Capítulo 12

"A saudade é o que faz as coisas pararem no Tempo."

Mário Quintana.


Já fazia três meses que Igor tentava entender como criar o campo temporal no meio de um portal sem sucesso.

Ailin, muito esperta, não perdia a oportunidade de o ajudar e permanecia por perto, sendo uma companhia agradável e sempre presente. Ela não só o ajudava, mas era parceira e cuidava dele que, por causa da semelhança com a noiva, acabava aceitando e até gostando dessa atenção, o que lhe provocava alguma confusão sobre o que sentia.

Às vezes, no auge do desespero, Igor chegava a pensar que acabaria mesmo ficando preso naquele tempo e cumpriria a promessa de viver com ela. Olhou a moça e concluiu que não seria um sacrifício assim tão grande, mas viver sem o seu grande amor sim, seria muito doloroso. Acabou tendo uma ideia e preguntou para o pássaro dragão:

– Queres dar um passeio, Gwydion?

– "Vamos lá" – respondeu.

– Onde vão? – perguntou Ailin, que se aproximou deles e ouviu o convite porque Igor costumava falar em celta exceto se desejasse manter segredo de algo.

– Vou a outro mundo fazer algumas pesquisas, Ailin – explicou o mago. – Queres vir junto?

– Claro! – Ela bateu palmas, sorrindo. – Imagine se eu não ia querer conhecer outro mundo!

O mago abriu o portal e os três atravessaram para o quarto plano, naquele estranho e vazio mundo que Ezequiel lhe mostrou, ou mostraria dali a mil e oitocentos anos.

Ailin estava deslumbrada com o que via. No início, estranhou a paisagem desolada e avermelhada do lugar, sem falar que o silêncio incomum por falta de uma fauna maior fazia-se sentir de forma intensa. Apesar de não estar frio, sentiu um pequeno arrepio e agarrou-se no braço do amigo, que a abraçou gentil.

Não passou muito tempo e a garota sentiu que foi transportada para outro local. A única sensação que dizia isso foi a mudança radical da paisagem porque, de resto, nada sentiu. Agora eles estavam em um lugar muito grande e com uma construção enorme, que a impressionou bastante, em especial a estátua de três olhos.

– O que é isso? – perguntou, curiosa. – Onde estamos?

– Estamos em uma cidade dentro de uma montanha – explicou, olhando para a estátua. – As pessoas deste mundo eram um pouco diferentes de nós e desapareceram há milhares de anos, mas deixaram este estranho legado para os viajantes.

Igor colocou a mão na estátua, sentindo outra vez as estranhas informações enquanto explicava sobre aquele povo e finalizou:

– Eles derrotaram alguma coisa que consideravam o mal absoluto e o ser que devo enfrentar no futuro é tão mau que pode haver uma relação nos dois eventos – Comentou. Depois pensou, muito concentrado. – "Ezequiel disse-me algo, acho que neste mundo, algo que é uma chave, mas eu não consigo me lembrar!"

Curiosa, Ailin imitou Igor, sentindo um leve formigamento nas mãos. Olhou para o amigo e tirou logo a mão, de olhos arregalados.

– Engraçado, eu sinto uma vibração forte, como em ondas sucessivas e ela vem de dois sentidos...

– Isso, minha Deusa – exclamou Igor, rindo e dando um susto na companheira. – Ondas... "bem, filho, o que é a televisão senão ondas eletromagnéticas..." – a voz do Ezequiel vibrava na sua cabeça. Empolgado, beijou a garota, voltando a rir. – Acertaste em cheio.

– Acertei o quê? – perguntou a moça, feliz. – Não entendi nada!

– Ondas, Ailin, ondas eletromagnéticas. Este lugar está impregnado delas. Agora só preciso de fabricar o aparelho adequado para isso.

– Como aquele das imagens? – perguntou. – O que é eletromagnética?

– Isso mesmo, minha linda, um aparelho como ele, mas um pouco diferente. Eletromagnetismo é meio complicado de te explicar, mas imagina que é uma forma de domesticar os raios das tempestades e usá-los em versões bem fraquinhas para o nosso bem-estar. Preciso apenas de um pouco de cristal. – Apontou a palma da mão para o chão e não sentiu nada. – Este mundo não tem o que preciso e a transmutação é cansativa. Vamos dar um passeio aos confins do Universo.

Igor pegou a sua mão e Ailin disse:

– Esta noite você vai dar-me o meu filho – disse rindo. – Nós já compartilhamos o mesmo leito, mas você não faz nada! Eu quero a sua promessa e já espero há três luas.

Igor arregalou os olhos e acabou rindo.

– Tá bom – disse, por fim. – Foi prometido e terá de ser. Como sabes que vais ficar fértil daqui a algumas horas?

– Eu sei, apenas isso. Sem falar que o normal é ocorrer na lua cheia. – Ela encolheu os ombros. – Onde fica esses "confins do Universo?"

– Ailin, tu tens os dons de uma sacerdotisa – disse Igor, compenetrado. – Não é qualquer um que conhece tão bem o próprio corpo, muito menos sentiria as vibrações ou escutaria os pensamentos do Gwydion espontaneamente. Não entendo como o teu pai ainda não notou isso.

– Talvez ele tenha medo que eu aprenda. – Ailin encolheu os ombros. – Você não me disse o que fica esse "confins do Universo."

– Em um dos mundos mais belos que já vi, Ailin, o planeta que será o lar de todos os magos – explicou, abrindo o portal e puxando-a pela mão. – Lá existem cristais até em excesso, tanto que é chamado de Mundo de Cristal.

