segredos part.2

Alfredo andando com dificuldade foi até seu aparelho de som e pôs um disco.

Sentou em seu estofado e  provou um gole do seu chá de erva doce que esfriava numa xícara branca de louça.

Olhando para o nada, apenas degustava a sua  bebida, preparada especialmente para aquela noite, que prometia tanta friagem no decorrer das horas.
Ficou também na companhia de suas recordações, lembrando dos tempos que ouvia essas mesmas músicas, que agora soavam tão vivas pela a casa.

Bebeu mais um gole e sentiu que o chá precisava de mais açúcar.
Colocou mais duas gotinhas de adoçante e mexeu com uma colher.

A chuva parecia perfeita para a ocasião...

Ele tinha chá, música, frio e solidão...
O quê mais ele poderia querer?

A paz reinava em sua casa.
Mas não por muito tempo...

Através dos vitrais de uma das janelas, Alfredo pôde ver uma sombra feminina no terraço em frente da sua casa.
A tal sombra o observava bem no meio daquela tempestade e da escuridão.

Assustado, ele se levantou devagar e se aproximou da janela, talvez pensando ser algum fantasma... sim, acreditava nessas coisas.

Ficou alguns segundos tentando identificar a criatura, que estava parada como uma estátua no meio da lama apenas vestida numa camisola.
"Só podia ser mesmo um fantasma!" pensou.
Quem mais ficaria naquela chuva? Àquela hora?

Se era um fantasma ou não a criatura sabia que ele estava ali, pois dava para vê-lo perfeitamente através dos vidros.

As luzes estavam acesas e apesar do barulho da chuva, o som da música dava para se escutar de longe, então não tinha como fingir que não tinha ninguém em casa.

Resolveu, que seria melhor perguntar ao fantasma, o quê queria àquela hora da noite.

Foi até a porta e destravou.

Ficou parado na entrada, apertando os olhos para melhor enxergar e disse em voz alta.
_Quem é você? O quê quer aqui?

Apenas os relâmpagos responderam e a sombra se aproximou em direção ao velho como se tivesse recebido uma ordem.

Cada passo que dava sua face era revelada com a claridade de um relâmpago após outro.

Subiu a escadinha que dava para a varanda e se posicionou diante dele.

_Você?... _Disse Alfredo surpreso_ ... Mas o quê faz aqui? No meio dessa tempestade? 

_Quero a verdade.
Respondeu com lábios trêmulos.

_ É o que todos querem mas nem sempre podem ter_ Ele falou, reparando nos pés descalços de Mariane.

_ Dessa vez, a parte podre da história._
Completou, bastante determinada.

Nada faria com que ela saísse dali.

_ Alguém que enfrenta um tempo como esse, numa hora dessas... Merece ouvir apenas a verdade._
Disse, ainda com os olhos fixos nos pés enlameados da garota.

Como ela tinha conseguido atravessar tanta terra barrenta pra chegar até ali? Que garota forte. Não era tão parecida com a mãe afinal.

Relâmpago outra vez... Mas agora com maior intensidade.

_Limpe seus pés no tapete antes de entrar _ Ordenou o velho, seguindo para dentro_ Como já viu, minha casa é um lixo! Mas com a minha própria sujeira. Deixei de aceitar a sujeira das outras pessoas há algum tempo.

Mariane limpou a lama no carpete e entrou ficando de pé no meio da sala. Em seguida cruzou os braços para aliviar o tremor do seu corpo.

Alfredo desligou o som e olhou para ela percebendo que  não estava nada bem.

_ E então? vai me contar?_ Seus dentes se debatiam incontrolavelmente_ Eu aguento ouvir qualquer coisa.

Ele soltou um riso no canto da boca.
_Você mal consegue aguentar o próprio frio que está tomando conta de seu corpo, menina..._ Balançou a cabeça com desdém_ Então como pode afirmar isso? Fique aí. Vou buscar alguma coisa que possa lhe manter mais aquecida.

O velho saiu quase se arrastando e depois de alguns segundos voltou com um cobertor entregando a ela.

_ Se cubra com isso e logo o tremor vai passar_
Disse quase com doçura.

Mariane fez o que ele lhe pediu e pôs a coberta sobre seus ombros e sentou.

_ Aceita um pouco de chá? _ Perguntou e logo Mariane respondeu negando com a cabeça.
_Que parte que saber?_
Ele Continuou, também sentando.

_Tudo. Principalmente a parte em que minha mãe era uma  traidora.

_Então já ficou sabendo por aí uma das versões...

_ Uma das versões?

