Capítulo 11
"Algo só é impossível até que alguém duvida e resolve provar o contrário."
Albert Einstein.
O jovem mago estava sentado, encostado à árvore quando o pássaro apareceu em voo picado, tão violento que só parou o mergulho no último segundo e pousou.
– Mas bah, tchê, pretendes dar uma de camicaze?
– "Igor, há um exército enorme vindo nesta direção mais ou menos a dois dias de viagem a pé. Neste momento, eles estão montando acampamento, talvez para pernoitarem, mas são demais para esta gente enfrentar" – afirmou o pássaro que patrulhava os arredores a pedido do jovem. – "Não há nenhuma outra cidade por perto para eles atacarem, logo o alvo só pode ser a aldeia onde estamos. Acho que a tua suposição de termos vindo para o passado muito correta."
– Então eles vêm com intenção de atacar uma aldeia tão inofensiva e pacífica! – pensou alto. – Vou avisar essa gente, mas creio que, tirando Ailin, o resto não vai muito com a minha cara.
Igor levantou-se e Gwydion voou para o seu ombro, quieto. Ele foi para o centro da aldeia e só nesse momento é que lhe prestou atenção de fato. A região era formada por uma praça circular, enorme, que tinha um grande carvalho no meio e jardins bem cuidados em volta. Por toda ela havia mesas porque era onde os gauleses confraternizavam. Depois, uma rua circular marginava a praça e as cabanas mais importantes situavam-se ali. A seguir, várias ruas perpendiculares davam para as casas dos cidadãos e, na periferia, o rio passava. A aldeia não tinha qualquer tipo de muro ou fortificação e um ataque de soldados bem preparados seria uma chacina. Ele sabia que Ailin tinha ido naquela direção, mas não tinha ideia de onde.
Parou na praça central e olhou para todos os lados. Várias pessoas passavam por ali, mas nada da garota. Chamou um rapaz e perguntou:
– Eu preciso de encontrar Ailin, a filha do chefe com muita urgência – pediu. – Sabes onde ela está?
– Na cabana do chefe com o subchefe – apontou uma choupana bem à sua frente.
– Obrigado – sorriu e começou a caminhar para lá.
Como a porta estava aberta, Igor foi entrando, mas, quando se aproximou, ouviu uma discussão e era a voz da Ailin um tanto alterada. Ficou parado, aguardando e escutando.
– Já disse mil vezes que não desejo você, Marlon – falou ela, muito irritada. – Eu não quero ter que repetir o meu aviso de novo. A próxima vez que você me tratar daquele jeito, vou matá-lo e não me importa a sua condição de subchefe.
– Você está dizendo isso porque caiu de amores pelo bruxo, não é?
– Pra começar, Marlon, caí de amores sim – ripostou ela, sem negar. – E depois ele é um druida dos bons e não um bruxo. Além do mais, você não tem nada a ver com isso.
– Eu vou é matá-lo – afirmou rancoroso. – Bruxos têm de ser mortos. Basta ele se descuidar e vai ver.
– Não passa de um covarde, Marlon. – Ela riu. – Se ele fosse um bruxo já estaríamos todos mortos, tamanho é o poder dele...
– Estarão todos mortos em dois dias – disse Igor, entrando de vez na cabana –, a menos que saibam como combater um exército invasor. Que feio, Marlon, atacar um homem à traição!
– Por que você disse isso, Igor? – perguntou Ailin.
– Gwydion viu um exército enorme vindo para cá. Eles estão a uns dois dias de viagem.
– E quem é Gwydion? – perguntou Marlon, irritado por ter sido flagrado.
– O pássaro – respondeu, apontando Gwydion com o dedo.
– E você agora diz que fala com os pássaros? – Marlon riu, debochado. – Além de tudo é charlatão.
– É mesmo? – Igor deu uma risada e fez surgir a sua espada no chão, entre ambos. Ameaçador, continuou. – Quer tentar roubá-la de novo?
– Tem como mostrar onde está o exército invasor? – perguntou Ailin, ignorando a discussão.
– "Além do rio, pelo oeste da colina a cerca de dois dias de caminhada" – explicou o pássaro, sem esperar que Igor perguntasse. Gwydion desceu e, com o bico, riscou um desenho simples no chão.
– Pela Deusa – disse Marlon –, é mesmo verdade!
Igor olhou para o homem e disse:
– Então agora pare de me antagonizar e coopere. – Depois, perguntou. – Quantos homens podem combater, aqui na aldeia?
– Uns duzentos e cinquenta e podemos chamar mais cinquenta dos campos próximos. Se o nosso chefe não voltar, estaremos sem proteção.
– São muito poucos. – Igor pensava alto. – E eu não posso estar em todos os lados ao mesmo tempo.
– Meu pai foi encontrar e reunir todos os druidas que conseguisse juntar. Agora, espero que chegue a tempo.
– Muito bem. – Igor transformou-se mais uma vez, bem na frente dos dois e voltando a envergar as roupas do guardião. Estendeu a mão e a espada voou para si, prendendo-a na cintura e dizendo. – Precisamos de criar uma linha defensiva.
– Como faremos isso? – perguntou o subchefe.
– É possível reunir toda a aldeia aqui no centro? – Igor assumiu o controle com tanta naturalidade que Marlon nem se deu conta, passando a obedecer.
– Basta tocar o alarme na praça – respondeu ele.
– Gwydion – Igor virou-se para o amigo. – Seria pedir demais se pudesses voltar lá para fazer uma contagem e avaliação?
– "Acho melhor ir ao raiar do dia para poder ver bem. À noite posso perder detalhes" – respondeu o dragão. – "Vou e volto em uma hora."
– Ele tem razão, Igor – disse Ailin, levantando-se. – Eu vou pedir a alguém que mande chamar todos os camponeses de fora para amanhã ao meio do dia.
Igor não conseguiu deixar de olhar para ela enquanto saía, tamanho era o encanto e a semelhança. A sós com Marlon, ele disse:
– Olhe, eu nunca desejei mal nem a si nem a qualquer outro e preferia que não fossemos inimigos, mas não pense que me intimido com ameaças.
– Tudo bem, acho que lhe devo desculpas. Em parte foi ciúmes. Acha que temos uma chance?
– Se o pai da Ailin for bom e trouxer alguns magos para ajudar, é possível.
– Magos!? – perguntou, estranhando. – O que é isso?
– Druidas – explicou. – Desculpe, é que usei um termo do meu tempo.
– Tempo!? – espantou-se de novo. – Afinal de onde é e por que não provou que era um druida desde o início?
– Eu lutava contra um demônio horroroso e ele me apanhou de surpresa, Marlon – afirmou Igor, optando pela verdade, para demonstrar que não o queria enganar. – Sofri uma pequena derrota e ele fez com que eu fosse jogado aqui por um portal, quase dois mil anos no passado. Isso interferiu nos meus poderes, que só recuperei em parte hoje de manhã. E espero, pela Deusa, que eles estejam restabelecidos por inteiro quando o inimigo chegar. Pelo menos sei usar muito bem esta arma e vocês vão precisar de todas as espadas possíveis.
– Temos poucas armas – explicou Marlon. – Acho que devemos ver o ferreiro.
Os dois homens seguiram para a cabana do ferreiro, que era ao lado. Entraram e Marlon disse:
– Este é Aodh, o ferreiro. Salve, Aodh, este é Igor, o druida. Existe um exército vindo para cá e precisamos saber quantas espadas podemos dispor.
– Salve. Temos bem poucas – respondeu o ferreiro –, umas dez ou doze. A sua não tem conserto, tem que ser forjada outra vez.
– É muito pouco – comentou Igor. – Aodh, quanto tempo o senhor leva para separar a quantidade necessária de ferro para fazer uma espada cem vezes?
– No máximo um dia, talvez metade, mas do que adianta?
– Adianta muito. Providencie isso e também bastante carvão, que a minha magia fará o resto. Cem espadas da melhor qualidade eu garanto. – Igor apontou a espada quebrada. – Dê-me aquela ali, por favor.
