Capítulo 16
"Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio e eis que a verdade se me revela."
Albert Einstein.
Surgiram no meio da sala, bem às costas de alguém.
Valdo, que cuidava das plantas e mantinha a casa limpa para o amigo, virou-se ao ouvir um ruido atrás de si. Como não esperava ver Igor e um gavião de tamanho apreciável no ombro surgirem do nada, tomou um grande susto e saltou para trás, soltando um berro involuntário. Ao certificar-se de quem era, abriu um sorriso e correu a abraçá-lo.
– Meu Deus, Igor – disse, aliviado. – Juro que já estava perdendo a esperança que retornasses.
– Foi por pouco, meu caro. – Igor sorriu. – Aquele demônio derrotou-me de novo.
O jovem pegou um copo de água na cozinha enquanto o pássaro colocou-se em um canto, parecendo uma estátua. A frase seguinte do Valdo deixou-o bastante espantado:
– Eu sei – afirmou –, e estava com muito medo do que te podia ter acontecido, ainda mais depois deste tempo todo.
Igor sentou-se no sofá e apontou o outro para Valdo. Olhou o copo por alguns segundos e pediu:
– Que tal contares o que tem acontecido neste período, por favor. Parece que não foi pouco, pelo que vejo.
Valdo olhou para o pássaro, lembrando-se que o amigo nutria um carinho todo especial pelos animais e na faculdade sempre tinha alguns por perto. Ficou imaginando o que teria acontecido nesse meio tempo e onde ele teria arranjado aquele lindo gavião. Quando Igor estalou os dedos, como que para tirá-lo de um transe, começou a contar:
– Desculpa – principiou. – Bem, depois que tu saíste daqui para Santa Catarina aconteceram duas coisas determinantes: primeiro eu tive a certeza que resgataste a Duda porque aquele monstro do Samuel apareceu pra lá de furioso e pior, com a tua cara. Ele queria saber onde tu estavas e até me ameaçou de morte. Uma hora tocou em mim e pensei que ia morrer porque uma coisa gelada subiu pelo meu braço e começou a ficar tudo escuro. A campainha tocou e acho que foi isso que me salvou porque descobri que ele tinha sumido no ar. Quando abri a porta, era ninguém menos que a polícia, que também está atrás de ti. Toda a semana eles aparecem por aqui e não desistem nem a pau. Eu pensei que tinhas resgatado Dudinha, mas, depois disso, conclui que estava enganado.
– Eu tinha, Valdinho, mas aquela engronha conseguiu pegá-la de volta. Passei cinco longos meses preso quase dois mil anos no passado, tentando em vão retornar para o século XXI. – Igor contou toda a história. Mal terminou, tocaram à campainha.
– Deve ser a polícia, cara – disse Valdo. – Toda a semana mais ou menos na mesma hora eles aparecem aqui. Some que eu falo com eles.
– Não posso ficar fugindo, tchê. – Igor levantou-se e abriu a porta, dando de cara com os seus tão conhecidos policiais.
Quando o viram, escancararam a boca, mas não demoraram a reagir: ergueram as armas, apontando para ele, que se virou e retornou para dentro.
– Parado! – gritou o superior.
– Querem fazer o favor de não gritar e entrar. – Igor continuou andando com toda a calma até ao sofá. – Fechem a porta, mas deixem esse maldito cigarro lá fora.
Ainda espantados, eles jogaram fora os cigarros e entraram, mantendo as armas nas mãos.
– Sentem-se – ordenou Igor. – Eu acredito que deviam apresentar um mandato antes de me apontarem uma pistola na minha própria casa. Depois que os senhores disserem seja lá o que for, gostaria de comunicar o rapto da Eduarda Vargas e saber o que pretendem fazer a respeito.
– As suas impressões digitais foram encontradas em uma cena de crime na cidade de Santa Sofia – começou o primeiro delegado, baixando a arma, mas mantendo-a na mão e destravada – o que tem a dizer quanto a isso, jovem?
– Eu estive em Belém durante alguns meses, delegado, e cheguei faz pouco tempo, no primeiro avião de hoje. – Igor encolheu os ombros e apontou o jornal em cima da mesa. – Olhe o jornal ali em cima e verá que é de lá e data de hoje. – "Gwydion, vai para trás deles e, ao meu aviso, volta à tua forma, mas deixa metade do teu corpo para fora, no pátio, senão rebentas toda a casa."
