Coração Dourado
Pedro batia na porta várias vezes chamando pela filha. O dia já amanhecia revelando todos prontos para iniciar suas tarefas e Mariane ainda não tinha nem saído do quarto para tomar seu café.
Eu estava no banheiro do fim do corredor, escovando os dentes com um creme dental especialmente indicado para meu insuportável tipo de sensibilidade, quando escutei o barulho repetitivo de batidas na madeira.
Coloquei a cabeça para fora da porta, atraído pelo o alvoroço.
Imóvel, observei o pai de Mariane pedindo para que ela acordasse, pois já estava muito atrasada para a escola e ele queria acompanhá-la.
Não queria que ele fosse com a gente mas pelo o visto ia ser inevitável.
Ele ansiava resolver a questão dessa transferência com urgência, mesmo contra a vontade dela.
Sem resposta nenhuma vinda do quarto da filha, Pedro nem pensou duas vezes e girou a maçaneta entrando.
Fiquei na expectativa.
Em menos de um segundo ele saiu do quarto com uma expressão bastante preocupada.
Depois desceu as escadas quase correndo.
Cuidadoso, também fui sondar o que ele poderia ter visto de tão equivocado para deixá-lo tão aflito daquele jeito.
Adentrei e notei que a cama estava intacta como se ninguém tivesse repousado ali naquelas últimas horas.
Deduzi, tentando aliviar, que talvez ela já tivesse saído para a escola, mas achei pouco provável essa idéia.
Ela não sairia assim, sem antes ter ido falar comigo. Eu acho.
Pensei também em ligar pra ela mas esse pensamento foi totalmente descartado quando vi seu celular em cima de uma das cômodas.
Comecei então ficar ainda mais apreensivo principalmente quando reparei na bolsa em que ela sempre trazia os seus livros escolares pois estava no mesmo lugar em um dos ganchos do cabide.
Concluí mais precisamente que Mariane não dormiu em casa naquela noite e nem tão pouco ido para a escola.
Desci as escadas e escutei a voz de Pedro vinda da varanda.
Ele estava com mamãe e prontamente me aproximei para saber o que diziam.
Ele parecia bastante estressado.
_Onde essa menina se meteu?
_Calma, meu irmão. Ela deve ter ido passar a noite na casa de alguma amiga, logo ela aparece. Você vai ver, não se preocupe._
Mamãe como sempre tão calma e pacífica nas questões.
_ Ela sabia que iríamos juntos para a escola. Tinhamos que resolver o assunto dessa transferência ainda hoje... Quanto mais rápido melhor!_ Atordoado_ Como ela pode ser assim tão irresponsável desse jeito? Sai assim, sem avisar? No meio da noite? Numa tempestade?
_ Já tentou ligar?
_ Ela não levou o celular. Acho que não quer ser incomodada.
_ Fique calmo!
Mamãe dava batidinhas no ombro dele.
_ O que me resta agora é deixar pra resolver isso só amanhã. É uma pena, porque eu pretendia mesmo terminar logo com isso o mais rápido possível.
Pedro se apoiou na cerquinha de madeira da varanda, baixando a cabeça pensativo e afobado.
Eu particularmente estava achando tudo aquilo muito estranho.
Por mais que ela estivesse chatiada, jamais sairia daquele jeito, não sem ao menos ter me deixado uma mensagem ou ter ido falar comigo, mesmo escondida.
E alem do mais, pra onde ela iria?
Onde passaria a noite?
Samara não morava mais com os pais, entretanto não tinha como oferecer sua casa.
Marcos tambem não tinha como arranjar mais um lugar pra outra pessoa dormir e André jamais poderia dar dormida à alguém, sua mãe jamais aceitaria uma garota dormindo com ele sob o mesmo teto.
Essas foram todas as possibilidades que consegui imaginar. Fora eles, forcei a cabeça buscando alguém com que ela pudesse estar.
Mariane teria coragem de pedir abrigo há quem, naquele momento?