_ Sim... Inclusive eu tenho uma em que  Sua mãe foi apenas uma pobre mulher apaixonada... Uma mulher que se apaixonou por quem não devia... E esse foi o único erro dela _ silencio e depois continuou_ Não sei muito sobre a vida mas...  O fato  de uma pessoa se apaixonar pelo o homem errado, não faz dela a pior criatura do mundo.

_Por favor, Seu Alfredo, esqueça que um dia o senhor amou minha mãe e pare de tentar  protegê-la _Disse, já sentindo seu corpo mais aquecido_ Eu preciso saber como realmente as coisas aconteceram... E se ela traía mesmo meu pai com o tio Humberto.

_ Não estou defendendo ou protegendo Michele de nada... Apenas estou sendo totalmente honesto com você. Ela era uma boa mãe, e não teve culpa em ter se apaixonado pelo o marido de sua tia... Foi algo inevitável!_ Bebeu o último gole_ O casamento com Pedro, seu pai não estava indo muito bem, e depois do seu nascimento as coisas só pioraram. Não que você tivesse sido um fardo para eles, mas se antes eles já não se entendiam... com um filho então, só se distanciaram ainda mais.

_ Quer dizer que minha mãe começou a se envolver com Humberto depois do meu nascimento... Então, Sendo assim não há nenhuma possibilidade dele ser meu pai... _ Quase como um alívio.

_ Foi o que ela disse..._ colocou a xícara na mesinha_ Humberto foi como uma válvula de escape no casamento dela. Não a condeno, Afinal ela e seu pai só viviam brigando o tempo inteiro. Pareciam mais como dois inimigos vivendo sobre o mesmo teto.

_ Se era tão insuportável assim, viver com o meu pai, por que ela simplesmente não foi embora?

_ E Pra onde ela iria? Sua mãe não tinha família e nem tinha sequer um emprego. Era totalmente dependente de seu pai. E outra, ela nunca que iria deixar você, e Pedro também jamais permitiria que ela levasse você embora. Ela tinha muito medo de te perder.

_ Não entendo... Se minha mãe e o tio Humberto estavam tão apaixonados, por que então eles não enfrentaram tudo e à todos, e foram juntos ser felizes?

Alfredo à encarou firme e um tanto sarcástico.
  _ Mas quem foi que disse que Humberto estava apaixonado por sua mãe?

Mariane ficou mais surpresa, como se já não bastasse as surpresas daquela noite.

_O quê? como assim? Ele... Ele não a amava?

_ Humberto em nenhum momento amou Michele. Quando tudo foi descoberto e a coisa apertou, ele foi o primeiro a condená-la. Gritou  para os quatro cantos do mundo que tinha sido apenas uma vítima da sedução dela e que jamais deixaria sua esposa para viver com Michele e que estava arrependido e envergonhado... Aí já viu, não é? Sobrou apenas para Michele... Ela ficou como a vadia da história.

_  Como ele pode fazer isso?
Mariane estava desolada.

_ Como eu disse, menina, ele não a amava. Humberto só se aproveitou da situação. Michele era um mulher muito bonita e atraente, e estava muito carente e ele a usou. Coitada! estava iludida, achando  que finalmente tinha encontrado o seu verdadeiro amor e que os dois   enfrentariam tudo para  ficarem juntos. Mal sabia que o homem que ela entregou seu coração e sua alma, apenas encarava aquele envolvimento como uma aventura casual. Michele era só a cunhada gostosa que proporcionava um bom sexo para o Humberto, nada mais.
_ Alfredo notou a feição triste e decepcionada da garota_ Desculpe pelo o modo como falei agora, mas essa era a única e verdadeira razão dele ter se envolvido com ela... Eu sinto muito!

_ E tia Rosa? Acreditou nele?

_Claro que sim. Rosa amava o marido mais do que tudo nessa vida. Era mais fácil pra ela aceitar a versão do marido do que admitir que ele poderia está apaixonado por outra Mulher. Gosto muito da minha amiga Rosa, mas ela sempre foi cega de paixão pelo o marido. O que ele dissesse, estava dito e pronto.

_ Essa era a história que ela queria esconder do Alexandre... Por isso dizia que não conhecia você. Tinha medo que o senhor contasse a ele sobre o passado do paí.

_ Bem assim mesmo. 

Silêncio absoluto.

Mariane pensativa continuou.
_Como o senhor fez?

_ Fiz o quê?

_ Como o senhor contou pra eles da traição? Foi o senhor que primeiro soube do caso dos dois, não foi?_ Mariane disse isso porque ouviu quando Sua tia Rosa falou que tinha sido Alfredo quem abriu os olhos de todos sobre o envolvimento dos traidores_ Outra coisa que não consegui entender nessa história, Seu Alfredo... Se amava tanto minha mãe como disse antes, por que a jogou aos leões dessa forma?

