Capítulo 5
"Se um dia tiver que escolher entre o mundo e o amor lembre-se: se escolher o mundo ficará sem o amor, mas se escolher o amor, com ele você conquistará o mundo."
Albert Einstein.
Eduarda sentou-se na sua cadeira, ao lado do Igor que não olhou para ela. Sentia-se chateada e também arrependida por tê-lo tratado mal porque achava-o o mais gato de todos os rapazes desde que o viu na empresa do pai. Pensando em pedir desculpa, ela fixou o olhar no colega para ver se ele notava, mas Igor não cogitou retribuir. Quando a aula terminou, a garota tentou aproximar-se, só que o colega saiu demasiado rápido, não lhe dando tempo.
Triste, ela foi para a biblioteca tentar estudar, mas as coisas não lhe saíam da mente, coisas que a deixavam bastante confusa, em especial depois do interrogatório. Ela tinha a certeza que vira o monstro e depois o rapaz loiro que a salvara, sem falar no beijo que lhe deu. Nem mesmo viu o seu rosto, mas sempre que pensava nisso tinha aquele forte sentimento de amor, como se acontecesse o famoso amor à primeira vista, na verdade, amor ao primeiro beijo e pior, era como se o conhecesse desde sempre. Por outro lado, também não parava de pensar no colega de trabalho e da faculdade, querendo muito que ele e o seu salvador fossem a mesma pessoa. Passou bastante tempo assim até que se deu conta de que não estudou uma vírgula. Fechou os livros e olhou para o relógio, atinando que estava com fome e já era tarde. Levantou-se e foi para o RU almoçar o quanto antes porque, mais tarde, teria aula de Física I.
Na saída do restaurante, avistou muitos alunos relaxando no gramado, alguns estudando, outros em pequenos grupos ou isolados. Havia até colegas tocando violão em uma roda de amigos, uma pluralidade grande de pessoas. Mais abaixo, encostado a uma árvore, encontrou Igor e um dos cachorros vadios que apareciam sempre pelo Campus.
Sorrindo para o animal, ele jogava um pedaço de pau e o cão corria atrás para pegar e devolver. Passou alguns segundos observando-o com toda a atenção até que foi colocando o pé no gramado para ir ao seu encontro, quando notou dois colegas aproximarem-se, enxotando o podre animal com um chute.
Ela viu que Igor parou de sorrir e fez sinal ao cão para que se aproximasse dele, mudando a expressão. Incrédula e fascinada, observou o pequeno quadrúpede obedecer sem titubear. Um dos colegas tentou chutar o cão pela segunda vez, mas Igor ergueu-se e colocou-se à frente do bicho, impedindo o ato e dizendo algo. Pelos gestos exaltados, Eduarda notou que os colegas ameaçaram-no, mas ele permanecia impassível, respondendo qualquer coisa que os desagradou, uma vez que um deles lhe deu um soco. Não foi forte, mas derrubou o rapaz e despertou uma ira furiosa e incontrolável no cachorro que os atacou no ato, pondo-os para correr debaixo das risadas de alguns alunos que assistiram.
Achando melhor não se aproximar para não complicar a situação, foi para a sua sala de aula. Quando chegou, já estava quase cheia, só havendo dois lugares livres, quase no fundo. Olhou todos os rapazes e não encontrou nenhum loiro. Exceto pelo Igor, os demais eram tudo menos loiros. Pensando nele, concluiu que não era um covarde, porque, se fosse, jamais teria defendido o cachorro e isso aumentou ainda mais o seu sentimento de culpa.
Nem se passaram dois minutos e ela viu o jovem entrar, sentando-se ao lado no último lugar vago. Olhou o seu rosto, para ver se estava ferido, mas não apresentava uma única marca e isso deixou a moça espantada.
Para ela, Igor era muito estranho e um grande desafio, sem falar na forte atração física que sentia desde a primeira vez que o vira. Ficou chateada quando ele não quis dar queixa, mas agora estava arrependida, ainda mais porque sabia que errara e sentia-se cada vez mais interessada nele.
A aula começou e a garota precisou de se concentrar porque o professor era muito puxado. Já eram duas e meia quando ele deu a classe por encerrada e estava tão compenetrada em terminar de anotar o exercício que não viu o jovem sair, ficando frustrada quando se deu conta. Decidiu tomar uma água mineral no Centro de Vivência e, enquanto bebia, olhou através da janela encontrando Igor sentado e encostado na mesma árvore de antes, lendo algo no telefone e com o cão deitado ao seu lado, quieto. Ele parecia tão sereno e tranquilo que ela ficou parada por uns minutos apreciando a sua feição.
Com o coração batendo mais forte, ela pagou a água e saiu, dando a volta pela construção e descendo o gramado em direção ao colega que estava tão absorto que só a notou quando os pés da moça entraram no seu campo visual. Ela agachou-se de frente para Igor, sorriu e disse, ainda nervosa:
– Me perdoa o que eu te falei antes – deu outro sorriso tímido e continuou. – Acho que fiquei revoltada e não pensei direito.
Igor retribuiu o sorriso e a moça sentiu o calor humano dele naquele simples gesto. Como ele não disse mais nada, ela continuou:
– Isso quer dizer que estou perdoada, Igor?
– Tu não precisavas de pedir desculpas – respondeu por fim o colega. – Eu não sou pessoa de guardar rancor. Senta aí que está fresco. Os cachorros são pacíficos, então não te preocupes que até brinco com eles.
– Pacíficos em termos. – Eduarda deu uma pequena risada enquanto sentava-se ao seu lado, contente. – Eu vi um deles atacar um babaca que te acertou.
– É, mas os cachorros são assim mesmo – explicou Igor. – Lutam até à morte pelos que amam.
– O que ele queria? – perguntou a moça. – E por que te bateu?
– Aqueles cinco que tu mostraste nas fotos eram apenas alguns e eles não gostaram quando nos vieram buscar para nos interrogarem. Queriam saber se eu ia testemunhar.
– E o que tu disseste?
– Disse que da próxima vez ia deixá-los inválidos. – Igor riu da cara dela quando viu seu olhar de incredulidade. – Eles não acreditaram e bateram em mim para me intimidarem. Daí o cachorro surtou e atacou com tudo.
– Podias te defender deles?
– Sim, sem qualquer dificuldade, mas não vou ganhar nada com isso – respondeu, encolhendo os ombros.
– Mas não devias permitir que te batessem...
– Olha, Eduarda, estás vendo ali no primeiro andar, aquele nicho no fundo do corredor externo? – perguntou, apontando para longe. – Os dois delegados ficaram ali, ocultos e me observando. Eles sempre desconfiaram de mim no sumiço dos meus pais, achando que eu tinha interesse na fortuna da família e já viraram a minha vida do avesso. Então, quanto menos souberem sobre mim, melhor.
– Sinto muito sobre os teus pais – disse ela. Depois, franzindo a testa, um gesto que deixou o jovem mago derretido e ainda mais apaixonado, pensou. – "Que estranho, mas onde será que eu ouvi isso antes?"
– Tudo bem. Para mim foi um choque retornar da Europa e encontrar a casa vazia. Eles desapareceram como se nunca tivessem existido.
Ela olhava para os seus olhos cinzentos, sentindo-se hipnotizada, doida para ficar com ele e até namorar. Igor levantou-se e perguntou:
– Estás com fome? – apontou a lancheria. – Vamos comer alguma coisa? É por minha conta.
– Vamos, sim...
Sentados com os seus lanches na mesa mais afastada, os dois conversavam pouco porque Igor era bastante tímido e ainda estava retraído. Sem aguentar mais, Eduarda foi a primeira a falar:
– Sabes, lá na festa – começou ela –, eu descobri que me drogaram na hora que te atacaram, mas ainda estava bem consciente, quando vi o monstro. Aquilo era bem real e não sei como tu não viste.