Não veio ninguém na mente, ninguém da escola e nem nenhuma outra pessoa conhecida.
Nosso círculo de amizades era bastante pequeno, não tinha muitas opções por onde eu deveria procurar.
Pedro levantou a cabeça por alguns segundos e automaticamente se sentiu totalmente enfadado com os raios de sol que atravessavam os galhos das copas, cegando seus olhos.
Se afastou, protegendo a visão com a palma da mão.
O sol das seis e meia era tão enérgico quanto o sol do meio dia, diga-se de passagem.
Nesse frenético ato de escapar dos fios de luz que o perseguiam, pode notar um pequeno brilho, brotando do solo, ainda enlamaçado pela chuva forte que caíra durante toda a noite.
Ficou a observar muito atraído pela cintilação dourada, que se irradiava ainda mais com a claridade natural do dia.
Desceu os degraus da entrada e pisou no chão úmido, sem se importar com a sujeira em que ficou seus sapatos.
Minha mãe silenciosa, apenas testemunhava a bisbilhotice do irmão.
Hipnótico, andou até o meio do terreno e analisou o objeto brilhante de perto.
Manchando os dedos de terra juntou a peça luminosa encoberta de resíduos.
Foi quase instantâneo o reconhecimento daquela corrente de ouro com um pingente no formato de um coração.
Cismado, ficou fitando o colar no qual lhe trazia inúmeras lembranças e em seguida o limpou na barra de sua blusa como se tentasse polir.
Mamãe vendo aquilo de longe, decidiu chegar mais perto com cautela, como se andasse num terreno minado cheio de explosivos, no qual detonaria com qualquer passo mais brusco.
_O que foi, Pedro?
Perguntou quase sussurrando.
Ele calado se virou e mostrou o colar para minha mãe.
_ Esse é o colar da Mariane...
Afirmou surpresa.
_ Essa corrente pertencia a mãe dela_
Pedro parecia emocionado mas tentava disfarçar.
Não queria mostrar mais fraqueza diante da irmã.
_ Deve ter caído de seu pescoço e talvez nem tenha notado_
Mamãe tentou tranquilizá-lo.
_ Não, minha irmã... Acho que não foi nada disso. Esse colar não caiu. Ele foi arrancado, e com muita violência.
Pedro pressentia que a filha não estava bem quando percebeu o fecho da corrente rompida.
Apertou o relicário na mão com força e encarou mamãe com convicção. Continuou:
_ Mariane jogou isso fora.
Incrível como os pais sempre acertam.
_ Ela estar com raiva. Não quer partir. Dê um tempo a ela.
_ Desconfio que não esteja só furiosa só por causa disso, Rosa...
_ E ela estaria chateada com mais o quê, então?
Franziu a testa.
_ Eu posso está enganado _Suspirou com abatimento_ Mas eu acho que ela escutou nossa conversa de ontem à noite... Só pode ter sido isso!
_ Não! impossível! Naquela hora eles já estavam dormindo há muito tempo _ Disse mamãe como se explicando_ Antes mesmo de entrar no seu quarto pra gente ter aquela conversa, eu verifiquei.
Verdade.
Mamãe tinha ido até os quartos, colocou os ouvidos próximos das portas no intuito de escutar qualquer tipo de barulho que identificasse se ainda estávamos acordados, e só depois quando viu que não havia perigo nenhum, procurou o irmão para conversar.
_ Se for mesmo por causa disso, eu preciso encontrar minha filha o quanto antes_
Disse Pedro aflito.
_Tenha um pouco mais de paciência, Pedro. Ela vai aparecer... Quando a cabeça dela esfriar, com certeza vai se sentir muito mais calma e voltará para casa. Fique tranquilo, meu irmão_ Dizia serenamente_ Eu prometo que se daqui para o meio dia ela não retornar, eu mesma me juntarei à você e sairemos pela a cidade inteira a procura de Mariane... Mas agora, por enquanto, vamos apenas esperar...Tá bom?
