Quem sabe te vejo no futuro
Podem até achar que sou um covarde e que deveria ter sido menos complacente com a questão de Mariane está nos braços de outro. Mas não preciso Lembra-los do que realmente somos, então...
Na verdade, hoje, depois de quase vinte e cinco anos, reconheço que foi a melhor decisão. Apesar de não obter notícias, acho que os dois conseguiram ser felizes. Digo isso com tamanha firmeza assim, porque acredito que se as coisas entre eles não tivessem dado certo, já teria chegado a nós alguma informação com certeza. Afinal, notícias ruins vem a galope, não é o que dizem?
Se bem que minha mãe jamais me contaria se soubesse de alguma coisa. Quando ainda morava com ela, lembro que todas as vezes que recebia uma ligação do irmão, rapidamente se trancava no quarto afim de que eu não ouvisse a conversa. Sendo assim nunca soube de fato como Mariane estava. E era melhor que fosse desse jeito mesmo, pelo o bem de todos nós e principalmente pelo o bem de Mariane.
Depois daquela madrugada em frente à TV, onde acabei sabendo do noivado dela através daquele programa de Esporte, evitei a todo custo de assistir esse tipo de programação. Logo porque sabia que com a popularidade de Rafael crescendo, sem dúvidas ele estaria quase sempre dando entrevistas.
Aliás, ficar por dentro do que acontecia ou deixava de acontecer na vida deles, só serviria para me deixar mal e depressivo cada vez mais. E eu tinha que deixar tudo para trás se quisesse mesmo me sarar, ainda que tivesse a convicção de que a cura seria impossível.
Quando terminei a faculdade de comunicação, arranjei um emprego num jornal bastante conhecido da cidade. Não era muito, mas gostava do meu modesto cargo como assistente-estagiário do editor. Foi ótimo! Porque assim, desse modo, que aprendi como funcionava os bastidores de um jornal. E já que era algo que me interessava e que tinha apreço, acabou sendo uma experiência muito enriquecedora para o meu futuro.
E apesar de fazer parte de um caderno de notícias, a parte esportiva não era do meu setor. Então não precisava me preocupar com nada relacionado a Surf e outras modalidades que me levassem até Rafael.
Depois de alguns meses, quando já estava estabilizado, eu resolvi sair de casa. Porque já era hora de me virar sozinho. Só que essa ideia não agradou muito minha mãe. Mas eu já estava com vinte e quatro anos e não dava mais pra ficar na barra da saia, então aluguei um apartamento simples e pequeno, conforme meu salário permitia, e fui embora de casa.
( É uma profissão maravilhosa! Mas não espere ficar rico )
Dona Rosa quase surtou quando me ouviu dizer que estava partindo. Mas mesmo com todo drama, aos poucos foi aceitando minha decisão. No fundo ela sabia que um dia isso acabaria acontecendo. Confesso que algumas vezes senti remorso por deixá-la sozinha naquele lugar e até pensei em desistir da ideia. O problema era que aquela casa insistia em me trazer recordações, então era uma questão de sobrevivência sair o mais rápido possível de lá. Eu precisava muito sair.
Nem sempre conseguia ser forte, e por muitas vezes, me via Chorando pelos os cantos da casa quando algo ou algum objeto me fazia lembrar do tempo da estadia de Mariane. Eram tantas coisas espalhadas, pequenos detalhes que não me deixavam esquecer. Como uma simples xícara ou até mesmo o seu lugar de costume na mesa, tudo ali, respectivamente tinha a cara dela.
Porém, umas das piores coisas na casa que realmente me torturava, era o quarto. Sempre tão vazio e sem vida, era especificamente aquele cômodo que não me trazia nenhum tipo de sossego.
Era incrível como os travesseiros e lençóis ainda possuíam o cheiro da loção de Mariane, mesmo depois de mamãe os terem lavado. Talvez fosse só minha imaginação, mas eu juro que ainda era capaz de sentir o doce aroma de ervas adocicadas. Aos domingos, quando vou visitar minha mãe, sempre entro no antigo quarto onde minha "prima" dormia.
