Capítulo 15
"Olhe à sua volta. O que pensam do mundo os que vivem nele? Pensam a respeito de tudo, menos acerca do que é o mais importante."
Blaise Pascal.
No dia seguinte, o mago sentou-se no bosque, encostado a uma árvore pensando na única pista que possuía e que era a forte probabilidade de a solução estar encerrada no seu espírito. Ele nem precisava de ter ido ao plano XIV porque os dragões já o tinham dito, juntando-se a isso o fato do computador da Mia ter informado que, se ele viajou no tempo em um sentido, de alguma forma teria de ser capaz de voltar.
A primeira coisa que fez, foi revisar os seus conhecimentos de Física Relativista, pensando de que forma se muda o comportamento do tempo.
Ele sabia que, para qualquer coisa que se deslocasse à velocidade da luz, o tempo passaria mais devagar, tão mais devagar quanto mais próximo de c. Contudo, só partículas desprovidas de massa podiam alcançar essa velocidade, do contrário a energia necessária seria maior do que aquela que a partícula poderia carregar ou gerar. Em outras palavras, nada poderia superar a velocidade da luz, nada com massa, é claro, e ele era feito de bastante massa.
Mas todos os seus poderes ditos "mágicos" seguiam as leis da Mecânica Quântica e estavam relacionadas com as partículas subatômicas que eram moldadas pelo pensamento ao seu bel-prazer. Na prática, tratava-se da velha máxima em que o observador interferia diretamente com o meio, como a famosa história do gato de Schrödinger. Tudo o resto era derivado da capacidade do pensamento de trabalhar esses fluxos porque o pensamento é formado por ondas e ondas são partículas. Mas, sendo o tempo uma coisa da quarta dimensão e considerando que o Universo era formado por dez dimensões, então bastaria criar um desvio para contornar e manipular o tempo.
Ele concluiu que poderia sim, mas a questão era apenas saber em que profundidade e isso teria de ser na base da tentativa e erro. A solução devia ser essa: um portal de feixes entrelaçados que abrangessem uma quinta dimensão que contornaria o tempo, tal como uma curva faria entre dois pontos obstruídos por um obstáculo, alterando a perspetiva da realidade.
Igor levantou-se com ar alegre e viu Ailin encostada na árvore ao seu lado, olhando para ele. Ela tinha o rosto sereno, mas notava-se uma boa dose de tristeza. Quando o amigo se aproximou, perguntou:
– Quando você pretende partir?
– Amanhã, porque desejo estar descansado – respondeu decidido a não a enganar. – Se der certo, vou perder os meus poderes por algum tempo e ficarei muito fraco.
– Então, hoje você será só meu porque, quando for, terei de esperar muito para voltar a vê-lo. Eu cuidarei bem da nossa filha, fique tranquilo.
Igor abraçou-a e beijou-a. Sentia pena dela, mas agora estava feliz porque havia a chance de voltar para Eduarda, aquela de quem ele jamais se esquecia ou esqueceria. Contudo, estava triste por perder Ailin e isso deixava o jovem bastante intrigado e confuso.
― ☼ ―
Ainda era muito cedo quando Ailin acordou o companheiro com um beijo terno. Ela pensava que ia ficar triste, arrasada, mas agora sentia uma serenidade enorme e uma grande certeza do que Gwydion lhe confessara.
Após o desjejum, ele despediu-se de todos os amigos que fez naquele período e saiu para o bosque, acompanhado por Ezequiel e Ailin, sempre seguidos pelos Saci e Gwydion.
– Se tudo der certo, Ezequiel, vamo-nos ver no mundo dos dragões em breve... breve para mim, claro. – Igor virou-se para Ailin e abraçou-a com doçura, dando-lhe um beijo longo. – Estarás sempre no meu coração porque uma parte dele ficará aqui. Ensina o nosso filho a ser bom e puro como tu és.
– É filha, meu amor – respondeu. – Eu amo você e espero-o lá. Tem que me salvar.
– Hein?
– Vá, meu amor, vá. É melhor não estender as despedidas por tempo excessivo.
Igor concentrou-se muito e daquela vez usou as mãos para ajudar. Os membros começaram a brilhar com uma luminosidade brilhante e ele rasgou os planos de uma forma que jamais aconteceu antes. Chegou mesmo a ouvir um som metálico que reverberou por alguns segundos enquanto o portal estabilizava-se aos poucos, ao contrário do normal que era instantâneo. A imagem do outro lado era difusa e ondulada, como se houvesse uma membrana de água a envolvê-la, mas bem definida. Deu um último aceno e, com o pássaro no ombro, atravessou a passagem.