A jovem gaulesa até suspendeu a respiração ao ver onde estavam, o lugar onde seria erguida a Cidadela. Igor foi andando ao acaso até que a sua sensibilidade localizou um ponto que tinha uma boa concentração dos melhores rubis, diamantes e quartzos em alto estado de pureza. Sem fazer muito esforço, obrigou alguns fragmentos grandes a virem à superfície, fragmentos esses que brotaram da terra quase da mesma forma que uma pequena fonte de água subiria de um poço artesiano. Pegou cerca de quatro quilos de diversos tipos, juntou algumas folhas de uma árvore que lembrava uma bananeira e transformou-as em uma sacola resistente, colocando tudo dentro. Sorriu para a amiga:

– Vamos voltar? – pegou a sua mão e abriu um novo portal de volta para a Terra, surgindo na cabana deles. Igor sentou-se na mesa e esvaziou a sacola. Maravilhada, Ailin olhava os cristais multicoloridos e de diversos tamanhos.

Quando viu o brilho do seu olhar, Igor sorriu, pegou um pedaço de um tipo que parecia um rubi, mas que não existia na Terra, moldou-o na forma de um anel e carregou-o com muita energia. Após, colocou no dedo dela, explicando:

– Ele tem um grande poder, Ailin, que deve durar uns cem anos, talvez mais exceto se o usares. Tens que pedir para o teu pai te ajudar a despertar os teus dons de sacerdotisa. Esse anel aumentará muito a potência deles.

Contente, ela beijou-o e Igor começou a concentrar a sua atenção aos cristais enquanto a garota apreciava o seu anel, ignorando o resto. Apenas olhando para os cristais, fragmentou vários pedaços, criando cerca de quinhentas pequenas cápsulas cristalinas com pouco mais de um centímetro de tamanho e colocou-as em um saco. Segurou-o com ambas as mãos e concentrou-se com corça, fazendo com que ele brilhasse e, após, deixou-o de lado. A seguir, com um pedaço de cristal verde-escuro do tamanho de um punho, começou a criar um pequeno aparelho nos moldes dos dispositivos mágicos, acrescentado porções de outros cristais de flutuavam para o conjunto sem que Igor movesse um músculo. O produto final ficou similar a um tablet comum, só que todo cristalino e ainda sobrou bastante material que ele guardou para outras possíveis necessidades futuras. Quando acabou, sentiu-se cansado e notou que já era noite, que passou bastante da hora. Comeu alguma coisa e deitou-se. Ailin virou-se para ele e abraçou-o, exigindo o cumprimento da promessa.

Foram acordados de manhã por ninguém menos que Ezequiel que, ao ver os dois abraçados e estremunhados, riu e disse:

– Lavem-se e vistam-se. Hoje é o solstício e o povo exige a nossa presença para os fogos.

Nos limites da cidade, perto do rio e do bosque, um grande gramado nativo era o palco de uma das suas principais festas. Em vários lugares ao longo dele, piras de lenha foram colocadas com todo o cuidado enquanto a população dançava cantava e comia em homenagem à Deusa e ao Deus da fertilidade.

As festividades começaram cedo e eram bonitas, embora as partes mais divertidas fossem durante a tarde e durariam até ao dia seguinte. Igor não estava nem um pouco interessado nelas e notou que os druidas em geral faziam aquilo para agradar os camponeses. Gwydion e Saci observavam à distância, curiosos e conversando no seu estranho modo telepático. Ezequiel acabou escolhendo esse nome e também a forma de cachorro que o jovem mago já conhecia muito bem. Falando baixo, Igor e Ezequiel conversavam, enquanto os camponeses dançavam e divertiam-se em volta das fogueiras.

– O senhor deve despertar o poder da Ailin, porque ela tem e não é pouco.

– Eu sei, mas não sei se me agrada que ela aprenda – disse o druida, pensativo. – Com estes romanos atacando e perseguindo a velha religião, temo que ela seja morta, até porque é muito explosiva.

– Acho, Ezequiel, que ter os dons despertados só a ajudariam a sair de problemas – insistiu Igor. – Lembre-se que ela foi morta em combate e ressuscitada pelos dragões. Se soubesse usar os seus poderes, jamais teria sido ferida.

– Nisso você tem toda a razão, Igor. – O sábio sacudiu a cabeça, compenetrado. – Ela fi tudo o que me restou e acho que é um pouco de egoismo da minha parte. Muito bem, vou ensiná-la.

– Tenho a certeza de que o senhor a fará muito feliz.

– E você deu-lhe o que ela mais desejava? – Ezequiel riu. – Foi o que pareceu, pelo menos.

– Eu cumpro as minhas promessas e terei de fazer isso até sentir que ela tem o que prometi. Pelo menos Ailin está satisfeita, ao contrário de mim.

– E se não conseguir voltar ao seu tempo, Igor? – perguntou o amigo. – O meu eu do futuro nunca lhe disse nada?

– Não disse. – O jovem encolheu os ombros e virou-se com toda a calma, mas por dentro sentia preocupação. – Se eu ficar preso aqui, terei de cumprir outra promessa.

– Estou certo que não será um sacrifício assim tão grande.

– O senhor tem razão, mas a dor é grande e prefiro não pensar nisso, por enquanto. Sei que ela me daria bastante felicidade até porque é demasiado igual à minha noiva, mas é como ter perdido algo, alguma coisa que ainda nem aconteceu, para piorar tudo.

Ailin apareceu rindo e puxou Igor para o campo, querendo que dançasse com ela. Estava vestida com uma túnica leve e descalça, irradiando tanta alegria que parecia brilhar, apesar do frio. Com uma coroa de flores na cabeça e uma leveza única no corpo, sorria e balançava ao ritmo das harpas, fazendo-o tentar acompanhá-la. Ele teve alguma dificuldade no início, mas depois conseguiu.

– Hoje, você é meu par nos fogos de Beltane. – Ela riu, falando alto para Igor poder ouvir em meio à música e gritos. – Seremos a Sacerdotisa e o Druida, a Deusa e o Deus. E o nosso filho nascerá da união mais sagrada: o casamento com a Terra.