_ Eu não estou gostando nada desse sumiço... Já passei por isso uma vez... Você lembra... E não acabou muito bem..._ Pedro estava mesmo muito nervoso_ Acho mesmo que minha filha deve ter tido um motivo muito forte pra ter saído assim desse jeito...
_Tenha calma... Vai dar tudo certo. Ela está bem, acredite!Agora venha, vamos entrar e esperar por ela lá dentro.
Mamãe colocou suas mãos no ombro do irmão guiando para dentro da casa.
Dona Rosa era assim.
O mundo desabando e ela mantendo sempre essa expressão de calmaria.
Ele obedeceu com respeito de um irmão mais novo e entrou.
Quando surgiram na sala se depararam comigo, em pé, perto da janela.
Eu, em todo aquele momento estive brechando os dois pela a veneziana.
Não tinha dado para escutar o assunto deles por causa da distância, mas conseguia detectar que alguma coisa de muito ruim estava rolando.
Eles ficaram me encarando por alguns instantes com um certo olhar de reprovação, como se esperassem que eu dissesse algo.
Fiquei sério e parado sem me intimidar.
Foi quando minha mãe decidiu se pronuciar.
_Você tem idéia de onde Mariane possa ter passado a noite, querido?
_ Não.
Respondi com dureza.
_ Tem certeza?
_ Tenho.
Pedro se soltou dos braços dela tomando uma posição de ataque, como se preparasse para uma luta, como se fosse me enfrentar.
_Tem certeza mesmo de que não sabe onde ela poderia está?
_Não!... E mesmo que soubesse não diria pra você_
Respondi com firmeza e coragem mesmo tendo a noção de que levaria outro soco daqueles.
Mamãe surtou com minha atitude mais uma vez e segurou rapidamente o irmão pelo o braço, como se soubesse que ele viria pra cima de mim com tudo afinal ela já tinha visto acontecer.
_Você é muito insolente, sabia?
Dizia enraivecido.
_ Alexandre, mais respeito com seu tio, por favor... Ele só está lhe fazendo uma simples pergunta.
Olhei diretamente para mamãe e Falei impetuoso.
_ A senhora não concorda, que ele perdeu completamente o meu respeito a partir do momento em que ele me agrediu?
_ Eu reconheço que fui um idiota_ se desarmou_ e lhe peço minhas sinceras desculpas, de verdade. Mas se você sabe onde Mariane se encontra, por favor, eu lhe imploro que me diga. Eu estou mesmo muito preocupado com a minha filha.
_ Eu disse a verdade. Eu realmente não sei. Mas acredito que se ela saiu assim dessa maneira é porque não está muito afim de falar com ninguém.
_ Tudo por causa dessa história absurda de casamento que ela sabe que não sou a favor.
_ Então, se o senhor já sabe a causa do sumiço dela, porquê o desespero? Ela vai voltar pra casa. Está só dando um tempo pra pensar. As vezes é bom ficar um pouco sozinho pra colocar a mente no lugar, sabia?
_ Eu também concordo com o Alexandre. Ela só quer ficar um pouco sozinha.
Mamãe louca que aquele confronto acabasse, logo foi puxando ele pra longe de mim.
No momento que se afastavam, pude notar o coração dourado, suspenso, se movimentando entre os dedos de Pedro.
Indaguei curioso, afinal ela nunca tirava aquele cordão do pescoço.
Era seu amuleto e sempre estava com ele desde o dia em que colocou a foto de Michele.
_ Esse é o colar dela?
Se entre olharam.
Pareciam mesmo assustados com a minha pergunta.
Mais Silêncio e insisti no assunto.
_ Mariane nunca tira esse colar do pescoço.
Agora eu me preocupei pra valer.
_ Achamos que deve ter caído_
Mamãe mostrava se nervosa. Como sempre.
_ É só um colar, garoto_
Disse ele, me desafiando.
_ Não!... Não é só um colar_
Falei firme e intrépido.
_Você acha que sabe tudo sobre minha filha, não é rapaz?
