O velho do Lago
As férias do meio do ano estavam à um passo do fim.
Tínhamos que aproveitar ao máximo.
E soubemos desfrutar.
Passeamos por toda a cidade, meus amigos, Mariane e eu. Fomos ao teatro, cinema, praia e nos últimos dias antes das aulas, sossegamos no lago.
Nadamos juntos, contamos piadas, rimos e curtimos o lugar até o sol começar se esconder entre as árvores.
Samara e Marcos como sempre daquele jeito, amando-se e ao mesmo tempo se odiando, já meu amigo André sempre tranquilo e calmo.
Esses eram meus amigos. Nunca iriam mudar.
Eu não posso dizer o mesmo de mim.
Esses seis meses junto de Mariane me transformaram completamente.
A gente estava cada vez mais forte. Sentir -se amado era fabuloso! E Amar, bem mais.
A sorte é que minha mãe tinha um sono bem pesado e nunca pegou nossas noites de conversas e risos incontroláveis sobre qualquer bobagem que falávamos.
A gente fazia de tudo pra não chamar muita atenção, só que era quase impossível. Era tão intenso que parecia que nada mais existia ali.
Muitas vezes tivemos que tampar a boca um do outro abafando qualquer gargalhada mais alta que nos entregasse. Mariane não era só meu amor mas uma amiga com quem adorava falar sobre tudo.
E ela também se sentia assim sobre mim.
Tudo era perfeito. E eu só pensava em como eu era feliz do lado dela.
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Ficamos abraçados em baixo da grande árvore de rente as águas.
Não era mais segredo para nossos amigos o nosso namoro, então não era mais preciso nenhuma discrição.
Enquanto eles conversavam há alguns metros longe de nós, a gente conversava ali. Olhando a paisagem magnífica do lago.
Por um momento, soltei de seus braços e olhei fixamente para as antigas inicias gravadas no tronco da árvore. E de repente me veio a idéia de que eu também poderia deixar a minha história de amor ali pra sempre.
Pedi a ela uma pedra. Uma que fosse bem afiada. Curiosa, ela me perguntou o porquê de precisar daquilo agora e eu apenas repeti que queria uma que fosse a mais pontiaguda possível e com urgência.
Mariane riu sem entender mas não deixou de procurou pelas as folhagens até encontrar.
Quando finalmente achou, me entregou uma bem pequenina que logo cravei no carvalho.
Com um pouco de esforço, deixei marcado as inicias
A & M
As iniciais dos nossos nomes ficariam lá pela a eternidade ou até o tempo de vida daquela árvore.
Assim como j & M que ali já estavam há muito mais tempo.
Ficava imaginando se j e M foram ou eram tão felizes quanto Mariane e eu.
Quando terminei, ela riu engraçado e eu quis saber o motivo.
_ O que foi?
_ É que ficou um pouco estranho...
_ Acabei de fazer a coisa mais romântica de todos os tempos e é isso que eu escuto _ Brinquei.
_ Sabe o que tá parecendo?
Falou se recompondo_Ela apontou para cada letra da primeira gravação antiga até a nova._ Que M depois de algum tempo se cansou do J e partiu pro A
Terminou, deslizando sua mão para a gravação que eu tinha acabado de fazer.
Incrível como eu ainda não tinha notado a coincidência das letras entre a gravação antiga com a minha feita agora. As inicias M estava onipresente entre as duas declarações do passado e do presente.
J & M
( primeira gravação )
A & M
( Minha gravação )
Vendo por esse ângulo ficou engraçado mesmo. Mariane tinha razão.
Pobre J
Rimos.
_ Posso deixar uma observação bem aqui do lado _ apontei para o tronco _ Esclarecendo que não são as mesmas pessoas.
Ela riu mais uma vez.
Ri junto, e num momento percebi a expressão do rosto dela mudando totalmente, de uma expressão alegre para uma expressão de quase susto.
_ O que foi?
Perguntei, ainda vendo o seu jeito estranho.
Ela não me respondeu, então segui seu olhar assustado até onde ele ia.
Detrás de mim estava um velho de aparência ameaçadora escondido entre as folhagens na espreita só nos observando.
Me assustei também e o velho se aproximou de nós revelando que tinha uma pá como arma nas mãos.