– E o que é real ou irreal? – perguntou Igor, um tanto quanto mais à vontade. – Não será a realidade apenas um estado pré-determinado da ordem natural das coisas? Por exemplo: será que a realidade é existir um monstro ou é a não existência dele?
– Mas bah, Igor – Eduarda riu –, andas vendo muitos filmes de kung-fu e aqueles ditados chineses ou filosofias, sei lá.
– Não, é sério. – Igor sorriu. – Sem falar que a filosofia é uma coisa muito legal. Vou mostrar-te uma coisa interessante, para veres. Espera aqui.
Igor levantou-se e foi à rua, voltando com uma pedrinha redonda, daquelas que se usa para enfeitar jardins. Estendeu-a e pegou na mão dela, estremecendo um pouco com o leve toque. Depositou a pedra sobre a sua palma e continuou:
– Isso que tens na mão é um pequeno seixo, correto? – Embora soubesse, a garota olhou para a pepita. – Isso é parte da tua realidade, da nossa realidade, mas podemos mudar a perspectiva do real e do imaginário.
Suave, Igor fechou a mão da colega. Agora Eduarda olhava para seus olhos sem conseguir desviar um centímetro que fosse. Hipnotizada pela magia cinzenta do olhar dele, acompanhava cada palavra quase como um transe.
– Não apertes a mão para não a ferir porque eu vou mudar a nossa realidade – continuou Igor, que também não tirava os olhos dela.
– Como assim? – perguntou Eduarda, sem entender onde ele queria chegar.
– Abre a mão e me diz o que vês – pediu.
Ela abriu a mão e tornou a ver a pedra. Olhou para Igor, encolhendo os ombros:
– Vejo apenas a mesma pedra de antes.
– Contudo, eu vejo uma borboleta – disse ele, apontando a palma da moça que arregalou os olhos ao encontrar uma borboleta muito bonita. – Compreendeste?
– Tudo o que eu compreendi é que tu és um baita mágico. – Ela riu, deliciada com a borboleta. – Como fizeste isso?
– Mas é uma borboleta real – continuou Igor, pegando o inseto com as mãos em concha e fechando-as tendo o máximo de cuidado. – Só que pode mudar de percepção mais uma vez.
Igor abriu as mãos e ofereceu-lhe uma linda rosa vermelha, fazendo seus olhos brilharem enquanto abria um sorriso enorme.
– Meu Deus, Igor, que lindo! – comentou, pegando a flor e cheirando. – Mas ainda não entendi onde aquele monstro se encaixa nisso tudo.
– Sei, lá – ele riu –, apenas divagava sobre o que era real de fato ou não.
– Fica com a rosa, ela é tua – continuou, quando Eduarda fez menção de a entregar.
– Acontece que eu fui carregada por ele – insistiu a garota –, só que a droga me apagou bem naquela hora. Do jeito que eu tava assustada, até foi melhor.
– No entanto, ele salvou-te de seres violentada. Só que comentaste que foi alguém e não um monstro...
– Sim, depois era alguém, um cara loiro. Mas, quem me pegou no diretório, foi o monstro – insistiu.
Entraram no Centro de Vivência quatro garotos que pegaram lanches e foram para uma mesa. Ao verem o casal, um deles, por acaso o agressor do jovem, fez um gesto de pescoço sendo cortado e apontou para os dois, provocando risadas nos demais.
– Tenho vontade de lhes dar uma surra – disse Eduarda, ainda furiosa com o ocorrido. – Se eu pudesse, era o que faria.
– Pra quê? – Igor riu, segurando o seu braço de forma a acalmá-la. – Tudo é uma questão de perspectiva da realidade, lembras?
Ela só entendeu poucos segundos depois, quando os quatro foram sentar-se e as cadeiras amoleceram, desmanchando-se no chão como se fossem de borracha. Todos caíram, mas o jeito que cada um foi parar no chão é que foi o mais engraçado: o primeiro deu com o rosto sobre uma fatia de bolo de chantili, ficando com a cara do papai noel; o segundo despencou de costas e ficou alguns segundos sem ar; o terceiro tentou equilibrar-se e deu dois passos para o lado, caindo com o café todo em cima do rosto e berrando de dor; o quarto caiu de costas e a garrafa do refrigerante aterrissou na sua barriga, começando a expelir o líquido com violência direto no seu nariz, engasgando-o e provocando-lhe uma tosse desesperada.
Os presentes irromperam numa estrondosa gargalhada, enquanto Igor puxava Eduarda pelo braço para irem saindo antes da confusão se formar.
– Como é que tu fizeste aquilo, guri? – perguntou ela ainda rindo a bom rir, tanto que tinha lágrimas nos olhos. – Se eu soubesse fazer isso, tinha alguns candidatos perfeitos, na verdade vários.
– A probabilidade das quatro cadeiras estarem na mesma mesa e com problemas idênticos é talvez uma em dez elevado à décima segunda potência, mas ela existe. – Mudando de assunto, continuou. – Conta aí o que aconteceu depois que o monstro te pegou. Ele devia ser assustador!
– Na hora parecia sim, mas depois eu acho que ele me salvou, sabes?
– Talvez fosse mesmo esse o seu objetivo, já pensaste por esse ângulo? – questionou Igor. – Afinal, eu disse isso há pouco.
– Mas eu queria saber quem foi o cara que me cuidou – disse ela, pensativa e com ar apaixonado. – Ele era bem loiro, isso eu lembro, mas tu és o único loiro nos calouros! Tem tu de loiro, dez castanho-claros, dois ruivos e o resto castanho-escuro ou preto. Diz aí – ela brincou, rindo bastante, porém esperançosa –, foste tu que te transformaste em um monstro assustador e depois deste uma de Dom Quixote e me salvaste?
– Achas que tenho cara de herói matador de monstros? – Igor riu e olhou para ela, mas por uns segundos ficou pouco à vontade por pensar que tinha sido descoberto. – Seria bom ser um desses, mas... sei lá, acho que não tenho vocação para herói.
– Que pena. Agora vou precisar de ficar procurando o meu salvador. – Ela riu fazendo cara de menina sapeca. – Eu roubei um beijo dele e foi a coisa mais gostosa do mundo.
– Sério? – perguntou Igor, tremendo um pouco. – Foi tão bom assim?
– Se foi – confirmou ela, de olhos brilhantes. – Foi muito especial, o melhor beijo que já recebi de alguém. Por isso é que preciso encontrá-lo. Bem, eu tenho que ir para casa, vais ficar aí?
– Não, também vou – respondeu. – Queres carona?
– Claro – sorriu. – Para que lado vais?
– Eu vou para Petrópolis, perto da Nilo Peçanha, mas não tem problema se precisar de desviar – disse com cuidado para que ela não soubesse que já conhecia o caminho. – Para onde moras?
– Prás bandas do Iguatemi.
– Então é perto. Vamos?
No carro, Eduarda observava o colega, que dirigia com calma e segurança. Ambos conversavam sobre a faculdade e os planos que tinham, coisas triviais. Quando Igor parou na frente da casa dela, a garota deu-lhe um beijo no rosto e saiu do carro, feliz da vida. Aproximou-se da porta e, quando abriu, virou-se e notou que Igor ainda estava lá parado, olhando para ela.
Feliz, Eduarda sorriu e mandou outro beijo. Mal entrou, Igor acelerou e saiu devagar, estasiado.
