Capítulo 4 - Pesquise, e encontrará um corpo
Isabel ficou observando o nosso treino, sentada em um dos degraus da arquibancada do ginásio, roendo a unha do polegar e com os olhos atentos. Tentei dar o meu melhor durante o ensaio, mas eu estava tão desligada que eu não conseguia me concentrar da forma que eu deveria.
Treinamos a nossa pirâmide mais de quatro vezes, tivemos que fazer diversos agachamentos antes do ensaio propriamente dito começar e fui promovida a flyer* somente porque uma das flyers* do nosso time tinha engordado 5 kg, e Kaitlin estava a ponto de tirá-la da equipe.
Fui arremessada para cima, deixando uma das pernas flexionadas e levantando os braços no alto. Outras duas garotas também foram levantadas, e sorriam com energia.
— Sorriam mais! — gritou Kaitlin para nós — Temos que torcer com tudo o que nós temos nesse jogo.
A minha boca se alargou tanto com o sorriso que eu fiquei com medo de nunca mais conseguir fechá-la. Eu sabia que as outras também sentiam seus rostos doerem, mas nada podíamos fazer. Se Kaitlin achava que não estávamos sorrindo direito, tínhamos que nos esforçar para sorrirmos do jeito que ela queria, e isso era um saco.
Por isso eu quero tanto ser a capitã do time das líderes de torcida. Eu nunca exigiria mais do que os membros do time pudessem me dar, e nem seria neurótica e controladora como a Kaitlin era. A garota pode ser aclamada por todo o mundo, mas isso não a deixa imune de ser tachada como vadia.
E Kaitlin honrava esse título do fundo de sua alma, mesmo sabendo que era considerada cruel por muitas garotas do time.
Fui arremessada para o ar e fiz um mortal antes de ser pega por dois cheerleaders do nosso time. Fizemos umas acrobacias no chão, dançamos um pouco e treinamos os movimentos com as mãos e braços. Eram movimentos bem sincronizados.
A coreografia logo chegou ao fim, e eu já me sentia extremamente exausta.
— Bom trabalho, meninas! Até o próximo treino. — Kaitlin disse, olhando furtivamente para uma das antigas flyers — E lembrem-se: Nada de comer frituras ou carboidratos antes do grande dia!
— Sim, capitã. — disseram em coro as duas seguidoras idiotas da Kailtin. Revirei os olhos e me preparei para ir para o vestiário com Wanessa e Isabel, que já se levantava.
— Vocês são incríveis! Eu adorei assistir ao ensaio de vocês. — disse Isabel, visivelmente animada.
Enchi o peito de orgulho e satisfação e abri um sorriso muito mais convincente do que os que eu tinha dado no treino.
— Ei, novata! — Kaitlin gritou, já se aproximando — Adorei seus sapatos.
— Obrigada. — disse ela timidamente enquanto colocava uma mecha de cabelo atrás da orelha — Eu comprei em Milão.
Os olhos de Kaitlin se iluminaram com um brilho estranho de interesse e curiosidade que me desagradou totalmente.
— Você já pensou em ser líder de torcida?
A minha boca se escancarou com a pergunta daquela idiota. Wanessa também parecia um pouco nervosa, mas ela conseguia se conter muito melhor do que eu.
— Eu era capitã na minha antiga escola. — Isabel respondeu, ainda tímida. Reparei que ela se sentia um pouco intimidada pelo modo como Kaitlin a olhava, mas que ao mesmo tempo, gostava de toda a atenção que recebia.
— Os testes para líderes de torcida começarão amanhã. Vê se aparece, nós estamos recrutando novos membros para o nosso time. — Kaitlin disse, destilando seu veneno. Tanto Wanessa quanto eu sabíamos que a Kaitlin só estava chamando a novata para os testes para fazer da minha vida um inferno, e também porque o estilo refinado de Isabel tinha despertado um interesse em Kaitlin que nem eu mesma conseguiria driblar.
— Pode deixar! — Isabel disse, empolgada. Abri as mãos assim que percebi que elas estavam fechadas fortemente, e levei um susto ao ver marcas de unhas nas palmas de minhas mãos. Alguns machucados até sangravam um pouco.
