Capítulo 10
"O tempo amortece as aflições e desavenças porque mudamos e quase nos tornamos outros homens."
Blaise Pascal.
Quando um mago abre um portal, seja ele para outro mundo ou dentro do próprio, uma pequena camada de energia forma uma barreira que impede a troca de ar ou qualquer outra coisa, como uma película transparente separando os dois lugares. O mago, ao atravessá-la, não sente qualquer dificuldade e apenas muda de lugar sem transição, sem sentir nenhum efeito, além de ser instantâneo.
Por isso, Igor não demorou a descobrir que havia algo de muito errado naquela perseguição, uma vez que a passagem através do portal não ocorreu da forma usual. Pela primeira vez, teve a impressão de flutuar no nada e também começou a sentir um mal-estar estranho que foi acompanhado de uma tontura e, logo a seguir, uma forte sensação de privação sensorial que o assustou muito. Ele não saberia explicar quanto tempo passou nesse processo, porque bem podia ter sido dez segundos como uma eternidade e já beirava o desespero quando voltou a sentir o corpo, descobrindo que caía, para sua sorte em algo macio.
Nem dois segundos depois, soltando outro palavrão, o pássaro veio parar em cima dele e o jovem agradeceu à Deusa por ele não se ter transformado no dragão antes de entrar no portal, porque teria acabado esmagado pelo peso do gigante.
Zonzo demais para se levantar, Igor permaneceu quieto até ter a certeza de que era seguro erguer-se. O primeiro foi Gwydion, que levantou voo para uma árvore próxima, empoleirando-se em um galho.
– "Estamos em algum lugar aberto, com casas baixas de aspecto primitivo e tu estás caído num monte de feno. Isto deve ser uma fazenda ou algo similar" – explicou o dragão, ainda na forma de ave. – "Vem gente aí e não parecem nem um pouco amistosos, então é melhor que te recuperes logo."
O jovem ergueu-se devagar, ainda incapacitado, e viu os homens à distância, mas permaneceu sentado no feno.
– Estou muito tonto para ficar de pé e aconteceu alguma coisa comigo, porque não posso invocar os meus poderes nem mesmo para melhorar ou me curar – disse Igor, preocupado. – Deve ter sido alguma coisa deste portal maluco que me afetou e espero que seja temporário. Não te transformes nem faças nada a menos que me tentem matar porque, conforme for, dependerei das tuas habilidades. Com toda a certeza isto aqui está pra lá de estranho.
– "Sem dúvida" – concordou Gwydion. – "Nunca senti essas coisas antes e foi muito desagradável."
Os homens que se aproximavam, vestiam túnicas rústicas, amarradas na cintura com uma espécie de corda de sisal. Nas mãos, carregavam forquilhas ou pedaços de pau e, fora isso, eram semelhantes a qualquer camponês caucasiano.
Um deles, que parecia o líder, aproximou-se e falou para os amigos. Quando abriu a boca, Igor ficou perplexo porque entendia o idioma com perfeição, apesar das nuances que se apresentavam, mas concluiu que se tinha encrencado e muito, já que a língua celta estava morta há quase dois mil anos exceto pela Cidadela.
– Não é um romano – disse, olhando para os companheiros – as roupas são estranhas, mas parece um druida guerreiro.
– É, só que pode ser mais um dos truques romanos para nos destruírem – afirmou outro, desconfiado. – Esse sujeito caiu do céu e deveria estar morto, sem falar que não tem um bordão!
– Com certeza que não. Os romanos não têm roupas assim tão boas, olhem a qualidade dessa capa!
Igor absorveu depressa o choque inicial e, com as observações obtidas, tirou suas conclusões. Como ainda estava fraco e tonto, ergueu-se com toda a cautela, para não cambalear, e começou a limpar as roupas, batendo nelas com as mãos. Sorriu para os homens que recuaram um passo e empunharam as armas improvisadas, a maioria forquilhas ou porretes.