Dentro de casa, Eduarda encostou-se à porta, sorrindo de olhos fechados, pensando no colega e suspirando. Uma voz repentina quebrou todo o encanto e ela deu um salto de susto.
– Posso saber o que é essa cara de boba, filha? – perguntou Fátima, a mãe dela, uma mulher tão bela quanto a filha, alta e de feições nobres. Ao contrário da Eduarda, tinha olhos azuis em vez dos verdes, que a moça puxou do pai, além dos cabelos bem mais claros.
– Bah, mãe, que susto – riu e deu-lhe um beijo. – É que tem um gato, mas um baita gato, lá na faculdade que me deu carona! Dá até para esquecer fácil o meu salvador.
– Escuta, guria, tu tenta evitar falar nisso porque o teu pai ficou muito aborrecido. Podias não ter dado essa sorte toda.
– Eu sei, mãe – respondeu, mais séria. – Nunca imaginei que pretendiam fazer aquilo, mas era uma minoria de arruaceiros e quatro ou cinco já foram presos.
– E esse aí? – perguntou a mãe, curiosa. Ambas tinham o hábito de compartilhar as coisas. – Como é ele?
– Muito lindo, mãe – respondeu a filha. – Tem olhos bem penetrantes, um atleta na aparência, adora animais. Sabes, gostei dele desde a primeira vez que o vi quando foi procurar emprego com o pai, mês passado.
– Então deve ser o cara novo que o teu pai chama de gênio. Segundo Levi, o teu gatinho virou do avesso três anos de pesquisas e fez os dois maiores cientistas da "VE" de aprendizes, isso com uma simples equação.
– Sério? – Eduarda riu. – Pena que estamos em departamentos separados. Pra mim tem um dedo do pai nisso porque ele sabe que gostei do gatinho e não tá a fim que eu me distraia. Se ele soubesse que Igor senta bem do meu ladinho na faculdade, tinha um treco.
– Esse mesmo, o nome dele...
– É, o pai disse que ele perdeu os pais faz pouco tempo e precisava do emprego. Hoje, a polícia teve falando conosco por causa da festa e ele comentou. Me deu uma pena! – A garota suspirou fundo. – Mas tem uma coisa: ao contrário do que o pai falou, ele não deve precisar do emprego porque o carro dele vale uma nota preta!
– Sei lá, amor. – Fátima encolheu os ombros. – Vai ver ele precisa mesmo é de uma ocupação. Pode ter entrado em depressão. Perder os pais não é nada agradável, ainda mais nessas circunstâncias.
– Talvez, mas ele é tão tímido, mãe! – Eduarda, sorriu mais uma vez. Mostrou a rosa e continuou. – Ele fez esta rosa surgir do nada e me deu.
– Te deu uma rosa e é tímido! – Foi a vez da mãe rir. – Sabe de nada, inocente. Quero até ver o que teu pai vai dizer.
– Bah, mãe. – Eduarda ficou séria. – Deixa assim por enquanto, tá? Quando for a hora e se alguma coisa acontecer eu conto. Não tô a fim de ver ele estragando a minha paquera. Igor é muito gato e eu preciso de conquistá-lo.
― ☼ ―
Igor sentia-se muito bem desde que conheceu a moça. Ao chegar a casa, pela primeira vez pensou em coisas úteis e não sentiu a depressão que se apoderava dele quando ficava ali sozinho. Isso fez com que se lembrasse do Ezequiel e das circunstâncias do seu afastamento. Concluiu que era mais do que hora de ver se as coisas estavam no seu devido lugar, mesmo contra a vontade do mago que recomendou que não retornasse.
Foi ao jardim e abriu um portal, contudo, por questões de segurança fez com que o outro lado ficasse na clareira onde destruiu os pumas. Passou para o canion e fechou a passagem, começando a árdua caminhada até à cabana em um trote rápido. Os barulhos do bosque despertaram-lhe uma certa saudade dos poucos dias que passou ali. Com esses pensamentos, Igor acabou chegando sem se dar conta do tempo. A primeira coisa que notou era que a cabana estava vazia, mas não saberia dizer há quanto tempo. Viu a mensagem secreta na entrada e soube que não havia o que se preocupar.
As marcas do confronto desapareceram e ele ficou sem saber o que aconteceu à criatura, mas imaginou que deve ter fugido ou foi destruída pelo dragão. Abriu ali mesmo um portal de volta para casa e foi jantar.
― ☼ ―
No dia seguinte, em uma das aulas, uma que Igor não compartilhava com Eduarda, encontrou Valdo ao seu lado porque ele havia sido reprovado na cadeira. Gentil, inclinou-lhe a cabeça a título de cumprimento e o outro correspondeu.
Na saída, o jovem mago foi para o diretório acadêmico após tomar uma água no bar e, quando entrou, viu um dos veteranos maltratando o colega gay, o mesmo que o agredira na rua. Irritado com isso, avançou na sua direção sem ser notado e, quando o sujeito ia dar outra pancada, pegou o seu pulso usando apenas uma das mãos enquanto afastava Valdo com a outra, protegendo-o. Zangado, disse:
– Tchê, é fácil uma barbaridade ser machão, mas precisa ter certeza que pode dar conta do recado. Ser macho, não é bancar o gostoso e sair batendo nas pessoas. Isso é ser babaca, babaca ao extremo. – Por mais que tentasse, o antagonista não conseguia mover o braço um milímetro que fosse, começando a sentir dor. – Teu nome é Jaime, né? Bem, Jaime, vamos fazer o seguinte acordo: eu não te rebento todo nem te denuncio à Prograd e tu não agrides mais ninguém nem tentas comer as garotas forçado, combinado?
– Seu filho da... – Não terminou a frase e começou a gritar desesperado, com convulsões pelo corpo todo. Sem aguentar mais as dores, gritou. – Desculpa, perdão. Eu obedeço, juro, combinado.
Igor soltou-o e os choques elétricos passaram.
– Assim está bem melhor, não é? – questionou Igor, sempre muito calmo. – Fica o aviso: se bateres nele mais uma vez ou mexeres com as minas, em especial Eduarda, tu vais amanhecer com a boca cheia de formigas, tá ligado?
– S... sim – concordou Jaime, nervoso e desesperado.
– Ótimo, estamos combinados. – Igor olhou para baixo, riu e continuou. – Mas bah, tchê, tu te mijaste nas calças! Que macho de araque esse aí! Tira aí uma foto com o celular, Valdinho, que a gurizada vai precisar de ver isso!
Com a cabeça abaixada ele saiu o mais rápido possível e Igor olhou o outro colega, que estava um pouco ferido no lábio e sem jeito porque não era comum alguém tirar o partido dele e ajudá-lo. Após alguns segundos eles riram e Igor disse:
– Tu estás machucado, cara. Vamos lá na enfermaria para dar um jeito nisso. Só que a desculpa para a enfermeira tu que inventas, ok?
– Ok, valeu, Igor – disse, agradecido. – Não é normal... quero dizer... alguém me ajudar.
– Fica tranquilo, tchê. Esses palhaços só são machos em cinco ou seis contra um, mas acho que não te vão incomodar de novo e não tenho nada contra ser teu camarada. Vamos lá. – Igor, pôs a mão no ombro do novo amigo, acompanhando-o até à enfermaria.
Andaram um pouco e Igor perguntou:
– Por que motivo o babaca tava batendo em ti?
– Porque eu disse ao pró-reitor e aos delegados quem vocês eram – respondeu. Mudando de assunto continuou. – Tu não tens medo que falem de ti, sendo amigo de um gay, Igor? – Valdo estava um pouco ressabiado porque era óbvio que o colega era heterossexual. – Esse pessoal vai ficar de gozação e vão pegar teu pé até não poder mais.
