Capítulo 1 - Para mentir, faça cara de inocente


Sobreviver no Elite High School até o fim do ano letivo não é uma tarefa muito fácil. Principalmente quando se é uma líder de torcida super popular do segundo ano. Se você acha que os problemas de uma líder de torcida se resumem apenas a unhas quebradas ou produtos de beleza que removem as impurezas da pele, você está muito enganado.

Apesar de eu ser muito popular, ter beleza, dinheiro e pais muito atenciosos, eu tenho que lidar com a pressão que a popularidade exerce, com as eleições da nova capitã do time das líderes de torcida — na qual eu tenho certeza de que vou ganhar — que ainda nem começaram, com os meus pais que estão pegando no meu pé desde que souberam que não sou um gênio da matemática e com o amor quase platônico que eu sinto pelo meu melhor amigo.

É o começo de mais um ano letivo, e eu consigo ver a tensão palpável que sai dos poros dos calouros no gramado, que estão esperando o sinal tocar. Wanessa Davis, a minha melhor amiga, disse que leu no horóscopo que esse ano as coisas serão diferentes para ela e para mim também, mas eu já não acredito mais em horóscopo desde que eu fui iludida por uma previsão idiota que dizia que o meu amado iria corresponder aos meus sentimentos. Acontece que o meu amado em questão me trata como se eu fosse uma irmã mais nova, e acho que isso não vai mudar.

Assim que adentro o corredor do colégio, sinto o cheiro das paredes recém-pintadas e dos livros novos da biblioteca que haviam acabado de chegar.

O Elite High School nunca esteve tão animado antes. Ou tão cheio.

Encontro a minha melhor amiga Wanessa Davis balançando os seus pompons de um lado para o outro de forma fingida. Eu sabia que ela estava se controlando para não jogar aqueles pompons em cima da cabeça da nojenta da Kaitlin Leigh.

Wanessa nunca gostou de ser líder de torcida, e só animava porque a mãe dela a obrigava a fazer o que ela queria, chegando ao ponto de fazer ameaças do tipo: "Se você se recusar a ser uma Cheerleader eu vou cortar seu cartão de crédito" ou ainda: "Se você sair do time das líderes de torcida, eu vou te jogar na rua sem nenhum tostão. Nem as suas bolsas da Gucci você poderá levar para vender no camelô."

A Sra. Davis era um tanto quanto manipuladora demais. Também, casada com um cara que é o rei das falcatruas e da manipulação deve ter feito com que ela aprendesse um pouco mais do que deveria sobre essa arte venenosa.

Naquela época, eu ainda não entendia direito como é que funcionava esse lance de manipulação e chantagem, mas um pouco depois eu descobri que eu podia fazer parte de uma gangue junto com os pais da Wanessa, pois na arte da manipulação e da chantagem, eu podia ser considerada uma campeã.

Pena que eu ainda não sabia daquilo.

— Hey, Lola! — Wanessa balançou um dos seus pompons para cima, me chamando de forma empolgada e sorridente. Eu sorri de volta e fui até ela, ajeitando o uniforme vermelho de líder de torcida que eu usava com orgulho.

— Oi, Wanessa. — eu disse, abraçando-a. — Fiquei sabendo que o Clube de Artes vai abrir as inscrições para uma nova turma ainda esse ano.

— É, eu também fiquei sabendo. — Wanessa abaixou a cabeça, encolhendo um pouco os ombros e encarando seus pés de forma cabisbaixa.

Wanessa adora pintar, desenhar e fotografar e modéstia a parte, a minha melhor amiga é muito boa nisso. O Clube de Artes era a chance que Wanessa precisava para aperfeiçoar o seu dom e até mesmo conseguir uma carta de recomendação para entrar em uma universidade conceituada. Mas, os planos que a mãe de Wanessa tinham para ela eram totalmente diferentes.

Seus cabelos curtos e tingidos de rosa recentemente chamavam a atenção por onde ela passava, já que minha melhor amiga sempre teve um estilo diferente das demais líderes de torcida. A maioria das meninas, as que não eram aceitas nos testes que Kaitlin promovia todo o ano para novas cheerleaders, falavam que Wanessa não merecia estar ali.

A mãe de Wanessa também odiava os cabelos coloridos da filha, porém, aquela parte da vida da minha melhor amiga ela não conseguia, nem se quisesse, ter qualquer tipo de controle.

— Ai meu Deus! — exclamei, assim que olhei para o portão de entrada. Wanessa levantou a cabeça bruscamente e arregalou os olhos, totalmente perplexa.

O amor de sua vida, Jonathan McLean, estava ocupado demais beijando Olivia Wilde, uma líder de torcida burra e nojenta que seguia Kaitlin Leigh para cima e para baixo.

Se aquela cena já era horrível para mim, imagine para a Wanessa. Os olhos dela se encheram de lágrimas. Jonathan tinha o incrível poder de brincar com o coração da minha melhor amiga, que sempre agia como uma trouxa quando se tratava daquele mulherengo idiota.

Fiquei com raiva daquela cena. Disposta a estragar aquele clima nojento e grotesco, me dirigi até o orelhão da escola que ficava do outro lado do campus, no lado oposto ao que o "casal" se encontrava.

