Proteção
Quando Mariane e eu nos despedimos daquela noite maravilhosa que tivemos na biblioteca da escola, sabíamos que deveríamos manter as aparências por enquanto. Pelo menos até resolvermos as coisas com nossos pais_ De novo.
( Dessa vez agiríamos com mais maturidade )
Combinamos que quando chegássemos em casa pela manhã, faríamos isso separados, para não afronta-los assim tão de cara. Então fui na frente e subi para o meu quarto, e logo depois de alguns minutos, ela fez o mesmo, seguindo para o seu.
Quando destravou a porta, Mariane deu um pulinho assustado ao se deparar com seu pai sentado em uns de seus pufs. Pedro estava alí havia muito tempo, só esperando a filha aparecer.
_ Eu não tinha pedido que não saísse?
Disse ele, enquanto analisava o desconcerto da menina.
_ Não sei porque não poderia participar da festa de despedida da escola.
_ Poderia pelo menos ter avisado. Fiquei bastante preocupado quando bati na porta várias vezes e você não respondeu.
_ Não precisa mais se preocupar. Já cheguei e estou bem._
Mariane retraiu os ombros num gesto brincalhão e ligeiramente seguiu para a cômoda.
Pedro notou com clareza o certo cuidado que ela tinha em esconder um envelope que trazia nas mãos. E discretamente, pelo o canto dos seus olhos, memorizou astuciosamente a gaveta que ela escolheu para guardar o misterioso papel.
_ O susto já passou.
De costas para o pai, na tentativa de colocar o objeto o mais escondido possível no final da gaveta.
Mariane se virou fechando a gaveta com a ajuda do quadril e cruzou os braços na defensiva.
_ Desculpe. De verdade.
Ele se levantou e se aproximou da filha beijando-a na testa gentilmente. Não queria criar nenhum tipo de atrito com ela. Não mais.
_ Tudo bem, querida. Vamos deixar isso pra lá_ segurou os ombros dela_ Toma café comigo?
Ela forçou um sorriso em retribuição.
_ Desço daqui há pouco.
Pedro assentiu e saiu. Mas não se dirigiu para a cozinha.
Ele entrou sem que ninguém o visse nos aposentos da Rosa, que ficava quase vizinho do quarto da Mariane. Fechou metade da porta e se resguardou na espreita, só na espera de Mariane passar para o banheiro, que ficava no final do corredor. E quando isso aconteceu, Pedro nas pontas dos pés, se encaminhou novamente para o quarto da garota.
Quando ele girou a maçaneta, não demorou muito para seguir os passos até a cômoda de mogno. Abriu a gaveta certa e procurou cuidadosamente o curioso envelope que ela tentou disfarçar dele.
Era desconfortável e embaraçoso estar vasculhando entre as peças íntimas de sua filha, mas Pedro previamente sentia que existia algo de importante ali e que deveria descobrir.
"Senão, porque ela ficaria tão corada daquele jeito? Será que aquele jeitinho envergonhado era só pelo o fato de ter sido desmascarada, por ter saído sem a minha permissão? Talvez. Mas tinha alguma coisa no olhar dela. E aquele envelope pode ser o motivo, do contrário, porque tentaria esconde-lo de mim daquela forma? "
Pedro pensava assim no momento exato que apalpou o seu objetivo na profundidade da gaveta.
Exaltado, puxou o envelope que estava bastante velho e desgastado. E percebeu rapidamente que não havia precisão nenhuma de ler aquilo. Porque já sábia de cor cada frase e parágrafo daquelas linhas borradas de tinta azul. Também deduziu, pela calmaria e serenidade da filha, que ela ainda não tinha lido a carta. E se depender dele, Mariane nunca mais veria aquilo outra vez.
Apressadamente pôs o seu achado no bolso e deixou o quarto, sem vestígios nenhum de que alguém estivera ali mexendo nas coisas dela.
"Porquê o passado insiste em surgir? Porque não nos deixa em paz?"
"E onde ela conseguiu isso? Achei que nem existisse mais"
Meditava enquanto descia as escadas, indo tomar seu café como se nada tivesse acontecido.
Mariane logo voltou do banho. Envolvida no seu roupão branco e felpudo, secava os cabelos numa toalha. Era incrível como não tirava da cabeça a noite encantadora que teve. Só pensou nisso o tempo inteiro enquanto estava na banheira. Uma madrugada inteira entre livros antigos e estantes de metal, e nenhum outro lugar teria sido tão mágico.