Igor sorriu e afastou-se, andando alguns passos para trás ao ritmo da música. Ergueu as mãos para cima, que começaram a brilhar, pulsando devagar e tendo um aumento gradativo de intensidade, iluminando o anoitecer. O povo aproveitou para fazer uma roda grande, dançando e cantando em volta dele e da Ailin, que o olhava sorrindo, balançando ao ritmo da música e ao sabor do vento suave do inverno. Nesse momento, quando a intensidade luminosa era forte a ponto de não conseguirem olhar para as mãos do mago, ele fez um movimento brusco para cima e um número incontável de raios multicoloridos saltou para o ar, ganhando altura e explodindo em um show de fogos de artifício que maravilhou a população com a grande variedade de cores que estouravam sem parar, saindo das mãos do druida mais poderoso que já haviam visto.

O local da festa ia ficando mais vazio com o passar do tempo e à medida que os pares que desejavam – ou os casais – iam celebrar os ritos de Beltane no campo à moda mais antiga. Igor dançou com Ailin muito e sem parar, perdendo um pouco da sua própria identidade, como se fosse de fato possuído pelo Deus da fertilidade que celebrava o casamento com a representante da Deusa na Terra: a sacerdotisa – ou Ailin, naquele caso.

Amanhecia quando o jovem mago acordou gelado e assustado em pleno campo sobre um monte de feno. Ao lado, Ailin ainda dormia. Olhou para ela, uma garota um pouco mais velha que ele e muito bela, ainda mais que Eduarda que já era uma musa da perfeição, pelo menos aos seus olhos. Com cuidado para não a acordar, pôs a mão no seu ventre e sentiu que a sua promessa estava cumprida; a semente germinava. Ela acordou logo depois, rindo de alegria. Beijou-o e voltou a atacá-lo.

O sol nascia quando Igor se levantou e vestiu as roupas, ajudando a moça a fazer o mesmo. Depois, disse:

– Sei que talvez te deixe triste, mas agora cumpri o prometido e tens o nosso filho no teu ventre. Então, a menos que eu fique preso para sempre neste tempo, não devemos mais ser como homem e mulher.

– Tem a certeza? – Ela baixou a cabeça. – Estava tão bom. E quando você vai definir que não conseguirá voltar?

– Estou aqui há três meses – respondeu Igor, pegando as suas mãos. – Se eu não conseguir retornar em mais três meses, dou-me por vencido e ficaremos juntos.

– Combinado. – Ela sorriu. – De qualquer forma, terei o meu filho, nosso filho, algo que eu desejo há cinco anos, mas não queria de qualquer um, Igor.

– Quantos anos tens? – perguntou, curioso.

– Vinte e cinco, e você?

– Vinte e cinco com essa cara de menina!? – Ele riu. – Tenho vinte e um. Juro que às vezes penso que vocês são a mesma pessoa.

– O quê?

– Deixa pra lá.

– De vez em quando você fala de forma tão estranha! – Ela sorriu, carinhosa.

Comeram algo e Ezequiel apareceu para buscar a filha, levando-a para uma clareira, porque desejava despertar os seus dons, mas em segredo.

Enquanto isso, Igor e Gwydion foram ao planeta X. Ele batizara o mundo com esse nome, embora admitisse a si mesmo que era muita falta de imaginação.

Com o pássaro no seu ombro, parou em frente à estátua e ergueu o dispositivo de cristal, que começou logo a brilhar. A tela clareou e uma imagem borrada apareceu. Com uns poucos ajustes adicionais, passou a ser muito nítida e ele notou que se tratava de um filme do tipo documentário, embora em alta velocidade.

Igor assistiu um resumo de uma pequena parte da história daquela civilização e descobriu a maldição assustadora que quase dizimou a raça, hoje extinta. Quando o vídeo acabou, fez novos ajustes no seu computador "mágico" e linhas minúsculas surgiram na tela, oscilando em harmônicas de baixa frequência que se deslocavam em dois sentidos opostos. O jovem mago não perdeu tempo e transportou-se para o topo da montanha. Lá, as ondas seguiam apenas em uma direção bem específica: uma cordilheira muito grande que se avistava no horizonte.

– Ali – apontou, dizendo para o pássaro –, ali deve ficar uma cidade deles ou algum tipo de instalação onde talvez tenhamos mais informações.

O jovem ergueu-se no ar e voou, em vez de se teleportar para lá de forma a poder acompanhar o fluxo dos sinais que, no entanto, se mantinham uniformes. Pousou na base da montanha e procurou a entrada durante muitas horas, sem sucesso. Quando viu que ficava bastante tarde, retornou para a cabana porque estava com fome. Encontrou Ailin felicíssima, brincando com um globo de luz. Ela abraçou-o, rindo à toa.

– Sempre tive inveja do meu pai quando ele fazia isto – disse, usando a luz como se fosse um balão de criança. – E de você, então, nem se fala.

– Tens de poupar a energia do anel para quando precisares. Pede para o teu pai te ensinar a acumular.

– Por que você não me ensina?

– Porque eu não uso esses objetos para me auxiliarem – explicou, professoral. – Eu não dependo deles. Então sei dar uma carga total, mas não sei o processo acumulativo normal. É algo que preciso aprender para te ensinar, Ailin. Quem sabe um dia também peço ao teu pai que me ensine.

– Como ele é no futuro?

– Igualzinho a agora, mas bastante solitário e, claro, aparentando ser mais velho.

– Depois que minha mãe se foi, ele nunca mais arrumou uma companheira, nem mesmo para os ritos de Beltane.

– Ailin – Igor ficou meio sério –, nós magos, segundo o teu pai me ensinou, quando amamos alguém é raro voltamos a amar outra pessoa e deve ser por isso que ele escolheu essa solidão. Eu vejo que me amas e preferia que isso não acontecesse para não sofreres. Olha, se eu me for, deves tentar seguir a tua vida e encontrar outra pessoa.

– Só poderei encontrar alguém se for muito especial, Igor. Até você aparecer, nunca me interessei por ninguém. Claro que me diverti muito, mas sem sentimento.

– Não quero que sofras, guria.

– Guria, o que é isso!?

– Um termo da minha terra para falar moça, menina, garota. É carinhoso – explicou-lhe. – Vamos comer alguma coisa?

