Capítulo 17
"O amor não se vê com os olhos, mas com o coração."
William Shakespeare.
Há muito que Eduarda tinha ficado livre da influência do seu algoz, mas precisava de fingir porque ele era demasiado poderoso e perigoso. Paciente, treinava a sua magia sozinha, em segredo, aprimorando os dons do jeito que podia e conseguia. Descobriu logo no início que Samuel jogava nela uma toxina violenta que a mataria se ficasse muito tempo longe da sua influência, momentos em que a mantinha neutra.
Igor tivera o trabalho de a ensinar a controlar o próprio corpo e, graças a isso, ela eliminava o veneno com facilidade, mas também não deixava ninguém sequer desconfiar disso. Quando foram a Porto Alegre, Samuel autorizou e Eduarda aproveitou para pegar umas coisas suas na casa dos pais, deixando no quarto uma mensagem secreta com o velho jogo de runas, usando os seus poderes para transformar as peças para o alfabeto celta, esperando que ele tivesse a ideia de ir lá. Ela tinha uma confiança irrestrita no noivo e sabia que ele não mediria esforços para libertá-la mais uma vez, mantendo-se paciente e sempre treinando com afinco.
Quanto mais o tempo passava, mais preocupava ficava porque tinha a certeza que algo aconteceu a Igor para ele não ter aparecido até ao momento. Samuel disse, certa vez, que ele estava lutando contra os próprios fantasmas do passado e ela não entendeu, mas isso significava que alguma coisa lhe aconteceu para demorar tanto. Apesar disso, não perdia a fé e sempre treinava, sentindo que seus poderes aumentavam todos os dias e muito.
Samuel viajava bastante e infiltrava-se com toda a subtileza no crime organizado e na política, especializando-se em corromper pessoas para os seus propósitos. Quanto mais sucesso obtinha nisso, mais felicidade aparentava e mais nojo despertava na falsa esposa.
Naquele dia, estavam no Rio de Janeiro, em um hotel luxuoso da Barra da Tijuca que ficava de frente para o mar. Ele tinha saído para um encontro com um senador corrupto que vinha atraindo para seus negócios, muitos deles de natureza bem duvidosa, e ela sentia-se bastante entediada porque fora proibida de ir para a rua. Desde a sua fuga com Igor, o demônio tomou providências pesadas e o único lugar onde podia ficar a sós era no seu quarto, porque ele também não queria que alguém se aproveitasse da mulher.
Trancada no aposento, brincava com os seus poderes realizando as mais diversas experiências, mas até isso acabava cansando alguém ao fim de algum tempo, ainda mais quando se sentia em cativeiro, como era o seu caso.
Triste, lembrou-se do noivo e da cabana na floresta do cânion, quando estava livre e com o homem da sua vida, os últimos dias decentes e gostosos que teve. Sentia uma grande preocupação por causa dele, porque tinha a certeza que, se não tivesse acontecido alguma coisa grave, ele já teria tentado resgatá-la. O que mais temia era que estivesse morto, mas tentava evitar pensar nisso, embora a sua fé ficasse cada vez mais abalada com o passar dos dias.
A saudade estava tão forte que tentou imaginar cada detalhe do lugar, lembrando os poucos dias de alegria que teve ao ser salva por ele há poucos meses. Era como se sentisse na memória o vento fresco do fim do dia e o cheiro da floresta, enquanto ouvia o cantar dos pássaros ritmado com o farfalhar das folhas à brisa. Junto com tudo isso, imaginava Igor ao seu lado, cuidando de si com carinho ao mesmo tempo que lhe estendia a tradicional rosa vermelha acompanhada do seu sorriso irresistível.
Sem explicação aparente, Eduarda começou a ouvir um barulho incompatível com o quarto onde estava porque era o barulho de pássaros e vento soprando nas árvores de uma floresta, sem falar no cheiro peculiar do mato, tal como ela vinha imaginando.