O jovem pegou a arma danificada e um pedaço de carvão. Com a mão irradiou uma energia intensa e purificou o carbono até ao limite máximo possível. Após, juntou uma quantidade desse composto e colocou sobre a lâmina, tudo isso sem tocar nela, usando apenas a força da magia.
Os dois celtas não entendiam o que ele pretendia fazer, mas olhavam com toda a atenção. O mago começou a irradiar energia pura com as duas mãos e o metal brilhava a ponto de ofuscar. Enquanto isso acontecia e o ferro derretia misturando-se ao carbono, o calor tornou-se muito elevado, contudo os dois não queriam perder aquilo por nada no mundo. Eles tinham dificuldade em ver por causa do brilho, mas dava para notar que parte do material era separado do ferro e descartado, enquanto o resto, devagar, tomava a forma de uma nova espada. Quando terminou e a arma estava pronta, Igor irradiou uma luz branca, intensa. O brilho era tão forte que diversos aldeãos se aproximaram para observar, olhando da porta ou janela.
Assim que a luz apagou havia apenas uma espada no chão, mas era mais fina e brilhante. Igor apontou para ela e disse para Marlon:
– Pegue a sua nova espada. Experimente para ver se lhe agrada.
Marlon ficou com medo de passar por outra sessão de choques, mas não gostava de fazer feio. Relutante e bem devagar, curvou-se e pegou a espada, achando-a demasiado leve.
– É muito leve e vai quebrar no primeiro embate.
– Tem certeza? – perguntou Igor, erguendo a sua. – Defenda-se.
Atacou o pobre celta de surpresa, mas ele reagiu rápido e defendeu-se com maestria. Ele viu que a arma era bem superior à velha espada e sorriu, até que Igor parou.
– Chega – disse o mago. – Esse material é mais leve e muito mais forte que o ferro comum, tanto que a sua espada não quebrou no embate com a minha. Aodh, providencie o que lhe pedi para amanhã. Não posso fazer muitas, mas cem tenho a certeza que consigo.
– Obrigado, Igor, o druida – disse Marlon.
― ☼ ―
Ailin e Igor estavam na cabana dela, jantando. Para facilitar, o mago ergueu um pequeno globo de luz e a garota não tirava os olhos do forasteiro.
– Eu vi a espada que você fez para Marlon e o teste dela – comentou a moça. – Ficou perfeita, a melhor espada que já vi, exceto pela sua.
– Sim. Amanhã vou fazer mais e também farei uma especial para ti – disse o mago. – Farei uma com o equilíbrio adequado a uma mulher.
– Você podia contar de onde é e por que perdeu os seus poderes, Igor. Graças à Deusa, estão voltando.
O jovem contou-lhe algumas coisas, omitindo muitos detalhes porque talvez ela não entendesse. Quando terminou, Ailin levantou-se e tirou as roupas colocando o conjunto de dormir. Igor tentava, mas não conseguia ficar sem a olhar. Ela riu, gostando de ser observada por ele, e disse:
– Melhor nós dormirmos que amanhã vai ser um dia cheio.
– É verdade. – Igor levantou-se e usou os seus poderes para materializar um calção e camiseta.
Ao vê-lo vestido assim, riu e disse:
– Essas roupas do futuro são bem estranhas, mas você fica muito tentador com elas. Venha deitar que está tarde.
No escuro, a garota fez um avanço, beijando-o. Por alguns segundos ele até cedeu, mas acabou por afastá-la.
– Ailin, me perdoa, só que não posso fazer isso.
– Por quê? – perguntou com a voz triste.
– Porque o meu coração pertence a outra pessoa e nós druidas, quando amamos alguém, não conseguimos amar outra pessoa. Desculpa.
– Eu entendo – ela afastou-se, abatida. – Sei como é porque o meu pai é druida.
– Obrigado – afirmou ele. – És muito bela, mais até que a minha Eduarda, mas não posso e olha que a semelhança entre vocês duas é tanta que eu me sinto vacilar toda hora, só que é errado.
Ela beijou-o e virou-se para o lado. Igor custou a adormecer por causa de tantas novidades, até que acabou caindo em um sono profundo e acordou renovado, sentindo que todos os seus poderes normalizaram.
De manhã, enquanto tomavam o desjejum e não aguentando beber aquele vinho de baixa fermentação, Igor materializou um café com leite, que Ailin provou e adorou. Gwydion já tinha saído e deveria voltar a qualquer minuto.
Depois disso, foram para a casa do ferreiro.
– Salve, ó Aodh, o ferreiro – disse Igor, usando o cumprimento mais comum dos celtas. – Como vai a separação do material?
– Salve, ó Igor, o druida – respondeu ele. – Até ao meio do dia, terá os seus lingotes.
Nesse momento Gwydion e Marlon chegaram quase ao mesmo tempo.
– Salve, Gwydion – disse Ailin, antecipando-se a Igor – alguma novidade?
– "Péssimas notícias" – começou o dragão. – "Uma contagem por alto deu uns dez mil guerreiros que usam armadura e espadas. Também carregam umas coisas para arremessar pedras, bem primitivas, por sinal. Mas o pior de tudo são os meus irmãos e os captores deles."
– Teus irmãos? – questionou Igor, espantado. – Que irmãos?
– "Há mais de uma centena de dragões cativos dos tais de bruxos, cerca de cento e sessenta. Isso é um poder sem tamanho e eles nem têm culpa porque estão escravos dos demônios."
– Como não os descobriste antes, Gwydion? – perguntou Igor.
– "Porque estão disfarçados, da mesma forma que eu. Só descobri agora quando um dos bruxos deu uma ordem a um deles. Igor, fomos jogados na guerra final entre bruxos e magos."
– Eu estou entendendo errado – começou Ailin, zangada e pegando a sua espada –, ou esse pássaro é um dragão disfarçado.
– É sim, Ailin – respondeu Igor –, mas Gwydion não está sob controle dos bruxos e é meu amigo.
– Dragões devem ser mortos – disse ela, com voz de ódio e avançando para pegar o pássaro. – Eles assassinaram a minha mãe. Nenhum dragão é confiável.
– Mas que droga, Ailin. – Igor zangou-se. – Já não te demos provas mais do que suficientes da nossa lealdade e amizade.
Avançou um passo, pegando a própria espada e entregando-a.
– Se queres tanto assim matar Gwydion, então toma a minha espada e mata a nós dois, se tiveres coragem de matar um inocente desarmado.
Ela baixou a espada, mas manteve-se em guarda. Séria e muito zangada afirmou:
– Você mentiu, quando perguntei sobre seu dragão...
– Não precisamos de ajuda de dragões nem de bruxos – interrompeu Marlon, erguendo a arma. – Vá-se embora antes que o trespasse com a espada.
– Ficou muito corajoso, de repente – disse Igor, magoado e ao mesmo tempo zangado. – Estou impressionado com o tipo de líderes deste povoado. Pena que em dois dias não vá sobrar nada dele. Pobre dessa gente que deposita a confiança em vocês. Seria melhor que se matassem agora para não sofrerem.
Olhou nos olhos do subchefe e continuou, mordaz:
– Cuidado para não se cortar com essa faquinha porque ela nunca perde o fio. Vamos embora, Gwydion. – Virou as costas e começou a sair da choupana. – Vamos embora que precisamos descobrir como avançar uns mil e oitocentos anos para o futuro. Se eles fazem tanta questão de morrer, o problema é deles.
Triste e sem qualquer pressa, Igor saiu da aldeia, procurando um local para se orientar.
― ☼ ―
Ao meio dia, Marlon tocou o sino no centro da praça e todos aproximaram-se, curiosos e apreensivos, já que isso era quase sempre prenúncio de alarme.
– Salve, irmãos – começou por dizer. – Nosso chefe e druida ainda não retornou, mas temos uma grave emergência: em menos de dois dias, um grande exército dos romanos vai alcançar-nos.
– O druida estrangeiro não pode ajudar? – perguntou um dos aldeãos. – Onde ele está?