– Ora, amigos. Vamos lá, parem com isso – começou, falando descontraído para acalmá-los. – Essas armas nem podem enfrentar a minha espada, mas não pretendo fazer mal a vocês.
O seu modo de agir deve ter surtido um certo efeito porque eles baixaram a guarda e um chegou a sorrir. Mais confiante, o jovem continuou:
– Só preciso de saber onde estou porque caí do meu dragão quando ia combater os invasores roma...
Igor não esperava qualquer tipo de reação agressiva e, por isso, foi apanhado na mais completa surpresa.
– Um bruxo – gritou todo o grupo, atirando-se a ele. Sem qualquer dificuldade derrubaram-no e amarraram-no. – Maldito seja.
– Ei, calma aí, eu não... – Não conseguiu continuar, porque foi logo amordaçado.
Tudo aconteceu demasiado rápido e ele foi subjugado pela maioria, uma vez que não conseguia recorrer aos seus poderes. O pássaro piou e alçou voo, preparando-se para se transformar e proteger o amigo, mas Igor, usando telepatia, pediu que não se manifestasse exceto se imperativo.
Uma vez amarrado e amordaçado, foi jogado em uma carroça tosca que era puxada por uma parelha de bois. Procurando ser prático, Igor começou a pensar na Eduarda, tentando entender o que se passou com o portal, uma vez que era óbvio que caíra em uma armadilha muito bem arquitetada e complexa. Para piorar as coisas, aquele povo celta não podia pertencer a outro mundo nem plano, ainda mais que eles mencionaram os romanos.
Se fosse levado em conta que o império romano do oriente só existiu até pouco depois de 1450, que o império romano do ocidente caiu no século V e os celtas foram praticamente extintos pelos romanos e pela Igreja lá pelo século III, Igor concluiu que devia ter sido arremessado ao passado de alguma forma inexplicável.
No caso disso ser verdade, os fatos levavam à conclusão lógica que ele foi atirado bem no período da guerra entre os magos, naquela época chamados de druidas, e os magos do mal, porque eles falaram bruxo.
O pior de tudo é que não tinha a menor ideia de como sair dali para poder voltar e resgatar a sua noiva. Calculou, pela temperatura e roupas deles, que devia estar perto do final do outono no sul da Inglaterra, talvez Cornualha ou então na França e talvez no final do século II ou início do III. A viagem durou cerca de uma hora, quando chegaram a um vilarejo que ficava perto do oceano. Pela posição do Sol e pelo fato de ter visto do alto de uma colina o mar apresentando-se à sua direita e sem ser escarpado como a Cornualha, concluiu que devia estar em algum lugar na Gália antiga, atual França, deslocando-se para o sul.
A carroça parou e obrigaram o mago a descer, que sentiu o desconforto por ter sacolejado de um lado para o outro por todo aquele tempo. Apesar de terem sido rudes, em momento nenhum foi maltratado por eles, que o levaram para uma cabana simples onde lhe amarraram de novo as pernas.
– Você ficará aqui sob responsabilidade da Ailin – afirmou um deles, sério. – Ela é imune às suas bruxarias, então nem tente gracinhas, sem falar que haverá guardas lá fora dispostos a matá-lo ao menor sinal de perigo. A sua sorte é que o nosso chefe mandou que poupássemos vocês caso os aprisionássemos... por enquanto.
O homem fez Igor sentar-se num pequeno banco de madeira e pousou a espada dourada em cima de uma prateleira no extremo oposto da choupana, saindo logo em seguida.
O jovem sentia os pulsos e tornozelos dormentes devido à falta de circulação sanguínea e isso incomodava muito. Apesar de estar sem os poderes, era senhor de uma considerável força física que decidiu usar em prol da sua libertação, mas tudo o que conseguiu foi descobrir que os celtas eram verdadeiros mestres na arte de amarrar alguém. Conformado, ficou quieto, aguardando. Aproveitou para pedir ao dragão que fizesse um reconhecimento da região, mas de preferência voando a grande altitude para evitar quaisquer problemas.