Durante o jantar, Ezequiel apareceu e sentou-se junto, acompanhando-os na refeição enquanto os dois dragões, nas suas formas de animais, conversavam entre si. Quando terminaram de jantar, Igor ergueu a sacola com as cápsulas de cristal e deu a Ezequiel.

– Eu forjei quinhentas cápsulas planares para si e que durarão cerca de duzentos anos.

– Posso saber o que vem a ser isso? – perguntou Ezequiel. – Eu nunca ouvi falar em cápsulas planares.

– Elas permitem que o senhor atravesse os planos sem um dragão e sem ser um nível um. Só podem ser usadas uma vez e depois precisam de ser carregadas, então pode fazer apenas quinhentas viagens nos próximos duzentos anos. Para usá-las, apenas concentre-se no local desejado segurando a cápsula na mão. Quando começar a brilhar, jogue-a para a sua frente e ela rasgará os planos durante uns noventa segundos. Tente ser econômico com elas e tenha em mente que só saltam no máximo três planos por vez. Elas deverão ser descobertas em breve, por isso, convém não mostrar estas para não provocar um paradoxo temporal. Aliás, eu pensei que já existiam e por isso é que as fiz; então, tenha muito cuidado. Em breve, haverá novos magos de nível um e eles construirão e carregarão mais cápsulas.

– Obrigado, cuidarei delas – disse Ezequiel.

– Além disso – continuou Igor –, o senhor sempre poderá recorrer ao Saci. Lembre-se do que lhe disse: precisa de achar um porto seguro para os magos porque o senhor é o elo perdido. Nos próximos séculos haverá muita perseguição e morte. O senhor nem imagina as atrocidades que a nova religião fará com o nosso povo. Em cerca de mil e trezentos anos, a chamada era das trevas reinará por algum tempo e todos os magos e feiticeiras serão tachados de bruxos e bruxas, em especial as mulheres, sendo queimados vivos. Milhares de inocentes serão assassinados.

– Pela Deusa! – exclamou o druida, atônito. – E eles têm coragem de chamar isso de religião?

– Não só têm como farão – respondeu Igor, encolhendo os ombros.

― ☼ ―

Igor estava deitado e bem relaxado quando Ailin deitou-se ao seu lado, abraçando-o.

– Eu achava que já tínhamos conversado a respeito de certas coisas, meu anjo – disse, virando o rosto para ela e sorrindo.

– Ora – Ailin riu, acariciando o amigo –, vamos dormir juntos como sempre fizemos. O resto não precisa acontecer.

– Comportada, né? – Igor riu e abraçou-a, beijando a moça com carinho. – Tu és perigosa demais e eu acabo vacilando por causa da semelhança...

Acordaram cedo e banharam-se. Igor sempre sentia falta de um bom café e não teve dúvida em fazer aparecer um. Ailin, que já tinha provado e adorado, não se fez de rogada e usou os seus poderes para materializar outro para ela. Rindo à toa e muito feliz por ter conseguido, começou a beber. Quando acabaram, ela foi tomar as suas aulas e ele voltou ao quarto plano, procurando a entrada da cidade ou o que aquilo fosse.

Já anoitecia, mas ainda não fora coroado de êxito. Quando estava quase desistindo, sentiu uma vibração tênue. Não se tratava de uma vibração física e sim algo demasiado sutil, que, em definitivo, não era natural e sim algum tipo de maquinário. Decidiu procurar um pouco mais, reajustando o seu equipamento para outra funcionalidade. Apesar da alta sensibilidade do aparelho, teve que percorrer a cordilheira duas vezes, levando com isso cinco dias, porque a formação tinha uns vinte quilômetros de extensão e talvez cinco ou seis de largura. A noite do sexto dia já ia a meio quando encontrou a entrada. Como nos turnos anteriores, decidiu dormir ali mesmo para não perder tempo nem a orientação.

Acordou com o raiar do dia, ainda cansado, e preparou-se para entrar no interior da montanha acompanhado do seu amigo Gwydion, que estava sempre por perto. Ao chegar à primeira grande caverna, sentiu-se decepcionado porque o local não parecia muito diferente de uma pequena cidade do interior. Apesar da fosforescência das paredes, optou por lançar uma bola de luz gigantesca e fazê-la flutuar o mais alto possível. Seguiu por algumas ruas, procurando manter um rumo constante em direção ao centro. Gwydion, desde que entrou ali, voava de um lado para o outro procurando obter informações, que ia passando para Igor e foi assim que disse:

– "Há uma caverna maior ao lado desta e dentro existe um edifício piramidal bem grande por onde eu sinto diversas vibrações fluindo. Mais ao fundo, aparece um pavilhão de dimensões colossais e são as únicas construções que existem."

– "Vamos lá ver isso" – afirmou Igor, erguendo-se no ar atrás do pássaro.

Atravessaram a caverna em pouco mais de um minuto e, noutro tanto, já estavam a meio caminho da pirâmide que era visível à distância. Como o dragão disse, o edifício atrás dela era titânico. Devia ter bem uns três ou mais quilômetros de lado e oitocentos metros de altura. De profundidade ele nem era capaz de calcular a dimensão por falta de uma referência. O pavilhão começava uns trinta metros depois do estranho edifício e ocupava toda a caverna até ao fundo, se não continuasse pela montanha adentro ou pelo subsolo. Quando pousaram na base da pirâmide, localizaram uma porta que ficava virada para o norte. Igor não esperava encontrá-la destravada e, por isso, estranhou bastante quando se abriu sem esforço. Entraram na primeira sala, que estava vazia exceto por vários painéis opacos. Bastou uma rápida análise para descobrir que eram telas de imagem e aquilo parecia um saguão de algum edifício comercial ou administrativo de outrora, onde os painéis passavam informações diversas para as pessoas que utilizavam o prédio.