O policial fez o que Igor pediu e confirmou que o jornal era daquele dia.
– É verdade que o jornal é de lá e é de hoje – disse, concordando –, mas isso nada prova, meu jovem. A sua esposa esteve com o pai dela na delegacia e pediu uma ordem de restrição. O senhor vai é nos companhar para interrogatório, senão vamos levá-lo sob custódia.
– O senhor lembra-se da história do monstro na faculdade, delegado?
– Claro – respondeu. – Graças a Deus nunca mais...
O berro de pavor do Valdinho, que se encolheu na cadeira apavorado apontando para as costas dos agentes da lei foi de tal forma autêntico que os policiais se viraram para trás e viram o que parecia ser a maior lagartixa alada do mundo, se não fosse o fato de que ela soprou uma fumaça estranha pelo nariz.
Ambos os delegados reagiram por instinto. Ergueram as armas e apertaram os gatilhos, mas, em vez de tiros, ouviram dois guinchos e sentiram uma coisa mole nas mãos, algo que os mordeu. Apavorados, descobriram que no lugar das armas tinham duas ratazanas apreciáveis tentando libertar-se.
Jogaram-nas ao chão e foram recuando devagar até que acabaram tropeçando e caindo de costas. O dragão ergueu o pescoço, esticando-o um pouco, enquanto os policiais, muito pálidos, transpiravam de medo. Com toda a calma, Igor caminhou os poucos passos que o separavam do amigo de outro mundo e colocou-se ao seu lado, afagando-lhe o pescoço. Os policiais assustaram-se ainda mais quando as roupas do jovem mudaram sem transição porque, naquele momento, ele vestia-se como o Guardião Supremo que era.
– Muito bem, delegado – disse o jovem, bastante sério. – O senhor está vendo algo bem real e não se trata de uma droga ou alucinação. Eu sou o que hoje se chama de mago e meu amiguinho aqui é um verdadeiro dragão. Claro que é um ser vivo de outro mundo, mas trata-se de um grande amigo meu. Agora escute bem: uma criatura maligna soltou-se de um mundo muito ruim e pretende destruir toda a vida na Terra, talvez mesmo no Universo inteiro, e é esse demônio que se faz passar por mim e também que sequestrou a minha noiva, sem falar que se casou com ela em meu nome. Eu não sou criminoso como vocês pensam. Os senhores vão retornar para a delegacia e vão descobrir que todas as provas desapareceram sem deixar vestígios porque ele não ia facilitar, soltando pistas para vocês. Tratem de se esquecer de tudo isto e desapareçam daqui que estou muito ocupado, já que não me podem ser úteis.
Igor abaixou-se e pegou os dois ratos, transformando-os de novo nas armas, enquanto o dragão voltava ao formato do gavião. Devolveu as pistolas, continuando a dizer:
– Vocês podem investigar o que quiserem a meu respeito, mas saibam que sou ilibado e agradeço se me avisarem, caso descubram algo a respeito da Eduarda, certo?
– S... s... sim – responderam, ainda tremendo. Gwydion voou para o ombro do amigo.
– Agora vão, por favor, que vou visitar o meu sogro.
Os dois levantaram-se e saíram de fininho, ainda apavorados. Na rua, o chefe pegou um cigarro do maço, com as mãos tremendo tanto que nem era capaz de o acender. Igor fechou a porta, mas ainda ouviu:
– Nem uma palavra sobre isso na delegacia, cara, senão jamais teremos paz pelos próximos vinte anos ou mais.
– Tu acha que eu não sei, porra? – perguntou o colega, ainda com as pernas tremendo bastante e estendendo a mão para pegar um cigarro do amigo. – Tchê, é melhor mesmo a gente esquecer isto e inventar qualquer desculpa para arquivar o caso. Bah, cara, tô tremendo tanto que nem consigo acender o cigarro.
― ☼ ―
Igor aproximou-se da porta daquela casa que conheceu há quase três anos e a lembrança despertou-lhe uma saudade que chegava a ser dolorosa. Tocou a campainha, aguardando e torcendo que fosse o pai dela a atender. Teve sorte, para seu alívio.