Preparou-se para uma longa espera, mas não demorou muito até alguém aparecer. A mulher entrou despreocupada, demonstrando segurança e confiança. Igor virou o rosto para ela, arregalou os olhos e não conteve um pequeno gemido quando a viu. A garota aproximou-se dele e observou-o com toda a atenção, em silêncio. De perto, Igor viu que era dona de olhos muito azuis, penetrantes, e o cabelo bem tratado era de um dourado brilhante sem par. Ela era linda, muito mais do que poderia imaginar se não parecesse uma sósia da noiva exceto por alguns detalhes como os olhos, cabelos e umas pequenas nuances. Ela permaneceu bem dois minutos observando, até que disse, erguendo uma espada:
– Sou Ailin, a filha do chefe – empunhou a arma. – Eu gostei de você e não costumo cometer erros de julgamento; mas, se você tentar uma gracinha, eu sei usar esta espada melhor que a maioria dos homens desta cidade, entendeu? Acene com a cabeça se entendeu.
Igor obedeceu e ela sorriu, gentil.
– Ótimo, eu vou pegar água e já volto – avisou, saindo em seguida.
Quando retornou, trazia uma vasilha de barro que pousou em cima da mesa, voltando a olhar para Igor.
– Vou tirar a sua mordaça – disse, sorrindo –, mas se você tentar um feitiço, aviso que sou imune a isso e que será morto antes de terminar de falar já que não terá merecido a nossa consideração, entendeu?
Igor acenou com a cabeça e Ailin soltou a mordaça. Igor sorriu-lhe satisfeito.
– Obrigado – disse.
– De onde você veio?
– De muito longe, mas não sou inimigo...
– Quieto – interrompeu, mostrando a espada. – Quem vai decidir se você não é inimigo sou eu.
– E assim que vocês mostram hospitalidade com os viajantes, Ailin? – começou, tentando apaziguar. – Eu...
– Já lhe disse que se calasse. – Ergueu a arma e aproximou-a do seu pescoço. Por via das dúvidas, Igor calou-se. – Eu não gostaria de o matar, mas não hesitarei.
– Onde está o seu dragão? – continuou.
– Não possuo dragão. – Igor aprendia rápido e sabia que se estivesse com um dragão era inimigo em potencial. – Não se possui um dragão, que eu saiba.
– Então, por que disse aos camponeses que caiu de um?
– Deve ter sido por causa da pancada, sei lá.
– Onde está o seu bordão?
– Não tenho bordão, apenas a minha espada – disse, apontando com o nariz. – Há druidas que não precisam de cajados.
– Não sei como avaliar você – disse ela, sorrindo. – Mas eu gosto de si. Bem, você vai esperar o nosso druida retornar e dará explicações melhores para ele, porque arrancará a verdade quer queira ou não.
Levantou-se e pôs a espada na cintura.
– Você vai ficar sob minha responsabilidade e eu não gostaria de precisar de o matar – continuou. – Então, prometa-me que se vai comportar e eu solto as amarras. Como é o seu nome?
– Eu prometo, Ailin, já lhe disse que não sou inimigo – respondeu o jovem. – O meu nome é Igor.
– Então prove comportando-se de acordo, Igor, está bem?
Igor apenas deu um sorriso cortês como resposta, mas ela aceitou e cortou as cordas. Com uma pequena careta de sofrimento, Igor tentou esfregar os pulsos, que formigavam. Ailin notou e pegou nos seus tornozelos, ajudando-o.
– Obrigado, Ailin – disse ele. – Fiquei tempo demais na mesma posição.
– Tome um pouco de água – ordenou-lhe, embora falando com suavidade. – Eu vou providenciar alguma comida.
Levantou-se e caminhou até à porta, parando nela.
– Lembre-se que me prometeu, então não saia daqui pois será morto pelos homens e eu ficaria muito triste se isso acontecesse.