Havia alguns corredores com nichos fechados por portas de correr. Igor abriu um e deparou-se com algo que lembrava – e devia mesmo ser – consoles de computador. Ao final de um dos corredores, abriu a porta e viu um aposento que tinha tudo a ver com uma enorme sala de controle. Havia umas poltronas bastante parecidas com as da Terra do século XX e sentou-se em uma delas, olhando para a mesa à sua frente. Para sua surpresa, a sala iluminou-se, aparecendo diversas telas que também se ativaram.

Por conta da experiência anterior, o jovem não teve dificuldade em regular o seu dispositivo para se comunicar com o maquinário que ali existia. Ele indagava-se sem parar sobre que tipo de fonte de energia os antigos donos daquele planeta se basearam para poderem construir uma máquina que meio milhão de anos depois ainda funcionava e calculou que deveria ser geotérmica porque nenhum isótopo radioativo duraria tanto. Assim que se familiarizou mais com os equipamentos, conseguiu obter muitas informações, mas o seu maior objetivo era saber sobre deslocamentos no tempo. O computador daquele povo tinha um saber incrível armazenado nas células de memória e era tão avançado que se tornou fácil obter uma quantidade enorme de informações, muitas delas até já eram do seu pleno conhecimento. Os experimentos com o tempo, entretanto, eram em nível teórico e nem mesmo chegavam aos pés da ciência da Terra. Igor concluiu que aquele povo nunca fez qualquer experiência do gênero. Mesmo assim, a excitação era tanta que perdeu o dia inteiro nas pesquisas, contando ao dragão as suas descobertas. A fome já estava insuportável quando se deu conta que o dia se escoara sem que comesse nada. Materializou um café e saiu da caverna, disposto a retornar no dia seguinte.

Ficou muito espantado quando o seu amigo disse, a título de aviso:

– "Saci está por perto. Sinto a sua presença."

– Será que aconteceu algo? – questionou Igor, preocupado.

– "Acho que nos procuram" – respondeu o dragão. – "Estão perto da outra montanha e sinto um pouco de ansiedade. Nesta distância apenas capto as emoções; não consigo me comunicar."

– Vamos encontrá-los – decidiu Igor. – Pousa no meu ombro que eu pulo direto para eles. Acho que a culpa é minha porque não retornamos mais cedo.

Na montanha foi fácil encontrar Ezequiel e Ailin, junto com Saci na sua forma de dragão. Ele aproximou-se e a moça correu a abraçá-lo, com cara de preocupação e alívio.

– Eu sabia que você não iria embora sem se despedir – disse ela aliviada, após cobri-lo de beijos. – Por isso estava tão preocupada.

– Com Gwydion ao meu lado – Igor abraçou a moça, compreensivo –, não corro grandes riscos, Ailin. Fazia pesquisas neste mundo, apenas isto.

– Eu bem que lhe disse. – Ezequiel riu. – Mas sabe como são as mulheres. Saci rastreou o seu portal e...

– Sem problema – respondeu Igor. – A culpa foi minha e estou mesmo morto de fome, então vamos retornar para a Terra.

– Saci precisa descansar para abrir um novo portal – afirmou o druida –, e eu não trouxe cápsulas, então temos que esperar até amanhã.

– Eu abro um para todos nós. – Igor não aguardou resposta e abriu a passagem. Sorriu, com um gesto teatral. – Esqueceu que sou grau um? Passem.

Na cabana, enquanto Ailin o servia e sentava-se ao seu lado, Igor pensava em tudo e como estava cada vez mais difícil encontrar um retorno para o seu tempo. Se aquele povo tão mais avançado que ele nada sabia sobre o deslocamento temporal, era muito provável que estivesse irremediavelmente preso no passado.

Triste, concluiu que o melhor era conformar-se. A princípio, poderia viver muitos séculos, tanto ou mais ainda que Ezequiel, mas não seria a mesma coisa, em especial sem a sua Eduarda que nem mesmo ainda estaria perto de nascer senão em mil e oitocentos anos.

Não contente com o silêncio repentino do mago depois de jantar, a garota sentou-se no seu colo e sorriu, dizendo:

– Está sério demais. – Sem que ele esperasse, beijou-o. – Isto é para alegrar um pouco.

Igor, sorriu. Pouco, mas sorriu. Cada vez mais conformado que estava impossibilitado de escapar do passado, passou os braços na sua cintura e esboçou um sorriso maior, mas continuou sem sair grande coisa.

À noite, com ela dormindo aconchegada no seu ombro, Igor permanecia acordado, olhando para o teto escuro e, quando Ailin se virou para o lado, ele aproveitou para se levantar e caminhar um pouco do lado de fora. Encostado a uma árvore e olhando para a lua que iniciava o quarto minguante, pensava na sua Eduarda e na total incapacidade de retornar. Outra coisa que não entendia direito era essa afeição que nutria pela moça com quem estava, afeição que era intensa o suficiente a ponto de ceder sem pensar e lhe dar o que ela desejava. Talvez fosse a grande semelhança entre ambas, tanto física quanto espiritual, embora Ailin fosse ainda mais bonita e tão inteligente quanto a doce Eduarda.

Ele sentia que, se continuasse a sua busca, só se desgastaria e talvez estivesse na hora de desistir e ficar conformado, mas outra coisa que o incomodava demais era o fato de que precisava conter aquele mal terrível que Caroline soltou por sua culpa. Ele temia que o fracasso em retornar pudesse ser uma catástrofe para muitos mundos, começando com a Terra. Quando se lembrou da feiticeira inglesa morta nos seus braços, uma lágrima caiu dos olhos, juntando-se ao orvalho da noite.

Sabendo que só se martirizaria ainda mais com isso, suspirou e voltou para a cama, deitando-se. Ailin virou e aninhou-se no seu ombro.

― ☼ ―

Uma semana passou desde que Igor tinha perdido as esperanças de voltar, para felicidade da garota. Ela recebia aulas dele e do pai, tornando-se cada vez mais forte, mas não tinha o menor interesse em ser uma sacerdotisa da Deusa, até porque não era dona de muita fé. Tudo o que queria era ser como uma feiticeira da atualidade, sem obrigações religiosas, e Igor riu porque isso era o marco da transição de druida para mago.

