Cicatrizes
Àquele final de semana passou rápido e meus amigos foram embora para suas casas quando anoiteceu.
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Na segunda de manhã, depois de tomar o café, reparei, olhando para o relógio, que já estava um pouco atrasado para escola.
Fui até o quarto de Mariane lhe apressar.
Quando entrei, ela estava guardando alguns dos seus livros em sua bolsa estilo carteiro, estampada, com flores azuis.
Notando meu olhar de reprovação por tanta demora, me pediu um pouco mais de calma pois garantiu que estaria pronta em alguns instantes.
_ Vamos chegar atrasados, tá sabendo, né?
Disse sorrindo, me apoiando na porta.
_ Falta só pegar o trabalho de inglês.
Se Dirigiu a uma das cômodas, abrindo a gaveta.
De repente, pouso meu olhar para seu vestido vermelho pendurado em um cabide, e comentei num tom brincalhão:
_ Pobre vestido...
Ela riu _ O coitado está aí desde o meu aniversário.
Detalhe: O aniversário foi em julho.
Estávamos em outubro!
:o
Guardou o trabalho escolar na bolsa indo até o vestido. Tirou do cabide e o sacudiu, tentando se livrar da poeira. Em seguida mexeu nos bolsos como se procurasse algo.
_O que foi?
Perguntei, notando sua mudança de expressão.
_ A carta que você me deu... _ falou espantada_ Deixei guardada aqui.
_ Tem certeza?
_Assim li, coloquei de volta no bolso.
Mostrava o bolso lateral vazio.
_ Deve ter guardado em um outro lugar e não estar se lembrando _ tranquilizei_ Depois a gente direito, Mariane. Eu acho melhor a gente se apressar, vamos acabar chegando atrasados na aula.
_Tem razão.Vamos.
jogou o vestido na cama e pegou sua bolsa. Saímos apressados.
Quando já íamos saindo, mamãe da varanda, deu a ordem de que seria melhor a gente ir com a pick up.
Concordamos, e ela se despediu com aquela visão seca e vazia, pedindo que a gente não se atrasasse para o almoço. Ela queria que chegássemos logo em casa naquele dia. Acho que ela iria preparar alguma surpresa para o almoço.
Estou torcendo para que seja uma torta de frango...
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Na escola, logo quando chegamos, ficamos muito felizes em saber que a nossa apresentação de Romeu e Julieta tinha alcançado umas das melhores pontuações da feira cultural.
Comemorei abraçando e beijando Mariane.
Quem sabe agora minhas notas melhorem um pouco, pensei.
Todo mundo veio me parabenizar mas no meio de toda aquela gente eu senti falta de uma pessoa que até então ainda não tinha vindo até à mim.
_Cadê a Samara?
Perguntei para o Marquinhos.
_ Ela não veio hoje.
Respondeu, tirando os fones do ouvido.
Estávamos no intervalo, e ainda não tinha visto ela pelos os corredores.
_E você não ligou Pra saber porque sua namorada faltou à escola? _ Disse André revirando os olhos, com um livro de filosofia nas mãos _
Marcos ficou em silêncio e colocou os fones de volta.
André Balançava a cabeça negativamente.
Queria muito contar para minha amiga sobre as notas maravilhosas que os professores nos deram pelo o teatro, então mandei uma mensagem pelo o celular pedindo que se manifestasse, mas ela estava nem sequer visualizou.
Sem resposta nenhuma resolvi ligar e também não houve retorno.
_ E, Aí? Nada?
Perguntou Mariane, que estava ao meu lado comendo um sanduíche.
Balancei a cabeça com um não.
_ Será que aconteceu alguma coisa? _ dizia Mariane catando todas as verduras do seu pão e jogando fora.
_ Ultimamente ela vem faltando muito.
Disse André.
_ Ontem ela parecia muito bem.
Falei, lembrando desse domingo que passei com os meu amigos lá em casa.
_ A gente podia ir na casa dela depois das aulas pra ver se ela está legal... JÁ QUE O NAMORADO NÃO LIGA MUITO acho que ela vai gostar de saber que pode contar pelo menos com os amigos.
André e suas alfinetadas.
Ainda bem que Marcos estava com os ouvidos tampados.
_ Por mim tudo bem.
Falei.
_Sua mãe pediu pra gente não se atrasar para o almoço, lembra? Então vai ter que ser rápido.
Mariane.
Assenti com a cabeça.
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Ao meio dia o sinal tocou e ligeiramente me levantei junto com o André indo até a sala de Mariane.
No meio do caminho esbarramos em Marquinhos e perguntamos se ele não gostaria de ir com a gente até a casa de Samara. Mesmo demostrando uma certa má vontade aceitou em vir conosco.
Pegamos Mariane na sua sala e caminhamos juntos, os quatro, até o estacionamento da Escola.
Mariane e eu iríamos na pick Up, enquanto André e Marcos iriam de moto.