Ela não esperou resposta e saiu. Igor levantou-se e caminhou um pouco. Quando passou perto da sua espada, pegou nela e prendeu na cintura. Depois, voltou para a mesa e sentou-se a beber um pouco de água, pensando sem parar na armadilha em que se meteu.
Anoitecia rápido e, sem pensar, ele tentou criar um globo de luz, mas não conseguiu, ficando frustrado.
Ailin entrou com dois pratos de madeira contendo comida para ambos. Pousou-os na mesa e virou-se para ele, zangada.
– Quem o autorizou a pegar a espada? – questionou, apontando a cintura dele. – Tire já a arma e ponha de volta no seu lugar.
– A espada pertence-me, então não vejo por que motivo não deva ficar no lugar que deve ser.
– Devolva já a espada para o seu lugar – disse ela, ameaçadora, pegando a sua. – Ou quer que o mate agora mesmo?
– Eu não lhe dei motivos para isso, Ailin – tentou ser apaziguador.
– Eu já falei uma vez – ameaçou-o apontando a lâmina ao seu peito. – Você deu a sua palavra. Não me obrigue a matá-lo.
Igor pensou em resistir e tinha a certeza de que podia enfrentá-la com facilidade, mas lutar com ela seria como lutar com Eduarda e ele não tinha coragem para isso. Contudo, ficou magoado. Tirou a espada da cintura e estendeu-a para Ailin.
– Por ter dado a minha palavra, a senhora devia ter confiado em mim. Um druida jamais quebra a sua promessa, devia saber disso.
– Até agora, você não provou que é um druida – replicou a moça, pegando a arma e recolocando na prateleira. – Se me provar, devolvo com prazer. Vamos, demonstre seus poderes.
– Não posso – afirmou, desanimado – sofri um acidente e perdi os meus poderes. Nem mesmo um globo de luz consegui fazer. Só espero que isso seja temporário.
– Acalme-se. Vamos esperar o meu pai voltar e ele talvez possa ajudá-lo.
– Afinal o seu pai é o chefe ou o druida? – perguntou, Igor. – E quando ele retorna?
– É os dois – respondeu com orgulho, sentando na mesa e fazendo sinal para que Igor também sentasse. – Deve voltar em dois ou três dias. Está tentando reunir alguns druidas para criarmos uma frente de defesa contra os romanos e os bruxos. Sente-se e coma alguma coisa.
Nesse momento Gwydion entrou voando pela janela e pousou no ombro do mago que, gentil, deu-lhe alguns nacos de carne. Ailin olhava espantada e ficou mais ainda quando o viu falar com o pássaro em outra língua que lhe era estranha. Mas o mais doido foi a voz que se insinuou na sua mente e que ela entendeu muito bem:
– "Não, Igor, fiz um reconhecimento extenso da região e não parece haver qualquer perigo por perto. E diz para essa maluca aí que não sou a sua próxima refeição porque até parece, do jeito que me olha."
– Esse pássaro falou? – perguntou ela, franzindo a testa e deixando Igor derretido, mesmo contra a vontade. – Não é possível que seja verdade, mas tenho a certeza de que o ouvi falando com você!
– Se ouviu é porque tem dons de sacerdotisa – respondeu Igor, sorrindo. – E pare de pensar em Gwydion como uma refeição, por favor. Ouviu o que ele disse e acho que entendeu, né?
Ailin nada falou. Em silêncio, levantou-se e foi até à pequena estante. Pegou a espada dourada e devolveu a Igor, sorrindo.
– Desculpe, você deu a sua palavra – disse, decidida. – Aqui está a sua espada, Igor o druida.
– Obrigado, Ailin, isso significa muito para mim.
Assim que terminaram de comer, ela foi para um canto, tirou a túnica bem na frente dos olhos esbugalhados do jovem e colocou outra roupa muito mais leve. Depois, deitou-se em uma cama de palha.
– Você vai ficar aí parado? – perguntou a moça. – Venha dormir.
