um gesto com a mão esquerda e a porta do armário abriu-se. Nesse momento, ele até esqueceu de respirar por um segundo, mas assim que reconheceu a filhinha, desfez a barreira e a esfera de energa, pegando-a ao colo e colocando em cima da cama.

– Gwydion, pede a Saci para que os outros venham aqui, por favor.

Não esperou resposta, porque ouviu o chamado mental do dragão. Nem dez segundos depois, enquanto ainda tomava o pulso da filha, a cão e os dois magos restantes entraram de rompante.

– Ailin – exclamou Ezequiel, assustado. – Ó minha Deusa!

– Ela não está ferida, Ez – disse Igor, mais calmo. – Mas deve estar a dormir há um ou dois dias. Temos de a acordar porque só ela pode nos contar o que aconteceu.

– Foi um feitiço para dormir – comentou o ancião. – Só pode ter sido isso. Ela vai acordar com muita fome.

Igor não disse nada. Apenas colocou a mão na testa da menina e concentrou-se um pouco. Nem cinco segundos depois, Ailin abriu os olhos. No princípio parecia desorientada, mas, assim que viu o pai, os seus olhos brilharam e ela gritou, sorrindo e abraçando-o.

– Papai, que bom que vieste. Mamãe disse que virias! – olhou em volta e disse. – Oi, vovô Ez, oi, tio Hernandez. Tô com fome. Quando a mamãe volta?

– Filha – disse Igor, fazendo aparecer um copo de leite para ela, que o pegou, feliz. – O que aconteceu, o que a tua mãe disse?

Ailin parou de sorrir. A seguir, começou a falar:

– A gente tava vendo TV e ia jantar – explicou, séria. – Eu queria ir ao banheiro e mamãe tava me levando para cima. Quando a gente tava na escada, uns homens esquisitos apareceram. Eles estavam com uma roupa estranha e atacaram a tia Carol que não se mexeu mais. Daí a mana viu e mandou um raio neles. Eu não vi mais nada, papai, porque a mamãe me pegou no colo e correu para o quarto comigo. Ela me escondeu e me fez prometer que eu não ia sair. Daí, ela voltou para baixo, correndo. Eu ouvi muitos gritos e olhei na fresta da porta. Nessa hora deu um barulho grande e mamãe entrou correndo e atirando bolas de fogo para o corredor. Um homem chegou perto e ela acertou ele. Quando ele caiu, mamãe tirou do braço dele um negócio e me deu. Ela disse para eu te entregar, quando tu viesses. Ela disse que eu ia dormir e quando acordasse tu estarias comigo. Daí não ouvi mais nada. Eu dormi – disse encolhendo os ombros.

Pálidos, Hernandes e Igor ouviam em silêncio. Ezequiel também não estava muito bem, mas mantinha-se mais controlado e foi o primeiro a perguntar para a criança.

– Onde está a coisa que a sua mãe mandou entregar para o seu pai, minha filha?

– Aqui – disse ela, estendendo a mão e abrindo-a. Do nada surgiu um pequeno bracelete de cristal. – Eu escondi para ninguém achar.

– Pela Deusa, você já consegue esconder coisas em outra dimensão, querida? – perguntou o sábio, pegando o bracelete e observando. – Para que raio isto serve? Deve ser importante, senão a minha filha não teria pegado deles.

– Esconder é muito fácil, vô. – disse a pequenina, encolhendo os ombros e voltando a beber o leite, calada. Pouco tempo depois, ela perguntou. – Papai, eles pegaram a mamãe, não é? Pegaram todo mundo, não é? E agora?

– Acho que sim, filhinha – disse Igor, aflito. – Mas a gente vai achá-los.

– Mamãe comentou que são demasiado fortes e difíceis de matar.

– Isso que dizer que, pelo menos um deles morreu e deve ter sido o que veio aqui acima pegar Eduarda – comentou Ezequiel. Olhou para o espanhol. – Hernandez, não fique assim que vamos resolver isto. Ailin, meu amor, como eles se vestiam?

– Eles usavam uma roupa clara, mas não era branca, vovô, e tinha uma capa nas não era como as nossas. Era curta e da cor do céu. Tinham uns sapatos estranhos, muito altos e castanhos.

Igor pegou o bracelete e olhou com atenção, mas não logrou achar nada, nem mesmo um controle. Sem perder tempo, tomou a sua decisão.

– Muito bem, senhores – disse, decidido. – Parados é que não resolveremos nada. Ezequiel, o senhor vai pegar Ailin e leva para Céltia. Eu abrirei um portal. Vão Saci, Gwydion e vocês. Nada de tirar o olho dela. Peçam uma ajuda para Nealie e as irmãs.

– Faz sentido, filho.

Igor voltou a olhar para o bracelete e estendeu a Hernandez, com uma instrução bem simples.

– O senhor, volta para o mundo de Cristal e fará duas coisas. Primeiro, mandará alguns cientistas estudarem esta pulseira, mas nada de a desmontar ou destruir. Em segundo lugar e o mais importante, o senhor vai acionar o alerta global. A Cidadela deve ficar preparada para uma possível invasão, de mesma forma que precisaremos de uma força tarefa para um eventual ataque aqui na Terra.

– E o que pretende fazer, filho? – perguntou Ezequiel. – Se bem o conheço, o senhor vai tentar enfrentá-los sozinho. Eu achava melhor voltar e ajudar.

– Ez, quem quer que seja, atacou as três feiticeiras mas poderosas do Universo e venceu, sem falar que os pais da Carol também são muito fortes. O senhor não teria a menor chance, meu amigo, mas sei que a minha filha ficará muito mais garantida sob sua supervisão e proteção.

– E você, sozinho, acha que pode? – perguntaram Ezequiel e Hernandez ao mesmo tempo, preocupados.

– Não sei, mas sou mais forte que elas somadas e a Eduarda matou um, então acho que tenho uma boa chance – disse, encolhendo os ombros. – De qualquer forma, prefiro morrer a não as salvar. Além disso, acho que a intenção deles não é matar e sim obter informações. Por isso a minha insistência no alerta global. Bem, todos vocês têm os novos chips, certo?

– Sim, temos – respondeu o ancião. – Mas ainda não me sinto tranquilo deixando você sozinho.

– Papai, eu vou ficar com o senhor – disse Ailin, decidida.

– Filha, eu adoraria, mas isto não é um jogo. Papai vai tentar salvar a mamãe, a mana e a tia Carol, entendeste? – perguntou Igor, apertando a filha contra si e beijando-a. – Eu preciso que fiques protegida.

– Tudo bem, papai, mas quando as coisas acabarem, tu vais ter que me ensinar a lutar que nem a mamãe fez.

– Combinado, mas só se obedeceres ao vovô Ez, ok?

A menina riu e deu a palma da mão, que o pai bateu. A seguir, Igor entregou a filha no colo do amigo e levantou-se. Estendeu as duas mãos para a frente e, para espanto dos demais magos, dois portais simultâneos abriram-se. Do lado esquerdo, aparecia a Cidadela e do direito a cidade de Nova Andécavos. Com um aceno despediu-se dos amigos que atravessaram os respectivos portais.

Suspirou e desceu para a cozinha. Enquanto andava, usava os seus poderes para restaurar a casa ao estado original. A seguir, sentou-se na mesa e fez surgir um café bem forte.

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