Olhou na direção dos ruídos e viu uma abertura na parede. A sua primeira reação foi um susto enorme, quase pânico, pois julgou que o prédio ia ruir e ela estava no oitavo andar. Logo depois, acalmou-se porque o que via na rachadura da parede não era o mar para onde ela estava virada. Arregalou os olhos e aproximou-se mais, observando uma floresta e a cabana onde esteve quando fugiu. Colocou ambas as mãos no meio da abertura, afastando-as de modo a alargar mais a passagem e descobrindo que isso ocorria de fato. Quando se deu conta que abriu um portal do mesmo jeito que Igor fazia, não pensou duas vezes e atravessou-o para o outro lado, fechando-o em seguida da mesma forma que faria se tivesse cerrado as cortinas de uma janela.
― ☼ ―
– Em conformidade com a teoria quântica dos campos relativísticos – disse o computador, quase quatro horas depois –, é possível calcular a posição aproximada da pessoa desde que se conheça bem seu pensamento, mais precisamente as ondas cerebrais.
– Explique.
– As ondas de pensamento, que têm o comportamento similar às partículas, podem interferir na gravitação quântica. Da mesma forma que a eletrodinâmica quântica é afetada pelas ondas de fótons, podemos modulá-las para que sejam afetadas pelas ondas de pensamento do alvo. Contudo, para termos alta seletividade, o manipulador do detetor deve emitir ondas de pensamento compatíveis e capazes de uma separação de um para um bilhão. As ondas quânticas desse tipo não ficam restritas à distância porque são sem massa, instantâneas.
– Perfeito. Agora desejo saber como identificar um ser alienígena no meio de bilhões de outros seres humanos. O dito alienígena tem capacidade de se infiltrar e parecer idêntico a um ser humano normal. Por isso, a única forma de o localizar é pelas emanações mentais.
– O princípio não muda, mas passa a ser mais simples por não haver necessidade de seletividade. Basta procurar uma onda de pensamento cujo tipo seja muito divergente, isto é, fora do desvio padrão.
Igor levantou-se e foi para os laboratórios começar a preparar o aparelho. Trabalhou sem parar e nem mesmo dormir por dez dias. O resultado final foi um pequeno cristal roxo de dez centímetros de comprimento por dois de largura e altura. Sorrindo, olhou para o amigo e disse:
– Vamos para casa, Gwydion. Transforma-te e sobe no meu ombro.
Após o dragão obedecer, abriu um portal direto para o seu quarto e voltou para casa.
― ☼ ―
Sentado na sala, após dormir um pouco e estar bem alimentado, pegou o cristal nas mãos e concentrou-se. No início nada aconteceu, mas, depois, a pedra começou a brilhar e piscar com uma cor roxa, suave.
Igor relaxou um pouco, em especial quando viu que a experiência estava a ser coroada de êxito. Após alguns minutos a luminosidade do cristal estabilizou e ele levantou-se, abrindo uma passagem e atravessando para o outro lado.
Chegou mesmo a tempo de ver outro portal fechar-se bem à sua frente. Frustrado e desesperado, reprimiu uma praga ao dar-se conta que Samuel mais uma vez conseguiu fugir com ela. Olhou pela janela e notou que estava de frente para uma linda praia, talvez no Rio de Janeiro. Transportou-se para um lugar isolado e pegou no detetor. Chegou a se assustar quando o pequeno cristal começou a brilhar sozinho e com força tão logo ele lhe pôs os olhos em cima. No meio do seu espanto, concluiu que Eduarda devia estar concentrada em si e, por isso, as ondas entraram em sintonia quase que sozinhas. Não se fez de rogado e tratou de abrir logo o portal até ela, encontrando-a onde menos esperava.
― ☼ ―
Eduarda sentiu algo muito próximo de um verdadeiro êxtase ao descobrir que não só fugiu do seu captor como a partir daquele momento podia ir para onde quer que desejasse. A primeira reação foi rir, rir muito e à toa na mais pura felicidade de uma fuga muito bem-sucedida. Após quase meia hora de risadas, a realidade tomou conta e ela começou a pensar mas suas opções.
