Na ponta dos lábios

Percorremos o caminho para o lago, bem devagar. Mariane ainda andava com com um pouco de dificuldade. O sol cruel queimava e gotas de suor escorriam pelo o meu rosto.

Quando chegamos às margens, ela foi logo sentando e cruzando as pernas e o vestidinho curto e soltinho que o vento insistia em subir deixou a gente sem jeito.

Sentei ao seu lado tentando controlar meus pensamentos, mas era impossível, pois seu perfume suave era o melhor cheiro do mundo.

_ Se tivesse um lugar assim onde eu moro... Eu jamais sairia de lá..._ Após um segundo_ Quem é o dono desse lugar? Você o conhece?

_  Não muito... É só um velho rabugento chamado Alfredo.

_ Rabugento?

Balançei a cabeça afirmativamente e a olhei com um olhar sinistro. Continuei _ De vez em quando ele aparece por aqui e nos expulsa aos gritos e berros.

_ E Se ele pegar a gente agora?
Mostrou se preocupada.

_ Não se preocupe _ Sorri, tinha conseguido assustar __ Uma hora como essa ele nunca aparece. Ele vem aqui raramente nos finais de semana. Seu Alfredo sabe que esses são os dias que as pessoas mais invadem... Mas não costuma aparecer muito. Ele é doente e nem sempre tem disposição.

_ Pensei que só vocês invadissem esse lugar... 

_ Já vi outras pessoas nadando por aqui, gente desconhecida.

Levantei puxando-a.

_ Vem ver uma coisa!

A levei até uma árvore velha quase rente a água e mostrei uns rabiscos em forma de coração.

  Dentro do coração tinha duas iniciais:

                       J e M

Mariane tocou nas iniciais gravadas no tronco do carvalho, como se pudesse sentir o amor daquelas duas pessoas.

_ Isso está aí desde muito tempo. A primeira vez que vim no lago eu tinha onze anos, e essas inicias já estavam gravadas nessa árvore. Acho que esse lugar sempre foi um paraíso pra muita gente.

Silêncio.

_ Bom, já que não tem perigo do velho rabugento aparecer, vamos aproveitar e nadar um pouquinho.
Falou se dirigindo as águas.

Segui atrás dela. Afinal quem era eu pra discordar.

Brincamos na água como duas crianças do jardim de infância.

Depois do cansaço de tanto jogar respingos de água no rosto de um e do outro, olhei para o relógio no pulso e vi que já fazia mais de uma hora que estávamos ali. Senti que já era hora de voltar.

_ Não tá com fome?

_ Morrendo.

Rimos.

Mariane ficou me olhando por alguns segundos como se esperasse alguma coisa de mim.

  Se aproximou e ficamos frente à frente e  logo tomou a iniciativa que eu não tive coragem.

Num sobressalto me deu um selinho docemente nos lábios, rápido e discreto.

Demorei pra entender o quê aquele singelo selinho significava.

Talvez ela esperava que eu agarrasse em meus braços e a beijasse de verdade. Mas minha mente simplesmente travou, paralisei, fui pego de surpresa, então não tinha idéia do que fazer.

Covarde e medroso! Isso o que eu era.

Quando percebi o que realmente deveria fazer ( Depois de intermináveis minutos ) tomei fôlego e coragem e me aproximei pronto para beijá-la. Foi quando nesse exato momento fomos interrompidos por gritos, vindos do outro lado do lago.

_ Ei, vocês! Saiam já daqui! Fora!

Assustados, vimos o velho Alfredo, super zangado, com uma pá nas mãos, gritando descontrolado inúmeros palavrões.

_ Ele não me parece tão doente agora.
Mariane exclamou.

E saímos para fora da água.

Mariane ria sem parar, e eu só estava preocupado em fugir.

Corremos sem olhar pra trás e Mariane rapidamente esqueceu que um dia tinha um corte no pé.

Atravessamos pelo o arame, como dois loucos.

Quando chegamos em frente de casa, recuperamos o fôlego e ela me olhou dizendo:

_ Você não disse que não tinha perigo dele aparecer?
Falou irônica.

_ Eu também estou surpreso.

_ O que ele pensa que vai fazer quando surge com aquela pá?

_Enterrar qualquer um que ouse nadar no lago dele.

Nossas risadas foram interrompidas, minha mãe surgiu na varanda e parecia furiosa.

_ Onde vocês estavam?_ Cruzou os braços. Mal sinal _  Faz quase uma hora que eu grito por vocês dois... Espera um pouco...  Estão com as roupas úmidas?  Por favor, não me digam estavam na propriedade do Alfredo...._Os olhos de mamãe se acenderam de tão zangada._ Meu Deus, Alexandre!  Você sabe muito bem o quanto aquele homem não gosta de ninguém naquele lago. Eu já proibi você de nadar alí várias vezes... Não acredito que você me desobedeceu!

Nos desculpamos.

_ Vamos! Entrem os dois e  troquem essas roupas para almoçar.

Nos sentimos com cinco anos. Mesmo assim foi engraçado. E por aquele simples beijinho valeu a pena tamanha bronca.

#############

Depois daquele dia no lago, eu e Mariane não tocamos no assunto do  beijo. Acho que porque não tivemos muitos momentos a sós.

Eu queria muito conversar com ela e entender o que tinha sido aquilo afinal. Queria mesmo saber se aquilo significava que ela gostava um pouco de mim.

Finalmente o sábado chegou e foi totalmente tomado pelos meus amigos, que decidiram me visitar.

Passamos o dia juntos, comendo pipoca e assistindo alguns episódios das nossas séries favoritas.