Protegi Mariane de imediato tomando à frente dela. Ela ficou meio que escondida, agarrada às minhas costas, foi quando ele começou a falar.
_ Já avisei que não quero ninguém no lago!
Na verdade foi surpresa ver Alfredo daquele lado do lago. Quase sempre ele apenas nos expulsava gritando de longe sem nunca se aproximar. Ele nunca tinha chegado assim tão perto dos seus intrusos.
_ Desculpa... já estamos indo embora.
Tentei não enfurecê- lo mais ainda.
_ Espera!_ disse o velho, franzido a testa e soltando a pá aos seus pés, e ficou nos analisando como se fôssemos de outra galáxia _ Eu conheço você.
Fiquei meio sem entender e respondi com cuidado:
_O senhor já deve ter nos visto algumas vezes por aqui... Mas a gente promete que não pisa mais por essas bandas.
_ É você mesmo? _Me ignorou totalmente, olhando fixamente para Mariane dos pés a cabeça _Não mudou em nada... Como pode isso?
Estava começando a ficar esquisito.
Já sabia da loucura que aquele velho corcunda carregava mas aquilo estava dando arrepios.
O modo como olhava para Mariane.
Suas maos trêmulas tentaram alcançar Mariane e eu a defendi de suas garras afastando minha prima dele.
Ele continuou com as bizarrices.
_ O tempo parou pra você... Mas isso não é possível!... É algum tipo de brincadeira?
Seu Alfredo era um homem de seus 60 anos, mas pelo o seu aspecto frágil e doente parecia ter bem mais.
_ Porque você voltou?
Disse ele com sofrimento.
Mariane estava confusa e não sabia o que dizer.
_ Desculpe, senhor, mas não sei do que está falando.
Amedrontada.
_ Como assim não sabe? Se foi você que me deixou assim. Doente.
_ Acho que o senhor deve tá me confundindo com outra pessoa.
_ Você sabia que desde aquele dia... _ Ele continuou _ Desde aquele maldito dia, minha vida virou um verdadeiro inferno?Tudo ao nosso redor, virou escuridão... Ninguém mais conseguiu ser feliz neste lugar.
Os olhos dele se encheram de água.
_ Seu Alfredo, já estamos indo embora.... Não precisa mais se preocupar com a gente aqui
Disse, me afastando devagar. Ele era mesmo louco.
_ Não! Por favor, esperem...Vocês Precisam me perdoar... Eu não quis fazer aquilo... Por favor! você!_ Direto para Mariane_ Não vá! ... Fique! Não nos deixe novamente... Fique por favor!
Mariane e eu saímos depressa dali e rapidamente chamei meus amigos para irem embora.
Até então nenhum deles tinha notado o que estava acontecendo.
Saímos e mesmo de longe ainda dava para escutar os berros do velho.
_ Eu sei porque voltaram!... Voltaram pra me assustar! vocês querem vigança? Não é por isso que vieram?... Voltem aqui! Eu não posso suportar mais isso sozinho! Não mais!
Gritava o velho.
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_ Mas o que deu nele?_
Perguntou Marcos durante o caminho de volta pra minha casa.
_ Acho que agora o coitado enlouqueceu de vez_ Samara.
_ Vocês ouviram os gritos dele? Alguma coisa a ver com vingança ... Credo!_
Disse André passando as mãos pelos os braços
_ Bizarro mesmo_ Marcos.
_ Acho melhor dá um tempo nesse lago... Ele não me parece muito equilibrado. Pode acabar machucando a gente com aquela pá dele._
Falou Mariane ainda abismada com o modo que o velho a olhava.
_ Não acho que eu apanharia de um velhote acabado como aquele... Mas é melhor evitar qualquer confronto mesmo_ Marcos
Concordando com ela.
Era óbvio que dessa vez seu Alfredo surtou pra valer.
Já tinha ouvido falar que ele não batia bem da cabeça, mas nunca imaginei que ele fosse assim tão pirado.
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Alfredo se apoiou no tronco do carvalho. Tocou levemente nas iniciais na árvore e pousou os seus dedos deformados pela artrose carinhosamente em cima da primeira letra M e sussurrou repetidamente ...
" Você voltou...Você voltou, meu amor."