Wanessa me seguiu, me observando discar o número do telefone daquele idiota.

— O que você vai fazer? — cochichou Wanessa para mim, temerosa.

— Espere um segundo. — falei, assim que terminei de discar o número do telefone do Jonathan.

Ele atendeu no quarto toque, meio esbaforido.

— Alô?

— Olá, Jonathan. — fingi uma voz de sino, alegre e fanha. — Bom dia. Sou a Sra. Suzan, e a sua namorada Olivia deixou comigo o seu telefone, para que eu pudesse tratar dos assuntos referentes ao exame de gravidez que ela fizera na semana passada.

— Gravidez? — perguntou. De onde eu estava, consegui vislumbrar o seu rosto contorcido numa careta de interrogação.

— É. E sobre o teste de paternidade também. Parabéns, papai. Seu bebê será um garotão ou garotona bastante saudável, tenho certeza disso! Olivia tem uma estrutura óssea muito boa, além de vir de uma família bastante saudá...

A ligação encerrou de forma brusca. Quando olhei para a frente, vi que Jonathan havia desmaiado e Olivia e mais uma penca de gente tinha ido lá para acudir o idiota.

Sempre soube que aqueles músculos de jogador de futebol americano eram uma farsa.

Jonathan era burro e frouxo mesmo.

Dei um sorriso indolente e confiante para aquela cena e encarei a minha melhor amiga. Ela estava vermelha de tanto rir.

— Não acredito que você fez isso, Lola! – exclamou, rindo e se esquecendo da tristeza que sentira quando viu aquele cafajeste agarrando aquela loira burra e platinada.

— Não duvide de mim, Sweet. — pisquei para ela, totalmente em êxtase.

Wanessa costumava me chamar de "Gênio do mal," pois desde pequena, realizo artimanhas para ferrar com a vida dos outros. Eu realmente não sabia o quanto gostava das armações que fazia, apesar de sempre me sentir extasiada quando meus planos davam certo.

A diferença é que naquela época eu tinha limites, e ainda não era capaz de ir tão longe.

Mas aquilo estava prestes a mudar.

— Olha o seu amor ali, Lola. — Wanessa disse, apontando discretamente com a cabeça para o portão de entrada, onde eu vi Dan passar, todo estiloso.

Meu coração acelerou e a minha boca ficou seca. Juro que sempre que eu o via, eu sentia uma louca vontade de me jogar em seus braços. Uma vertigem tomava conta de mim e era meio difícil falar e respirar ao mesmo tempo. Eu sempre agia como uma pateta em sua frente, mas o Dan nunca percebia que eu era apaixonada por ele.

Eu e ele nos conhecemos desde o jardim de infância, quando Dan resolveu mijar no meu trabalho de artes, que estava secando no chão. Nós nos detestávamos naquela época, tínhamos um tipo de rivalidade um com o outro que nem os professores conseguiam compreender.

Nós viramos melhores amigos depois que eu esfreguei minha meia cheia de chulé no seu rosto. Ele começou a rir, dizendo que meu chulé era cheiroso. Eu acabei rindo junto com ele.

E apesar de essa parecer a história mais patética que eu poderia vir a dizer a alguém, confesso que foi naquele minuto que reparei que seus olhos eram tão profundos que chegavam a me ofuscar. De verdade. Acho que foi bem ali que eu me apaixonei por ele.

Desde então, não nos desgrudamos mais. Os nossos pais acabaram virando amigos também, e Dan virou meu confidente.

Nunca tentei fazê-lo mudar de ideia ao meu respeito. Sempre tive medo de que o Dan mudasse comigo depois que eu confessasse a ele tudo o que eu sentia. Não queria mesmo perder a amizade do Dan. Ele sempre fora muito importante para mim.

Mas ao mesmo tempo em que eu lutava para não dizer nada, uma parte muito grande de mim tentava me encorajar a fazer alguma coisa a respeito desse sentimento que eu nutro por ele.

Antigamente eu tentava me animar, dizendo que algum dia o Dan me enxergaria como uma garota em potencial para namorar com ele, já que eu o conheço desde pequena, mas ele nunca deu o menor indício de que poderia gostar de mim. E olha que eu não sou feia! Tudo bem, eu tenho umas sardas horrendas no meu rosto, mas eu sempre as cubro com maquiagem, de modo que o Dan quase nunca precisa olhar para elas. Sem contar que ele diz que ama as minhas sardas, e que sem elas, eu não seria eu.

Meu cabelo é grande, cacheado e castanho. Também sou alta, não tão alta quanto o Dan, mas alta o suficiente para poder encostar a cabeça em seu peito enquanto eu o abraço.

De qualquer forma, o Dan nunca me nota. Não como uma garota bonita, espirituosa e divertida. Não, ele só me enxerga como uma garota legal, que esfregou uma meia chulezenta (e cheirosa!) na sua cara no jardim de infância. Uma garota que só tem potencial para ser a sua melhor amiga, e não namorada.

Assim que Dan nos viu, ele acenou em nossa direção e caminhou até nós.