Ailin via que Igor era muito carinhoso e atencioso, mas também sentia, em especial depois que começou a desenvolver os seus dons, que ele sofria em silêncio. Sabia que o companheiro gostava muito de si, mas não era aquele amor forte como o que ela nutria por ele e isso a entristecia um pouco.

– Você está desanimado e preocupado, meu amor – disse ela um dia em que o mago estava mais calado que o usual – e eu acho que uma parte é por minha causa.

Igor virou-se para a moça e sorriu, fazendo um carinho no seu rosto. Como sempre, ele sentava-se encostado a uma árvore, calmo e passivo. Certo dia, ela perguntara por que motivo ele costumava fazer isso e a resposta encantou-a tanto que Ailin passou a imitar, porque, segundo ele, a árvore funcionava como uma antena que canalizava as energias do Universo e da Natureza num fluxo harmônico constante. Encostado a ela, podia absorver uma grande quantidade de poder e podia ouvir o mundo.

– Por que achas que é por tua causa? – questionou, curioso.

– Porque o seu coração verdadeiro não está aqui, meu amor. Eu sempre soube disso e também aceitei. Queria tanto poder ajudá-lo a encontrar o caminho de volta para ser feliz por inteiro!

– Em parte tu tens razão sim, anjo – respondeu, após retribuir a gentileza com um beijo. – Mas não é por tua causa. Tu, pelo menos, fazes o meu exílio tolerável, até agradável.

– Você é tão gentil, amor – disse, beijando e abraçando o companheiro.

– Na verdade, uma das minhas maiores preocupações é sobre o que aquele monstro pode fazer ao mundo.

– É assim tão grave? – perguntou, sem querer acreditar.

– Ele matou todos os magos da Cidadela, talvez todos os magos do Universo exceto eu e o teu pai. Não há nada que o possa conter e tudo o que ele mais gosta é de provocar flagelo. Fecha os olhos.

Ailin obedeceu e Igor tocou na sua fonte com os polegares. Quando ela começou a receber imagens ficou empertigada, mas logo acalmou-se ao ver que era Igor que transmitia informações. Ela via uma cidade linda como jamais imaginou, mas que tinha corpos amontoados por todos os lados, mortos. Mesmo naquele estado, algumas lágrimas caíram dos seus olhos à medida que via os horrores, como se tivessem acontecido consigo.

– Pela Deusa! – exclamou a garota, secando os olhos. – Tem que haver uma forma de parar isso!

– Pois é. Saber que não tenho como retornar para continuar a tentar impedir o monstro é uma das minhas preocupações. – Igor abraçou-a e esperou que se acalmasse. Depois, mudando de assunto, perguntou. – Sabes nadar?

– Claro que sei – respondeu, rindo. – Afinal nadamos sempre na lagoa do rio!

– Óbvio, que pergunta tola – Igor também riu. – Então vamos para a praia.

Pegou a mão e levou-a para um lugar vazio de gente, mas de grande beleza.

– Daqui a muitas centenas de anos, isto vai abrigar uma cidade muito bonita e estas praias estarão cercadas de grandes construções com todo o tipo de gente que se virá banhar no mar.

Olhou em volta do que seria Copacabana, mas que agora era uma praia grande com a selva atlântica a pouco mais de cinquenta metros da água, após algumas dunas quase rasas. Estava bastante quente e o casal tirou as roupas, entrando no mar. Nadaram um pouco e divertiram-se, para depois se deixarem secar ao sol.

Quando retornaram, já era noite e, após o jantar, foram dormir.

Esse quase que passou a ser o roteiro dele, sempre acompanhado da Ailin. Uma vez, encostado na árvore que elegeu para a sua meditação, Igor observava as pessoas e as vidas simples que levavam na agricultura. A maior parte deles ia para os seus campos trabalhar a terra, enquanto outros caçavam e ainda outros tinham os mais diversos trabalhos básicos de uma civilização rudimentar. Os druidas não precisavam de trabalhar como os outros, mas possuíam diversos deveres, atuando como médicos e sacerdotes, acima de tudo. Muitas vezes, o povo fazia alguma festividade e eram sempre alegres e satisfeitos. Marlon, depois de ter sido ferido na batalha e Igor em pessoa foi quem o salvou, nunca mais agiu pelas costas, mas foi destituído do cargo de subchefe. Tentaram oferecê-lo para Igor, contudo, o mago não aceitou, ficando Aodh o ferreiro no lugar, apoiado pelo jovem.

Naquele dia em particular ele observava alguns aldeãos alegres a caminho do campo e perguntava-se se a civilização moderna não teria perdido muito disso. No século XXI, as pessoas gastavam as suas vidas a garantir a subsistência e uma velhice tranquila que nem sempre acontecia.

Inúmeros cidadãos precisavam de levantar ainda de noite para enfrentarem horas de trânsito e depois um trabalho extenuante. Ao final do expediente repetia-se esse mesmo ritual no sentido inverso. Muitos dos homens e mulheres modernos não viviam, apenas sobreviviam, não sabiam o que era descansar ou se divertir. Já ali, naquela civilização celta, as coisas eram tão mais simples que ele imaginava quando foi que a sociedade se tornou de tal forma complexa que virou um organismo vivo onde os seres humanos eram engrenagens que precisavam de girar sem parar para manterem o todo e não sucumbirem.

Com um sorriso triste, ele sacudiu a cabeça e pensou:

– "Vê se pode, agora virei filósofo e ainda por cima pensando em coisas sem solução aparente."

Levantou-se e foi procurar Ailin para ver se ambos podiam fazer algo útil ou, no mínimo, divertido.

― ☼ ―

Na manhã seguinte, Ezequiel chamou Igor para conversarem a sós e saíram andando, acompanhados dos dragões. Caminharam sozinhos dentro do bosque por um bom bocado porque ele desejava que a filha não os ouvisse.