Depois fomos escutar música.  Mas nada de discos antigos.

Samara quem comandou o som dessa vez. Colocou no volume máximo uma das suas bandas do momento.

A música tinha uma vibe meio trevosa e Samara dizia que tinha sido feita pra ela, então tivemos que escutar repetidas vezes.

Quando finalmente escureceu e estávamos totalmente surdos, Samara teve a brilhante idéia de fazermos uma fogueira lá fora.

No começo mamãe não gostou muito da idéia de fazer fogo em frente de casa, mas com tanta insistência da turma acabou permitindo.

Procuramos uma área mais afastada da casa e acendemos nossa fogueira em alguns tocos de madeira.

_ Sempre quis fazer isso.
Brincou Samara.

_ Só falta um violão_
Opinou André.

_ Não! Chega de música por hoje _ Marcos.

Sentamos diante da fogueira e  Mariane sempre junto de mim


De repente minha mãe aparece com alguns pratos, e me entrega em mãos. Tinha pedaços de queijo neles, cortados cuidadosamente em cubos.

Disse que era pra assar na fogueira e que seria delicioso.

Todos aplaudiram mamãe, elogiando. Ela era assim, gostava de agradar.

_ Estou indo me deitar... Mas nada de esticar muito pela a noite, ouviram bem?
Ordenou.

_  Pode deixar, mãe.

Saiu, desejando Boa Noite.

Mal minha mãe pós os pés na entrada da casa, Samara eufórica, levantou e correu até uma árvore no meio da escuridão.

Fiquei sem entender, até vê-la voltando, com uma caixa de isopor nas mãos.

_ O que é isso?
Perguntei.

_ O que você acha?_ Respondeu ironicamente.

Samara tirou algumas latinhas de cerveja e já saiu distribuindo.

Eu sempre tive a fama de cara certinho. Confesso que sou meio careta mesmo, mas nunca me importei com a opinião dos outros ao meu respeito. Levava isso numa boa.

Já Samara, adorava ser vista como uma rebelde, então pra ela quebrar regras era tudo de bom.

sempre desajustada, era quem sempre nos metia em confusão. Mesmo assim eu gostava daquela maluca de cabelos maçã do amor.

_ Se minha mãe volta e vê isso aí, Samara, nunca mais na vida ela deixa vocês virem aqui em casa_Falei preocupado, olhando tenso, pra entrada da casa. Minha mãe nem podia sonhar eu com bebida.

_ Relaxa, Alexandre! Sua mãe foi dormir_ Falou Marcos, depois de um arroto_ Tenta se divertir um pouco pelo menos uma vez na sua vida.

_ Ele tá certo _ André _ Se a tia Rosa pelo menos desconfiar disso é capaz mesmo de nos proibir de visitar o Alexandre.

Marcos ficou a pensar, procurando as palavras.

_ Vocês dois vão ser canonizados, podem ter certeza disso_ Marcos enquanto bebia devagar.

André olhou para ele fazendo uma careta.

_Acho que não_
Samara falou, sorrindo com aquele olhar de quem vai aprontar_ Se depender disto.

Ela tirou dos seus bolsos alguns cigarros. Não eram cigarros comuns. Nos mostrou com orgulho.

_ Isso é o que estou pensando?
André se assustou.

Entregou um dos cigarros nas mãos de André.

_Esse aí vocês dividem... Agora esse é so meu!

Samara com o cigarro na mão.

_Isso é.... Erva?
Perguntei incrédulo

_Meu Deus! Em que mundo você vive?
Samara me fez parecer um bobo.

Nesse momento ela já tinha acendido um e tossia enquanto falava.

Mariane que esse tempo todo só observava, soltou um risinho. Eu a olhei diretamente.

_ Você acha isso engraçado? Perguntei brincando.

Ela riu mais ainda.

_ Imagine sua mãe vendo isso agora, cara? Se as cervejas já seriam uma grande coisa, imagine então isso_
André falou, dando um trago.

E todos se acabaram de rir.

Ótimo! Todo mundo resolveu tirar uma com a minha cara.

Depois de muitos risos às minhas custa, Samara resolveu me defender.

_Tá bom, chega pessoal! Deixa ele... Ele é só uma criança. Não faz por mal.

André me entregou o cigarro.

_ É um direito seu dizer não... Não liga pra eles.

Tomei com violência balançando a cabeça.

Peguei o cigarro e na primeira revirei os olhos, me engasgando com a fumava.

Meus olhos arderam, junto com minhas narinas, foi o suficiente pra todo mundo cair na gargalhada de novo.

_ Que coisa mais horrível!
_Falei cuspindo_ Cruz credo!

_ Posso ?
Mariane tomou das minhas mãos, fumando numa habilidade extraordinária.

Todo mundo ficou de queixo caído. Aquilo não era novo pra ela, com certeza.

Depois de tomar gosto, reparou que ficamos totalmente surpresos e hipnotizados com sua maneira elegante de manusear o cigarro, e tentou explicar.

O que houve com a criança comportadinha?

_ Já encontrei alguns desses nas coisas do meu pai... _ Pensou um pouquinho e depois completou_ É terapêutico pra ele.

Entregou nas mãos do Marcos o cigarro.

_ Um VIVA ao Pai da Mariane!_
gritou Samara, com cervejas nas mãos

Era tão bom estar assim junto deles, sem se preocupar com nada, nem com ninguém.

Bons tempos aquele.

Hoje sinto um pouquinho de  falta daquele garoto que não se permitia aventuras como aquelas....



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