― ☼ ―
A primeira coisa que sentiu foi um mal-estar estranho e a impressão de que a viagem estava muito lenta. Depois, a sensação de queda livre e a dolorosa realidade de que estava mesmo caindo assim que colidiu com o solo. Tal como a ida para o passado, ele ficou muito tonto e sem conseguir usar os seus poderes. Olhou em volta e viu que se encontrava em uma floresta densa. Prestou um pouco mais de atenção e concluiu que aquilo devia ser perto da cabana do Ezequiel. Ali não havia animais perigosos, então deixou-se ficar deitado, aguardando melhorar.
– "Como te sentes, Gwydion?" – perguntou em pensamento.
– "Como se um bando de dragões tivesse esbarrado em mim. Se isso é o mesmo que a tal de ressaca que os humanos têm, nem penso em experimentar."
– "A ressaca é pior. Isso aqui não dói a cabeça nem faz vomitar." – Igor riu. – "E a ressaca dói bastante. Será que tivemos sucesso?"
– "Não sei" – respondeu o pássaro. – "Sinto-me muito pior do que a primeira vez, mas é um fato que atravessamos de volta para o cânion. Resta saber quando. Eu estou muito preocupado."
– "Está bem pior, isso é fato." – Igor sentou-se com alguma dificuldade e sacudiu a cabeça. – "Pelo menos já consigo sentar. O que foi que disseste para Ailin que ela ficou meio estranha?"
– "Talvez um dia conte, mas não agora porque tudo tem a sua hora certa" – respondeu o pássaro, rindo. Bateu as assas e ergueu o pescoço. – "Já posso, voar. Queres que vá ver a cabana?"
– "Não. Prefiro que façamos isso juntos." – Igor levantou-se devagar e tonteou, como se estivesse bêbado. – "Este chão não para de se mexer!"
– "Não é o chão, não." – A risada de Gwydion ecoou na sua mente. – "É o efeito do abalo causado pelo portal."
– "Então é mesmo uma meia ressaca" – ensaiou uma risada, mas o mal-estar não ajudava. – "Gwydion, eu sei que vocês estavam cientes que eu seria arremessado ao passado, até porque recebi inúmeras insinuações sem me dar conta. A pergunta que te faço, é o porquê de não me terem avisado ou impedido, antes pelo contrário, vocês queriam que isso acontecesse."
– "Mas não é mais que óbvio?" – Gwydion riu. – "Há mais de um fator importante. Igor, tu e Ezequiel são os nossos salvadores, e não só nossos porque era certo que o mundo teria sido destruído se os bruxos tivessem vencido. Vocês são muito amados por todos nós, mas precisávamos de saber se tu eras tu mesmo."
– "Por isso me levaram para o conselho?"
– "Exato; e por isso eu me ofereci para ser teu amigo e companheiro enquanto a tua essência habitar esse corpo. Eu escolhi o risco e a aventura, claro, porque tinha fé no salvador e também sabia que voltarias porque Saci me contou a despedida."
– Obrigado pela amizade e confiança, Gwydion. Estou muito feliz com a tua companhia – disse em voz alta.
O par tão díspar continuou a sua caminhada, andando devagar por entre as árvores da floresta atlântica até chegar à cabana, trecho em que levaram nada menos do que duas horas por conta do mal-estar.
– Quando chegar vou dormir um dia inteiro – afirmou Igor, categórico. – Estou acabado.
Mas a sua esperança de um descanso tranquilo estava fadada ao fracasso. Aquilo que deveria ser a cabana do Ezequiel era apenas uma ruína tomada pelo mato rasteiro.
– Eu sabia que este mal-estar tão mais forte não podia ser normal – disse, desanimado. Soltou um suspiro e continuou. – Preciso de descanso. Amanhã eu vejo o resto.
Deitou-se no chão, protegido por uma das paredes ainda intactas e adormeceu de imediato.
― ☼ ―
O dia já ia alto quando Igor foi acordado com pequenos objetos que caiam no seu rosto. Abriu os olhos e viu dois macaquinhos no alto de uma árvore próxima que lhe jogavam frutos e riam do seu jeito.
Sorrindo, o jovem levantou-se, sentindo que restabelecera as energias por completo. Verificou os seus poderes e concluiu que ainda estavam um tanto fracos, mas davam para o gasto. Quando Gwydion abriu as asas e levantou voo, os símios fugiram correndo e foi a vez do Igor rir.
– "Bom dia, belo adormecido" – disse o dragão. – "Sabias que tu dormiste trinta e seis horas?"
– É mesmo? – Igor, riu. – Deve ser por isso que me sinto tão bem, mas os meus poderes ainda estão fracos. Isto foi bem pior que a ida.