– Ele é um traidor, um bruxo e seu pássaro é um dragão disfarçado – acusou Marlon, agitador. – Ele enfeitiçou Ailin, a filha do chefe. Nós precisamos caçá-lo, prendê-lo e amordaçá-lo. Com ele preso, podemos barganhar com os romanos.
– Onde está Ailin? – perguntou um dos homens. – Eu conheço Ailin muito bem, Marlon, e não estou confiante nesse palavreado. Todos sabemos que ela não pode ser influenciada por bruxaria e que você morre de ciúmes dela.
– Pois eu digo que ele conseguiu – insistiu o subchefe, lembrando-se do passado recente. – Perguntem a Aodh, o ferreiro, que estava junto. Ailin não quis matar o bruxo e voltou-se contra nós, indo atrás dele.
– Ela não parecia influenciada – disse Aodh, convicto –, mas o pássaro do estrangeiro é um dragão disfarçado e ele admitiu isso.
― ☼ ―
Os três ficaram parados, olhando o jovem sair com o pássaro no ombro. Por dentro, Marlon rejubilava. Olhou para a compatriota, que tinha uma lágrima no olho.
– Eu não disse que ele era um bruxo? – insistiu. Pegou a espada e preparou-se para seguir atrás. – Vamos matá-lo.
– Não – ripostou Ailin, triste. – Ele nos mataria antes de chegarmos a cinco passos dele.
– Claro que não vai. – Marlon voltou a insistir, estendendo o dedo. – Você está com a espada dele.
Irritada, Ailin olhou para o subchefe e estendeu a arma do mago, dizendo:
– Tome, se tem tanta certeza que o pode matar. Pegue a arma dele e use-a, mas lembre-se que só ele o libertará da maldição.
Marlon deu um salto para trás, assustado, e Ailin sorriu.
– Sabe – disse, preocupada. – Se ele fosse mesmo um bruxo e poderoso do jeito que é, já estaríamos todos mortos, mas ele apenas me deu a sua espada e foi embora. Ele não precisaria de um exército para nos matar, que droga. Foi embora porque nós o repudiamos quando tudo o que ele queria era ajudar.
– Você está enfeitiçada, mulher – disse, azedo.
Irritada, Ailin agiu sem pensar. Como um raio desembainhou a espada de Igor e ergueu contra o concidadão, parando a um centímetro do seu pescoço. Um som estranho emanou da arma que começou a brilhar, emitindo um leve cheiro de ozônio, algo que eles desconheciam. Apavorado, Marlon deixou-se cair de joelhos.
Ailin ficou algum tempo parada, pensando. Depois, recolocou a espada na bainha e cravou-a no chão, à frente do subchefe.
– Se fosse você, não tocaria nela. – Virou as costas e saiu da cabana. – No fundo, tudo o que ele disse é verdade.
Marlon levantou-se devagar, ainda muito assustado. Aproximou-se da porta e, sem jeito, perguntou:
– Onde você vai?
– Procurá-lo – respondeu com desprezo na voz. – Sem ele, estaremos mortos a menos que meu pai chegue com reforços. Você é um inútil.
Terminou de falar e continuou andando, resoluta.
― ☼ ―
– Nada do que Ailin disse soou como enfeitiçada – continuou o ferreiro, pensativo. – Ela gosta do estrangeiro, apenas isso, e acho que, se ele fosse mesmo um bruxo, já estaríamos mortos como Ailin também falou.
– Ela saiu da aldeia faz meia hora, foi atrás dele – reafirmou, o subchefe. – Está enfeitiçada.
– Isso nada prova – gritou outro. – Isso está cheirando a traição, Marlon. Muitos de nós sabemos que ela rejeitou você.
– Então, quero dez homens que me acompanhem para aprisionarmos os dois – berrou, inflamando a multidão. – Serão interrogados e veremos quem é o traidor.
– Tudo bem – concordou Aodh. – Mas eu vou junto para ter certeza que você não vai cometer uma traição.
― ☼ ―
Igor saiu da aldeia subindo o rio para a lagoa porque desejava banhar-se. No seu ombro, Gwydion disse:
– "Sinto muito, Igor. Esqueci que aqui os dragões não são bem-vistos."
Antes de entrar na água, sentou-se em um rochedo conversando com o amigo, bem tranquilo.
– Deixa pra lá. Se eles são assim, talvez não mereçam ser salvos. De qualquer forma, é provável que o pai dela apareça em breve com Ezequiel e ele libertará os dragões.
– "Acontece que vejo que isso lhe dói, ainda mais por causa da moça."
– Confesso que não sei como enquadrar a garota. A minha mulher é Eduarda e sinto isso com todas as forças do meu coração, mas ela me desarma e admito que preciso de um autocontrole danado, porque às vezes desejo-a com muita intensidade. Até parece que ela é como se fosse Eduarda, sem falar que é demasiado parecida o que é pra lá de estranho.
– "Eu sei o motivo, mas tu terás de descobrir por ti para eu não influenciar o tempo. Agora, um paradoxo poderia ser a pior das coisas" – disse a ave. Mudando de assunto, perguntou. – "Deixaste a tua espada com ela."
– Se eu precisar dela, faço com que venha até mim – respondeu, enquanto despia-se e entrava nas águas calmas do lago, que àquela hora já não estavam muito frias.
Tentou não pensar em nada, embora conversasse com Gwydion por telepatia, que estava em uma árvore. Falavam bastante nos dragões aprisionados e não demorou muito para o pássaro dragão dizer:
– "Temos companhia!"
– "Eu sei, mas fica aí e não apareças que dou conta do recado."
Igor continuou na água, nadando e aguardando o momento propício. Quando a hora chegou, disse para uma moita:
– Não precisas de te esconder, Ailin – sorriu com doçura –, ou tu vieste para me matar? Se é essa a tua intenção, então é melhor ires embora porque não permitirei e eu odiaria ferir-te.
– Não vim para lutar ou matá-lo. – Ela aproximou-se, caminhando tranquila e de mãos nuas, embora portasse uma espada na cintura. – E não se esqueça que deixou a sua espada nas minhas mãos.
– Como sabias que eu estava aqui? – perguntou, curioso.
– Não sei dizer. Apenas sabia que estava aqui, senti isso – respondeu, encolhendo os ombros.
– Bem – Igor voltou a sorrir. – E o que fazias?
– Apenas o observava.
– Apenas observavas? – Ele riu. – Pela minha beleza ou pelos meus atos? Não me acho assim tão belo.
– Você é o homem mais belo que eu já vi, Igor – disse com um suspiro –, e me enche de desejos, mas vim aqui para tentar entendê-lo e...
Ela silenciou, como se fosse difícil falar. Igor, curioso, perguntou:
– E?
– E... pedir... desculpas – disse, tomando coragem. – Você tem razão numa coisa: estamos mal assessorados de chefe, a menos que meu pai chegue a tempo e com ajuda.
– Entender o quê, Ailin. – Igor aproximou-se da margem, sorrindo tranquilo. – Eu sou um pobre coitado que foi atirado quase dois milhares de anos no passado e nem sabe como voltar. Apenas isso. No meu tempo, os dragões são nossos amigos e tudo é muito diferente de hoje.
Ela sentou-se em uma pedra grande à beira do lago e o mago saiu da água. Ele já se acostumava aos hábitos deles, não apresentando problemas com a nudez. Materializou uma toalha e secou-se para depois voltar a envergar as roupas do guardião supremo.
– E o que deseja fazer? – perguntou, olhando para ele com ternura.
– Preciso de voltar para o meu tempo e derrotar a criatura maligna, mas ainda não sei como fazer isso – explicou. Após uns segundos de silêncio, continuou. – Diz uma coisa, a tua intenção é distrair-me para eles atacarem? Por acaso eu mereço tal tratamento?
– Atacarem, tratamento? – perguntou, enrugando a testa e deixando-o um pouco desorientado. – Do que você está falando?