A sua preocupação maior era que Samuel podia rastrear o portal, embora levasse alguns dias para achar o caminho como já provara a experiência.
Decidiu, por isso, não ficar mais do que dois dias no mesmo lugar. Ela gostaria de saber como abrir um portal direto para encontrar Igor, mas teve medo de cometer algum erro, sem falar que desconhecia o seu paradeiro e como aquilo funcionava de fato. Samuel havia dito em meio a risadas maldosas que ele era um prisioneiro do próprio passado, mas não explicou nada nem o quê.
Caído no chão à entrada da cabana estava o pequeno cajado que Igor lhe fez. Ela pegou nele e entrou para tentar encontrar o que comer, quando se lembrou que podia criar os próprios alimentos. A primeira providência foi um bom café e saiu para a rua, bebericando devagar.
Sentou-se na cadeira de balanço com o bordão na mão e isso fê-la pensar no noivo, quando Igor lhe despertou os dons. Após beijar a bola de diamante, encostou-a no rosto e começou a sentir uma saudade terrível dele, quase incontrolável. Era tão forte que ficou a imaginá-lo abrir um portal, surgindo à sua frente junto com o dragão disfarçado de pássaro que ficava pousado no seu ombro. Vendo a miragem, sorriu com toda a sua doçura, enquanto estendia a mão como que para alcançar o noivo.
– Ai, se tu fosses real, meu amor – disse ela, com uma pequena lágrima no olho. – Sinto tanto a tua falta, eu te amo tanto!
– Mas eu sou real, minha princesa – respondeu Igor, fazendo-a saltar da cadeira.
– Igor! – O seu grito foi de alegria e alívio ao descobrir que não estava imaginando nada. Abraçou-o com toda a força, cobriu o noivo de beijos e as lágrimas de felicidade corriam soltas pela face.
Ele olhava para Eduarda e também sentia as emoções quase fora de controle, sem falar na alegria de a ver bem e livre da influência do demônio Samuel.
Ficaram um bom tempo abraçados e aos beijos, até que o senso prático dele entrou em ação.
– Onde está aquele demônio preto, Eduarda? – perguntou, tornando-se áspero. – Preciso destruir essa criatura dos infernos antes que ele nos destrua.
– No Rio de Janeiro, amor. Eu consegui fugir. – Ela riu, maravilhada. – Eu fui capaz de abrir um portal e me mandei! Foi meio que sem querer, mas consegui. E tu, o que te aconteceu?
– Fui aprisionado em uma armadilha do tempo e arremessado para o século III e na Europa. Fiquei pouco mais de cinco meses preso e quase não consegui voltar, mas, no final, deu certo.
– Isso tu vais ter que me contar um dia – disse Eduarda. – Deve ter sido assustador e ao mesmo tempo excitante. Imagina que loucura! E logo eu, que sempre sonho com uma época muito na antiguidade. Lembras que uma vez te falei disso. Tinha até um nome nesse sonho, mas não lembro qual. De qualquer forma, sempre sonhava, e ainda sonho, que morria numa grande batalha. Engraçado, né?
– Preciso te levar para um lugar seguro...
– E eu preciso muito de ir para casa dos meus pais falar com eles, amor – disse, franzindo a testa para felicidade do Igor. – Devem pensar que sou horrível e tenho medo que aquele monstro tente matá-los.
– Não te preocupes. – Igor acariciou a sua face. – Eu estive com eles e contei tudo. Depois, levei-os para o mundo do Gwydion.
– Lá é um lugar seguro?
– Um dos mais seguros do Universo e nós vamos agora para lá, minha princesa, não vamos esperar e arriscar mais.
Igor abriu o portal e os três atravessaram, sendo que Gwydion já vinha na sua forma original porque, na cabana do Ezequiel, ele transformou-se de forma a poder entrar em combate com a criatura de imediato, caso aparecesse.