Abriu a palma da mão e uma xícara de café apareceu do nada. Calmo, sorveu o líquido quente, enquanto pensava. Gwydion pousou no seu ombro e o mago continuou:
– Desconfio que avançamos demais no tempo. O fato desta cabana estar arruinada é uma prova bem circunstancial. Acredito que, se descobrirmos o quanto avançamos, poderei ter uma boa precisão na próxima tentativa.
– "Faz sentido" – confirmou o pássaro. – "E onde vamos obter a informação?"
– Vamos para Porto Alegre – respondeu Igor. – Em uma cidade grande, passaremos desapercebidos no caso de algum problema. Fica no meu ombro.
Igor abriu um portal que saiu no parque da Redenção e atravessaram. Assustado, olhou para os lados, comentando:
– Tem algo de muito errado com este parque. – Aspirou o ar com força. – Isto aqui parece uma selva e sinto que a atmosfera possui alguma radiação. Pouca, mas tem. A vegetação está densa demais e não há os caminhos normais nem os barulhos de uma cidade grande. Na dúvida, Gwydion, fica junto comigo.
Com dificuldade, avançaram pela densa mata, até que Igor pegou a espada e, com a sua lâmina flamejante, abriu caminho em direção à suposta posição da antes movimentada avenida Oswaldo Aranha sem, no entanto, encontrar a rua e estranhando cada vez mais o silêncio completo exceto pelos pássaros e o vento. Em compensação, a atmosfera era muito pura, sem traços de monóxido de carbono que era de se esperar em uma cidade de cerca de dois milhões de habitantes.
Quando Igor tropeçou em algo estranho, parou para observar o que era e seu sangue gelou, ficando com os cabelos em pé porque aquilo eram as ruínas dos alicerces de um prédio.
– "Quanto tempo seria necessário para que um prédio de uns quatro andares deixasse de existir?" – perguntou-se, pensando para si próprio. Gwydion ouviu e respondeu:
– "Depende muito de vários fatores, mas acredito que seja bastante tempo."
Retornaram, prestando mais atenção ao solo até encontrarem vestígios isolados de um asfalto quebrado. Igor apontou, mostrando para o amigo e continuou andando sem nada dizer. Umas poucas centenas de metros depois, parou em um descampado à sua direita, vendo as ruínas do Hospital de Clínicas. Cada vez mais assustado, transportou-se para o Morro Santa Tereza e observou a cidade dali. Era tudo uma ruína só e apenas o centro parecia menos tomado pela natureza.
– "Acho" – disse Gwydion, enfático –, "que não só avançamos demais como aconteceu uma grande tragédia."
Igor não respondeu. Procurou o lugar que teria sido a sua casa e, para total surpresa, era tudo uma grande, muito grande cratera. Ele notou que o local tinha bem mais radiação do que o resto, embora já não oferecesse perigo para a saúde, menos ainda para um mago.
– Isto é o centro de uma explosão atômica! – constatou.
– "Isso é o que vai acontecer se não acharmos o caminho de volta e detivermos aquele monstro" – concluiu Gwydion. – "Estamos no meio de um grande paradoxo. A civilização humana foi destruída porque a criatura venceu e agora deve estar em outro plano ou mesmo neste, mas em outro mundo com seres inteligentes. A questão é: como vamos obter o lapso de tempo com precisão suficiente para retornarmos ao período correto?"
– Pela baixa quantidade de radiação que eu sinto, isto ocorreu há muito tempo, mais de um milhar de anos, muito mais – explicou o mago, pensativo. – Todos os registros que existiam já devem ter virado pó.
– "Só nos resta retornar ao acaso..."
– Mas claro que não. – Igor interrompeu e riu. – Há dois lugares onde podemos obter a informação com precisão total.
– "Onde?" – perguntou, espantado.
– No teu mundo ou no décimo quarto plano – explicou, pensativo. – Como tu podes provocar mais paradoxos, mesmo no futuro, vamos ao décimo quarto plano.
― ☼ ―
O portal abriu-se e Igor surgiu perto do edifício administrativo, acompanhado do dragão na sua forma de pássaro. Avançou calmo, sem nada temer, até que um homem de aparência bem idosa veio ao seu encontro.
– Salve, Magnífico. – Igor reconheceu logo a voz do Mog. Parou perto dele e sorriu. – O senhor nada mudou após todos estes milênios, enquanto eu não passo de um velho. Julguei que vocês viviam menos que nós!
– Olá, Mog, eu não mudei porque para mim passaram apenas uns poucos dias. Preciso muito da vossa ajuda para saber com precisão quanto tempo na contagem da Terra passou-se porque avancei demais.