– Há um grupo de onze homens emboscados a toda a nossa volta – disse ele. – Agora a questão é o que vou fazer com eles. Eu não gosto de tirar vidas, mas, pelo jeito, terei de fazer isso.
– Eu vim sozinha...
Ailin não terminou a frase porque foram cercados por Marlon e seus homens. Ela ia sacar a espada, mas Igor segurou seu pulso com firmeza. Depois, olhou para o subchefe.
– Não fui embora como ordenado, Marlon? – perguntou. – Eu não entendo essa obsessão, mas estou começando a ficar irritado e um druida irritado é tudo menos uma coisa agradável.
– Cale-se ou matamos os dois.
Igor decidiu ver até que ponto as coisas chegariam e deixou-se aprisionar. Se ele tinha dúvidas quanto à garota, estas deixaram de existir quando ela foi amarrada e amordaçada do mesmo jeito que ele. Obrigaram ambos a caminhar até à aldeia, mas Igor, no cominho, dissolveu as mordaças e sorriu.
– Quero ver você explicar isso para o meu pai, Marlon – disse Ailin, furiosa. – Ele vai matá-lo na frente de todo o mundo.
– Se quiseres, Ailin, posso transformá-lo numa minhoca ou num sapo – disse Igor, provocante.
– Quem tirou a mordaça deles? – perguntou o líder, furioso. Como todos negaram, concluiu quem foi e disse. – Se você tirar a mordaça de novo, será morto aqui mesmo.
– Por quem, covarde? – perguntou o mago. – Nem comigo amarrado e amordaçado serás pário para mim. Eu vou dissolver toda e qualquer mordaça.
Furioso, Marlon ergueu a espada disposto a matá-lo e Ailin deu um grito angustiado, mas nada aconteceu, porque Aodh o impediu, dizendo:
– Nem se atreva – ameaçou, entrando na frente. – Você bem sabe que terá de provar tudo o que disse ou será morto por nós. Encoste um dedo neles e eu mesmo me encarrego de você.
Emburrado, ele deixou os dois em paz, ainda mais que não era páreo para o ferreiro. Na aldeia, foram levados para a praça central, onde ainda estavam todos os aldeãos. Eles abriram caminho e o par foi empurrado para junto da árvore. Marlon colocou quatro homens da sua irrestrita confiança atrás do casal, de armas em punho.
– Se você tentar alguma bruxaria, será morto sem qualquer aviso, ouviu?
– E tu ousas erguer contra mim uma espada que eu próprio forjei, covarde? – Igor levantou a voz. – Tratas assim o druida que se ofereceu para ajudar toda a aldeia?
– Silêncio, bruxo – gritou ele, irritado. – Agora diga para todos quantos soldados vêm aí?
– Primeiro exige silêncio e agora quer que eu fale. – Igor deu uma risada. – Mas que sujeitinho incoerente!
– Fale logo – berrou. – Quantos homens vêm?
– Segundo as observações que Gwydion fez, são uns dez mil homens – disse o jovem, encolhendo os ombros. – Um angu danado de ruim. O que mais queres saber?
– Quem mais vem, além dos soldados?
– Ainda segundo Gwydion, há um grupo aproximado de cento e sessenta dragões e outro tanto de bruxos que os controlam, por quê?
– E Gwydion é um dragão, correto?
– Gwydion não está sob influência dos bruxos – afirmou Igor, taxativo. – Ele é um dragão, mas também é meu amigo e companheiro.
– Onde ele está?
– Onde tu não podes chegar, tolo. – Igor riu. – Gwydion patrulha a região a meu pedido.
– O que faremos? – questionou um deles, aflito. – Lutar contra um dragão já é o fim do mundo, imagina um bando desse tamanho.
– Vamos trocar a vida do bruxo pela nossa.
Igor começou a rir a bandeiras despregadas, voltando a enfurecer Marlon, que perguntou:
– Qual é a graça?
– A graça, caro covarde – disse, provocador – é que esses bruxos nem sabem que eu existo e vão-me considerar tão inimigo quanto vocês, mas o mais engraçado mesmo é que os meus poderes já voltaram com toda a força e nem mesmo um bando dez vezes maior do que vocês pode me dominar.
Terminando essas palavras, o jovem deu um passo para o lado, abraçando Ailin e envolvendo ambos com uma barreira de energia azul. Quando os quatro guardas e Marlon se atiraram a ele e o atingiram com as espadas, foram jogados para trás com um choque violento, ficando atordoados. Da multidão que assistia aquilo, sons de espanto foram ouvidos.
Igor girou a mão para os guardas e eles foram arrebatados por uma ventania tão forte que começaram a rodopiar enquanto sacudiam os braços e pés, desesperados e tentando parar os movimentos giratórios. O remoinho persistiu até que Marlon se levantou do chão. Nesse momento, o mago fez um movimento de mão, como se estivesse a remover pó do ombro, e os guardas foram jogados para o chão, só que um tanto afastados. Tentaram erguer-se, mas tudo o que conseguiram era vomitar e ficar de quatro, muito tontos e enjoados.
Marlon pegou a espada e Igor, sem que soubessem como, fez surgir a sua na cintura, desembainhando-a e apontando para o antagonista.
– Vamos lá, seu covarde – disse ele. – Agora somos apenas nós. Desafio-te para um combate pelo poder.
Igor ergueu a voz e disse para que todos ouvissem:
– Eu, Igor, o druida, desafio Marlon, o covarde, para uma luta. Se ele perder, serei o novo líder até à chegada do vosso chefe.
Furioso, o subchefe ergueu a espada e atacou, mas o jovem estava preparado e apenas bloqueou o avanço com um movimento elegante. A espada dourada brilhava e, quando as armas tilintaram, a lâmina do celta explodiu em pedaços enquanto ele se contorcia cheio de convulsões intensas. O jovem avançou com a espada em riste, parando a ponta na garganta do adversário, que caiu de joelhos, derrotado.
Em meio aos murmúrios, Igor virou-se para os aldeãos e disse:
– Eu derrotei o vosso chefe em exercício e serei o chefe até à chegada do pai de Ailin. Para começar, quero anunciar que a minha paciência esgotou-se e matarei sem piedade o próximo que tentar fazer mal a mim ou Ailin, entenderam?
– Sim, Igor, nosso chefe – responderam todos.
– Ótimo. Agora precisamos de nos preparar para enfrentar os invasores. Quantos de vocês sabem manejar uma espada?
Muitos ergueram os braços e Igor pediu que fossem para um lado, contando quase trezentos homens e algumas mulheres.
– Eu vou forjar cem espadas para os melhores de vocês – continuou. – Não conseguirei fazer mais porque até os meus poderes têm um limite e vou precisar descansar, depois disso. Os demais precisam de se virar com as armas que temos na vila. As mulheres, velhos e crianças – Igor montou uma imagem tridimensional da região e eles viram-se como se protagonizassem um filme, maravilhados –, vão embrenhar-se nas matas e esconder-se nas árvores, mas antes deverão recolher muita lenha e colocar nestas casas.
Igor apontou os locais, fazendo a imagem movere-se. Depois, mostrou e posicionou os guerreiros em pontos estratégicos, metade deles escondidos, prontos a atacar os flancos.
– Assim – continuou – se os romanos conseguirem entrar na aldeia, incendiamos estas casas e eles ficarão impossibilitados de avançar.
– E os bruxos com os dragões? – perguntou um dos aldeãos, com a voz tímida. Igor ficou calado quase um minuto, até que disse:
– Os bruxos, estou certo que posso derrotar todos sozinho, mas mais de cem dragões, não. Para piorar tudo, Gwydion precisará ficar afastado para que os bruxos não o enfeiticem. Eu acho que vou conseguir alguma coisa, mas a menos que o vosso chefe apareça com mais druidas para ajudar, não sei como será. Precisamos confiar na sorte. Vamos ao trabalho?
Os homens dispersaram e começaram a fazer o combinado porque eram muito organizados. Acompanhado de Ailin e Aodh que passou a gostar muito dele, Igor começou a forjar as cem espadas de aço que, à medida que ficavam prontas, iam de imediato para os seus destinatários.