– De onde concluo que não é o tipo de amigos que vale a pena ter, não achas? – Igor, riu. – Eu não me preocupo com isso, sem falar que as gurias não pensam assim.
– Além disso – continuou, tirando o telefone do bolso e mostrando o colega todo mijado –, acho que ele vai preferir ficar na dele.
– Mas bah, tchê, como foi que tu tirou a foto se nem mexeste no celular naquela hora? – perguntou Valdo, tentando entender o incompreensível.
Como resposta, recebeu apenas uma risada alegre e jovial.
― ☼ ―
Eduarda terminou o almoço e foi procurar Igor, encontrando-o no seu lugar preferido e dividindo um sanduíche com dois cachorros do campus. Nesse momento, ele olhou para cima e levantou-se. Erguendo a mão, soltou um assobio agudo.
Fascinada, a garota viu um pássaro de tamanho apreciável perder altitude e aproximar-se bem rápido, voando em círculos. Igor ergueu ainda mais o braço, oferecendo o pulso e a ave pousou com suavidade, enquanto ele a acariciava e murmurava agrados delicados, falando algo ininteligível e que não se parecia com qualquer língua que já ouvira antes. O pássaro tinha os seus sessenta centímetros de comprimento e a envergadura das asas não pôde calcular, mas devia ser de quase um metro ou até mais. O peito da ave e a parte de dentro das asas eram brancos com tons castanhos e a parte externa, pescoço e cauda em cinza escuro, muito bela e imponente.
A moça aproximou-se mais e Igor falou-lhe, ainda de costas:
– Vem devagar para não assustares o gavião, Eduarda. – Ela obedeceu, encantada. – Agora, não te mexas que me vou virar e ele vai ver-te.
– Que lindo! – exclamou. – Que pássaro é esse? Parece uma águia!
– Um gavião papa-gafanhoto – explicou, dando um pedaço de frango do sanduíche para a ave. – É originário da América do Norte, mas migra para aqui durante o inverno deles. Só que é mais comum no oeste e não nesta região.
– Tu tens um jeito incrível com os animais! – disse a garota, fascinada. – Todos eles ficam aos teus pés.
– Sabem que não lhes pretendo fazer mal – respondeu, encolhendo os ombros e sorrindo. – Tudo é uma questão de estar em equilíbrio com a natureza.
– Assim, viras um novo São Francisco de Assis. – Ela riu.
– Vá, meu amigo – disse Igor, soltando o pássaro que alçou voo batendo as assas com um vigor impressionante. Virou o olhar para Eduarda, dando o seu sorriso mais cativante. – São Francisco, Sidarta, Gaia, a Deusa... são todos nomes para a mesma coisa: equilíbrio do Eu com o Universo. Senti a tua falta na aula de hoje.
– Não consegui vaga nesse horário e precisei de me inscrever em curso dois, mas deu certo... só que na física.
– Bah, na física é muito mais puxado.
– É sim, mas tô gostando porque o professor é tri bom.
– E como vai a pesquisa para encontrares o teu Dom Quixote?
– Furada – disse com um suspiro. – Só tem tu de loiro na engenharia elétrica... até agora! Vai ver eu sonhei com aquilo tudo.
– Acho que não. – Igor sorriu. – Não fazes o tipo de que tem alucinações. Eu preciso ir embora, trabalhar.
– Eu também. Faço estágio na Vargas Engenharia.
– Eu sei – comentou ele. – Trabalho lá e já te vi algumas vezes, mas ficamos em andares diferentes. Queres carona?
– Claro que quero – disse, acompanhando o colega para o estacionamento. – O que achas de lá?
– Eu gosto – respondeu de forma lacônica. – Fiz questão de escolher aquela empresa porque é considerada a melhor do Brasil no ramo de alta tecnologia em engenharia elétrica e microeletrônica.
– Verdade. – Ela sorriu. – E o pessoal?
– Acho todos muito legais. O diretor é um cara sensacional. Eu trabalho com a equipe de pesquisa e curto ver como as coisas acontecem.
– Eu gostaria de ficar lá na pesquisa – disse Eduarda, sem pensar –, mas me colocaram na produção.
– Se quiseres, eu tento falar com Levi. Acho que ele vai com a minha cara e é um sujeito muito legal. Tenho certeza que me ouviria.
– Acho melhor não – respondeu, alarmada. – Vamos deixar assim e ver como as coisas correm. Afinal somos apenas estagiários.
– Se preferes assim...
– Prefiro, sim – disse, suspirando aliviada porque desejava que ele não soubesse que era filha do dono.
Ficaram um pouco em silêncio e Eduarda estudava o novo amigo, sem entender qual das realidades malucas que passou nos últimos dias seria a verdadeira, para usar as próprias metáforas dele que a deixaram o dia e noite inteiros intrigada, sem tirá-lo da cabeça. Sempre que estava perto dele nem queria saber de pensar no seu salvador, embora a lembrança do beijo a tivesse marcado tanto. De fato, Igor insinuara-se de forma sutil na sua mente e agora estava instalado lá sem previsão de saída.
Ela vira Igor junto do colega gay, sendo que o amigo estava com a mão no ombro dele e ficou aborrecida, porque sentia-se muito apaixonada e concluiu que ele era homossexual. Ficaram calados mais algum tempo até que Eduarda perguntou:
– Igor, tu costumas sair, tipo... às quartas-feiras?
– Confesso que tenho andado muito caseiro, por quê? – perguntou o amigo. Sorrindo, desviou o olhar para ela por alguns segundos e acrescentou. – Quartas-feiras é dia de namorar, não é?
– Nada não – respondeu, como o rosto meio vermelho –, esquece. É sim, quarta é dia de namorar.
Apesar de toda a sua beleza, Eduarda não era muito namoradora por ser um tanto exigente em relação aos rapazes e não se lembrava nem quando foi o último beijo que dera num, exceto pelo misterioso Dom Quixote. Os seus devaneios foram interrompidos por ele que, parado no sinal, virou-se para o lado:
– Fala aí, guria – disse, gentil. – Algo te aflige?
– Bem, é que vai rolar um filme legal no cinema e eu não tenho companhia para ir – explicou, meio sem jeito. – Pensei se gostarias de ir, como amigos, claro.
– Eu adoraria levar-te ao cinema e podemos jantar fora, se tu quiseres. – Igor ficou muito feliz. – Também não tenho amigos pois voltei faz pouco tempo da Europa e mais essa bronca dos meus pais. Quando pretendes?
– Quarta-feira? – Eduarda sorriu.
– Combinado. – Andaram mais um pouco e Igor encostou o carro. – Olha, chegamos!
― ☼ ―
No dia seguinte, Eduarda encontrou o amigo na biblioteca, estudando com Valdo. Ia sair de fininho quando ele a viu e sorriu para ela, muito feliz:
– Oi, Eduarda, vieste estudar? – perguntou. – Senta conosco.
– Vim, sim, não vou atrapalhar? – questionou, procurando esconder a decepção.
– Claro que não. Estudando o quê?
– Cálculo I – respondeu, notando pelos livros que era o que estudavam.
– O mesmo que nós – disse Igor. – Assim a gente estuda junto e é bem melhor.
Eduarda não quis dizer que na verdade procurava por ele porque nunca tinha qualquer tipo de dificuldade com os estudos. Ela também notava que Igor era demasiado inteligente e até parecia ser um professor e não aluno. Por isso, não entendia o motivo dele estar ali estudando a não ser que fosse pelo amigo, o que a deixava um tanto entristecida. Os três estudaram até que Valdo precisou sair para uma aula, continuando apenas o par. Sem aguentar, Eduarda perguntou:
– Tu não tens medo de andar com ele?