– Bom dia, Levi – disse a título de cumprimento. – Desculpe incomodá-lo, mas precisamos de conversar em particular e trata-se de um assunto muito importante e sério. É algo que vocês já deviam saber há alguns meses, mas agora é imperativo que lhes conte.
– Entre – disse o sogro, agindo de modo bastante seco. – Vamos ao meu escritório.
No aposento, Levi apontou uma poltrona e sentou-se em outra, sendo ele o primeiro a falar:
– Nós sempre o tratamos como se fosse nosso filho, Igor, então eu queria muito entender o que foi que lhe fizemos de tão ruim para nos maltratar desse jeito.
– Senhor, acredite quando afirmo que não tenho a menor ideia do que diz, mas, seja o que for, sei a resposta, embora confesse que o vá chocar um pouco.
– Pois eu vou fazer o favor de avivar a sua memória – respondeu irado, sem prestar atenção às palavras do genro. – Pouco antes do vosso casamento, Eduarda passou a ficar muito triste sem qualquer explicação. Depois, não voltava mais para casa e, por último, quando vocês casaram, abandonaram a faculdade e isolaram-se de tudo e de todos.
Igor fez sinal que ia falar, mas o sogro interrompeu-o com um gesto grosseiro, continuando:
– Depois, vocês pararam de ir para a empresa, mas nisso até foi uma benção, porque você, em um mês e quase que da noite para o dia, jogou fora quatro anos de pesquisas e provocou um prejuízo de cinco milhões. Depois de meses de isolamento, Eduarda apareceu aqui há três semanas, entrou sem dizer nada, pegou algumas coisas e saiu, ainda por cima com quatro capangas muito mal-encarados.
– À, isso...
– À, isso? – exaltou-se Levi, quase saltando da cadeira. – À, isso, tu dizes? Não é mais do que suficiente?
– Diga-me uma coisa – perguntou, mantendo a calma e de certa forma desconcertando o sogro. – O senhor por acaso foi à delegacia com a sua filha pedir uma ordem restritiva contra mim?
– Claro que não, ela desa...
– Nesse caso, senhor Levi – interrompeu Igor –, o primeiro choque que vai sofrer é que Eduarda não se casou comigo.
– O quê? – explodiu o sogro. – Agora vais fazer piadas, é? Eu mesmo a entreguei nas tuas mãos, engraçadinho...
– Senhor, acalme-se – insistiu Igor. – Pense bem, por favor. Eduarda é a coisa mais preciosa que existe para mim e tudo o que eu fazia era apenas para agradá-la. Nós éramos felicíssimos e eu dava-me muito bem com o senhor e sua esposa, sem falar que adorava o meu trabalho, apesar de não precisar dele. Não acha que uma mudança de atitude da minha parte, em especial uma tão radical, seria algo irracional e incompatível comigo?
– É por isso mesmo que não entendo o que está acontecendo, Igor, e só por isso é que ainda estamos conversando.
– O que tenho a dizer, senhor Levi, pode parecer muito maluco, mas é a mais pura realidade – afirmou Igor. – Eu estou há algum tempo em guerra declarada com um demônio, que inclusive é o responsável pelo que aconteceu aos meus pais.
O sogro arregalou os olhos, inclinando o rosto e olhando para ele sem acreditar grande coisa. Igor continuou:
– Eu preciso muito de encontrar Eduarda e a sua ajuda pode ser importante, além do mais temo pela vossa vi...
– Como assim encontrar Eduarda? – perguntou Levi. Mal terminou de dizer isso, a mãe dela apareceu e, quando viu Igor, fechou a cara, resmungando:
– Então o traste apareceu, o homem que transformou a minha filha numa estranha para nós... e numa ladra!
– Calma, Fátima – disse o marido. – Senta aí e vamos ver o que ele tem a dizer.
Muito a contragosto, ela obedeceu.
– Dona Fátima, acredite que não tenho nada a ver com isso e posso provar, mas também preciso de informações porque a vida dela pode estar em risco.
– O QUÊ?! – Os pais quase saltaram da cadeira, encarando o genro.
– É isso mesmo que eu disse: a vida dela corre perigo e talvez vocês também – repetiu Igor. – A senhora conhece bem a sua filha, então sabe que ninguém mudaria a personalidade dela a ponto de a tornar uma ladra. O que foi que Eduarda roubou?