Alfredo se sentiu  incomodado com a pergunta.

Levantou e foi até uma mesinha onde estava a fotografia do casamento de Michele com Pedro.

Ficou parado e de costas respondeu com amargura.

_Como você acha que me tornei esse homem tão infeliz?_ disse com imensa sinceridade_ Isso ainda me assombra e me corrói desde o momento em que me acordo até a hora em que me deito. Todo santo  dia! Não houve um minuto sequer em que não me arrependa do que fiz. Nunca fui capaz de me perdoar por isso_
  Dizia olhando para a fotografia.

_Como descobriu?

Ele se virou...
_Um dia fui no lago, ver se não tinha ninguém nadando por lá... Era algo que eu odiava fazer mas meu pai me obrigava expulsar quem estivesse em nossa propriedade sem permissão. Era um trabalho que eu tinha que fazer apenas nos finais de semana, Sabe como é... A garotada sempre gostava de ir para o lago se divertir então era minha obrigação expulsar os intrusos. Só que dessa vez, meu pai me mandou visitar o lago num dia da semana... Era uma quinta feira de muito sol e de muito calor... O que não é nenhuma novidade aqui para a região, enfim, mesmo reclamando muito eu fui até o lago... E foi então que para minha surpresa, eu vi os dois aos beijos e abraços perto daquela mesma imensa árvore onde vi você pela primeira vez. Eles não me viram. Estavam bem ocupados marcando as suas iniciais no tronco do carvalho. Nem pensei direito e corri para contar ao Pedro.

_ As iniciais da árvore, M e J, não é isso?
_Falou Mariane.

_ Isso mesmo. M de Michele e J de José Humberto. E sabe quem as escreveu? Não foi ela. Foi o próprio Humberto. Era assim que ele a seduzia. Com romantismo brega e falso.

_ Quando meu pai soube... O que ele fez com minha mãe?

Ela perguntou com medo da resposta.

_ Ele a tratou do pior jeito possível.

Silêncio e uma lágrima caiu do rosto dela.

Ele continuou

_ Eu quis ajuda-lá depois. Eu juro que quis! Estava me sentindo mal com tudo e mesmo sem meu pai concordar muito com a ideia, eu ofereci minha casa para que ela ficasse o tempo que quisesse. Ofereci também um pouco das minhas economias que eu tinha guardado, para que ela pudesse ir embora. Não era muito, mas tinha dado para ela ter se virado por uns meses. Tentei me redimir com ela, tentei mesmo, de todas as maneiras. Mas Michele  estava me odiando e não quis muita conversa comigo.

_ Quando você viu os dois juntos... Por um segundo, sentiu raiva por não ter sido o escolhido, não foi? Por isso os entregou?

_ Isso mesmo... Eu a amava e teria feito tudo por ela... nunca teria agido da forma como Humberto agiu. Eu não teria sido tão canalha desse jeito. Minha doce Michele... Como sinto sua falta!

Alfredo baixou a cabeça e limpou a face que se banhava.
Continuou.
_ Ela só falou comigo novamente dois dias antes de sua morte.  Foi nesse dia que ela se abriu pra mim e me contou como tudo aconteceu. Contou tudo, como e quando se envolveu com Humberto. Acho que foi um  modo que ela encontrou de me dizer que estava tudo bem e que me perdoava... Até então eu só tinha escutado a versão mentirosa do Humberto.

_ E sobre isso? Sobre a morte dela? Ela morreu mesmo de um infarto ou isso também é mentira?

Ele suspirou mudando sua expressão.
_O que importa como  sua mãe morreu, menina? Ela se foi e não vai mais voltar. Eu só  peço a Deus todos os dias que quando chegar minha hora, ela esteja lá, para que eu possa lhe perdir perdão outra vez, por esse meu ato tão nogento de ciúme e inveja... porque foi isso que eu senti quando vi os dois juntos naquele lago. Agora chega! _ disse balançando as mãos em negação_ Lembrar de tudo isso só me deixou mais doente. Preciso descansar agora... Se quiser pode passar a noite aqui e  dormir no sofá. Vou para o meu quarto. Não estou me sentindo muito bem.

Dirigiu se para os seus aposentos.

_Seu Alfredo!
Ela chamou.

Ele virou devagar.

_ Apesar de tudo... Obrigado por me contar.
Mariane agradeceu.

_ Não me agradeça ainda...

Ele saiu e ela ficou sem entender.
Aquele velho rabugento ainda não tinha contado a história por completo.

Mariane deitou no sofá e se cobriu com as cobertas e ficou pensando na história de sua mãe enquanto encarava a coruja empalhada em cima de umas das mesinhas.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top