Quando acabou, Igor juntou os soldados que tinham espadas e começou a ensinar alguns rudimentos da esgrima moderna com um certo sucesso. Os homens treinavam de forma exaustiva enquanto as casas escolhidas eram esvaziadas dos pertences e preparadas para o sacrifício.
Quando já estava bem tarde, quase anoitecendo, Gwydion pousou no ombro do mago e disse:
– "Eles devem chegar apenas no meio da tarde de amanhã. Sinto que a atmosfera está muito boa. Todos estão preocupados, mas satisfeitos com a tua liderança."
– Então vou pô-los a descansar – respondeu. Ergueu a mão e gritou. – Celtas, aproximem-se. Os romanos, segundo as últimas observações, só chegarão amanhã a meio da tarde. Então, quero que agora parem tudo e descansem. Amanhã treinaremos mais, pois não adianta ir para a guerra cansado.
– O banquete aguarda, ó Igor, nosso chefe – disse uma garota formosa que não devia ter mais de dezesseis anos. – Venham.
– Banquete?
– Sim – explicou Ailin. – Sempre que temos uma guerra, celebramos um banquete no dia anterior porque sabemos que muitos não voltarão. Vamos?
Ela sorriu e ofereceu a mão. Igor não resistiu e correspondeu ao sorriso, acompanhando-a para a praça. Em algumas valas com fogueiras e de forma quase igual a um fogo de chão gaúcho, vários javalis eram assados e dois bardos tocavam e cantavam para alegrar os comensais. Igor fez surgir uma luz forte na praça.
Todas as desconfianças tinham acabado de vez ao longo do dia e a população olhava para ele com alegria e esperança, porque sabiam com toda a certeza de que as chances eram pequenas; mas, sem ele, seriam nulas.
― ☼ ―
De manhã cedo, o jovem levantou-se e foi nadar no lago, acompanhado da Ailin. Quando retornaram, tomando um café que ele fez surgir do nada, pensava em um modo de lutar contra os dragões, mas não conseguia chegar a uma conclusão.
Os homens treinavam por si e as mulheres levavam para dentro da floresta tudo o que podiam salvar no caso da aldeia ser saqueada.
Igor estava de tal forma concentrado que chegou a se assustar quando uma mão forte lhe pesou no ombro. Virou-se para ver o homem que o chamou e viu Ailin com uma pessoa, um sujeito que ele conhecia muito bem, apesar de agora estar bem mais jovem.
– Igor – começou ela. – Este é meu pai...
– Ezequiel!? – interrompeu, espantado. – O senhor é celta com um nome judeu?
– Minha mãe foi salva por um homem que se chamava Ezequiel e deu-me este nome em sua homenagem, contudo, não me lembro que o já ter visto antes, filho.
– Minha nossa... – começou o jovem, rindo. Acalmou-se e continuou, falando com naturalidade. – Ezequiel, o senhor ainda não me conhece, mas já o conheço muito bem. Depois que a confusão passar, explicarei tudo. Agora, é preciso que o senhor saiba que existe um exército enorme vindo para cá e que temos muito poucos elementos para o enfrentar.
– É justo. – Ezequiel sorriu. – Já sei do exército e minha filha disse que você está disposto a lutar conosco e que é um druida muito poderoso.
– Sim, lutarei para ajudar – confirmou o jovem. – Isso que temos pela frente é bem complicado.
– Então os romanos tomaram a decisão, acho que manipulados pelos bruxos.
– Quantos druidas angariou para a causa?
– Apenas dezesseis – confessou, preocupado. – E há quase dez vezes mais bruxos lá.
– Daremos conta – respondeu Igor. Falando mais baixo, perguntou. – Onde está o dragão? É melhor mantê-lo longe daqui por causa dos bruxos.
– Que dragão!?
– Não tem um companheiro dragão? – perguntou Igor.
– Não! – respondeu, atônito. – Deveria?
– Pois terá um em breve. – Igor riu. – Tem alguma ideia do que vamos enfrentar?
– Já me puseram a par – respondeu Ezequiel. – Ando a trabalhar numa forma de anular os efeitos do controle sobre os dragões e acho que consegui.
– Explique-me como se faz que ajudarei. – Igor notou que, naquele tempo a magia era empírica e nada científica, mas funcionava do mesmo jeito. Aprendeu bem rápido e depois refizeram parte da colocação das tropas já que agora eram dezoito druidas ao todo.
No início da tarde, o pequeno vilarejo viu a sombra no horizonte. Dez mil homens, um número assustador frente ao grupo que ali estava para se defender e a coisa ficava ainda pior quando se falava dos bruxos, a maior parte deles de primeiro grau, e do bando de dragões.
Gwydion permanecia na mata, escondido da frente de batalha a pedido do Igor para que ele não se transformasse em mais um vassalo dos bruxos. Como previsto, os soldados iam à frente em formação de cunha. Enquanto caminhava ao longo das linhas defensivas em uma última revista, o jovem viu Ailin de espada em punho, enérgica. A moça usava uma arma que o mago forjou sob medida para ela, onde teve o cuidado de criar o equilíbrio e peso adequados a uma mulher do seu porte. Sorriu-lhe.
– Pretendes lutar na frente? – perguntou. – Vai para a linha de fundo proteger a aldeia.
– Eu sou Ailin, a filha do chefe e lutarei até à morte se for preciso – disse orgulhosa. – Não ficarei atrás. Se for para morrer, morrerei levando alguns romanos comigo.
– Boa sorte, minha bela Ailin. – Igor continuou caminhando, seguido pelo olhar dela. – Que a Deusa te proteja.
A meio da tarde as tropas estavam a menos de quinhentos metros da aldeia. Na frente do grupo, Igor e Ezequiel permaneciam parados, aguardando, e os dezesseis magos que vieram para ajudar foram distribuídos ao longo da defesa na linha de fundo. Como que movidos a um só comando, os druidas cravaram os bordões no solo bem às suas frentes. Feixes de luz azul começaram a subir pelos cajados e criaram uma abóboda de energia, um escudo enorme.
Os romanos começaram com a sua tática de intimidação, marchando com os escudos na frente e as espadas martelando-os de forma a fazer um barulho que enervasse. Decidido a dar a troco, Igor começou a bater palmas à razão de uma por segundo. Cada vez que as mãos do mago se tocavam, um trovão enorme ecoava nos céus e relampados singravam delas para as nuvens.
Nervosos, os romanos reduziram a marcha, olhando para cima assustados. Ezequiel adorou a ideia e acompanhou Igor, ampliando o efeito de intimidação. Nesse momento, todos os aldeãos começaram a bater palmas na mesma cadência e, embora não produzissem quaisquer trovões porque os demais druidas preocupavam-se apenas em manter as defesas ativas, os romanos vacilaram.
Para lhes dar coragem, as forças de trás usaram as catapultas e começaram a atirar pedras que voavam em direção à aldeia, mas a barreira mágica era suficiente para as segurar e repelir, como se fosse uma cama elástica.
Ezequiel, com o bordão na mão e já brilhando, permanecia parado apenas trinta metros à frente da vanguarda com Igor ao lado, vestido com a roupa tradicional e a espada na cintura. O mago olhou a própria capa e achou mais apropriado trocar a cor. Diante do murmúrio de espanto de dezenas de homens, ela ficou rubra, o vermelho do Guardião da Guerra e da Segurança. Parou de bater palmas e aguardou, junto com o amigo.
Agora os inimigos estavam a apenas cem metros e o jovem ergueu a sua barreira pessoal, enquanto Ezequiel fazia o mesmo com o bordão, que espetou no chão bem à sua frente.
As pedras eram atiradas em grande quantidade, mas também algumas bolas de energia ganhavam altura, vindas dos fundos da fileira inimiga. Igor ergueu a espada, que brilhava como ouro, e raios saíram dela rebentando as esferas dos bruxos, muito mais fracas que as suas. Começou a correr em direção aos romanos e isso foi o sinal para o povoado atacar. Cento e cinquenta homens avançaram, berrando, e desta vez os romanos preocuparam-se ainda mais, pois nunca imaginaram que os celtas fossem opôr resistência e muito menos tomar a iniciativa do ataque. Os magos não saíram do lugar, lutando com os poderes da mente.