Igor tentou lembrar-se dos hábitos dos celtas daquela época e descobriu-se amaldiçoando a si mesmo por não ter dado mais atenção às aulas de história. Mantendo o máximo de naturalidade possível, coisa difícil devido à assustadora semelhança da moça com a noiva, perguntou:
– E onde eu vou dormir?
– Aqui, ora – respondeu ela, batendo com a mão no feno ao seu lado. – Por acaso viu outra cama? Eu sou responsável por si, logo não pode sair daqui. Venha dormir que eu não mordo.
Não teve alternativa a não ser obedecer e, muito sem jeito, tirou a espada, a capa e deitou-se ao seu lado.
– Amanhã vou providenciar algumas roupas para você, já que não tem nada. E trate de se comportar que eu durmo com a espada ao meu lado.
– Eu já dei a minha palavra.
– Boa noite, Igor.
Igor ficou um bom tempo deitado, confuso. Estava algures na França do século II ou III, talvez início dos anos duzentos, deitado em uma cama de feno ao lado de uma garota linda de morrer que mais parecia irmã gêmea da sua noiva e que lhe despertava desejos que o deixariam rubro se os seus pensamentos fossem descobertos. Para sua sorte, tinha um problema muito maior para resolver, que era escapar dali e retornar para o seu tempo.
Adormeceu sem transição e só acordou ao raiar do dia com a garota sacudindo-o.
Enquanto comiam um desjejum feito de pão e um tipo de vinho de baixa fermentação, Igor fez um teste com os seus poderes. Abriu a mão com a palma para cima e concentrou-se um pouco. Uma chuva de raios saltitaram, como uma cascata de energia que fazia um arco e voltava perdendo-se nos seus dedos. Maravilhada, Ailin assistiu, arregalando os olhos, mas ele comentou:
– Ainda estou muito fraco, mas é melhor que nada – sorriu, porque isso deixou-o feliz, apesar de tudo.
A garota convidou-o a sair um pouco com ela e o mago achou que seria uma boa ideia espairecer, acompanhando-a.
Mal andaram uns vinte metros, o par foi barrado por alguns homens, um deles armado e de espada na mão.
– Você está maluca, Ailin? – questionou, ameaçador. – Eu disse para não o deixar solto porque ele é perigoso e agora você aparece na rua com ele portando uma espada!
– Eu gosto dele, Marlon – insistiu a moça –, e ele deu a sua palavra de druida que não fará nada de mal.
– Está doida varrida, mulher – gritou o homem, erguendo a espada, bastante ameaçador. – Voltem já...
– Eu já disse que gosto dele, Marlon, e não acredito que seja mau – interrompeu, ríspida, também pegando a espada. – Além disso, não tolero falta de respeito. Esqueceu que sei usar muito bem a minha arma?
– Cale-se e voltem...
Ailin ergueu a espada e avançou sobre o compatriota, mas Igor segurou o seu braço com firmeza, puxando-a de volta.
– Escute, senhor Marlon – disse ele, seco. – Para começar, de onde eu venho, um homem não trata as mulheres assim e depois ela já disse que eu dei a minha palavra que nada faria de mal, mas a sua falta de educação e respeito podem ser uma exceção à regra.
– Cale-se, bruxo – gritou, erguendo a espada.
Igor não precisava dos seus poderes para esgrimir e era um excelente espadachim. Quando a espada veio na sua direção, uma espada rústica, feita de ferro e pesada, ele reagiu por puro instinto, desembainhando a sua arma tão rápido que os olhos dos outros não acompanharam. Aquela espada era forjada com metais desconhecidos da humanidade tendo uma leveza impressionante e uma dureza maior ainda. Por isso, quando bloqueou o movimento do adversário, cortou a espada dele ao meio como se ela fosse manteiga. No mesmo movimento, Igor fez um giro rápido e encostou a ponta da lâmina no peito dele.
– Creio, senhor Marlon, que devia ficar mais calmo e pedir desculpas. Eu já disse que não farei nada de mal...