— Você está bem? — Wanessa perguntou, olhando-me em dúvida. Abaixei as mãos bruscamente e esbocei um sorriso.
— Nunca estive melhor.
Dan me mandou uma mensagem pedindo para espera-lo, pois ele queria que fôssemos embora juntos. Me despedi de Wanessa e de minha mais nova "amiga" antes mesmo de sairmos do vestiário, e eu estava suspirando de felicidade por saber que o Dan queria a minha companhia. Ele estava terminando um projeto de física com o professor em um dos laboratórios do Elite, e eu já começava a mostrar sinais de tédio por ter que ficar esperando-o por tanto tempo.
O Elite High School é conhecido por sua infraestrutura de primeira qualidade. Jovens de várias partes do mundo vinham estudar aqui, pois o colégio está no TOP 10 dos melhores colégios dos Estados Unidos. Claro que eu morria de orgulho de estudar aqui, mas existiam algumas ocasiões em que a única coisa que eu gostaria era de ficar longe desse lugar.
Hoje era um desses dias, e tudo por culpa da demora do Dan de aparecer.
A bateria do meu celular estava beirando os 10% e a minha paciência caminhava pelo mesmo patamar. Bufei pela milionésima vez ao olhar para a entrada do prédio do colégio e ver que entre todos os alunos que saíam, nenhum deles era o Dan. Estava a ponto de mandar uma mensagem para ele pedindo para que se apressasse, quando a moto de Jason Fitzpatrick roncou tão alto que eu quase derrubei o celular no chão.
— O que Lola Roberts faz parada na entrada da escola como se estivesse completamente desolada? — ele indagou, parando a moto na minha frente enquanto um sorriso torto tomava conta de seu rosto.
— Eu poderia te fazer a mesma pergunta, mas acontece que eu não estou nem um pouco interessada na resposta. — falei rudemente para ele. Eu já estava de mal humor por conta da espera, e Jason tinha que aparecer no meu caminho para acabar com os 10 por cento de paciência que ainda me restavam.
Enquanto uma resposta sarcástica bem melhor do que a que eu tinha dito aparecia em minha mente, lancei um olhar atravessado para as botas de motoqueiro que Jason usava. Meus olhos subiram para as calças jeans detonadas, para a corrente que ele usava na calça e para a blusa preta e jaqueta de couro surrada que Jason vestia. Seus olhos claros pareciam mais claros do que eu lembrava, e seu cabelo estava maior, também.
Eu nunca gostei muito de Jason, e não era só pelo fato de ele ser muito menos popular do que eu. Além de ser um completo loser, Jason também tinha um jeito rebelde que conseguia assustar as pessoas, e eu não gostava do jeito como ele se vestia. Porém, não eram somente essas coisas que me incomodavam. Sempre que me via, Jason soltava alguma gracinha como essa de agora, e eu não gostava da liberdade que ele sentia sempre que falava comigo, afinal, nós nunca fomos e nunca seremos amigos.
— Que pena... Tenho certeza de que a resposta lhe agradaria. — disse ele, com os olhos inocentes e a boca sarcástica.
— O que você quer, Fitzpatrick? — indaguei, cruzando os braços bruscamente.
E lá se vão os meus 10 por cento...
— Quer uma carona?
— Acha mesmo que eu andaria com você nesse treco? — apontei com desprezo para a moto dele — O Dan vai me levar para casa.
— Se for o mesmo Dan que eu conheço, acabei de vê-lo saindo com uma garota loira do laboratório de física.
Meus membros petrificaram na hora enquanto o meu corpo inteiro gelava. O meu coração acelerou, e eu senti uma vontade louca de sentar no meio fio e chorar. O Dan não faria isso comigo...
Ou faria?
— Você só pode estar brincando...
— Se não acredita em mim, procure o carro dele. Ele saiu pelos fundos do estacionamento com a garota. Deve ter se esquecido de você.
Os meus pés começaram a andar de um lado para o outro, enquanto o nervosismo já tomava conta de todo o meu ser. Minhas mãos se fecharam antes que eu percebesse, e eu senti as palmas da minha mão arderem. Disquei o número de Dan, mas tocou até cair na caixa postal. Também deixei milhares de mensagens em seu whatsapp, porém, nenhuma delas fora visualizada.