O bordão do Ezequiel transformou-se na grande espada vermelha, já conhecida de Igor, e ele avançou sobre os romanos, empunhando-a e lutando de forma intensa e selvagem, sempre protegido com a barreira pessoal. Tudo o que aparecia à sua frente era trespassado e isso baratinava parte das linhas de ataque. O primeiro desastre ocorreu quando os bruxos lograram anular os poderes de alguns druidas e parte das tropas inimigas conseguiu penetrar no povoado. De acordo com o planejamento estratégico, as forças de reserva entrincheiradas na cidade entraram em ação e eliminaram os invasores, mas tiveram algumas perdas, embora poucas e nesse momento agradeceram à Deusa por haverem tido dois druidas maravilhosos nos preparativos.
Alertado por Gwydion que voava sobre o bosque quinhentos metros atrás das linhas de combate, Igor ergueu-se ao ar, retornando para os fundos de forma a ajudar os druidas a restaurarem a barreira defensiva. Dali de cima, disparou duas bolas de plasma na horda que avançava, provocando uma forte explosão no centro das fileiras inimigas que foram obrigadas a dispersar. Lá, tudo o que ficou foram duas crateras pequenas, vitrificadas. O inimigo viu isso e Igor passou a ser o principal alvo dos ataques dos magos, facilitando a luta para a população. Várias bolas de fogo atingiam-no, sem efeito, e ele começou a avançar pelo ar, envolto naquela luz esverdeada e assustadora.
O problema maior surgiu nesse momento, porque os dragões receberam ordem de atacar. Eles estavam disfarçados nos diversos animais domésticos que acompanhavam as tropas e metamorfosearam-se muito rápido, batendo as asas e ganhando altura.
Igor sabia que todos poderiam sucumbir ao ataque de tantos gigantes desses, mas a última coisa que desejava era feri-los, até porque seu poder talvez matasse dois ou três, mas o resto acabaria com toda a aldeia. Pousou na linha de frente e gritou para o amigo e os demais druidas:
– Ezequiel, procure libertá-los enquanto vou tentar contê-los. Os outros druidas devem fazer o possível para atrapalhar os bruxos e os soldados vão pra cima dos romanos. Força, gauleses, pela liberdade.
Motivados por Igor, os aldeãos bradaram o grito de liberdade do líder e avançaram sobre os romanos com um rugido e, quando os dragões já estavam demasiado perto, o jovem usou o mesmo ataque que Ezequiel fez nele quando estavam no castelo da Sabedoria Ancestral. Aplicando toda a sua força, bateu as palmas das mãos provocando um pequeno ciclone naquela região e bem direcionado.
Um raio clareou o céu e o solo tremeu com o potente trovão que se sucedeu. Logo a seguir, aquela área foi atingida por um tornado tão violento que os dragões retornaram, varridos para longe e tendo que pousar aos trancos, impossibilitados de voar. Perto dele Ezequiel gritou, desesperado:
– Não consigo, Igor, a minha força é insuficiente. Ajude-me.
O jovem mago não se fez de rogado e abandonou tudo para auxiliar o amigo de outras eras. Saltou para o seu lado e pôs a mão no ombro dele, canalizando a própria força e multiplicando a do Ezequiel de forma absurda. Os demais druidas tentavam manter o bastião, mas começaram a fracassar e os romanos avançaram matando alguns aldeões, mas também morrendo às dúzias porque nada do que eles tinham era pário para as espadas de aço forjadas pelo mago.
Sem Igor para manter o furacão, os dragões ganharam os céus de novo e prepararam-se para atacar com os seus espirros ígneos, mas Igor arriscou tudo e manteve a sua energia canalizada para o chefe dos druidas, correndo o risco de serem todos mortos e a cidade destruída.
– "Está funcionando" – disse Gwydion, que sentia os pensamentos dos dragões. – "Sinto o elo com os bruxos enfraquecer, Igor. Assim que se libertarem de vez, chamá-los-ei para mim."
Os esforços em conjunto principiaram a surtir efeito e os dragões, que iam recomeçar os rasantes mortais, vacilaram e ficaram livres da influência nefasta dos bruxos. Ainda desorientados, seguiram os gritos mentais do Gwydion, que os chamou para longe da batalha e da influência maléfica.
Ezequiel e Igor, agora livres da tarefa mais árdua, dividiram-se e o primeiro foi reforçar as defesas enquanto o segundo foi dar cabo dos bruxos, disparando as suas esferas energéticas e abrindo caminho para a linha de fundo.
Encontrou os magos do mal concentrados em uma massa compacta, canalizando as energias. Metade sustentava um poderoso escudo de proteção e o restante criava a maior bola plasmática que Igor já vira.
O mago imaginou se era capaz de enfrentar aquilo e concluiu que sim, embora com algum perigo. Por isso, quando a bola foi arremessada, ele não esperou que ela colidisse com a barreira pessoal. Enviou uma pequena esfera energética capaz de anular o balão de fogo, porém, de forma explosiva, e provocou a sua eclosão em cima deles, que se encolheram assustados e só não morreram por causa da barreira.
Ezequiel apareceu ao seu lado, sorrindo e apontando para o inimigo. O jovem fez sinal com a cabeça e eles arremessaram três esferas terríveis que possuíam a temperatura de um sol dentro. A barreira dos bruxos ruiu no ato e as bolas explodiram, matando todo o grupo. A cratera que se formou foi imensa e o solo tremia à medida que ela se expandia, parando apenas a poucos metros dos dois magos.
Com aquele estrondo absurdo, o exército imperial virou-se para trás. Estavam reduzidos à metade e, sem a ajuda dos bruxos, sabiam que jamais venceriam com aqueles druidas do outro lado. Isso foi todo o incentivo de que precisavam para saírem em uma correria desabalada, cada qual tentando salvar a própria pele.
Como não era hábito de nenhum deles atacar os homens desarmados pelas costas e os romanos haviam abandonado tudo pelo caminho, deixaram-nos ir, enquanto gritavam a vitória com entusiasmo.
Ezequiel foi erguido pelos compatriotas e levado para o centro da aldeia em meio a uma grande ovação, mas Igor deixou-se ficar para trás, preocupado porque tinha uma sensação muito ruim.
Aproveitou para caminhar pelo campo de batalha de forma a ver se encontrava alguém vivo e ferido que precisasse de ajuda, independente de ser celta ou romano.
Foi nesse momento que um corpo feminino despertou a sua atenção, porque ainda tremia e respirava com dificuldade. Com o maior cuidado, virou a moça de lado e reconheceu a filha de Ezequiel, moribunda. Sentindo um nó na garganta e louco de pressa pegou nela ao colo a começou a correr. Desmaterializou-se no segundo passo para reaparecer no centro da aldeia.
Tão logo os aldeãos viram de quem se tratava, o silêncio foi total e abriram caminho para o pai, que ficou estático, cheio de lágrimas nos olhos.
– Minha filha – murmurou, angustiado.
Igor pousou seu corpo sobre uma mesa e rasgou a roupa na região do ventre procurando ver a extensão da ferida que era enorme e fatal. Muito fraca, ela abriu os olhos:
– Você lutou como um grande guerreiro, Igor, e eu amei-o muito por isso. Diga apenas uma coisa: vencemos?
– Sim, Ailin, vencemos. Os romanos fugiram, os bruxos estão mortos e os dragões livres da influência maléfica.
– Então a minha morte não terá sido em vão e posso partir em paz. Queria que você me desse um beijo.
Ele abaixou-se e fez o que ela pediu, ficando muito abalado pois sentiu como se tivesse beijado Eduarda.
– Obrigada – disse com a voz bem fraca. – Só tenho pena de não ter tido a coisa que eu mais queria na minha vida...