– Igor – começou o sábio. – Vejo com nitidez que não está feliz, que embora todos aqui o estimem e você esteja muito à vontade no meio de nós, não se sente deste lugar. E também vejo que abandonou a sua busca de uma solução depois de ter procurado com tanta preocupação e urgência por mais de três Luas. Por quê?

– Porque não encontro uma solução, Ezequiel – respondeu jovem, encolhendo os ombros. – Estou preso a este tempo.

O chefe dos druidas fez um sinal negativo com a cabeça e olhou para o amigo.

– Todavia, a lógica é muito clara e você será capaz de retornar, filho, tão clara e cristalina como a água. Será que, no fundo, você não está com receio de ser derrotado mais uma vez? Afinal, ninguém gosta da derrota.

– E o que lhe dá tamanha... digamos... clareza, para usar as suas palavras?

– Eu sou a prova de que voltará, filho. – Ezequiel pôs a mão sobre o seu ombro. – Eu gosto muito de si desde que o vi a primeira vez e agora é o pai do meu neto, ou neta, segundo me disse. Se eu estou vivo e ativo no século XXI, é sinal que me lembro muito bem de si, correto?

– Faz sentido, já que o seu comportamento é de alguém com memória privilegiada.

– Exato, mas eu nada falei sobre esta armadilha, só que teria de saber dela.

– É um paradoxo, mas é real, de acordo com a sua lógica.

– Pois é, filho, e se eu soubesse que você ficaria preso aqui ou até que perderia a vida, não acha que teria alertado? Se não alertei, foi para não alterar o fluxo de tempo, uma vez que você deverá voltar, ou seja, em algum momento, separamo-nos. O meu eu de agora não sabe, mas o meu eu do século XXI sabe muito bem que eu passei algumas centenas de anos sem você por perto.

– Acontece que isso é outro paradoxo: se me avisasse e eu não viesse para cá, não saberia, logo não poderia avisar. Daí, entramos em um ciclo vicioso.

– Prefiro a minha linha de raciocínio, Igor – insistiu Ezequiel, sorrindo. – Você vai retornar e eu não terei contado nada para não interferir porque você é o grande responsável pelo desfecho da Guerra Dos Bruxos, o verdadeiro herói que ficou escondido na história, mas que eu sei muito bem quem é. Não deve temer as batalhas com aquele demônio. Pelo que conversamos, ele já não penetra a sua barreira e pode ser atingido na forma humana. Só falta aprender a atingi-lo na forma natural e sei que vai conseguir, Igor.

O druida centenário fez uma pausa e continuou:

– Por mais que eu ame a minha filhinha, sei que jamais serão felizes do jeito que estão. – Igor fez menção de falar, mas ele ergueu a mão, interrompendo. – Calma. Bem vejo que tem um sentimento muito forte por ela, só que não é isso que deseja. Mais tarde, a saudade vai-se tornar insuportável e você descobrirá que cometeu um grande erro. Deixe-a com essa lembrança feliz e o seu bebê que ela sempre desejou e retorne para aquela que é a verdadeira dona do seu coração enquanto pode.

Igor parou de caminhar e fitou o amigo nos olhos. Permaneceu assim por alguns minutos, pensando, sabendo que ele devia estar certo como nunca deixou de acontecer desde que o conheceu. Parecendo que despertava de um pesadelo, sacudiu a cabeça.

– Vou meditar – afirmou, muito sério. – Por favor, avise Ailin para não se preocupar comigo, se eu demorar. – "Gwydion, desculpa-me, mas pretendo ficar a sós."

Não aguardou resposta nem moveu as mãos. Apenas abriu-se um portal bem à frente deles onde Ezequiel vislumbrou um mundo de sonho, lindo como nunca havia visto antes, e o jovem atravessou. O portal fechou-se logo após a passagem. Maravilhado, perguntou ao dragão pássaro:

– Que mundo é aquele?!

– "Fica no décimo terceiro plano, o Mundo de Cristal" – disse o pássaro. – "Um dos mundos mais belos do Universo e onde vocês erguerão uma cidade de beleza única."

– É lindo demais!

― ☼ ―

Igor sentou-se, encostado a uma árvore, e esvaziou a mente, relaxando o máximo possível. Reviu passo a passo tudo o que ocorreu desde o último duelo com a entidade Samuel, em especial como ele passou pela fenda sem cair na armadilha. Concluiu que Samuel abriu duas fendas, lado a lado. Uma por onde fugiu e a outra era a armadilha, mas como uma criatura que nem tinha muita destreza em abrir portais – e deve ter absorvido isso da Caroline quando a matou. – Poderia aquele monstro criar uma armadilha tão perfeita?

Por mais que pensasse, não obtinha uma solução adequada ou aceitável e, irritado por não conseguir qualquer tipo de hipótese, levantou-se, blasfemando aos berros:

– Maldita seja a hora em que autorizei Carol a efetuar a abertura do plano zero – gritou para cima com toda a sua energia, muito irado e desesperado. Raios começaram a singrar os céus a toda a sua volta. – Maldita seja essa criatura destruidora de mundos.

Trovões ecoaram sobre a sua cabeça e ele, exasperado, caiu de joelhos com as mãos sobre o gramado, apertando a terra e quase chorando enquanto a eletricidade escoava para as águas ao seu redor. Quando ergueu o rosto, viu a sua face refletida na margem de pedra do pequeno lago à frente e permaneceu calado por algum tempo, apenas observando, vendo seu rosto oscilar pelas minúsculas e suaves ondas formadas na pequena cachoeira do outro lado.

Levantou-se de um salto e retornou para a Terra, procurando Ezequiel. Como não o encontrasse, chamou Gwydion usando a telepatia.

– "Gwydion, onde estás e onde está Ezequiel?"

– "Na clareira dos druidas, treinando Ailin." – Foi a resposta imediata. – "A que fica mais ao sul."