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Aquele episódio descomum não saiu um só segundo da minha cabeça.
Depois que meus amigos foram embora lá pela tardinha, fiquei até o anoitecer no meu quarto lembrando daquela cena tão medonha e horrível daquele corcunda, dizendo aquelas palavras tão sem sentido.
Sempre o via de longe e vê- lo de perto me impressionou.
Tinha um aspecto tão sofrido, tão amargo e ao mesmo tempo tão frágil. Confesso que senti medo e pena ao mesmo tempo.
E o jeito que ele olhava pra Mariane? Foi o mais assustador de tudo o que houve ali. Parecia até que tinha visto um fantasma.
Pensando nisso tudo, decidi que na hora do jantar, iria procurar saber mais sobre seu Alfredo com a minha mãe.
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Exatamente às vinte horas da noite em ponto, ouvi minha mãe gritar, avisando que o jantar já estava servido.
Desci as escadas e fui para a cozinha.
Sentei ao lado de Mariane que já se servia e peguei meu prato abastecendo - o com bastante sopa.
Comemos em silêncio por alguns minutos e foi então que veio na minha minha mente que seria o momento perfeito.
Então Iniciei a conversa.
_ Mãe... O quanto a senhora sabe sobre o homem do lago? O seu Alfredo?
Ela subitamente parou de comer, jogando a colher no prato e me olhando com olhos arregalados.
_ Porque esse interesse nisso agora?
_ Nada_ Dei de ombros_ só curiosidade
Disse, esfriando minha sopa na colher enquanto Mariane me olhava.
_ Ora, o que eu sei é o que todo mundo sabe... Que é um homem doente e um tanto louco...
Minha mãe parecia falar a verdade, apesar de parecer um pouco incomodada.
Bebeu um pouco de água ligeiramente.
_ Estranho né? Vocês são praticamente vizinhos e a senhora não sabe nada sobre ele.
_ Pra você vê...
_ Será que ele mora sozinho? Será que tem esposa? Filhos?
Mostrou irritação com minhas perguntas.
_ Vocês não foram mais lá, foram?
_ Não! claro que não!
menti.
_ Acho bom. Não quero reclamação de vizinho na minha porta.
Finalizou a história e decidi que também era melhor esquecer de vez daquele maluco.
Não toquei mais no assunto durante todo o resto da noite.
Minha mãe tinha razão. Seu Alfredo era só um doido que cuidava de um lago.
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Os últimos dias de férias passaram-se ligeiramente num piscar de olhos.
Naquela manhã de segunda a gente se preparava para à escola. Nos vestimos e fomos tomar café.
Quando terminamos, minha mãe e eu saímos e fomos pra sala e Mariane continuou na mesa mastigando seu ultimo pedaço de pão. Foi quando o telefone sem fio, preso na parede, soou.
Mamãe da sala gritou, pedindo para que Mariane atendesse.
Ela obedeceu.
_Alô!
Mariane com uma xícara na mão.
Depois de um segundo de silêncio a voz do outro lado resolveu falar.
_ Rosa, Precisava falar com você... Desculpe por ligar assim, sei que não devia mas aconteceu algo muito estranho esses dias por aqui...
A voz era masculina e parecia agitada.
_ Desculpe mas eu...
Ela bem que tentou explicar que na verdade não era a minha mãe. Em vão, pois a voz não deixou ela prosseguir.
_ Eu acho que a vi!... E estava lá, no mesmo lugar de sempre, Rosa... Não sei como isso é possível mas estou com medo... Acho que o passado finalmente voltou pra me pegar...
Mariane tentou explicar novamente que ele estava falando com a pessoa errada.
_ Senhor, por favor...
A voz de repente ficou embargada e a interrompeu sem dá a mínima chance de nenhuma explicação por parte dela.
_ Eu a vi! juro que vi! _ Chorou _ Estava tão linda! Linda como sempre!... _ um segundo pra se restabelecer do choro _Eu nunca imaginei que um dia veria Michele novamente...
Mariane ficou paralisada ao ouvir nome de sua mãe e seu coração acelerou e tão prontamente se dispôs a querer saber mais.
_ Quem está falando?...