Igor já não ouvia nada, porque tentava usar os seus poderes para salvar a moça, mas sentia que a perdia aos poucos porque até mesmo aqueles dons tinham limites. Gwydion, que "ouvia" tudo, disse:
– "Nós podemos salvá-la, Igor" – explicou. – "Os dragões são quase imortais e a nossa essência pode restaurar a vida, mas precisamos de fazer isso em doze elementos e tem que ser agora. Eles estão dispostos a ajudar os seus salvadores."
– Então venham, Gwydion – pediu, sentindo a vista turva com as lágrimas que segurava – salvem-na, pelo amor de Deus. Eu nunca devia ter permitido que ela lutasse na linha de frente, pobre Eduarda!
– "Estamos a caminho, acalma a população."
– Os dragões estão vindo para cá ajudar – gritou para a aldeia toda –, não os ataquem e abram caminho. Os dragões vêm para trazê-la de volta, saiam do caminho. E quem puder, que vá para o campo procurar mais feridos.
O primeiro a chegar foi Gwydion. Mal tocou o piso, o pássaro começou a metamorfosear em frente aos olhos esbugalhados dos celtas. Em menos de um minuto, ele era um gigantesco dragão ao lado de outros onze que fizeram um círculo em volta da moça.
Ninguém conseguia ver o que ocorria, mas o fato é que, dois minutos depois, afastaram-se e Ailin sentou-se sobre a mesa sem uma única marca no corpo exceto a roupa rasgada e suja de sangue.
– Minha filha. – Ezequiel apertou-a com força. Virou-se para os dragões e disse, colocando um joelho no chão. – Não tenho palavras para agradecer o que fizeram. Ela é tudo para mim.
– "Não precisa agradecer. Se não fosse o senhor, eu e meus irmãos ainda estaríamos cativos daqueles monstros e espero que nos perdoem o que fizemos no passado, porque não respondíamos por nós. Nossa espécie é reduzida e a perda de um par é muito dolorosa. Para vocês os dois, nosso mundo estará sempre aberto, mas agora iremos embora porque o seu povo ainda é muito primitivo para conviver conosco. Quando descobrimos o seu mundo, gostamos imenso de vocês, em especial a vitalidade e energia criativa da sua espécie e por isso ficamos aqui, entre outras coisas com intenção de aprender e ensinar, mas ainda é demasiado cedo para a sua raça. Vocês precisam de superar os sentimentos individualistas e aprender algo mais. Venham visitar-nos, quando quiserem, que serão bem-vindos, mas apenas vocês os dois."
– Obrigado – começou Ezequiel –, mas talvez não nos vejamos tão cedo porque matamos os druidas de primeiro nível, que foram os que se tornaram bruxos e apenas eles conseguem passar pelos planos, mas quem sabe no futuro, quando nascerem outros.
– "Nesse caso, como prova de amizade pelo que nos fez e para ajudá-lo na sua jornada, um de nós ficará consigo enquanto os seus interesses forem pelo bem comum e sua essência habitar esse corpo."
– Agradeço por tão valiosa ajuda – disse Ezequiel, olhando Gwydion voltar a ser um pássaro e pousar no ombro do Igor.
O líder dos dragões aproximou-se dele, baixando a cabeça até ficar na sua altura.
– "Quanto ao senhor, amigo do futuro, Guardião dos Guardiões, Mestre dos Mestres, batalhou como um bravo, mas agora precisa de lutar para encontrar o caminho de volta. Em todas as centenas de milhões de anos da nossa existência nunca nos deparamos com fenômenos de controle temporal, contudo, a resposta deve estar encerrada na sua mente. Foi de lá que o seu inimigo retirou a informação. Se nada der certo, pode contar com o nosso apoio, mas o senhor já sabe disso."
– "Obrigado, meus amigos" – disse Igor, sorrindo. – "Abrirei um portal para o vosso mundo e assim não precisarão de perder tempo atravessando os vários planos."
Perante o olhar incrédulo da população, os dragões, exceto o que ficou para acompanhar Ezequiel e Gwydion, alçaram voo com Igor flutuando junto a eles e à sua frente. A trinta metros de altura, fez um gesto com a mão e um rasgão enorme formou-se à sua frente. Era grande o suficiente para permitir a passagem dos gigantes alados que iam em fila indiana, mas também permitia aos cidadãos verem a paisagem do mundo dos dragões, naquele momento iluminado apenas de vermelho. As gigantescas criaturas dos céus atravessaram a fenda e desapareceram da face da Terra.
Igor fechou o portal e retornou ao solo, começando logo a ajudar na procura dos feridos para que pudessem tentar salvá-los. Encontraram doze celtas vivos, mas em péssimo estado, e trinta mortos. Entre os romanos salvaram apenas dois soldados, porque as espadas de aço eram demais para as fracas couraças deles.
Uma vez cremados os mortos e tratados os feridos, os celtas organizaram as festividades que durariam dois dias. Ailin não perdia uma única oportunidade de ficar perto de Igor. Ela respeitava a escolha dele, mas fazia questão de estar sempre ao seu lado e isso de alguma forma agradava o guardião supremo que, desde aquele beijo, ficou tão confuso que ainda nem sabia direito o que pensar disso tudo.
― ☼ ―
No meio das festas, o jovem mago afastou-se da praça central com discrição porque desejava um pouco de sossego a sós e a população fazia questão de o agradar tanto que não o deixava em paz. A aldeia era pequena, uns trezentos metros de diâmetro, e havia outros locais abertos, sendo toda ela muito arborizada e quase à beira de um bosque.
Em frente à cabana da Ailin, a mesma onde ele vivia naquele curto período, encontrou uma árvore perfeita para o seu intento, que era encostar-se a ela e meditar harmonizado com a natureza.
Triste, tentava desvendar como poderia sair daquele tempo e retornar ao século XXI. Ele acabara de fazer história, uma história importantíssima para os magos e jamais imaginou tal possibilidade, mas isso era algo que nem o preocupava porque tudo o que desejava era voltar para Eduarda e salvá-la da criatura, mas, para sua infelicidade não fazia a menor ideia de como alcançar o seu objetivo.
Os seus devaneios foram interrompidos por Ailin, que apareceu e sentou-se ao seu lado, levando um copo de madeira cheio de vinho fresco. Igor agradeceu com um sorriso e ela comentou:
– Você é mais poderoso que todos os druidas juntos, Igor, e nem mesmo o meu pai tem tanta força. De onde veio, afinal? No futuro são todos assim?
– Eu nasci muito longe daqui, em outro continente que ainda é desconhecido – explicou. – Muitos séculos vão ter que passar até que seja descoberto. Pelos meus cálculos, estou deslocado mais de mil e oitocentos anos no passado.
– Tudo isso? – Ela arregalou os olhos, mas aí um pensamento novo surgiu na sua mente, um pensamento que a encheu de esperança. – Isso quer dizer que você está preso a este tempo?
– Até descobrir como voltar, estou sim – respondeu um tanto pensativo. – Apesar de toda a ciência da minha época ainda não se dominam as viagens no tempo. Temos de tudo, até máquinas que voam pelos céus e outras que nos levam para a lua, mas não há viagens no tempo. Até agora não entendi como ele me jogou no passado!
Ela ficou calada um tempo, imaginando o mundo dele, até que disse:
– Se não puder voltar... bem... eu... – Ailin gaguejava e Igor entendeu muito bem, sorrindo. Tomou coragem e continuou. – Eu gostaria de saber se podíamos ser companheiros, caso não pudesse voltar para ela.
– Sabes, Ailin – delicado, ele pegou a sua mão –, és tão bela e gentil que tenho a certeza de que seria feliz ao teu lado. No dia em que eu descobrir que não poderei mais voltar, prometo que serei teu companheiro: mas, pelo bem da humanidade, eu preciso de conseguir voltar.
– Como ela é? – perguntou a garota. – É bonita? Gostaria de saber.
– Isso é muito fácil de veres. Na verdade, tu e ela podiam ser irmãs, de tão parecidas que são. – Igor sorriu e pegou o seu telefone do bolso. Abriu a galeria e mostrou uma foto dela na universidade.