Sem pressa, Igor caminhou para lá, já que era perto. O vilarejo estava quase vazio porque àquela hora muitos dos aldeões ainda trabalhavam nos campos, mas onde quer que ele passasse era cumprimentado e respeitado como o maior dos druidas e o homem que os salvou da destruição, uma vez que aquela pequena aldeia era quase tudo o que sobrou da milenar cultura Celta. Entrou pelo bosque adentro e foi andando até ouvir vozes. Na clareira, Ailin usava os seus poderes, amplificados pelo anel que brilhava, pulsando no seu dedo. Naquele momento o pai ensinava-a a moldar uma bola de energia plasmática e, quando Igor entrou, ela assustou-se com o ruido e jogou a bola nele.

Para sua sorte, a moça não era destra na arte porque poderia tê-lo morto já que Igor não estava preparado para um combate. Ele ergueu a mão e absorveu a energia da esfera, anulando-a. Sorrindo, perguntou:

– Planejas matar o pai do teu filho, Ailin?

Assustada, a moça correu para o seu pescoço, abraçando-o cheia de ternura.

– Me desculpe, meu amor – deu um sorriso tímido. – Ainda estou aprendendo.

– E vejo que aprendes bem e rápido. Tens poderes muito fortes, Ailin – afastou a garota com gentileza. – Ezequiel, eu preciso de fazer uma coisa que é um tanto quanto arriscada e posso até ser morto, mas tenho de fazer isso. Com a sua ajuda e dos dragões, as chances de ser bem-sucedido são muito maiores.

Ailin agarrou o seu braço, preocupada e apreensiva. Ao olhar Igor dentro dos olhos, logo descobriu parte das suas intenções e ficou triste.

– Vai arriscar a sua vida, talvez inutilmente...

Igor pegou nela e afastou-se para poder falar em particular e com toda a sinceridade.

– Ailin, eu vou fazer uma experiência perigosa porque sei que o teu pai, no futuro, não poderá enfrentar sozinho esse monstro e ele pode destruir todo um mundo. Ainda não sei se serei bem-sucedido, mas vou procurar alguém que pode saber e ajudar. Esta é a última tentativa que farei para retornar ao futuro, eu prometo.

– Voltará para ela...

– Nunca te escondi que ela é o meu grande amor, Ailin, e sempre fui muito honesto contigo. Eu posso te garantir que também sinto um amor por ti e pelo que significaste para mim nestes meses. Na verdade, se não fosse isso que nem sei explicar a mim mesmo, jamais teria cedido aos teus encantos. Teria apenas cumprido a minha promessa de te dar um filho e nada mais.

– Desculpe. – Ela abraçou Igor e beijou-o. – Eu sei que isso é verdade e só quero que seja feliz. Mas também vou com vocês para ajudar.

– É perigoso, meu anjo.

– Se você for embora para o seu tempo, eu ficarei muito feliz por si – disse, enérgica –, mas, se você morrer, morrerei junto ou tentando salvá-lo.

– Se é isso que desejas, que assim seja, mas lembra-te que carregas uma nova vida dentro de ti. – Caminharam de volta e Igor perguntou. – Prontos?

Não esperou resposta e abriu o portal para o Mundo de Cristal, convidando todos a passarem. Uma vez lá, fechou o caminho de volta e explicou:

– Eu pretendo ir ao décimo quarto plano...

– Só existem treze planos, filho – disse o druida, espantado com uma demonstração de ignorância daquelas. – Todos os druidas sabem disso!

– Pois sabem errado; eu não lhe contei nada antes por causa dos paradoxos, mas...

– "São treze, planos" – insistiu Saci, interrompendo. – "Já viajei por todos eles desde há uns trinta milênios."

– São quinze planos – disse Igor, resoluto –, e foi a abertura do plano mais baixo, o zero, que trouxe a catástrofe. Esses dois planos são difíceis de abrir e, por isso, vocês dragões desconhecem-nos. Eu pretendo viajar para o plano quatorze e testar a hipótese de que os seres que lá haverão, se houverem, são o oposto do demônio que surgiu na Terra. Quem sabe eles terão a chave que me permitirá manipular o tempo.

– Pretendo abrir a fenda e preciso que vocês a protejam contra a passagem de seja o que for – continuou o mago. – Se eu demorar, não se assustem, porque o tempo no plano zero passava de forma diferente e nada impede que neste também seja assim.

– E como sabe se vai encontrar um mundo com uma civilização, filho? – questionou Ezequiel.

– Domino uma técnica simples que me permite abrir portais direto para mundos assim – explicou, sem dar detalhes.

Igor estava nervoso e preocupado até ao momento que começou a contar os seus planos. Depois disso, mesmo sabendo que poderia ser morto, mantinha uma serenidade que acabou contagiando o grupo. Terminou dizendo:

– Se eu não voltar em dez dias, partam do princípio que morri e voltem para a Terra. Ezequiel, a partir desse momento, o combate final terá de ser com o senhor e Saci, daqui a dezoito séculos. Acho melhor vocês assumirem a forma draconina de modo a poderem combater com eficiência caso seja necessário, mas espero que não.

Os dragões transformaram-se na sua verdadeira aparência e o mago voltou as costas para o grupo, preparando-se.

– Espere. – Ailin quase gritou, aproximando-se. Voltou a abraçá-lo e beijou Igor, com lágrimas nos olhos. – Eu o amo.

Ele sorriu e começou os preparativos. Enquanto isso, Gwydion aproximou-se dela, baixando a sua cabeçorra e dizendo algo apenas para a sua mente. Ela abraçou o gigante de outro mundo, feliz.

Igor fez um aceno, recuou uns dez metros e virou-se, focando todas as suas energias em um ponto específico à sua frente.

― ☼ ―

Beltane é a festa do solstício de inverno onde invocam a Deusa (divindade feminina representada pela Lua e mãe de tudo) e o Deus da fertilidade (divindade de nome Cernunos), para que as colheitas seguintes sejam prósperas. À noite acendem fogueiras e casais formam-se, indo celebrar a união divina como deuses e deusas, o casamento com a terra. Esse rito pagão era tão arraigado no povo que a Igreja inventou o dia de ação de graças no mesmo período para o abafar.

Energia geotérmica – extraída do calor do núcleo do planeta.

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