– Isso é um problema bem simples de se resolver. – O governante fez um sinal. – Vamos ao centro de controle. Minha esposa vai adorar vê-lo, mas conte o que aconteceu para terem passado apenas poucos dias.
Enquanto andavam, Igor ia contando em detalhes, explicando inclusive o que aconteceu com a Terra.
– Espero que consiga derrotá-lo, Igor – abriu a porta do centro e continuou. – Entremos. Mia, olha quem está aqui.
– Então vocês casaram! – Igor riu. – Parabéns, Mia, Mog...
Igor precisou de contar toda a história mais uma vez, mas não se importou porque gostava muito da cientista que sempre foi a personificação da simpatia. Após obter os dados da translação da Terra, Mia resolveu sem dificuldades o cálculo, comparando os dados astronômicos com a data e o tempo decorridos desde a primeira visita. Da mesma forma que Mog, ela já era um tanto quanto idosa porque o mago e seu companheiro haviam avançado sete mil anos além do que precisavam.
Igor despediu-se, prometendo voltar antes desse tempo todo e Mia conseguiu satisfazer a curiosidade de ver o amigo abrir um portal à sua frente, mas o mago optou por fazer a passagem no tempo dentro da própria Terra, onde disse para Gwydion:
– Precisamos de retornar exatos sete mil anos e vamos voltar a passar um mau bocado. Acho que vou abrir o portal na cabana e dentro da clareira para sair lá. A caminhada que fizemos da outra vez foi demais para o cansaço do salto.
– "Acho uma ótima ideia. Se o salto de oito mil e oitocentos anos fez aquele estrago todo na gente, esse deve ser só um pouco menor."
Fizeram os preparativos necessários e entraram no portal do tempo. Quando saíram do outro lado, a cabana aparecia intacta e ele jazia caído no chão, a dois metros da entrada. Muito a custo, ergueu-se e foi para dentro, deitando na cama e adormecendo.
― ☼ ―
Dois dias depois e já no meio da tarde, Igor levantou-se bem e ansioso para saber se fora bem-sucedido.
– As coisas estão tal como deixamos aqui – esticou a mão direita e fez uma cascata de raios surgirem da sua palma, testando a força dos seus poderes.
– "Dez anos depois ainda estariam" – comentou Gwydion, como se jogasse uma ducha de água gelada. – "Mas também estou otimista."
– Sai, agourento. – Igor sorriu. – Só sei que preciso de encontrá-la e destruir aquela coisa dos infernos.
– "Quanto tempo ficamos no passado?" – perguntou o dragão.
– Quase cinco meses, mas o tempo nunca foi tão relativo quanto agora – explicou Igor. – Nós vamos transportar-nos para o Norte e tentar obter uma informação sobre a data de hoje.
– "Que tal saltarmos para a tua casa?"
– E arriscarmos dar de cara conosco mesmo ou pior, com um estranho? – Igor riu e sacudiu a cabeça. – Melhor não. Sobe no meu ombro.
Na cidade de Belém do Pará, do outro extremo do país, um jovem acompanhado de um gavião empoleirado no seu ombro surgiu do nada na praça da República, em pleno centro. Para sorte deles, apenas um bêbado viu isso, mas tudo o que fez foi dar mais um gole na bebida e olhar o rótulo da garrafa, aprovando o conteúdo com um sorriso satisfeito.
Igor foi andando ao acaso, já que desconhecia a cidade, mas não tardou a encontrar o que procurava. Parou em uma banca de revistas e olhou o jornal, lendo a data. Rindo, pegou no exemplar e mostrou ao pássaro.
– "Gwydion, tivemos mesmo muita sorte" – exclamou, usando telepatia. – "Passaram apenas quatro meses. Acho que dá para pular direto para a minha casa."
– "Então vamos. Pelo menos já levamos um de lucro" – disse o pássaro. Igor dobrou o jornal e pagou o jornaleiro com uma nota que criou do nada. Depois, voltaram para casa, desaparecendo no ar bem à frente do pobre homem, que ficou esfregando os olhos.
– Égua, mano – disse para si próprio. – Tô leso, pirei de vez.
― ☼ ―
c – símbolo matemático da velocidade da luz. N. A.
Provado pela famosa equação de Einstein: E = m . c2; a energia (E) = massa (m) multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz (c) N. A.
Erwin Rudolf Josef Alexander Schrödinger - Físico austríaco que fez uma hipótese muito interessante para explicar certas coisas da Mecânica Quântica. N. A.
Teoria das supercordas. N. A.
"Égua" é uma expressão paraense para exprimir surpresa, entre outros. É similar ao "bah" dos gaúchos.
"Leso" expressão paraense para doido, maluco.
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