― ☼ ―
Ezequiel estava encostado na mureta, apreciando o desenvolvimento da Fátima que era de uma velocidade impressionante e calculava que ela pertenceria ao grau quatro.
Como desconfiou de início, o marido também tinha o dom, embora fosse apenas do nono grau, na melhor das hipóteses, o oitavo. Ao seu lado, Valdo observava aquilo, deliciado e com uma certa inveja por não ser capaz de fazer nada dessas coisas.
O casal treinava e divertia-se quando a ruptura dos planos aconteceu perto eles. Ezequiel ergueu-se e viu Gwydion passar. Saci, que estava por perto, saudou o amigo. Logo depois, Ezequiel precisou esfregar os olhos e olhar de novo. Como a cena ainda persistisse, ele aproximou-se do Guardião Supremo e da Eduarda, trêmulo. Ergueu a mão para o seu rosto, tocando nele com suavidade para ver se ela era real. Sem conseguir se controlar mais, saíram da sua boca as palavras amargas da saudade:
– Ailin, minha filha! – Suas mãos tremiam. – Mas eu vi você morrer!
– Ezequiel, esta é Eduarda e não Ailin.
– Isso, é Ailin! – comentou Eduarda, quase berrando. – Igor, é esse o nome que sempre sonho... oi, Valdinho.
O amigo correu a abraçar Eduarda.
– Dudinha do céu – disse, quase chorando – tu quase me mataste de preocupação.
– Meu Deus – afirmou Ezequiel, emocionado –, já se passaram mais de mil e setecentos anos e minha memória pode estar meio embotada, mas é demasiado parecida com a minha filha.
Eduarda viu os pais aproximarem-se e correu até eles, abraçando-os. Com lágrimas nos olhos, pedia-lhes desculpas, explicando que fizera aquilo para não os expôr.
Igor aproveitou o reencontro deles, puxou o amigo para a mureta e pôs a mão no seu ombro.
– O passado não deve ter sido fácil, eu presumo, mas garanto que esta é Eduarda, a minha noiva. Eu não podia tê-la trazido comigo, Ezequiel, e o senhor sabe muito bem que isso é verdade.
– Mas parece tanto com ela – insistiu, o sábio. – Acho que nunca superei a perda da minha filha. Nem mesmo a mãe dela me doeu tanto!
Enquanto os pais e Eduarda conversavam, os dois guardiões apoiaram-se na murada, virados para o mar. Igor comentou:
– Ela era especial, Ezequiel, e estou certo que a sua perda foi dolorosa. Dezoito séculos é muito tempo, mas eu lhe disse que ambas eram demasiado parecidas. O que aconteceu?
– Sim, é muito tempo. – Ele enxugou uma lágrima – Ela morreu, lutando contra os romanos. Provocou uma explosão de plasma tão grande que matou todo o exército, mas também foi atingida pela onda e não conseguiu absorver a energia por ter sido forte demais. Nessa época, a vossa filha já era uma grande feiticeira, a maior de todos os tempos, e foi quando eu, junto com a minha neta, ergui a Cidadela e levei os druidas e sacerdotisas para...
– Que história é essa de tua filha, Igor? – A voz da Eduarda soava perigosa atrás dele porque tinha-se aproximado do par e ouviu a última parte.
Igor ficou um pouco sem jeito de explicar algo que nem mesmo para si ele saberia fazer, mas também era incapaz de mentir para a noiva.
– Quando eu fui aprisionado no século III, conheci Ailin que era muito parecida contigo – confessou. – Ela usou um subterfúgio e pediu que eu lhe fizesse uma promessa, caso não quisesse casar com ela. Eu prometi, sem saber o que era, e ela pediu-me um filho.
– E tu fizeste isso? – Ela estava tão zangada que começava a ficar rubra. – Eu não posso acreditar, Igor Montenegro! E a mim, sempre me negaste isso!