– Por quê? – perguntou Igor, tranquilo. – Por ele ser gay?
– Exato.
– Que bobagem – disse o colega. – Preconceito tolo.
– Eu concordo – afirmou Eduarda, sorrindo –, mas os guris não perdoam.
– Pois eu não estou preocupado com isso. – Ele riu. – Nem um pouco.
– E tu, és? – perguntou ela, pensando a seguir. – "Que desperdício. Até parece que os mais lindos e interessantes sempre são."
– Eu, gay? – Igor riu e chamaram logo a sua atenção por causa do barulho no ambiente de estudo. Baixando a voz, continuou. – O que tu achas?
Eduarda achou melhor não falar nada porque ele era uma completa incógnita; mas, sentada ao seu lado, fez questão de deixar a coxa encostada na dele, cheia de vontades. Ele não só não a evitou como uma hora até fez-lhe um carinho e em outra ocasião tomou a sua mão sorrindo.
À noite, Igor pegou a moça na sua casa e, ao vê-la um pouco mais produzida, perdeu o fôlego e arregalou os olhos. Ela tinha posto uma maquilhagem leve, que realçava a beleza dos olhos, um batom vermelho e suave, que dava uma vontade irresistível de a beijar, e vestia uma blusa que deixava os ombros bronzeados visíveis, moldados pelas mechas onduladas dos seus cabelos. Vestia um jeans simples e, nos pés, calçava um par de sandálias. Ele abriu-lhe a porta do carro e disse:
– Estás mais linda do que nunca, Eduarda – sorriu e ajudou-a a entrar. – Acho que sou um cara de sorte por sair contigo.
– Obrigada...
Depois do filme, jantando, conversavam sobre assuntos diversos e Igor estava desnorteado e maravilhado. Sentia-se tão apaixonado por ela que o que mais desejava era ficar em algum lugar solitário e escuro, de preferência, beijando-a a todo o instante. Todavia, ela foi bem clara em dizer que sairiam como amigos. Estava ciente que o seu maior problema era a total inexperiência com as garotas.
Sem dúvida que havia lidado com meninas na Cidadela onde recebera junto com elas e muitas outras crianças os conhecimentos herméticos de uma ciência há muito perdida para os simples mortais, mas a questão é que nunca tivera uma paixão despertada até àquele momento. Tudo o que sabia, resumia-se a uma curta experiência com uma garota que ele amava muito, mas que prevalecera a amizade fraternal para ambos os lados, para felicidade dos dois. Considerando essa situação, optou por um comportamento neutro e às vezes soltando uma leve insinuação para a testar, pois o pior que poderia acontecer para ele era Eduarda sentir-se mal e rejeitá-lo sem que tivesse uma chance.
Na rua, caminhando muito próximos um do outro, Eduarda pegou a sua mão e ele apertou, feliz. Ao passarem numa esquina, viu no chão uma pequena flor, já murcha. Parou e agachou-se, pegando-a. Eduarda olhava o jeito cuidadoso dele que, ao lhe estender a flor, provocou nela um brilho intenso fazendo-a transformar-se em um botão de rosa rubra cujo perfume sentia-se de longe. Sorrindo, entregou-lhe a flor e ela, sem resistir, abraçou-o e deu-lhe um pequeno beijo nos lábios.
– Será que Valdinho vai ficar com ciúmes? – perguntou, brincalhona. – Ele ainda acaba brigando comigo.
– Estou certo de que não. – Igor sentia-se nas nuvens, mas não entendeu a insinuação. – Não me parece haver motivo para tal.
Isso de certa forma deixou a garota frustrada e triste, pois parecia cada vez mais certo que ele era homossexual e ela não sabia o que fazer a não ser aguentar e ficar apenas amiga dele. Afinal, Eduarda viu uma colega de trabalho, bem descarada, atirando-se para ele e ser ignorada com uma frieza que impressionava. Diga-se de passagem que a colega além de linda nunca desistia do Igor e, de vez em quando, Eduarda tinha vontade de bater nela.
O problema para a jovem tratava-se do fato que ela sentia algo forte e inexplicável que aconteceu de rompante, mas era uma coisa que ela queria mais que qualquer outra e nem pensava em fugir disso. Tudo o que desejava era ter sucesso em conquistá-lo de alguma forma, sentindo isso como uma obsessão.
― ☼ ―
Os dois primeiros meses do semestre passaram rápido e a amizade do trio tornou-se muito mais sólida. Eduarda simpatizava muito com Valdo, apesar dos ciúmes que sentia por achar que ambos eram namorados, mas não tocava no assunto com medo de perder Igor para sempre e isso era o que mais temia.
Ela ficava bastante confusa com o fato dos dois passarem muito mais tempo juntos do que ele com Valdo, sem falar que todas as suas ações eram quase sempre dedicadas a si. Na verdade, as poucas vezes que Eduarda os via juntos, sem ela os acompanhar, era na biblioteca quando estudavam, em geral com Igor ensinando o amigo. Por isso, ela achava que ambos tinham um relacionamento pra lá de esquisito, talvez muito reservado para esconderem da sociedade ainda muito preconceituosa.
Para ela, os melhores momentos do dia eram quando almoçavam juntos e quando estavam sentados, encostados na grande árvore perto do RU, a preferida dele, e os cachorros ficavam sempre por perto, para variar. Conversavam muito, mas também gostavam de estar apenas juntos, sem falarem nada.
– Sabes – disse ela –, estes dias sonhei que tinha um filho que era a coisa mais linda.
– É mesmo?
– Sim. Ele tinha olhos cinzentos, isso eu lembro bem. – Deu uma risada e continuou, sapeca. – Vai ver tu eras o pai dele, já que tens olhos cinzentos.
– Então eu ia ser um bom pai. – Igor sorriu, sonhador. – Gosto de crianças.
– Eu queria muito ter um filho – disse ela. – Confesso que se fosse teu, não me importava.
– Achas que eu seria um bom pai? – Igor riu. – Na verdade, não gostaria de ter filhos tão cedo.
– Seria possível a gente ver como seriam nossos companheiros ou até mesmo os filhos? – questionou-se, ignorando o comentário. Olhou para ele e continuou, divertida. – Tu, que és o mágico, o que achas?
– O que eu acho? – Igor deu uma risada e pensou uma grande besteira, mas controlou-se e continuou. – O futuro é uma coisa que ainda não aconteceu. Por outro lado, certas partículas subatômicas podem transpôr os limites da relatividade. É, talvez seja possível.
– E serias capaz de fazer?
– Poderia tentar projetar uma imagem que reforçasse os teus pensamentos e talvez visses algo – disse, pensativo. – Queres tentar?
Eduarda fez cara de dúvida e Igor sorriu porque sentia o seu dilema, mas ele também sabia que ela não acreditava que aquilo fosse possível.
– Será? – disse, pensativa. – Como farias?
– Sentas de frente para mim e eu coloco as mãos espalmadas na tua frente. Crio um campo de energia especial e tu pensas com força no que queres saber.
– Estou esperando – afirmou, colocando-se de frente para ele e rindo. – Mas não vale olhar.
Igor estendeu as mãos e ela ficou séria, olhando para elas. Ao fim de algum tempo Igor notou o pequeno brilho e Eduarda arregalou os olhos. Ficou um tempo olhando, enrubescendo e tornando-se um pouco ofegante.
– Isso não tem graça – comentou ela, chocada, talvez chateada. Fez menção de se levantar, mas ele segurou o seu braço e disse suave:
– Eduarda, eu não sei o que tu viste, mas não fiz nada. Foi tudo tirado da tua cabeça. Se te incomodei, me perdoa.