Nós, os meninos, não sabíamos muito bem onde era a casa dela mas minha prima já tinha ido lá, então ela nos mostraria o caminho.
_ Espero que o pai dela não esteja em casa _ Disse ela enquanto dirigia.
Eu sabia dirigir mas não tinha carteira de habilitação ainda.
_ Porquê? O que tem o pai dela? _Quis saber.
_O pai é um babaca!
Foi só o que Mariane pôs a se dizer.
Pelo visto ela conhecia a vida de Samara melhor do que eu... E olha que conheço aquela maluquinha já faz um tempo.
Foram quinze minutos pra chegar na casa dela.
Se não tivéssemos que sair do carro para empurrar quando ele decidiu morrer, teríamos gastado menos.
Páramos em frente a casa de portões e muros baixos e de jardim com flores e plantas ressecadas pelo o sol e mau trato.
Acho que aquelas pobres plantas nunca viram uma gota de água em suas vidas.
Descemos do carro enquanto Marcos estacionava sua moto perto de nós.
André deu um pulo, saindo da garupa, correndo direto para um canto e vomitando todo o seu lanche.
_ Fala sério! Quem fica enjoado ao andar de moto?
Falou Marquinhos, sem acreditar que André tinha ficado enjoado por andar de moto!
_Você tá legal?
Perguntei preocupado, vendo André botar os bofes pra fora.
_ Estou bem.
Respondeu, limpando sua boca suja na manga de sua blusa e se recompondo.
Mariane se aproximou do portão de ferro e bateu palmas com a esperança de aparecer alguém. Mas com as palmas de suas mãos já quentes, resolveu mesmo apelar para o grito.
Só havia silêncio vindo da casa.
Marcos com sua impaciência infinita achou que deveríamos ir embora.
Minha prima muito corajosa, invadiu, abrindo o portão que não estava trancado e entrou pelo o jardim caminhando até a porta.
Nós apenas a seguimos em silêncio.
Quando Mariane deu a primeira batida com força na porta, ela sozinha se abriu. A porta só estava encostada, creio que até com um vento um pouco mais forte, ela se abriria.
Ela nos olhou meio apavorada e adentrou. E a gente sempre atrás dela.
_ Samara?
Sussurrou.
A casa parecia completamente abandonada e um tanto bagunçada.
Quem nos deu às boas vindas foi o Diamante, que miando, veio até aos nossos pés, roçando seu pêlo escuro.
_Oi, nenê_ Mariane o pegou no colo fazendo-lhe um carinho _ Cadê a sua mamãe?
O animal parecia que entendia o que a gente falava porque pulou rapidamente saindo dos braços de Mariane, correndo para outro cômodo da casa, como se quisesse que a gente o seguisse.
Nós entre olhamos abismados e seguimos sem pestanejar.
A casa não era grande. Acho que eram só quatro cômodos, entre sala, cozinha e dois quartos e um banheiro e uma pequena área de serviço.
O pequeno e magro felino nos guiou até o quarto de portas escuras com uma placa escrita com tinta vermelha, com os dizeres
"Proibida a entrada de gente"
Bem a cara da Samara. Ali só podia ser mesmo o seu quarto.
Mariane bateu na porta várias vezes chamando por ela.
Silêncio até Marcos começar a falar com ar de preocupação:
_Vocês sabiam que invasão de domicílio ainda é crime nesse país?
_Nada é crime nesse país, Marcos_ Protestou André, ainda zangado com ele_ Então fica tranquilo.
_ Só estou preocupado porque não sei se vocês sabem mas estamos invadindo a casa de um policial.
_Shi! _ Mariane pediu silêncio_ Fiquem quietos! Acho que ouvi algo se mexendo lá dentro..._ Encostou o ouvido na madeira_ Samara? É você? Somos nós, seus amigos! viemos aqui pra te ver.
Nada.
Então Mariane deslizou as mãos até a maçaneta da porta e a girou devagar.
Foi um choque estarrecedor para todos nós quando vimos aquela cena.
Samara estava sentada no chão do quarto, de cabeça baixa entre suas pernas, tremendo e chorando baixinho como uma criança acuada.
Estava vestida com a farda da escola, então concluímos que naquela manhã ela tinha pensado em ir para a aula.
Mariane logo adiantou seus passos, indo até a menina que parecia tão amedrontada.
_ Samara, o quê houve?
Ajoelhou se diante dela.
André, Marcos e eu, ficamos paralisados na porta, observando, sem coragem de se achegar.
Samara ainda de cabeça baixa, soluçava, sem dar nenhuma resposta.
_ O quê aconteceu?_ Insistiu minha prima, erguendo a cabeça da garota.
Foi surpresa quando vimos o estado do rosto de Samara.
Estava com uma marca visível de um tapa em sua bochecha esquerda. Seu rosto estava vermelho e muito inchado e seus cabelos e lágrimas se misturavam com gotas de suor.
Samara olhou para Mariane e a abraçou fortemente.
_Calma, já passou. Está tudo bem agora!