– Eu nunca faltei com a minha palavra, amor – respondeu Igor, sério e também desamparado. – E bem sei que tu tens todo o direito de estar zangada, até mesmo de te separares, mas eu achava que jamais conseguiria voltar ao presente, sem falar que tu nem existias. Ela era tão parecida contigo que... sei lá, acho que me perdi pelo caminho. Eu até resisti no início e tentei não gostar dela, mas estar com ela era o mesmo que estar contigo porque eu sentia como se estivesse mesmo contigo, Eduarda. Desculpa, mas não sei explicar o que aconteceu, juro que não sei, e o pior é não me sinto como se tivesse te engando pois, para mim, ela eras tu!
– "Mas eu sei." – Saci e Gwydion aproximaram-se. – "Eu já havia dito para Ailin e agora vou dizer para todos. Ailin e Eduarda são a mesma essência em corpos diferentes."
Gwydion aproximou-se mais e tocou a testa da garota. Ela não entendeu direito o que aconteceu, mas a sensação era bastante estranha porque passou a ver a sua própria vida e um dos seus passados mais remotos como se estivesse de fora, em um filme especial, um filme em que via uma vida que era a sua, embora, ao mesmo tempo, não fosse nem parecesse. Reviveu um passado remoto ao lado do homem que mais amava, mas estava diferente, com um corpo diferente. Sentiu seus corpos pulsarem e o seu ventre concebendo a filha deles, a ida do seu grande amor para um lugar onde não poderia acompanhar e o nascimento do bebê. Viveu outra vez a vida da Ailin como uma lembrança embotada que se descortinava e que passou a ser mais uma lembrança da sua própria vida. Muitos dos eventos que vivenciava naquele momento, ela já conhecia pelos estranhos sonhos que tinha com bastante frequência, mas passaram a se tornar lembranças reais. O choque foi forte e ela cambaleou com a explosão de informações que recebeu.
Gwydion afastou-se e ela tornou a cambalear, segurando a fonte. Igor foi rápido e amparou-a. Eduarda, devagar, levou a mão ao seio e tirou do sutiã um objeto pequeno que brilhava pulsando num vermelho intenso. Colocou o anel no dedo e disse:
– Tu me deste este anel no dia que fomos ao Mundo de Cristal!
– Sim, dei – respondeu-lhe e ela atirou-se aos seus braços.
Eduarda virou-se para Ezequiel e abraçou-o, beijando seu rosto.
– Parece que agora tenho dois pais, porque o senhor também é meu pai, de outra vida, mas é e sempre será.
Feliz, Ezequiel afirmou, rindo.
– Só mesmo a minha filha para complicar as coisas desse jeito.
– Não entendi mais nada – disseram os pais dela em uníssono, abanando a cabeça. – Alguém aí quer explicar?
– Eu sou a reencarnação dela, mãe, da filha dele – disse Eduarda. O casal contou tudo, ajudados pelo Guardião da Sabedoria. Quando se calaram, Fátima comentou:
– Esse anel tem passado de geração em geração na minha família há muitos séculos. Quando a filha ou sobrinha chegava aos vinte e cinco anos, recebia a joia e a mensagem que ele era de outro mundo, possuindo poderes especiais para quem merecesse e que um dia a verdadeira dona apareceria para o reclamar de volta.
– Desculpa, mãe – Eduarda tirou-o e devolveu – mas eu precisava de algo para focar a minha energia e lembrei da história dos poderes do anel.
– Fica com ele, filha, que afinal é teu de direito. Isso quer dizer que somos descendentes do senhor, Ezequiel, e daí a semelhança com meu bisavô – virou-se para o casal e disse, debochada. – Sorte vossa que já passaram tantos séculos, senão a relação de vocês seria incestuosa.
Os três riram bastante da careta que o casal fez. Quando as coisas se acalmaram, Eduarda disse ao seu ouvido:
– Estás perdoado, mas agora tu me deves um bebê! – Ela riu dele. – Será que era por isso que sempre desejei ter um filho contigo?