A sensação de ter sido esquecida pelo meu melhor amigo doeu em meu âmago.
— A carona ainda está de pé, se quiser. — acrescentou Jason, olhando-me preocupado.
— Não, obrigada. — dei um meio sorriso — Eu vou ligar pra ele novamente, provavelmente deve ter havido algum mal entendido.
— Você é quem sabe. A gente se vê por aí, morena.
E então, o ronco alto da moto ressoou em meus ouvidos antes de Jason arrancar com a máquina mortífera pela estrada afora.
— Ele não fez isso comigo. — falei para mim mesma, antes de ir procurar o carro de Dan no estacionamento.
Enquanto eu caminhava de volta para a escola, eu torcia para que tudo o que Jason tinha dito fosse uma piada de mal gosto. Porém, quanto mais eu tentava acreditar nisso, mais todo o sentido se perdia. Jason pode ser idiota, mas não fazia piadinhas desse tipo.
Quando cheguei ao estacionamento, só haviam carros nas vagas direcionadas aos professores, e o carro de Dan claramente não estava mais ali. Me dirigi até o laboratório disposta a perguntar se alguém sabia onde estava Dan e constatei o que meu coração não queria acreditar.
Ele e Isabel tinham ido embora juntos.
Senti vontade de gritar, de mandar um áudio de 10 minutos xingando Dan e o mundo inteiro e de chorar, mas não fiz nenhuma dessas coisas. Com uma raiva que não cabia dentro de mim, senti que os 10 por cento de paciência se reduziam a 9, 8, 7 até não restar nada. Eu era uma bomba relógio prestes a explodir.
Antes que o meu celular descarregasse, pude senti-lo vibrar na minha mão com uma mensagem de um número desconhecido.
Dan e Isabel estão na Star Coffee.
Xx bubblegumbitch
Franzi o cenho com a mensagem, principalmente porque a pessoa se intitulava como Bubblegumbitch, o que não me dava nenhuma pista sobre quem poderia ser, exceto pelo fato de ser muito fã de Marina and the Diamonds.
Entretanto, a grande questão é:
Por que ela está me ajudando?
Respirei fundo, tentando enxergar através da raiva quando uma grande ideia me ocorreu.
Eu iria até lá com o Jonathan McLean.
Caminhei até a quadra do colégio, onde pude vê-lo conversando animadamente com o treinador. Me aproximei dos dois sem me importar nem um pouco em estar interrompendo a conversa.
— Posso falar com você?
— Olha, se for por causa da Wanessa, pode ir avisando a ela que eu a bloqueei no whatsapp pra ela parar de encher o meu saco. — disse ele, impaciente. Arregalei os olhos com aquela informação. Então Wanessa não estava mesmo levando a sério o papo de querer esquecer o Jonathan.
— O que? Não tem nada a ver com ela. Eu preciso que você seja o meu acompanhante em um lugar. — abri um sorriso sedutor a tempo de ver Jonathan mirando a minha boca.
— Por que você não chama o Dan?
— Porque eu preciso de você, e não dele. — revirei os olhos, irritada.
— E quando é esse tal evento?
— Agora!
— Agora?
— É, tudo o que eu preciso é de sua ilustre presença. — eu o instruí, já segurando seu braço e o rebocando para fora da quadra sem dar tempo dele se despedir do treinador.
Se tem uma coisa no mundo que deixa o Dan irado é me ver junto com o Jonathan. Ele conhece o amigo que tem, e sabe que Jonathan sempre foi louco para ficar comigo. Claro que eu sempre o rejeitei, não só porque a minha amiga sempre foi louca por ele, mas também porque o McLean nunca fez o meu tipo.
A minha intuição me diz que leva-lo comigo para a cafeteria mais badalada da cidade será o ponto alto do meu dia. Dan vai ficar extremamente irritado, o que fará Isabel pensar que ele tem sentimentos por mim.
Jonathan me levou no seu Porshe chamativo vermelho até a cafeteria Star Coffee. Ele ficou meio desanimado ao saber para onde estávamos indo, mas se animou ao saber que a sua presença irritaria ao Dan. Apesar de serem melhores amigos, Jonathan adorava tirar o Dan do sério.