E surpreendentemente, depois de tantos anos, consigo captar o perfume impregnado nas paredes e móveis. Pode ser que seja só minha cabeça mesmo, afinal nenhum cheiro resistiria tanto tempo assim.
Quando fui para o meu apartamento, levei comigo uns desses travesseiros. Ou melhor, roubei. Trouxe comigo e passei a dormir grudado com ele todos os dias. Acho que mamãe não percebeu o pequeno furto, e se notou, nunca comentou.
A única vez que ela falou alguma coisa sobre o quarto era que iria transforma-lo num tipo de closet. Depois disso nunca mais tocou no assunto. As vezes minha mãe agia como se a sobrinha nunca estivera ali. Acho que ela usava esse método de evitar falar sobre o passado na esperança de que talvez assim eu esquecesse.
Mas me digam... Como se esquece o que foi resplandecente, radiante e luminoso? Impossível, não é? Pois as luzes do que foi tão grandioso não se apagam com um simples botão de liga e desliga... Então, sendo assim, minha mãe estava fazendo seu voto de silêncio à toa. Não tocar no nome de Mariane não era uma maneira de me ajudar em nada. Apenas não estávamos falando, só isso.
Quando o travisseiro finalmente se estragou com o tempo, eu o joguei fora com o coração em pedaços. Era como se a última lembrança estivesse indo para sempre. E com a reforma do antigo quarto transformado num espaço onde mamãe guardaria suas roupas e sapatos, eu não tinha mais onde buscar os cheiros da lembrança.
Eu sei que poderia encontrar tudo que quisesse numa simples pesquisa na internet. Bastava procurar o nome de Mariane numa Rede Social qualquer. Mas fazer isso seria voltar com tudo outra vez. Não era justo. Nem comigo e nem tão pouco com ela. E claro, nem com o rato de praia do Rafael.
Mas qual é desse Cara?_ ele pensaria _ Anos atrás veio até a mim implorando que a salvasse de todo esse caos e agora que as coisas finalmente ficaram bem ele volta e começa com tudo novamente.
Era melhor ficar quieto na minha mesmo e continuar seguindo em frente. Afinal já tinha chegado tão longe sem ela que acho que dava para suportar o resto dos dias até o fim da minha vida.
Era o que eu pensava.
Com tudo indo bem no trabalho, não demorou muito para que meus superiores reparassem no meu talento para a escrita. E logo me colocaram numa Coluna Temática junto com alguns colunistas importantes do Jornal.
Coluna Temática funciona assim: abordava se um certo assunto qualquer e esse mesmo assunto, no caso artigo, não fica a cargo de um só colunista, mas sim de vários que dão a sua opinião sobre o tema. E eu faria parte de um deles.
Foi algo realmente maravilhoso! Pois adorava escrever. E com um ano, já tinha conquistado minha própria coluna no jornal. Por incrível que pareça as pessoas gostavam do que eu tinha pra dizer. Apesar de muitas vezes não concordarem com o meu ponto de vista.
Meus artigos eram um editorial de opinião, e com o decorrer dos anos, minha coluna foi se destacando. E logo quase todo mundo já tinha ouvido falar no polêmico Alex Brandão. Esse era o pseudônimo que usava para assinar meus textos, que quase sempre era sobre mentiras, relacionamentos, família e amizade.
Com isso também, acabei sem querer, me tornando um tipo de conselheiro sentimental. Minhas páginas eram bombardeadas com pessoas pedindo algum tipo de ajuda para mudar suas vidas amorosas.
E com trinta cinco anos de idade, eu era o cara que dava palpites e trazia soluções para os problemas dos leitores. Com Trinta e seis, publiquei meu primeiro livro com minhas reflexões ...
_ Tente ser Verdadeiro com você e com o próximo.
Mesmo que não precise ser_
Ainda com esse título enorme, vendeu cópias o bastante para me deixar no segundo lugar no ranking dos mais lidos na categoria dos livros de auto ajuda.