Terminou de falar com um sorriso e ela voltou ao normal, mas Igor ficou doido de curiosidade para saber o que ela teria visto.
Certo dia, não muito depois disso, Eduarda encostou a cabeça no seu ombro e comentou:
– O Sol tá gostoso hoje. – Suspirou quando Igor ergueu a mão e acariciou seus cabelos. – Nem quente nem frio. Uma temperatura perfeita.
– Verdade. Já pensaste que sem ele não haveria vida? – Igor adorava quando ela se encostava a si, sentindo com prazer o cheiro suave do seu shampoo. – Em todos os planos do Universo, sem exceções, há sóis.
– Planos? – Ela enrugou a testa e ergueu o rosto. – O que é isso?
– O Universo é muito mais do que tu pensas. – Igor sorriu. – É dividido em planos. Imagina que os planos são como fitas grossas que estão sobrepostas e retorcem-se sobre si mesmas, como um helicoide ou uma cadeia de DNA. Cada um desses planos contém bilhões e bilhões de galáxias.
Eduarda arregalou os olhos ao ver uma imagem formar-se entre as mãos do amigo, mostrando aquilo que ele falava. Primeiro ela via o que pareciam ser as fitas entrelaçadas e, depois, a imagem ampliava-se cada vez mais até surgirem as constelações que cresciam para se tornarem as galáxias e, por último, o sistema solar.
– Existem partículas subatômicas, os planions – continuou o jovem –, que permitem a interatividade entre os diversos planos. Aquilo que no passado era conhecido como universos paralelos é, na verdade, isso: um único Universo dividido em diversos planos que podem interagir entre si. Pessoas que sejam sensíveis a essas partículas podem abrir passagens e visitar outros planos, pois em todos eles há sois e planetas com vidas dos mais diversos tipos. E os mais próximos do nosso planeta são sempre mundos similares em condições de vida, como se fossem mundos paralelos, sabias?
– Se eu sabia? – Eduarda riu e voltou a encostar a cabeça no seu ombro. – Eu sei de duas coisas: a primeira é que devias ser físico e não engenheiro e a segunda é que devias ser escritor de ficção científica ou poeta. Tens ideias lindas, sem falar nas tuas mágicas. Acho que, como poeta, ficaria mais romântico.
– Achas que isso seria um livro de ficção? – Igor deu uma risada bem alegre e encostou a cabeça na dela, suspirando. – E se fosse verdade?
– Claro que seria – respondeu. – Seria um dos bons e eu leria com prazer. Fala sério que isso poderia ser verdade!
– Lerias? – Ele ergueu a mão e fez-lhe um carinho no rosto.
– Óbvio que leria. – Ela pegou a sua mão e beijou-a. – Eu seria a tua fã número um, Igor, podes ter a certeza disso. Leria todos os teus livros, mesmo se fossem ruins.
Igor esqueceu de tudo e ergueu-se, decidido a beijá-la, ignorando todas as precauções que vinha mantendo.
Quando se virou para o lado e puxou a sua mão o alarme do telefone tocou, alertando que era hora de irem para o trabalho e quebrando o encanto.
A garota não chegou a notar e perdia-se nos seus devaneios, em especial porque, todos os dias Eduarda encontrava borboletas saindo do seu caderno ou uma linda rosa vermelha entre as suas páginas, rosa esta que guardava com as demais num jarro e, para sua curiosidade, nunca murchavam.
Estava tão apaixonada por ele que, para não se desesperar, decidiu concentrar os seus esforços na tentativa de descobrir quem foi o jovem que beijou, uma vez que aquele beijo mexeu demais consigo e talvez fosse a oportunidade para arrumar um namorado e esquecer a paixão platônica que sentia. Para disfarçar e manter as aparências, sempre comentava para ambos os rapazes, em geral ao almoço ou na biblioteca. Escolhia falar com ambos para não deixar suspeitas em relação ao que na verdade sentia.
Muitas vezes, via Valdo sacudindo a cabeça e rindo do que dizia. Inclusive ele uma vez disse-lhe, debochado:
– Mas tu és uma baita tonta, guria. Abre esses lindos olhos, acorda e vê se esqueces de uma vez esse teu herói de mentirinha antes que o verdadeiro amor desista de esperar e se vá embora.
Contudo, não lhe deu qualquer explicação para esse comentário e a garota não entendeu.
― ☼ ―
Naquele fim do segundo mês ela encontrou-o sentado na sua tradicional árvore. Enquanto se aproximava, pensava nele, como Igor era belo e como o desejava tanto, lembrando-se inclusive do sonho de forte conteúdo erótico que tivera com ele na noite anterior. Por mais que tentasse e desejasse, nunca conseguia esquecer-se dele.
Ela estranhou que o amigo não parecia lá muito sereno naquele dia nem lhe sorriu com a naturalidade costumeira ou deixou a tradicional rosa no seu caderno. Para não criar clima, fingiu que nada estava errado e sorriu, sentando-se ao seu lado.
– Esperei por ti para almoçar, mas não te encontrei – principiou a garota. – Então, acabei almoçando sozinha.
– Precisei de ir ao centro resolver alguns detalhes financeiros no banco. – Mais uma vez ela estranhou a ausência do tradicional sorriso doce. Mesmo essa resposta soou fria.
– Algum problema? – perguntou Eduarda, começando a ficar preocupada e sentindo naquilo uma séria ameaça ao estranho relacionamento deles.
– Não, nada de grave, apenas documentos a serem assinados, por causa dos meus pais.
Procurando uma desculpa qualquer para poder ficar perto dele e conversar, disse:
– Sabes, acho que nunca mais vou encontrar o meu Dom Quixote – comentou, sentando-se. – Nem do monstro se fala mais!
Para sua completa surpresa, Igor levantou-se e, com um suspiro, saiu dali a passos largos.
– Igor! O que foi? – perguntou, levantando e indo atrás dele.
Ele, entretanto, desapareceu no nada sem deixar qualquer rastro, pois não havia nenhum sinal do amigo. Passou ao lado do prédio em que ficava o diretório acadêmico e foi ao edifício transversal, onde havia a biblioteca e muitas salas de aula. No campus do vale, os prédios, todos de concreto, eram de dois pisos com corredores na lateral em todo o comprimento deles. A cada quinze metros, talvez mais, uma construção similar, longa e transversal ligava o conjunto tanto pelo solo quanto pelo andar superior com outro grupo de prédios paralelos, como vários "H"s, empilhados. Ela avistou Valdo vindo da direção que Igor parecia teria tomado e foi falar com ele:
– Oi, Valdinho, tu viste Igor?
– Não. A esta hora ele sempre está contigo – respondeu, espantado. – Tá tudo bem?
– Não sei. Ele estava um pouco estranho, sem falar que passou a manhã toda fora. Depois, eu comecei a falar com ele que, de repente, deu um suspiro, levantou e saiu sem dizer nada – explicou-lhe, meio constrangida. – Por acaso vocês brigaram?
– Eu!? Claro que não briguei com ele, não sou louco nem suicida! – respondeu sem compreender a pergunta. – Só um grande besta brigaria com ele!
– Não és louco por quê!?
– Duda, tu não sabe por que motivo Jaime e sua turma deixaram a gente em paz todo este tempo, ninguém te contou? – perguntou, incrédulo. – Ele dominou Jaime com uma mão só. Deixou ele prostrado no meio do chão, todo mijado e ameaçou ele de morte se tocasse em ti. Tu acha que eu seria louco de brigar com um cara forte que nem ele? Além do mais, que motivo eu teria para isso?
– Sei lá. – Eduarda encolheu os ombros. – Todo casal briga de vez em quando, não é? Eu nunca vi ele assim!