– Uma joia da minha família, uma joia única e valiosa – respondeu Fátima. – Nem sei por que fez isso, pois é nossa tradição passar a joia para a filha aos vinte e cinco anos desde há tempos imemoriais.
– Bem, eu não faço ideia do que ela poderia querer com isso, mas o resto eu posso explicar para vocês. Contudo, preciso que tenham a mente bem aberta e se preparem para algumas revelações meio chocantes. Isso é algo que eu ia contar para Eduarda no dia em que foi raptada da minha casa e eu quase fui morto.
– Raptada? – Os dois saltaram das poltronas.
– Vamos por partes – disse Igor, sempre calmo. – Lembram-se dela contar do monstro que a salvou na festa dos calouros?
– Óbvio – respondeu o pai. – Cheguei a dar uma bronca para não voltar a usar drogas nem mesmo de brincadeira...
– Bem, era a mais pura verdade. O monstro fui eu tentando salvá-la de ser violentada, ela e as demais calouras da festa. Senhor, eu sou o que hoje se chama um mago e outrora era denominado de druida. Alguns seres humanos nascem com dons espetaculares e foi o que me aconteceu. – Igor fez surgir um globo de luz no meio do recinto. – Eu posso fazer coisas que uns chamam de magia e outros de milagre, vocês escolhem.
– Isso para mim não passa de um truque de salão, coisa que a minha filha disse que tu eras um especialista sem par – ripostou a sogra.
– Dona Fátima, a senhora nunca notou que as flores que eu dava para Eduarda jamais morriam? – perguntou Igor. – Acha que truques de salão impediriam flores de morrerem?
– Morreram todas... – a sogra calou-se, pensativa. Depois continuou. – E isso foi no dia que ela começou a ficar muito triste, pouco antes de se casarem.
– Foi quando aquele monstro me derrotou e enganou Eduarda, manipulando a sua vontade. Aquele diabo pode imitar a minha forma física com perfeição e foi assim que vos enganou, porque ele tem fixação em mim. Foi ele, Levi, que se fez passar por mim e destruiu as pesquisas pelo simples motivo que não possuía o meu conhecimento. Na verdade, nem todos os seus cientistas somados o têm. Eu só não havia terminado aquela pesquisa toda antes e sozinho, por causa das aparências.
– Olha, Igor, acho que precisas...
– Espera, Levi – interrompeu Fátima –, isso faz algum sentido porque a minha família tem histórico de gente com dons especiais. Eu mesma posso sentir e fazer algumas poucas coisas, mas sempre atribuí isso ao acaso.
– É provável que possa, dona Fátima, porque quando resgatei Eduarda descobri que ela tem dons especiais e cheguei a despertar alguns, mas aquele demônio pegou-a de novo, isso há quatro meses.
– E por que só apareceste agora, Igor?
– Fui arremessado a um passado bem remoto e levei cinco meses para conseguir regressar.
– Desculpa, Fátima – insistiu Levi irritado, levantando –, mas tudo isso está difícil de engolir.
– Existe uma cidade lendária – disse a sogra, fazendo sinal ao marido para se acalmar. – É de vidro, secreta e conhecida apenas por um grupo muito seleto de pessoas, apenas um punhado...
– A Cidadela, no Mundo de Cristal – interrompeu Igor, muito espantado. – Não é vidro e sim feita de cristais de vários tipos. Como pode saber disso, que é um dos nossos grandes segredos?
– A minha família é muito antiga e remonta aos tempos dos celtas, mas sempre achei que isso fosse apenas uma lenda. Espera um minuto. – Fátima levantou-se e foi para o seu quarto, voltando com algo em um pequeno saco de flanela. Estendeu para Igor. – O que é isso?
Ele olhou para o saco, abrindo-o e despejando o conteúdo na mão. Admirado, ergueu os olhos, perguntando:
– Onde arranjou isto?
– É da minha família há gerações sem conta.
– As cápsulas estão exauridas e apenas um mago de primeiro nível pode carregá-las de novo. – Igor fechou a mão, que começou a brilhar. – São cápsulas planares, que permitem a qualquer mago, ou pessoa mais sensível, mover-se entre os planos, desde que saiba onde ir.