Se essa coisa de destino é realmente verdadeira, então ela sempre esteve predestinada a isso. E mesmo que não estivesse, faria de tudo para estar, porque nunca encontraria alguém que se importasse tanto com ela quanto eu. Já tinha se convencido disso muito antes de lhe presentear com aquela carta. Mas não era por causa disso e nem por qualquer outra coisa que eu já tenha feito, e sim, por simplismente me amar.
Refletia fortemente sobre tudo isso enquanto se dirigia para o quarto. Não queria perder tempo com nada, só desejava ardentemente se trancar no seu mundinho. Até esqueceu de que seu pai a esperava para o café. Jogou a toalha longe e escovou os cabelos. Mirando- se no espelho grande e redondo à sua frente, resolveu que não podia mais esperar, e decidiu que tinha que ler agora ou não teria mais coragem depois. Que o resto lá fora que se dane! Estava ansiosa demais para deixar isso pra mais tarde.
Meu Deus! Mas eram as últimas palavras de sua mãe. Aguentaria?
Sem mais rodeios e espantosamente determinada, escancarou a gaveta. Remexeu cada espaço da madeira entre calçinhas e sutiãs na procura do seu novo bem maior. E quase lhe faltou as pernas quando notou que o seu tesouro tinha sumido.
"Como assim? Isso é impossível! Não faz nem quinze minutos que a deixei aqui"
Mariane ainda incrédula e confusa, tentou achar uma explicação coerente para o desaparecimento do envelope. Não foi muito esforço para pensar em seu pai.
"Eu não acredito!"
Verbalizou zangada quando imaginou que poderia ter sido ele o ladrão.
Saiu do quarto quase correndo e pulou os degraus com passinhos nervosos até chegar a cozinha. Pedro estava na mesa se fartando com pães e broas quando viu a filha vindo em sua direção soltando fogo pelas narinas.
"Droga! Ela já se deu conta do pequeno furto"
_ Me Devolve, pai_
Com as mãos estendidas para ele.
Pedro a olhou seriamente, na tentativa de não transparecer o seu pequeno crime imperfeito.
_ Por favor pai, não finja que não sabe do que estou falando. Eu tenho o direito de ficar com essa carta.
Rosa que estava do lado dele mudou de cor com a palavra carta, aliás, tinha extraviado uma também há um certo tempo atrás. Lembrou imediatamente da carta que eu tinha escrito para Mariane e que ainda estava em sua posse.
Será essa a carta? Achou melhor esperar quieta o rumo da conversa antes de se manifestar. Se bem que não ousaria se entregar.
_ Eu realmente não sei do que está se referindo_
Pedro balançou a cabeça e voltou para a xícara.
Mariane suspirou impaciente
_ Eu sei que foi o senhor. Então não adianta.
Pedro se sentia comovido, de verdade. Apesar do semblante duro. Assim sendo, encarou Mariane fazendo a sua última tentativa.
_ Você não vai gostar do que tem nela.
_ Quem deve decidir isso sou eu_ Precisava mostrar firmeza.
Pedro queria poder dizê-la que ele não estava só preocupado com a reação da filha diante de algumas palavras tristes e de despedida. Tinha questões bem mais amargas esperando por ela naqueles escritos.
_ Eu não quero que você sofra mais do que já sofreu com toda essa história, Mariane. Já chega disso, filha... Porquê simplesmente não podemos deixar isso pra trás?
Os apelos não foram suficientes e Mariane estendeu a mão outra vez.
_ Precisa que me deixe crescer.
Depois de um longo tempo, vendo que o irmão não sairia do lugar, minha mãe interviu corajosamente.
_ Entregue a carta, Pedro. E acabe logo com isso.
_ Mas Rosa...
Encarou a irmã em desalento como um último pedido de socorro mas ela retribuiu um olhar maior de ordem e segurança.
O homem sem mais alegação, afastou a cadeira e se levantou como se fosse para o corredor da morte. E então, com as mãos congeladas e trêmulas, retirou do bolso traseiro o envelope amassado. Fitou o papel por alguns segundos e depois ergueu um olhar lacrimejante para Mariane. E antes de finalmente entregar ainda disse:
_ Esse tempo todo... Só quis te proteger_ pausou em busca de mais palavras mas pareciam todas tão pesadas _ Desculpa se não consegui.
Mariane engoliu em seco diante do estado tão péssimo do pai. Mas afinal o que tinha de tão terrível naquelas linhas que ela já não soubesse?