O livro foi mesmo um sucesso. Nem eu mesmo esperava. Nele, abordava assuntos que para a maioria das pessoas era algo bem difícil e constrangedor . Afinal, todo mundo mente! Quase todos tem um segredo cabeludo que não teria coragem de sair contando por puro medo de estragar as coisas. Cada um tem algum segredo que se caso contasse, abalaria sua vida e dos outros.
Quem nunca teve que esconder algo da família, do amigo ou mesmo do parceiro? Alguma coisa que já fez, disse ou pensa? E que se viesse a público poderia destruir a harmonia presente? Era sobre esse tipo de assunto que eu falava no livro. Sobre mentiras e o mal que ela causava nas nossas vidas. Pela minha experiência, a verdade era sempre melhor, por mais que possa doer. E era isso que eu queria passar para todos .
Apesar de todo o glamour com o sucesso, eu ainda era infeliz. E hipócrita também. Infeliz porque eu era um homem sozinho e triste, preso pelo um passado que não me deixava um só segundo em paz. Hipócrita porque pregava uma filosofia que nem eu mesmo seguia. Dizia incansavelmente para que todos fossem sinceros e verdadeiros quando na realidade eu não agia assim comigo e nem com o resto.
Bem na verdade, não estava sendo honesto com os meus leitores. Como poderia gritar aos quatro ventos sobre não usar de mentiras se eu mesmo ocultava um passado de absurdos? Ninguém sabia do meu envolvimento com minha própria irmã. E não sei se teria coragem de contar essa história. Então durante esse tempo escrevendo livros e mais livros sobre as questões do quanto deveríamos ser francos e sinceros, eu me via num impasse quase frequente e incômodo.
Conto ou não? Eis a questão.
Até que um dia, diante do espelho enquanto fazia a barba, ouvi no rádio a música em que Mariane e eu dançamos. E aquilo foi como um sinal. Um sinal para que eu nunca sentisse vergonha do único e grande amor que tive na vida. Sim, único! Pois depois dela não me relacionei com nenhuma outra mulher.
Tinha ficado com algumas na faculdade mas eram só casos rápidos de uma ou duas semanas. Não passava disso. E era sempre eu que as largava com a desculpa de está muito ocupado e sem espaço na vida para algo mais sério.
Mas eu sabia que na verdade era só porque não conseguia tirar Mariana de mim. E lá estava eu de novo, sendo um mentiroso. Inventado motivos para não me apegar a ninguém. Mas sério mesmo, não conseguiria criar vínculos com outra nem que quisesse. Sendo assim, chegou um momento em que parei tentar e me afastei de qualquer situação que me levasse a desenvolver algum tipo de envolvimento amoroso.
Evitava as garotas quando pressentia que queriam bem mais do que minha singela amizade. E foi assim que cheguei aos quarenta e dois, sozinho e num apartamento pequeno e triste.
Como disse anteriormente, naquele dia diante do espelho, olhando para a barba branca com espuma e escutando a belíssima canção ecoando pelas as paredes, senti que já era o momento. O momento de escrever minha história. O momento de revelar-se.
Não poderia mais guardar meus fantasmas se quisesse realmente firmar minhas apresentações sobre pensamentos em que tanto acreditava. Dessa forma decidi que escreveria minha biografia. Mas claro, mudaria apenas o nome de Mariane.
E depois de meses preso no escritório junto com as minhas memórias, consegui terminar. Mesmo antes de publicado, já era o mais esperado pelo os meus fiéis seguidores. E quando finalmente o livro saiu, em questão de semanas, já aparecia no topo da lista como umas das biografias mais polêmicas do ano.
O Lago dos Segredos deixou muita gente chocada.
Mas eu não queria impactar ou escandalizar. Só estava cansado de guardar Segredos.
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_Oi, que bom que ligou. Eu já ia te ligar...
_Alexandre, mas que livro é esse? As pessoas não falam em outra coisa...
_Por que não aproveitamos que Vou estar na livraria Cultura e Arte numa tarde de divulgação do livro e tomamos um café juntos?... Faz tempo que a gente não se vê. Seria legal colocar o papo em dia.
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Continua
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