Igor abriu a mão e os pequenos cristais estavam com um fraco brilho vermelho, a mesma cor de que eram feitos. Esticou-os para Fátima e continuou:
– Agora estão carregados – sorriu ainda mais quando a sogra os pegou. – A senhora também tem o poder de uma feiticeira porque os cristais só brilham nas mãos de quem possui o dom. Guarde-os consigo e use no caso de uma emergência.
– Como se usa isso?
– Segure uma cápsula com as mãos e concentre-se no local que deseja ir. A cápsula vai brilhar com mais força e quando sentir a vibração dela jogue-a no solo. Uma fenda abrir-se-á por uns noventa segundos e basta atravessá-la.
– Igor, conta-nos tudo desde o início – pediu Levi, mais calmo.
O jovem contou o que já havia dito mais de uma vez, falando com toda a calma e paciência, até que esclareceu tudo. Finalizou dizendo:
– Eu procurei vocês achando que mantinham algum contato com ela, mas, se Eduarda fez o que disseram, é porque ela quer mantê-los a salvo daquele monstro e já não deve mais estar sob influência dele. Vocês não me serão úteis para a localizar, uma vez que nada sabem, mas temo que corram um perigo muito grande.
– Não é possível usar as cápsulas para chegar até ela?
– Sim e não, mas o risco de sermos mortos é demasiado elevado. Eu acho que vou levar vocês para um lugar seguro até que tudo se resolva porque estou bastante preocupado. Vamos para a minha casa pegar Gwydion.
Igor levantou-se e abriu um portal bem à frente dos olhos esbugalhados dos sogros, que viram um pedaço da sala deles virar a sala da casa do jovem. Ele olhou para o casal e disse:
– Venham.
– Tu não usas as cápsulas? – perguntou Levi, atravessando o portal e tentando ver se sentia algo, mas era como se tivesse passado por uma simples abertura. Já a sogra, encantada, achou o máximo, dizendo:
– Oba, mas que baita economia de gasolina. – Deu uma risada alegre. – Nada de engarrafamentos nem perda de tempo... maravilha.
– Não preciso das cápsulas, Levi – respondeu Igor, gentil. – O meu grau dispensa isso.
Toda a hostilidade dos sogros desapareceu assim que viram a realidade das coisas. Na sua sala, enquanto olhava pensativo para os sogros, o jovem trocou-se para as suas vestes de Guardião, impressionando-os mais uma vez.
– Minha nossa – disse Fátima, rindo –, tenho que admitir que a Duda tem muito bom gosto, mesmo. Ficas um gato assim, de espada e tudo. Um verdadeiro deus nórdico com esse cabelo e barba loiros.
Gwydion voou para cima da mesa e ficou olhando para ambos, quando o mago perguntou:
– Onde está Valdinho, Gwydion?
– "Está lá nos fundos, perto da piscina, deitado na rede. Queres fazer o favor de dizer para essa mulher parar de olhar para mim como se eu fosse algum tipo de frango para assar?" – respondeu o pássaro. – "Isso até parece que está virando moda na família dela!"
– Um pássaro que fala? – questionou Fátima, aproximando-se extasiada. Gwydion, do nariz, soltou uma fumaça e assustou a mulher, que saltou um passo para trás.
– Pássaro falante? – Levi sacudiu a cabeça. – Não ouvi nada! Vem cá, tchê, esse bicho soltou fumaça!
– Não é um pássaro – explicou Igor. – Gwydion está disfarçado e só magos muito sensíveis podem ouvi-lo se ele não falar direto para a sua mente.
– E o que ele é?
– Um dragão.
– Sei. – Levi riu. – Daqueles que cospem fogo?
– Exato, então não o confundam com um galeto. – Igor também riu. – Não estou certo qual dos três mundos é o ideal para vos deixar a salvo.
– O que queres dizer?
– Que quero levar vocês longe do alcance da criatura, pois ele sabe mover-se entre os planos, embora sem desenvoltura. Vamos para o oitavo plano e deixarei vocês com Ezequiel. Lá, estarão seguros até contra uma horda desses monstros.
Valdo apareceu e cumprimentou os visitantes. Igor olhou para ele e disse:
– Tchê, tu também vais com a gente. Pretendo salvar Eduarda e tenho medo que ele te mate se eu conseguir resgatá-la de novo.
– Para onde?
– Outro planeta – explicou Igor. – Prontos?