_ Sou eu, Rosa... Alfredo..._ Os olhos de Mariane saltaram_ Eu estou rouco, desculpe... Passei a noite inteira clamando a Deus por perdão... Gritei por isso até os primeiros raios de sol surgirem e minha garganta não aguentar mais... Eu trouxe muito sofrimento, Rosa... E preciso que Deus me perdoe... Preciso.
Mariane ficou totalmente perturbada, afinal sua tia mentiu. Ela só não conhecia Alfredo como eles ainda eram bem íntimos.
Alfredo tinha o número do telefone da casa e falava coisas de que só os dois entendiam.
E pra piorar ainda mais parecia ter conhecido bem sua mãe Michele.
E ainda falava dela no presente, como se sua mãe ainda estivesse viva.
A voz do outro lado ficou ainda falar sobre perdão mas Mariane parecia confusa demais pra interagir
_Rosa? Você ainda está ai?
_Dizia a voz_ Rosa, você realmente me perdoou? Eu preciso que me diga novamente.
Nesse mesmo momento Mariane percebeu a chegada de minha mãe na cozinha e desligou rapidamente o telefone, tendo antes o cuidado de deixá-lo no mudo, para que não tocasse novamente.
_ Quem era, querida?
Perguntou minha mãe sorrindo, indo até a mesa, retirando as xícaras para lavar na pia.
_ Não era ninguém. Foi engano.
Tentou disfarçar_ tchau tia, até mais tarde.
Disse Mariane saindo da cozinha rapidamente.
_ Vão com Deus!
Gritou minha mãe para nós.
Saímos da casa, e andei até onde minha bicicleta estava.
Sentei na sela e a arrastei com os pés ordenando para que ela subisse na garupa. Foi quando ela me surpreendeu com sua resposta.
_ Acho que não consigo ir pra escola hoje...
Ela disse meio chateada com alguma coisa.
falei, descendo imediatamente da bike _ Porque?
Ela Continuava andando devagar e pensativa.
_Você tá legal, Mariane?_ insisti
Eu sabia que tinha alguma coisa muito errada.
Ela parou, suspirou e me olhou.
_Acho que a sua mãe está mentindo pra nós.
_ Como assim?
_ Adivinha quem era no telefone agora há pouco? O homem do Lago... E ele me parecia ser bem íntimo da tia Rosa.
_ Mas você ouviu o que ela disse, Mariane... De que não sabe nada sobre ele... Porque minha mãe mentiria?
_ Eu não sei. Só que é muito estranho que ela nunca tenha falado com esse homem e de repente ele tem o numero da sua casa.
_ Mas Mariane, o fato dele ter o número daqui de casa não quer dizer nada... Ele pode ter conseguido o número com qualquer outra pessoa. Minha mãe conhece quase todo mundo pelas as redondezas por causa da feira. Ele deve ter ligado pra reclamar de nós por conta daquele dia que pegou a gente na propriedade dele.
_ Ele não falou nada sobre isso...
Só falou na minha mãe o tempo inteiro. Pelo visto conhecia ela também.
_ Agora você conseguiu me deixar confuso.
_ Eram coisas completamente sem sentido.... Mas parecia muito desesperado a querer contar isso a tia Rosa.
_Mariane... Eu não sei se você notou, mas o seu Alfredo tem um parafuso a menos... Nada do que vem dele pode ser levado em consideração.
_ Pode até ser... Mas esse homem demostrou conhecer bastante minha mãe e pelo visto ele sabe coisas que eu não sei... E é exatamente isso que vou tentar descobrir agora...
_ O que pensa que vai fazer?
_ Diz na escola que estou doente.
Saiu andando apressada e fui atrás.
_Espera! Pra onde você vai? _ ela não me respondeu e eu a segurei pelo o braço _ Espera, calma ai! Me diz o que você vai fazer?
_ Vou até a casa desse Alfredo... E ele vai ter que me dizer de onde e como ele conheceu minha mãe... E vai me explicar também o porquê de todo aquele desespero no telefone...
Fiquei olhando pra ela e logo respondi Disposto a ajudar, mesmo não tendo a mínima ideia de como aquele homem de feições tão assustadoras iria nos receber.
_ ok, certo... Mas você não vai sozinha. Eu vou com você.
"Que Deus nos proteja!"
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