– Que mágica é essa? – perguntou, impressionada, olhando o aparelho.
– Não é mágica, Ailin. – Divertido, ele tirou uma foto dela e mostrou-a. – Este aparelho é uma invenção do meu tempo e serve para fazer muitas coisas, inclusive falar com outras pessoas por seu intermédio.
Curiosa, observou as imagens na tela do aparelho e comentou:
– Ela é mesmo muito parecida comigo. A grande diferença é apenas a cor dos cabelos!
– Sim, vocês são parecidas demais, tirando os olhos e os cabelos. Se tu pintasses os cabelos, ficariam quase iguais.
– Pintar o cabelo? – Ela enrugou a testa e, cada vez que fazia tal coisa, ele babava-se todo porque ficava idêntica. – É possível fazer isso?
– Bem, agora não, mas, no futuro, qualquer um poderá fazer isso. Eu poderia mudar a cor dos teus cabelos. Queres?
– Não. Mostre-me ela de novo – pediu. Igor voltou a apresentar a fotografia da noiva. – Ela é muito bonita, só que vocês usavam umas roupas estranhas e umas casas mais estranhas ainda. Como é o nome dela?
– Eduarda – respondeu, tomando um gole de vinho. – Isso não é uma casa de se viver. É uma universidade, um lugar onde se ensina para as pessoas todo o conhecimento da humanidade.
A moça ficou algum tempo a olhar para a imagem, até que a tela foi escurecendo devagar acabando por se apagar. Ergueu os olhos para o mago e tomou uma decisão.
– Igor. – Virou-se pra ele e pegou as suas mãos. – Eu desejo de todo o coração que encontre seu caminho de volta e seja feliz. Claro que eu ia adorar viver com você e daria tudo por isso, mas, se encontrar o seu caminho de volta, quero que seja feliz. Apenas desejo que me prometa uma coisa.
– O que desejas?
– Primeiro prometa.
– Ailin. – Igor sorriu e fez-lhe uma carícia no rosto. – Quando um mago faz uma promessa, é obrigado a cumpri-la. Isso é algo muito sério, então eu digo o seguinte: se não for prejudicar ninguém e não me impedir de retornar, eu prometo.
– Obrigada. – Ela riu, batendo as palmas das mãos. – Como estou feliz em saber que agora vou ter o que eu mais desejo na minha vida.
– Bem, já que eu prometi, que tal dizeres o que desejas? – perguntou, bebendo um pouco de vinho.
– Eu vou querer um filho com você.
Nos primeiros dois segundos as palavras dela não fizeram o devido sentido, mas, depois, ele deu-se conta da confusão que arranjou. Como não era possível falar, respirar e beber ao mesmo tempo, Igor engasgou-se e tossiu até não aguentar mais. Com os olhos lacrimejando e a risada mental do Gwydion, disse, ainda arfando:
– Isso foi golpe baixo.
– Eu quero um filho, apenas isso. Se você não puder ficar, terei o nosso filho para lembrar. Afinal, se ela ainda nem existe nem sequer é traição, não acha?
– Isso é uma questão de semântica. Muito bem; eu prometi e cumprirei, mas não pode ser agora porque não estás fértil e não pretendo ficar a fazer isso todos os dias. Estaria traindo os meus princípios, exceto se não pudesse retornar. – "Minha Deusa, como as duas são parecidas!" – pensou. – "Podiam até ser a mesma pessoa!"
Ezequiel aproximou-se e sentou com o par, contente.
– Igor, ainda não agradeci a sua ajuda – comentou. – Sem você, acho que teríamos sido derrotados pelos bruxos e os dragões, porque os outros druidas são muito fracos.
– Não precisa agradecer, Ezequiel. Fiquei muito feliz por ajudar.
– Será que o dragão que ficou comigo pode assumir uma forma discreta? – perguntou o druida. – Como o pássaro?
– Claro – Igor riu – peça-lhe que se transforme em um cão e acho que o deverá chamar de Saci.
– Por quê?
– Em cerca de dezoito séculos, nós dois vamo-nos encontrar em outro local e assim será.
– Onde?
Igor levantou-se e pegou as mãos de ambos, pai e filha. Um aldeão que passava arregalou os olhos ao ver o trio desaparecer de súbito, como se nunca tivessem estado lá.
Surgiram no meio do ar e Ailin agarrou-se a ele, gritando apavorada. Ezequiel, que era capaz de fazer o mesmo com o seu bordão, não se assustou. Quando o medo foi vencido pela curiosidade, a garota olhou em volta.
Estavam em uma cordilheira verdejante onde no vale a mais de cem metros abaixo uma densa floresta preenchia quase tudo, separada pelo rio no fundo.
– Daqui a mil e trezentos anos um povo bem ao sul do vosso povoado vai descobrir este continente e colonizá-lo. Quinhentos anos depois disso, será quando eu nascerei e aqui haverá uma nação gigantesca, mas este vale permanecerá intocado e mantido como uma enorme reserva natural. Será aqui que o encontrarei e você me salvará, Ezequiel. Nossas vidas estão muito interlaçadas.
– Este lugar é lindo – disse ele –, e eu sei que vou viver muito, mas considerando que tenho quase trezentos anos, significa que terei dois milênios de vida?
– Exato, Ezequiel, mas agora a sua missão é liderar os druidas e unificá-los antes que os mundanos, como passarão a chamar as pessoas comuns, os matem. A partir dos próximos anos, os romanos vão-se tornar muito mais fortes e a nova religião tomará conta do mundo civilizado. Os celtas quase que deixarão de existir, serão dizimados ou dissolvidos em outras culturas e os cristãos vão declarar guerra aos druidas e diversos povos, a menos que você os lidere para outro mundo e o transforme na nossa pátria, o mundo de todos os magos, como os druidas e sacerdotisas passarão a ser chamados em breve. – Igor transportou-os de volta.
No local onde estavam antes de saírem, alguns druidas tentavam compreender o estranho fenômeno do desaparecimento dos três quando estes ressurgiram, provocando murmúrios entre os aldeões.
Igor continuou, levantando a voz para todos os que ali apareceram:
– Vocês escutem bem: Ezequiel será o vosso grande líder e, pelo seu bem, devem segui-lo sem o contestar ou serão todos exterminados pelo inimigo. – Ergueu a mão, apontando para o amigo que ficou vestido como Igor, com a capa branca e tudo. – Agora, Ezequiel, o Guardião Supremo é você. Eu precisarei de esperar dezoito séculos.
A sós, apenas os dois e os respectivos dragões, Igor contou a sua história, omitindo apenas as partes irrelevantes ou muito pessoais, em especial as que pudessem gerar paradoxos do tempo. Finalizou dizendo:
– Eu preciso de voltar para o meu tempo e salvar o mundo. Lembre-se sempre de uma coisa: se eu morrer ou falhar, você tem que tentar caçar e destruir o demônio preto. Os dragões ajudarão.
Ezequiel olhou para a filha ao longe e afirmou:
– Ela está muito apaixonada por si, mas vejo com clareza que o seu coração já pertence a outra pessoa.
– Ela é muito bela e doce – comentou Igor, distraído –, mas também é bastante esperta, impulsiva e apanhou-me em uma bela armadilha.
– O que houve?
– Ela me fez prometer algo.
– Sim, mas o quê?
– Ela me fez prometer que, se eu não ficasse, lhe daria um filho meu.
– Ela fez isso? – Ezequiel deu uma gargalhada homérica, estrondosa. – Você, um grande e poderoso druida caiu nessa armadilha? Bem, acredito que não seja algo assim tão difícil. Ela sonha com um filho há tanto tempo que nem lembro quando começou.
– Igualzinho a alguém que conheço, o que é ainda pior – respondeu o amigo.
O druida saiu rindo bastante e Igor sacudiu a cabeça, olhando para ele.
– "Não vai mudar grande coisa nos próximos mil e oitocentos anos" – pensou.
― ☼ ―
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