Mariane sem pestanejar pegou o item tão almejado e seguiu para as escadas.
Pedro caiu de volta na cadeira como um corpo sem vida. Parecia completamente desolado quando ouviu a voz suave da irmã em tom de consolo:
_ Fizemos tudo que podíamos, meu irmão. Agora não está mais sob nosso controle... E seja o que Deus quiser!
Pedro só ficou olhando para o vazio enquanto mamãe massageava sua mão sobre a mesa.
Mariane hesitou por uns instantes em frente da porta do seu quarto e sentenciou que seria melhor se lesse a carta junto comigo. Afinal era algo que ela pretendia ter feito ainda na biblioteca mas por razões que achei corretas a interrompi.
Suspirou fundo e seguiu adiante no corredor até entrar pela a minha porta.
_ Oi?
Falei meio surpreso. Achei que ela tivesse ido tirar uma soneca. Afinal passamos quase a noite inteira acordados.
_ Se incomoda que eu faça isso aqui... _ Mostrou- me com energia o envelope _ Perto de você.
_Ainda acho que deveria fazer isso sozinha_ puxei o ar vendo que não tinha mais como convencer do contrário _ Mas faça como quiser. Eu estou aqui pra você. Sempre.
Sorriu lindamente e sentou numa poltrona do lado da janela.
_ Eu vou ficar bem aqui.
Avisei enquanto sentava na cama e ela balançou a cabeça afirmativamente.
Eu não queria atrapalhar a leitura de Mariane mas estaria pronto para qualquer sentimento ruim que ela tivesse durante aquele momento tão importante. Fiquei em silêncio vendo sua excitação. Me encostei na cabeceira esticando as pernas uma sobre a outra na cama.
Durante os minutos que se passaram pude observar todas as expressões no rosto dela. O impacto de cada frase lhe causava milhares de atitudes no seu comportamento. Espanto, alegria, tristeza, surpresa, tudo ao mesmo tempo. E eu apenas a fitava pensando no que poderia está passando pela a sua mente enquanto lia tudo aquilo.
Eram duas folhas de papel totalmente preenchidas em frente e verso. E minha prima saboreava devagar cada vírgula e ponto. Acho que ela não se importaria se tivesse mais páginas, mesmo que fosse uma carta enorme, quilométrica, com certeza ela não ligaria. Porque pela primeira vez, se sentia próxima da mãe. Poderia ficar horas olhando para a caligrafia de Michele, ouvir seus pensamentos, argumentos e sobre a sua rotina triste. Mas eram só duas páginas. Foi só o que sua mãe lhe deixou. Uma vida inteira resumida em duas folhas de papel.
Mariane estava nas primeiras linhas e fiquei tranquilo vendo que ela tinha conseguido sobreviver. Se bem que não havia mais nada ali que ela já não soubesse. Nos escritos apenas constava a versão de Michele sobre o romance proibido e sua defesa de não ter seduzido ninguém. E claro, por conseguinte, o quanto estava decepcionada e magoada e como ainda amava e perdoava Humberto, apesar de toda rejeição. Mas como eu disse: Era só a primeira etapa da narrativa.
Depois dessa enxurrada de palavras depressivas, Mariane dobrou o papel ao meio e colocou do lado. Ainda com pesar se preparou mentalmente para a segunda parte. E segurando o choro preso na garganta, reiniciou a próxima leitura. Enquanto isso continuei em contemplação, admirando agora a forma esplendorosa como ela ficava de cabelos molhados e como os fios de raios solares dançavam através deles.
Minha prima parecia perfeitamente normal. Até então. De repente minha atenção foi subitamente redobrada quando uma das reações dela foi de intensa repulsa. Mariane tampou a boca com as mãos e tentou com agonia não vomitar no carpete.
_ Mariane?
Disse, erguendo meu tronco com preocupação.
Ela, num impulso desesperador, jogou o papel no ar e correu para fora do quarto, indo direto para o banheiro expelir o líquido nogento e ácido que lhe embrulhavam o estômago. Não a segui porque achei de verdade que ela precisava se recompôr antes de tentar me falar alguma coisa. Mas confesso que fiquei bastante intrigado e atormentado.
"Mas o que tinha nessa segunda parte de tão asqueroso assim?
Avaliava, enquanto estudava o papel abondonando no chão.
Quer saber? Deixa eu ver isso aqui.
Levantei e o peguei. E de repente senti os alarmes de perigo soarem dentro de mim.
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