– Coloque essa espada na bainha e me devolva já. – Ailin tinha erguido o seu sabre, encostando no pescoço do mago. – Eu não pedi que me protegesse e você desobedeceu.
Espantado, Igor olhou para a garota e viu que ela estava muito séria. Devagar, baixou a arma, mas com cuidado para não ser apanhado à traição pelo outro sujeito. Soltou a bainha e ergueu-a para a entregar quando o homem fez menção de a tomar dele. Ailin virou a espada para Marlon e disse, com raiva:
– Toque na espada do druida e eu mesma promoverei o seu encontro para uma palestra com a Deusa. Suma-se daqui. – Humilhado, o guerreiro saiu e Igor entregou a sua espada, mas seus olhos exprimiam tristeza, quando disse:
– Eu não desobedeci nem quebrei a minha promessa. Tenho o direito de me defender a mim e aos outros, mas se quer assim, aqui a tem. Lembre-se que foi ele quem me atacou.
Virou-lhe as costas e ela ordenou:
– Volte para dentro.
– Não, Ailin – respondeu com a voz desgostosa. – Não voltarei para a cabana. Se acha que mereço morrer por isso, então vá em frente. Eu preciso de sol para me recuperar.
Igor continuou andando de costas para ela em um jogo muito perigoso para si, porque, se tivesse avaliado mal o seu caráter, seria morto sem qualquer chance de defesa uma vez que os seus poderes ainda estavam demasiado fracos. Ele andou até um pequeno riacho e bebeu um pouco de água fresca. Pelo canto do olho viu a garota parada, ainda com a arma na mão, sem saber o que fazer. Sentou-se encostado a uma árvore e ficou parado, olhando para ela. Por alguns segundos o olhar de ambos encontrou-se e ficaram se encarando, até que Ailin desviou os olhos e, irritada, cravou a espada no chão, que ficou parecendo uma cruz mortuária, um túmulo desconhecido.
Igor não se preocupou com isso, porque sabia que não seria qualquer um que a poderia pegar, como ficou provado minutos depois quando o tal de Marlon apareceu e a viu ali.
Ele parou para olhar aquela maravilha de pura beleza, toda dourada e cravejada de pedras preciosas, com um metal que parecia ouro, mas cortava o ferro como se fosse barro. Movido pela ganância, meteu as mãos no punho da arma e tentou erguê-la. A primeira coisa que notou era que a espada parecia soldada à terra e, a segunda, foi uma sensação estranha nas mãos, como um formigamento forte. Irritado, aplicou mais força para a tirar do chão e foi nesse momento que se deve ter arrependido de todas as coisas erradas que fez porque foi percorrido por algo horrível, com certeza algum demônio que andava solto dentro do seu corpo e lhe provocava convulsões fortes e dolorosas. Preso à espada, caiu de joelhos e começou a berrar desesperado, achando que o espírito mau da arma o libertaria, mas isso não ocorreu.
Segundos depois, um amigo correu a acudi-lo. Pôs a mão no seu ombro para o soltar da arma e teve o mesmo fim começando a sofrer as mesmas sensações e gritando.
Igor permaneceu no seu lugar, sorrindo, muito divertido com a quantidade de pessoas que se aproximava e acabava presa. Tudo aconteceu em menos de cinco minutos e ele sabia que nenhum dos campesinos corria risco de morrer. Com a gritaria e as poses mais bizarras das pessoas presas umas às outras, as crianças começaram a olhar e a rir, não se atrevendo a tocar neles, mas dançando em volta até que Ailin apareceu e as enxotou. Muito zangada, aproximou-se do Igor.
– O que foi que você fez agora, pela Deusa? – perguntou-lhe, tão brava que os olhos pareciam emitir faíscas. – Um druida que diz ter palavra e depois comporta-se desse jeito!
– Eu? – Igor manteve-se passivo, exibindo o seu sorriso mais doce. – Nada fiz, Ailin. Fiquei aqui sentado todo este tempo, tentando recuperar as minhas energias e olhando esse bando de malucos gananciosos a pegar um objeto que pertence a um druida.