– Não sei, mas tu nunca me contaste o que foi que viste naquele dia na faculdade, quando tentei te mostrar o futuro.
– Bem, eu vi a gente... sabes. – Ela ficou um pouco vermelha e Igor riu. – Eu tava louca por aquilo, mas tu lembras do resto, então esquece essa história.
– Tá bom, achavas que eu era namorado do Valdinho. Bem, é mais que justo se queres um bebê. Além disso, acabaram os segredos, mas lembra-te que vais viver com um chefe de Estado, o soberano de um planeta inteiro. Será que vais aguentar?
– Não tem problema. Sabes, agora que lembro de tudo sei que me deste um gelo até eu te intimar naquela vez, mas agora não precisas fazer isso, tá? – Eduarda deu uma risada alegre. – Tipo... hoje de noite eu tô muito carente.
– Também estou, meu amor.
Enquanto os pais da Eduarda voltavam aos seus treinos, dessa vez acompanhados pela filha que os superava em tudo, os guardiões conversavam a sós.
– O senhor não agia como se soubesse que eu seria arremessado ao passado – disse Igor, um tanto acusador.
– Na verdade, a primeira vez que veio a mim eu não me atinei e você estava tão mal que a minha preocupação era apenas ajudá-lo a ficar bem – explicou, apoiando as mãos na mureta e olhando para o mar. – Depois, quando me dei conta e as lembranças vieram, precisei ficar calado.
– Por quê? – questionou, curioso. – Talvez pudéssemos ter evitado isso tudo.
– Foi você que me alertou para os perigos dos paradoxos do tempo, Igor. – Ezequiel repreendeu-o. – Além disso, se não tivesse caído na armadilha, todo o presente teria mudado. Agora sabemos que nem mesmo a sua noiva existiria, pelo menos não como é agora. Sem a sua ajuda, teríamos morrido naquela guerra, todos nós, e sabe-se lá o que teria acontecido com os bruxos como vencedores. Por isso, eu abandonei a capa branca e tornei-me um eremita, mas para todos os Magníficos recém-eleitos eu contava o que era necessário saberem sem afetar o tempo, além deles também implantarem o caminho da minha cabana na memória de cada criança de nível um superior, porque o meu grande medo era não me lembrar de si após tanto tempo. Sergey veio aqui no dia da sua eleição para me avisar que você apareceria em breve, mas não imaginei que ele estivesse sendo tão explícito.
Ezequiel suspirou e virou o olhar para Igor, continuando:
– Sem isso, talvez hoje não houvessem mais magos e bem vejo que você amadureceu muito.
– Já se deu conta que isso, só por si já foi um senhor paradoxo do tempo? – perguntou Igor, rindo.
– Era inevitável, filho. O que importa é que acabou.
– Como era ela, a minha filha? – Igor sentia como se tivesse abandonado uma parte dele no passado. – Queria tanto tê-la conhecido!
– Ela era ainda mais bela que a mãe e Ailin chamou-a de Morgana. Todos a conheciam por Morgana a Bela. Com dois anos, os seus poderes já se manifestavam de forma intensa e ela era de primeiro nível superior, ou seja, nem precisava de auxílio de amuletos. As primeiras edificações da Cidadela foram erguidas por mim e ela. Morgana a Bela teve três filhos lindos, mas eu ficava mais tempo na Cidadela e ela na Terra. Por isso não os via muito e, quando a minha neta tinha uns cem anos, desapareceu sem explicações. Os meus bisnetos seguiram os seus rumos e acabei virando um solitário, apesar de ter família. A grande verdade é que eu jamais superei a perda da Ailin e da mãe dela.
– Bem – Igor pôs a mão no seu ombro –, não tenho palavras para lhe dizer, mas veja pelo lado positivo – apontou a noiva e sogra –, elas ainda são a sua família, mesmo com uma lacuna de mais de dezessete séculos e ela é Ailin retornada, sem falar que o reconheceu como sendo seu outro pai.