_ Posso não saber muita coisa, Mas de uma coisa eu tenho certeza, Mariane jamais permitiria perder algo que é tão importante pra ela. Esse colar é a única lembrança que ela possui da mãe.
_ Bom, já que isso é tão importante assim, então me explique porque ela arrancaria e o jogaria na lama? _Um leve tom de sarcasmo saiu de dentro dele _ Deixe de fantasiar histórias, garoto. Como sua mãe mesmo disse antes, o cordão deve ter caído e talvez Mariane nem tenha percebido.
_ Mas eu não estou fantasiando história alguma. Eu só acho um pouco improvável que ela não tenha visto quando o colar caiu de seu pescoço. Mariane tem muito cuidado com esse pingente.
_ Eu já disse e confirmo novamente... É só um colar_
Pedro começou a ficar impaciente outra vez.
_O senhor me desculpe mas vou discordar com isso só mais uma vez. Esse pingente que o senhor considera tão insignificante é o que contém a única fotografia existente da mãe dela! Por isso ela jamais o deixaria por aí.
Pedro paralisou.
Em silêncio profundo ele abriu sua mão e ficou olhando para o pequeno coração.
Devagar o abriu com cuidado e viu em uma das parte da jóia a face de sua esposa sorridente o encarando como uma aparição de um outro mundo.
Seu peito ardeu com a imagem, pois já fazia um bom tempo que não mirava aqueles olhos.
Durante todos esses anos evitou aquele olhar, olhar falso e traiçoeiro que lhe trazia más lembranças e foi para evitar esse tipo de sentimento que deu um fim em todas as fotografias daquela mulher.
Ficamos calados depois disso.
Somente um tic tac de um relógio para espantar o gelo entre nós naquela sala e ainda assim não foi o suficiente para alguém voltar do submundo em que se perdiam.
_Vou guardar isso no quarto. Pra quando ela voltar_
Disse Pedro, triste e desconcertado, que até enfim se manifestou.
Saiu da sala me deixando sozinho com a minha mãe.
Ficamos os dois nos olhando e coloquei as mãos no bolso, franzido a testa e perguntando em sua direção:
_Porque será que estou com a impressão de que está acontecendo algo muito mais grave aqui?_ Sem respostas, continuei_ O que está acontecendo de verdade, mãe?
Ela suspirou e me respondeu sem vida e sem entusiamo, fugindo de mim.
_Você já não está um pouco atrasado para a escola?
Saiu, me deixando no vazio completo.
Balancei a cabeça negativamente sem acreditar naquilo.
Eu não ia para a escola de jeito nenhum agora. Iria procurar Mariane nem que fosse no fim do mundo.
"Fim do Mundo"
Isso me lembrou do velho Alfredo.
Não me pergunte o porquê. Apenas uma intuição forte me fez querer visitar aquele louco.
Peguei minha mochila que estava no sofá e sai.
Fui até a minha bike que estava encostada numa árvore e fiquei decidindo se ia para a escola ou não.
Ainda meio zangado joguei minha pobre e velha bicicleta no chão e desviei o caminho que me levaria para a escola.
Me dirigi para o caminho onde me levaria até o lago e a casa do Alfredo.
Durante todos aqueles minutos de indecisão onde eu me encontrava pensativo com a minha bicicleta, Pedro me observava de cima da janela do quarto de Mariane.
Ele talvez estivesse analisando minha postura e meus trejeitos.
Quem sabe algum sinal meu lhe diria de alguma forma onde sua filha estava.
Algum gesto uma hora entregaria que eu sabia de alguma coisa.
Ele não tinha pressa e ficou a esperar.
Quando Pedro me viu adentrando o mato em direção oposta da estrada principal de onde eu deveria seguir, ele teve total certeza que eu ia ao encontro de sua filha.
_ Moleque mentiroso!
Sussurrou, rangendo os dentes e me olhando pela a janela.
Enfurecido, saiu do quarto da filha disposto a me seguir.
Eu não era mentiroso.
Realmente não sabia onde ela estava...
Só estava ouvindo minha intuição.
################
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top