– Faça alguma coisa...
– Eu fazer alguma coisa! – Igor riu. – para quê, para ser acusado de ter quebrado uma promessa?
– Pela Deusa – gritou ela, furiosa. – Tá bom, eu errei. Me desculpe, mas faça alguma coisa por eles que vão morrer.
– Ninguém morre com uma descarga de eletricidade estática, pelo menos com essa intensidade. – Igor riu e levantou-se. – Bem sei que desconheces o que é isso, mas não deixa de ser engraçado. Muito bem...
Igor ergueu a mão esquerda e uma bola de alguma forma de energia surgiu. Era azul muito clara, quase como se ele tivesse pegado um pedaço do céu, e arremessou-a contra as pessoas. A bola expandiu-se, atravessando as pobres criaturas e, quando alcançou a espada, provocou um ressoar intenso, parecendo um trovão. Nesse momento todos os aldeões foram atirados para longe, caindo num círculo extenso em torno da arma.
Logo depois, ela começou a brilhar com força e desapareceu dali como se nunca tivesse existido.
– Melhor assim? – perguntou, exibindo o seu sorriso mais cativante. Ailin saiu dali zangada, mas deitou-lhe um olhar diferente. Igor voltou a sentar, pensando. – "Mas que garota. Tão linda e tão parecida com Eduarda!"
O dia foi-se passando em paz e o mago permanecia no seu canto, pensativo e aguardando a volta do Gwydion. Ficou de tal forma distraído que não se deu conta que tinha companhia a não ser quando Ailin, falou:
– Você não está com fome?
Ele olhou para cima, vendo o seu rosto contra a luz e sorriu gentil, respondendo:
– Na verdade estou, mas estavas tão zangada que achei melhor ficar por aqui.
– Venha comer alguma coisa – ordenou ela, mas acabou sorrindo. – Afinal ainda sou responsável por você.
– Bem – disse Igor, levantando-se – não imaginaria responsável melhor nem mais belo.
– Vamos. – Ela virou-se de volta para a choupana e seu rosto escondia um sorriso radiante que Igor viu pelo canto do olho.
De tarde, já que o deixaram em paz, o mago foi dar um passeio e subiu o riacho, encontrando uma lagoa a cerca de quinhentos metros do vilarejo e já dentro do bosque. Alegre, tirou as roupas e mergulhou na água, que estava muito fria. Nadou com bastante vigor por algum tempo até que viu Ailin na margem, também entrando na água. A moça aproximou-se dele e sorriu.
– Aqui é o meu lugar preferido pra me banhar – disse a moça, tentando ser agradável. – Vejo que o encontrou.
– É um lugar muito bom – respondeu, nervoso com a sua presença. Despida daquele jeito ela parecia ainda mais com Eduarda e isso deixava-o desnorteado e cheio de desejo.
– De que material é feita a sua espada? – perguntou, tentando arranjar algum assunto. – Nunca vi uma arma tão leve e tão forte.
– Não pertence a este mundo, Ailin – respondeu, saindo da água e sentando em uma pedra a secar. – É de uma liga especial.
– Mas por que eu não fui afetada pela magia da espada? – perguntou, espantada com tamanho poder. – Pensei que não havia alguém mais poderoso que meu pai, mas parece que estava enganada.
– Pessoas puras de coração não são atingidas por ela porque eu assim o determinei, Ailin. O mesmo aconteceu com os meus captores – respondeu ele, tentando não notar a sua nudez e falhando feito um miserável. Ela deu-se conta e disse, divertida:
– Você está embaraçado – riu, sem querer. – Não está habituado a ver uma mulher?
– Desculpa, apenas costumes diferentes. – Já seco, levantou-se e fez surgir uma túnica similar às dos aldeãos.
Ela voltou a rir e disse:
– Bem, agora não vou mais precisar de arrumar roupas para você.
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