Tranquilizou Mariane, acariciando seus cabelos, tentando deixá-la menos nervosa.
Nem precisava adivinhar quem teria feito aquilo.
Naquela manhã Samara deve ter irritado muito seu pai.
_ Eu não aguento mais, Mariane!_
Samara com a voz embargada.
Mariane a Segurou pelos os ombros com firmeza, encarando firme e disse:
_ Precisa denunciar.
_Não me diga que foi seu pai quem fez isso? _Marcos quase deu um salto com seus olhos esbugalhados quando escutou a frase. Ela ficou em silêncio. Então se aproximou dela, e Samara se levantou com a ajuda de Mariane, bem devagar, sentido um pouco de dor.
Ficaram os dois de frente um para o outro e nós como uma platéia assistindo à tudo.
_ Porquê nunca me contou?
Ele falou com tanta compaixão e leveza de um jeito que eu nunca tinha visto.
_ Achei que não se importaria._ disse ela, com a voz fraca.
_ Eu sei que as vezes sou meio imbecil _ falava Marcos com sinceridade_ Mas eu jamais deixaria que alguém machucasse você dessa forma, Samara.
Ela deve ter adorado aquelas palavras porque simplesmente o abraçou calorosamente, sendo correspondida do mesmo modo.
_ Eu prometo! Ninguém nunca mais vai fazer isso com você.
Dizia ele, dando um leve beijo em seus cabelos.
Continuou:
_ Pegue somente o que você realmente for precisar, e vamos embora daqui agora mesmo! Vai ficar comigo lá em casa.
Não só Samara se surpreendeu como todos nós ficamos estupefatos com aquela atitude do Marquinhos. Realmente ninguém esperava por aquilo.
Acho que foi ali, naquele dia, que meu amigo deixou de vez seu lado imaturo e moleque e começou a agir como um homem.
_ Mas eu não posso sair de casa assim_ disse ela _Quando meu pai sentir minha falta, vai vir atrás da gente... Como pai e pela minha idade, ele ainda têm direitos sobre mim... Você pode até se prejudicar de alguma forma me levando pra sua casa.
_ Nada disso, Samara_ Mariane interrompeu _ Seu pai perdeu qualquer direito sobre você a partir do momento que ele começou a te violentar. Não se preocupe com isso, se ele vier atrás de você, existem leis que podem te proteger dele... Só não dá mais pra você continuar nessa casa.
_ Mariane tem razão. Será muito melhor ir com o Marcos agora.
Falei.
_Pelo menos até tudo se resolver.
André também deu seu palpite.
_ Tá certo, vocês têm razão. Vou só pegar algumas roupas...
Disse diretamente para o Marcos.
_ Vou ficar te esperando lá fora.
_ Eu te ajudo, Samara.
Falou Mariane, abrindo as gavetas e começando a separar algumas peças.
Marquinhos saiu do quarto.
André e eu fizemos o mesmo.
Fora da casa, Marcos encostou na sua moto, pensativo, enquanto aguardava pelas as meninas.
Notei seu jeito e cutuquei André pelo o cotovelo.
Pensei se ele poderia está arrependido, afinal ele acabou de comprar uma briga grande com o pai de Samara.
Sem falar na reação de seus próprios pais. Talvez eles não gostassem muito da ideia do filho de trazer a namorada para morar com eles. Ia ser complicado.
Me aproximei dele junto com André, tentando dar qualquer tipo de apoio.
falei: _É perfeitamente normal se você estiver com medo de encarar tudo isso.
_A gente quer que você saiba que estamos do seu lado. Vamos te apoiar e te ajudar no que vocês precisarem, não é Alexandre?
Balançei a cabeça.
_Valeu gente! Eu sei que posso contar com vocês _ Falou sério_ Mas não estou assim por causa de medo.
_ Não?
André meio surpreso.
__ Eu estou assim de vergonha.
_Mas vergonha de quê?
Quis saber.
_ Vergonha de nunca ter percebido o quanto ela precisava de mim.
É, pelo visto aquele foi mesmo o dia em que Marcos se tornou verdadeiramente um homem.
O que me deixou mais encucado com isso tudo, foi o fato dele nunca ter notado hematomas pelo o corpo de Samara. Mas pensando bem, ela sabia como esconder os vestígios deixados pelas as surras que levava.
Sempre vestida com roupas compridas dos pés a cabeça e nunca dormia com Marcos depois de uma grande surra pois sempre esperava cicatrizar as feridas, antes de tirar a roupa na frente dele. Tudo isso como meio dele nunca perceber e ele realmente nunca desconfiou.
Marcos estava sem palavras, sem acreditar naquilo, pois sabia que ela tinha um relacionamento difícil com seu pai. Mas nunca imaginou que seria algo tão grave e terrível assim.
Ficamos quietos, pensativos lá fora, só esperando o momento das duas saírem.
Enquanto isso, entre nós, apenas o barulho das crianças brincando na rua.
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