– Mas bah, Dudinha, então é por isso, é? Tu estás mesmo ceguinha de galocha, guria! – disse Valdo, exaltado. – Faz um favor a ti mesma e vai procurar Igor. Seja o que for que ele tem, deve ser por tua causa. No mínimo, tu voltou a falar para ele naquela droga do teu Dom Quixote.
– Por minha causa?
– Óbvio, sua tonta. Faz o que te digo e não discute. Assume logo esse teu amor, que droga.
– Tu sabias do meu amor por ele, Valdinho? Sabes onde fica a sua casa? – perguntou, ainda mais preocupada por ser culpada de algo. – Nunca estive lá!
– Não, também nunca estive. Mas sabes muito bem que ele tem aula em breve, então deve estar aqui pelo campus. Talvez tenha ido dar uma volta para relaxar e logo aparece. Quanto ao teu amor, sua tola, só ele é que não notou. Acorda, linda.
Cada vez mais apreensiva em relação ao amigo de cujo amor tentava ignorar para não sofrer, deu-se conta de que a sua vida sem Igor seria a coisa mais triste do mundo, que ele era a sua grande e eterna paixão por mais que tentasse negar todo aquele tempo. Caminhando ao acaso, foi deparar-se com o colega dentro do seu carro, nas traseiras do Instituto de Física. Estava com a porta aberta, recostado no banco e com as pernas esticadas, apoiadas na janela também aberta, ouvindo uma música suave de olhos fechados.
Sentindo o coração aos pulos, aproximou-se dele, um pouco ofegante.
– Igor, por que fugiste sem falar comigo – principiou. – Estou morrendo de preocupação!
Ele abriu os olhos, piscando um pouco por causa do sol. Ergueu-se e pediu:
– Bah, guria, eu não tô legal. Me deixa sozinho.
– Puxa vida, Igor, não faz isso comigo – pediu, quase implorando e sentindo lágrimas nos olhos. – Eu gosto de ti, te amo, mesmo tu sendo gay e eu sinto tanto a tua falta quando tu não estás perto!
– Não acredito que tu estás pensando que eu sou gay, que diabo! Nunca viste que eu não tenho nada de gay? – questionou mais seco do que desejava. – Se me amas por que tu sempre falas do maldito cara que te salvou, que droga!?
– Não!? – Pela primeira vez ela sentiu um vislumbre da realidade e começou a tremer um pouco.
– Como é que eu posso ser gay se te amo loucamente desde o primeiro dia que te vi naquela empresa? – desabafou chateado, saindo do carro e começando a caminhar de volta. Fez um gesto com uma das mãos movendo-a na direção do veículo e erguendo-a. As portas e janelas fecharam-se no ato, mas ela nem prestou atenção. – Será possível que só tu não vês isso!? Sempre falando naquela droga de monstro e do teu salvador loiro. E eu, como tu achas que me sinto todos estes dias ouvindo isso e tentando controlar a minha irritação para não te magoar porque tu és a coisa mais importante que existe para mim?
– Sério, jura? – Ela correu para alcançá-lo e pegou as suas mãos. – Desculpa, mas eu nem sei por que falava do cara que me salvou porque também te amo, Igor. Acho que era por causa do ciúme, porque sempre pensei que tu...
Igor puxou-a e beijou-a com vontade, trêmulo e apaixonado, mas ainda emburrado.
– Eu te amo, Igor – disse ela, feliz e tremendo. – Aquilo era só para tentar me enganar a mim própria por achar que não eras a fim.
– Acho que rolou bastante desencontro. – Igor sorriu e voltou a beijá-la, louco de alegria.
Ofegante ela sentiu toda a doçura do seu sentimento naquele beijo, mas também algo muito mais familiar. Ela já beijara alguém assim antes e, quando se atinou, sentiu um choque que a deixou de olhos arregalados.
– Esse beijo... esse beijo é idêntico... igual ao... – sem aguentar, ela aproximou-se mais e beijou-o com vontade, até ficar outra vez sem folego. – Eu te amo muito Igor, mas eu já te beijei antes, malandro. Por que me escondeste isso? Óbvio que só podias ser tu, como eu sou tonta!
– Esconder o quê, eu nunca escondi nada! – disse ele. – Tu me beijaste depois que jantamos juntos e eu te dei uma flor, lembra?
– Não, meu amor. Aquilo foi um selinho – ela riu – e fiquei elétrica com ele. Um beijo longo e gostoso como este, o último beijo que dei em alguém antes de te conhecer e o melhor de toda a minha vida, igualzinho a este. Tu me enganaste todo esse tempo.
– Não vais dizer agora que eu sou o tal cara que tu beijaste no dia da festa. – Igor riu e ela fez sinal positivo com a cabeça, enquanto sorria e voltava a se aproximar dos seus lábios. No meio do beijo pegou o rosto dele com ambas as mãos, feliz. De supetão afastou-se e afirmou:
– Foste tu, seu safado, agora tenho a certeza. Todo este tempo foste tu e escondeste isso de mim!
– Como podes ter tanta certeza? – perguntou, sem jeito. – Afinal estava tudo escuro...
– Nem me enrola, Igor. Eu era cega até aos oito anos, ceguinha, ceguinha e sei reconhecer qualquer um com as mãos quando toco seu rosto. Lá no meu quarto eu puxei teu rosto e te beijei, mas também fiquei sentindo ele porque sabia que te reconheceria na hora que voltasse a tocar em ti. Eras tu, até porque nunca te disse que estava escuro.
– Tá bom, eu admito. – Igor riu. – Mas para não teres visto o meu rosto só podia estar escuro. Nem precisavas falar.
– E por que escondeste?
– Queria que gostasses de mim do jeito que eu sou e não na ilusão de falsos heróis.
– Eu sempre te amei, Igor, mas juro que pensava que tu e Valdinho namoravam, então eu tentei negar isso.
Abraçados e aos beijos, foram para a aula. No caminho, ela perguntou:
– Diz aí, meu amor, por que as flores que tu me dás jamais murcham? – Eduarda encostou a cabeça no seu ombro. – A minha mãe vive comentando isso e brinca comigo dizendo que eu tenho um admirador com poderes mágicos.
– Porque estão impregnadas com a energia do meu amor por ti, ora – respondeu. Depois deu uma risada e acrescentou. – Vai ver eu tenho mesmo poderes mágicos, ora.
Terminou de dizer isso e beijou-a de novo. Enquanto caminhavam para a sala de aula, ambos perderam a conta de quantas vezes pararam no meio do caminho para se beijarem até que entraram abraçados na sala e, quando alguns colegas viram, assobiaram e aplaudiram-nos com uns gritando:
– Até que enfim assumiram!
Ambos sorriram, sem jeito.
― ☼ ―
No dia seguinte, Levi mandou chamar Igor. Sorridente e com olhos sonhadores, entrou na sala após bater.
– Como vais, filho? – perguntou, sorrindo. – Estás gostando do trabalho?
– Muito, senhor – respondeu, aéreo. – Sinto-me feliz aqui. Para mim foi uma terapia muito importante por causa dos meus pais, mas agora estou bem melhor.
– Que bom, Igor. – Apontou uma cadeira. – Senta aí porque tenho mais de um assunto a tratar contigo. Em primeiro lugar, andei notando e já me disseram que Anita tem cometido um assédio meio forte, tentando inclusive te beijar forçado.
– Isso aconteceu de fato, Levi, mas eu coloquei-a no seu lugar. Conversei com ela e expliquei que não queria que se repetisse. Ela desculpou-se e parou com o assédio, por isso peço que não tome medidas contra ela.