– Bah, cara – disse o amigo – eu não tenho roupa espacial nem essas coisas e vou vestir o quê por lá? Tem algum cara bonito?
– Não, só dragões e um sábio de dois mil anos – respondeu, rindo. – Agora vamos.
Igor não esperou resposta e abriu o portal, enquanto Gwydion subia no seu ombro. No meio da fenda, eles viram o pátio de um castelo enorme. Fez sinal para o seguirem e atravessou a abertura, fechando o portal logo a seguir.
– A criatura jamais poderá vir aqui e nem mesmo nós magos temos poder suficiente para destruir os dragões – explicou Igor, tranquilo. – Ezequiel deve aparecer em breve porque soou um alarme na certa.
Gwydion saiu do seu ombro e pousou no chão, começando a metamorfosear. Levi deu um berro involuntário e comentou:
– Mas que barbaridade e eu que pensava que era brincadeira, com se fosse uma metáfora!
Segundos depois, Ezequiel apareceu e Igor disse:
– Salve, Ezequiel, estes são os pais da Eduarda e nosso amigo Valdo, que precisam de ficar protegidos da criatura.
– Sejam bem-vindos ao Castelo da Sabedoria Ancestral – disse ele, com um gesto teatral. – Aqui estão seguros de tudo e todos.
– Ezequiel, eles devem estar com fome – disse o jovem. Continuando em celta, afirmou. – Eu preciso de voltar para salvar Eduarda, mas temos muito que conversar quando eu retornar. Por favor, tente despertar os poderes dela.
– Tudo bem. Estou feliz que tenha conseguido retornar, filho, e nunca tive dúvidas de que conseguiria. Vá salvá-la, mas deixe a minha cabana inteira.
– Gente. – Igor virou-se para os sogros e o amigo. – Eu vou tentar encontrar e salvar Eduarda. Vocês fiquem aqui e aproveitem. Adeus. Vamos, Gwydion, podes manter a forma atual que vou passar na Cidadela.
O jovem, acompanhado do enorme ser alado, abriu nova fenda, desta vez para a Cidadela, e atravessaram sumindo da vista dos sogros. Fátima olhou para Ezequiel e comentou:
– O senhor é tão parecido com o meu bisavô que por um momento pensei que era ele ressuscitado. Tive que fazer um grande esforço para não correr e abraçá-lo.
– Bem, minha querida, considerando a minha idade um tanto avançada, não poderia ser o seu bisavô em hipótese alguma.
– Avançada!? – Ela enrugou a testa, ficando um tanto quanto parecida com a filha. – O senhor não tem idade avançada!
– Tenho mais de dois mil anos, minha jovem – replicou Ezequiel, caindo na gargalhada quando ela arregalou os olhos. – Mas venham, vamos comer algo. Igor pediu que eu tentasse despertar os seus poderes, então depois vamos ver que tal se sai como feiticeira. E o senhor também, já que o mais comum é os magos casarem entre si, mesmo sem saberem.
― ☼ ―
Igor entrou no palácio e deixou o cristal do plano quatorze em um compartimento seguro. Depois, sentou-se numa poltrona e invocou o computador.
– Computador. – O globo virtual materializou-se logo à sua frente e o jovem olhou para algo que parecia uma imagem cristalina de um rosto. – Como eu posso identificar a localização de uma pessoa?
– Pergunte a alguém que saiba onde está – respondeu prontamente a máquina.
– Reformulando a pergunta: o paradeiro dessa pessoa é desconhecido, mas o planeta é conhecido. Não há possibilidade de perguntar a alguém que saiba onde está. É possível construir um aparelho capaz de a localizar no meio de alguns milhões?
– A pessoa é do conhecimento de quem procura? – questionou a máquina. – Em caso positivo, qual o grau de intimidade entre ambos?
– Eu procuro uma pessoa que conheço tão bem quanto a mim próprio – disse Igor, sabendo que a máquina estava a um passo de elucidar a questão. – Trata-se de alguém que compartilha a minha vida, mas foi raptada por uma criatura maléfica. Conheço até o modelo das ondas de pensamento.
– Aguarde – disse a máquina. – Processando informações.
Igor levantou-se e pegou uma bebida, esperando com toda a paciência do mundo. Não fazia ideia de quanto tempo demoraria, mas o importante era que alcançasse o seu objetivo.
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