Quando chegamos, eu tive que me conter para não gritar com o meu melhor amigo pelo enorme bolo que ele tinha me dado. A sonsa da Isabel estava com ele bebericando um cappuccino, e parecia bastante interessada no que saía da boca do meu melhor amigo. Os dois estavam sentados frente a frente numa mesa nos fundos da Star Coffee.
— Não é de bom tom me dar um bolo, Dan. — eu disse, com o braço enlaçado ao do musculoso Jonathan. Dan, que me olhou de modo estarrecido, ficou branco como papel quando me viu em sua frente.
— Me desculpe, Lola. Eu e a Isabel nos encontramos e eu me esqueci totalmente do nosso encontro. — ele disse, culpado. Seu olhar caiu para o meu braço e o de Jonathan enlaçados, o que fez o seu rosto ficar vermelho — O que você está fazendo aqui com o Jonathan?
— Encontrei um substituto para o nosso encontro.
Eu sabia que a palavra encontro para nós dois tinha uma conotação completamente distinta, mas eu precisava aproveitar a oportunidade.
— Posso falar com você em particular? — perguntou ele, bastante nervoso. Tão nervoso que esqueceu-se completamente de cumprimentar seu melhor amigo. Isabel, que estava ali encolhida, tinha no rosto um semblante que beirava a decepção.
Meu peito se encheu de satisfação, e eu tive que me conter um bocado para não sorrir.
— Claro, querido.
Dan segurou o meu braço e me puxou para um canto afastado de Jonathan e Isabel.
— Por que você está aqui com o Jonathan? Esqueceu que a Wanessa é completamente apaixonada por ele?
— Mas é claro que não! Eu nunca faria isso com a minha melhor amiga. Estou tentando fazer o Jonathan desbloquear a Wanessa do Whatsapp e conversar com ela francamente.
Não era mentira. No caminho até a cafeteria, eu e o Jonathan tivemos uma conversa sobre a minha melhor amiga. Ele não queria ter ferido os sentimentos dela, mas acontece que Wanessa sabia que o Jonathan é um mulherengo incorrigível e ainda assim, conseguiu dar asas aos seus sentimentos. Parte disso era culpa dos filmes e séries de comédia romântica que ela assistia, mas quem era eu para julga-la?
— Eu vou me despedir da Isabel e então podemos ir juntos pra minha casa se quiser. Seus pais foram lá ver meu pai hoje. — disse Dan para mim. Abri um sorriso para ele e o abracei.
— Vou falar com o Jonathan e podemos ir.
Voltamos à mesa a tempo de ver Jonathan conversando com a Isabel. Os dois pareceram se dar bem, mas Dan ficou bem esquisito quando os viu juntos.
— Eu e a Lola estamos indo. — Dan disse, usando um tom ameaçador que não passou despercebido por nenhum de nós — Melhor você ir também, Jonathan.
O McLean abriu um sorriso que se mostrou bastante esclarecedor, e que eu odiei.
— Claro. Depois nos falamos, Lola.
— Tchau, Jonathan.
No caminho até a casa de Dan, eu fiquei pensando em formas de sonda-lo. Eu sei que era cedo para isso, mas o Dan tinha literalmente se esquecido de mim para ficar ao lado da novata, e isso era algo que me doía demais. O primeiro estágio do plano tinha que começar de um jeito ou de outro, então já era a hora de enfrentar a realidade, seja ela dolorida ou não.
Saímos do carro e eu esperei que Dan retirasse o seu molho de chaves de dentro da mochila, enquanto pensava em formas de aborda-lo sobre a Isabel. Porém, eu me distanciei temporariamente dessa tarefa ao ver que o meu celular não tinha descarregado e que vibrava indicando que eu tinha recebido uma nova mensagem.
Sabe porque a Isabel deixou a Flórida? Aposto que não!
Pesquise e encontrará um corpo!
Xx Bubblegumbitch
* flyer – As flyers são as cheerleaders responsáveis por realizar manobras difíceis. Elas são as famosas líderes de torcida que são jogadas para cima, ou seja, elas praticamente voam em suas animações.
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