– Então isso acabou?
– Sim, não se repetiu mais. Ela é muito bonita e simpática, mas o meu coração pertence a outra pessoa.
– Bem, isso deixa-me aliviado porque não gosto de demitir ninguém. Quanto à tua vida privada, trata-se de algo que apenas compete apenas a ti – comentou. Pensando na filha continuou. – Sei de mais alguém que não vai gostar nada de saber.
– É mesmo!? – Igor ficou surpreso.
– Deixa para lá. O doutor Ernesto não quer mais que tu faças trabalho de estagiário no departamento de pesquisa.
– Me desculpe, Levi, mas eu fiz alguma coisa que os tenha desagradado? – perguntou, triste. – Eu gosto tanto de ficar na pesquisa...
– Calma, Igor – disse o superior. – É que ele deseja que participes das pesquisas. Eles estão demasiado impressionados com os teus conhecimentos matemáticos e eu também, para falar a verdade. Ernesto e Nataniel disseram que as pequenas ajudas que tens dado aceleraram muito a pesquisa do novo filtro multifunção.
– Fico lisonjeado, Levi – disse Igor. Muito cauteloso, o jovem continuou. – Mas o fato de saber toda essa matemática não me dá a experiência necessária para efetuar pesquisas tão avançadas. Temo que se decepcionem comigo.
– Serás orientado por eles, como um aluno de mestrado, então não te preocupes quanto a isso. Aceitas a oferta?
– Claro que aceito. – Igor sorriu. – Deseja mais alguma coisa?
– Contigo não. Tenho que ver um estagiário novo para lá. Tinha a minha filha em mente, mas devido às circunstâncias talvez não seja uma boa ideia. Bom, eu vejo isso amanhã.
― ☼ ―
No dia seguinte, Igor encontrou Eduarda esperando por ele no estacionamento. Beijaram-se e ele disse:
– Amor, se tu quiseres, eu posso passar na tua casa e te pego para vir aqui. E também posso te levar para casa no trabalho.
– Mais tarde – disse ela, reticente. – Deixa meus pais se acostumarem com isso primeiro. Meu pai trabalha na empresa, então costumo ir para casa com ele.
– Sério? – Igor riu. – Tens que me apresentar, daí ele vai confiar em mim.
– Ele não é controlador, amor – disse ela, também rindo. – Eu que quero que seja devagar porque te amo muito e para mim isso não é só um namoro casual. Para mim é muito sério.
– Para mim também, amor – disse o mago, beijando a garota mais uma vez. – Juro que nunca senti uma coisa tão forte assim antes de te conhecer.
– Então tá – disse, decidida. – Vamos devagar com os meus pais. Na verdade, a minha mãe já sabe tudo. Na hora certa, te apresento ele e quero só ver a tua cara, amor.
– Por quê? – perguntou, sem entender.
– Deixa pra lá – disse misteriosa. – Como foi ontem? Nem paraste para tomar café!
– Verdade – Igor sorriu, contente. – O Levi me promoveu para a pesquisa e precisei de me inteirar de um monte de coisas novas.
– Sério?! – Eduarda abraçou-o. – Parabéns amor... me diz uma coisa, ficou alguém com a vaga de estagiário de lá?
– Ele disse que ia pensar em alguém, mas não me contou nada.
– Acho que vou me candidatar – disse rindo. – Assim fico de olho naquela bruaca da Anita e passo o laço nela se mexer contigo de novo.
– Então tu ficavas mesmo de olho em mim por lá? Ela anda comportada, amor. – Igor riu. – Queres que fale com o Levi?
– Não, Igor – disse decidida. – Eu mesma vou falar. Tenho que tomar as minhas próprias decisões. Amor, vai indo para a aula que vou ao banheiro.
– Tá. – Beijaram-se e Eduarda afastou-se em passos rápidos.
Mal entrou no sanitário, trancou-se no reservado e pegou o telefone.
– "Alô, Dudinha" – disse o pai ao atender. – "Tudo bem?"
– Oi, pai – respondeu ela. – Tudo ótimo e vai ficar melhor ainda porque tu vais me colocar no estágio da pesquisa ainda hoje. Não inventa moda que fiquei sabendo que a vaga está em aberto.
– "Até imagino que seja pelo Igor, amor" – disse o pai, reticente. Tentando demovê-la, disse. – "Ele tem namorada e tu vais acabar decepcionada, filha."
– Ora, pai, eu também tenho namorado desde ontem – respondeu rindo. – Um lindo gato loiro que nem ele. Pai, eu adoro a pesquisa, então pensa na tua filhinha que tá lá na produção mais perdida que cego em tiroteio...
– "Tá bom, filhinha" – disse o pai, rindo. – "A vaga é tua, mas nada de assediar o rapaz que o coitado já teve mais do que a dose dele com a Anita, viu?"
– Tudo bem, pai, deixa que estou muito feliz com o meu namorado e esse é bem sério, viu? – disse, rindo muito. – Obrigada, pai, beijo e te amo. De tarde a gente se vê.
Felicíssima, foi para a sala de aula e sentou-se ao lado do Igor, virada em sorrisos.
― ☼ ―
Igor estava nervoso, pois ia conhecer os sogros porque Eduarda disse que a mãe o intimara a jantar com eles e, depois de uma semana, estava na hora do pai conhecer o namorado. As coisas iam às mil maravilhas para ele, em especial depois que Eduarda passou a trabalhar junto, mas, na empresa, os dois escondiam tudo.
Encostou o carro bem à frente da casa e bateu à porta um pouco nervoso, uma vez que era tudo novidade para si. Uma mulher de grande beleza, mas mais baixa que a namorada, abriu e sorriu-lhe, dizendo:
– Suponho que tu és Igor – estendeu a mão, gentil. – Sou Fátima, mãe de Eduarda. Entra.
– Prazer, dona Fátima.
– Vejo mesmo que a Duda tem bom...
– Oi, amor. – Eduarda apareceu e correu para o pescoço dele, beijando-o como se não o visse há um ano. – Tava com saudades.
– Calma, amor. – Igor riu. – A gente não se vê apenas há duas horas.
– Vamos ver o meu pai. Ele tá no escritório. Quero só ver a cara de susto dele. – Puxou o namorado pela mão.
– Por que motivo ele teria um susto comigo, se nunca o vi nem lhe fiz nada de m... caramba!
Igor parou e ergueu a sobrancelha, olhando para o chefe. Levi viu o jovem e, distraído, perguntou:
– Olá, Igor, algum problema? – Não esperou resposta porque acabou de ver que a filha estava de mãos dadas com ele e arregalou os olhos, espantado. Após uns segundos, irrompeu em uma gargalhada. – Então, quando tu disseste que o teu coração pertencia a outra pessoa era a Duda? E eu preocupado com ela, achando que ficaria de coração partido.
– O senhor é o pai dela?
– Bem – disse Levi, olhando em volta –, esta casa é minha. Logo, presumo que sou.
– Claro, como sou tapado! – Igor bateu na testa e riu. – Eduarda Vargas e Vargas Engenharia.
– Exato – continuou o pai. – E Levi Vargas também.
– Agora entendi as tuas insinuações, Eduarda – disse o namorado, abanando a cabeça.
– Não há dúvida que o destino é muito engraçado. – Comentou Fátima, rindo do marido. – Pena que eu já sabia de tudo, mas a tua cara foi de cinema, Levi...
― ☼ ―
Prograd – Pró-retoria de graduação.
Curso dois é quando consegue fazer a mesma cadeira mas oferecida para turmas de outro curso. O risco é que podem ser bem mais difíceis conforme a faculdade, como é o caso da personagem. N.A.
Ficção. N.A.
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