― ☼ ―
Estava clareando e Igor encontrava-se na janela da torre sul do castelo. Abaixo dele havia um precipício respeitável que acabava no oceano. Pensava na vida quando foi interrompido por uma voz suave:
– Ei, gostosão, larga de ficar se expondo pelado na janela e volta prá cama.
Ele virou-se e sorriu. Foi de encontro à Eduarda e abraçou-a. Ela soltou um gritinho e disse:
– Bah, cara, tu tás muito gelado!
– Então, esquenta-me.
Abraçados, simplesmente sentindo paz e felicidade enquanto relaxavam, ela perguntou:
– Sinto que estás muito preocupado com alguma coisa.
– Estamos aqui há dez dias, amor – disse Igor. – Eu penso nos horrores que aquele demônio preto pode estar aprontando.
– Entendo. – Ela beijou seu ombro e aconchegou-se mais. – Eu também penso nisso e acredito que só me sentirei livre quando tiver certeza de que Samuel foi destruído.
– Amor, eu preciso de voltar para a Terra e acabar com aquela criatura.
– Eu sei – concordou ela, acariciando-o. – Faz dois dias que venho notando essa tua preocupação crescente. Acho que já domino os meus poderes com uma certa segurança e vou contigo.
– Não sei se é uma boa ideia depois de tudo o que passamos. Ele é demasiado forte e posso não conseguir te proteger. Na verdade, ainda não sei se sou capaz de o derrotar, embora esteja muito melhor e...
– Amor, eu não estou pedindo para ir contigo. – Ela riu, apertando-o cotra si. – Eu estou comunicando que vou contigo, entendes a diferença?
– Barbaridade, Eduarda, nem casamos e já estas me tratando assim? – Igor riu. – Fico só imaginando daqui a uns dois ou três séculos, que tipo de maldades irás inventar contra o teu doce maridão.
– Como não casamos? – disse, também rindo. – Tás fugindo da raia?
― ☼ ―
– Ezequiel. – Igor olhou para o amigo, que sentiu no mesmo ato que havia encrenca a caminho.
– Esse seu olhar não me engana, Igor – disse de soco. – O que deseja?
– Eu e Eduarda vamos voltar e dar caça ao demônio. Gostaria de lhe pedir um favor.
Estavam todos almoçando no castelo. Ele encolheu os ombros e riu:
– Que rematada loucura vai pedir-me desta vez? – O velho mago estava muito contente por ter conhecido Eduarda, sentindo como se fosse uma segunda chance de ter a filha ao seu lado.
– Que vá para a Cidadela com meus sogros, Valdo e Saci. Se possível mais um ou dois dragões que desejem uma pequena aventura. Eu pretendo encurralá-lo lá e testar a minha teoria para salvar os outros magos.
– Se você pensa que vou permitir que arrisque a vida da Ailin, filho, está bem enganado.
– Ezequiel, Ezequiel – Igor riu, abanando a cabeça – ela é a Eduarda, mas eu compreendo esse dilema, já que são a mesma essência. Agora explique uma coisa, pela Deusa: se nem eu, com todo o meu poder posso dominá-la, então o que faria para a impedir? Se deseja tanto assim fazer isso, fique à vontade porque eu ficar-lhe-ia muito grato, eternamente grato, na verdade.
― ☼ ―
Igor abriu um portal para a Cidadela bem no centro da sua praça principal e um grupo muito heterogêneo atravessou para lá. Entre dragões e magos, Valdo estava abobado perante tamanha beleza, mas foi Eduarda que primeiro falou:
– Mais um lugar dos meus sonhos, igualzinho a quando passamos aqui pela primeira vez, só que foi tão rápido e eu tava tão mal que não tinha visto direito.
– Então esta é a famosa cidade secreta, considerada a mais bela do Universo – comentou Fátima. – Não há dúvida que faz jus à fama.
– Mas bah! – disse Valdo, sem saber como se expressar.
― ☼ ―
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top