— Acho que você pode soltar o ar agora, Lola. — zombou Wanessa, dando uma risadinha. — Cara, você o conhece desde que usava fralda e ainda não se acostumou a vê-lo em sua frente. Sempre que o Dan aparece, você fica com essa cara de nada.

— É tão doloroso olhar para ele... — eu disse, devaneando.

— Só é doloroso porque o Dan é a sua utopia. — Wanessa respondeu, mas eu não dei muita ideia para as maluquices dela.

O Daniel é um dos caras mais bonitos e estilosos do Elite High School, e não é somente por causa dos seus olhos hipnotizantes. Ele é o rapaz mais doce e humilde que eu já conheci. Educado, inteligente e muito respeitador, o Dan fala com todas as pessoas que o cumprimentam, até mesmo os loser's.

Além de ser dotado de uma beleza natural, Dan tem um sorriso torto matador, covinhas nas bochechas e cabelo liso meio bagunçado. Alto e com um físico bem agradável, ele atrai a atenção das meninas mesmo sem ser muito bombado. E ainda usa óculos de grau. Naquele colégio, ele é o único cara popular da escola que usa óculos. E também é o único que fica bonito usando um.

— Wanessa! — Dan a cumprimentou, abraçando-a logo em seguida. Depois, dirigiu-se a mim, abrindo um sorriso gigantesco que foi capaz de fazer o meu coração se derreter. — Oi, Lol. Fiquei sabendo que a eleição para eleger a capitã do time das líderes de torcida vai começar em breve. — disse ele, abraçando-me apertado. Fechei os olhos, sentindo o seu perfume me embriagar pela milionésima vez só naquele ano.

— Eu sei, lindinho. Você sabe que eu vou ganhar. — eu disse, decidida.

Só havia uma coisa além do amor do Dan que eu mais almejava na minha vida: Ser a capitã do time das líderes de torcida. Todo o mundo já sabia que eu ia ganhar, porque modéstia a parte, eu sou uma das melhores Cheerleaders que existem naquele colégio.

O reinado da Kaitlin Leigh está com os dias contados, já que aquela vaca está concluindo o 3º ano do ensino médio e se não reprovar, logo deixará o colégio em paz. O problema, é que ela me odeia com todas as suas forças, e sei que será capaz de fazer de tudo para que eu não ganhe a eleição.

Eu só fui aceita no time porque sou muito boa. Do contrário, ela teria me banido antes mesmo que as outras integrantes pudessem descobrir seus respectivos resultados.

Kaitlin me odeia porque eu não preciso de seguidoras para ser idolatrada. As pessoas me amam e não preciso fazer muito esforço para que amem. Eu apenas sou o que sou.

A raiva que Kaitlin sente por mim é tão grande que ela começou a fazer pequenos tipos de sabotagens comigo para que eu pudesse abandonar o time das líderes de torcida. No entanto, ao invés de sair do time, eu comecei a revidar todas as suas sabotagens e provocações.

— Confiança é tudo! — disse Dan, debochando de mim e bagunçando os meus cabelos. Dei um tapa em sua mão. — Mas o que aconteceu com o Jonathan? Ouvi falar que ele foi para a enfermaria porque recebeu uma ligação de um consultório médico.

Jonathan e Dan são melhores amigos, e como Dan realmente preza a amizade daqueles que ele gosta, claro que havia ficado preocupado com aquele babaca.

— Nós não vimos nada. — Wanessa respondeu rapidamente. Tentei dar-lhe uma cotovelada na costela, mas ela se esquivou, e eu fiquei meio desconjuntada. Dan alternou olhares entre Wanessa e eu, ligeiramente desconfiado.

— Tem certeza? — pressionou, me olhando firmemente.

— Absoluta. — respondi com precisão.

Eu e Wanessa nos entreolhamos. Dan era muito esperto e não acreditou na nossa resposta curta e apressada. Mas era bem óbvio que ele não acreditaria facilmente naquilo, já que seu sonho era ser físico. Os físicos são muito inteligentes, e o Dan usa de seu raciocínio lógico e cérebro brilhante para conseguir o que quer. Tudo para ele tinha uma tese, e as vezes isso era meio irritante.

— Você não aprontou nada para ele, Lola? — perguntou ele mais uma vez, me olhando de forma séria.

Engoli com dificuldade o nó que se formou em minha garganta e fiz o maior semblante de inocente que consegui para poder mentir para o amor da minha vida. O mais engraçado, é que o Dan era uma das únicas pessoas capazes de fazer com que eu me sentisse culpada pelas merdas que eu fazia.

Mas mesmo assim, eu continuava aprontando e mentindo, sem saber que nessa, eu estava me corrompendo totalmente e entrando em um caminho que poderia não ter mais volta.

—Eu não aprontei nada, eu juro.

E mesmo sabendo que ele poderia descobrir que eu estava mentindo, não tive coragem de lhe contar a verdade.

O sinal tocou, e eu respirei aliviada.

Saí andando na frente dos meus dois melhores amigos, mas meu coração retumbava no peito.

Eu sabia que daquela vez, o Dan tinha acreditado em mim.

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