A CARTA

"Nunca houve um amor como de Romeu e Julieta... Será?"
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Minha mãe olhava para o relógio no seu pulso já meio impaciente. Acredito que toda platéia também deveria estar.

Demorou quase meia hora para Mariane se caracterizar como Julieta, isso com a ajuda de todos. Enquanto uns a vestiam outros à maquiavam, e Mariane calma, lia numa leitura quase dinâmica alguns pontos importantes do texto só para ativar sua memória.

  Mamãe não conseguia manter as pernas quietas de tanta ansiedade. Só parou quando notou as luzes do ambiente enfraquecerem e nossa professora de arte surgir bem no meio do palco.

" Até que que enfim, algo aconteceu aqui"  deve ter pensado "

"E Mariane? Cadê essa menina?" olhava para os lados à procura da sobrinha.

A senhorita Luzia ( esse era o nome da nossa professora ) Subiu no palco dando um caloroso Boa noite e se desculpou logo pela a demora, explicando o porquê de tanto atraso.

Na realidade nem precisava, àquela altura, todos já sabiam do acidente da Patricia. Não era mais nenhuma novidade.

" Bem vindos ao mundo de William Shakespeare! _ Começou_ Nessa noite contaremos uma das histórias de amor mais famosa de todos os tempos.
Apreciemos hoje, com grandeza, essa linda e trágica história de dois jovens apaixonados que juntos foram mais forte do que a própria morte.
É com muito orgulho que a Escola de Ensino Médio e Fundamental Duque de Caxias apresenta o clássico Romeu e Julieta"

Dona Luzia terminou a apresentação ao som de muitas palmas e gritos animados.

De repente as cortinas vermelhas se abriram com todos nós já no palco, dançando, encenando o primeiro ato. Era a cena de um baile onde Romeu veria pela primeira vez Julieta, e depois dali tudo começaria a acontecer.

Tenho certeza, hoje, lembrando desse dia, que minha mãe deve ter surtado quando percebeu que a Julieta mascarada era na verdade Mariane.

As cenas seguintes foram todas perfeitas.

Mariane, assim como eu e os outros, estava confiante e tranquila.

Acho que a única pessoa naquele ambiente que não se sentia bem, era mesmo a minha mãe.

Cada ato, cada gesto, cada toque, qualquer posição que me deixasse bem próximo de minha prima, ela se sentia mais e mais angustiada.

Toda aquele drama de Romeu com Julieta, o fato deles não poderem ficar juntos de certa forma, deixava mamãe bem incomodada.

Como todos sabem, a história falava de um amor proibido, e creio que minha mãe estava comparando Mariane e eu naquela narrativa.

Acho até que ela torcia para que alguma coisa desse errado de novo. Só assim para que tudo parasse de uma vez e não tivesse mais que ver aquilo.

Já no fim da peça, na cena principal onde há o envenenamento de Romeu, mamãe pôs as suas mãos no peito e seus olhos arderam  lacrimejantes. Quis chorar, não pelo o Romeu e nem por Julieta... Mas por mim e por minha prima.

Talvez tenha sido naquele momento que a ficha caiu, e pensou na possibilidade de que Alfredo não estivesse tão louco assim e estivesse certo sobre um possível amor acontecendo ali.

No fim da cena onde Julieta desperta do seu sono profundo e se depara com Romeu morto ao seu lado, imagino que tenha sido os segundos mais apavorantes da vida de minha mãe, pois é nessa hora que Mariane teria que beijar meus lábios...

"Ohingrato! Bebeste sem deixar uma gota? Beijarei teus lábios, talvez haja um resto de veneno"

Dizia Mariane, beijando suavemente em mim.

Era o grande final.

Dona Rosa arregalou seus olhos tampando sua boca. Queria correr para aquele palco e acabar com tudo.

Quando por fim Julieta caiu sobre o corpo de Romeu e todas as luzes se acenderam, houve Assobios e aplausos de todos, menos dela que continuava sentada catatônica.

Samara estava há uns três metros de distância dela, assistindo também, e quando a viu correu animada, indo falar com mamãe, que continuava paralisada.

_ Dona Rosa, a senhora viu? eles foram demais! não foram?
Disse saltitando.

Ela parecia não ter ouvido a garota de cabelos avermelhados, estava em outro mundo, um mundo obscuro de lembranças tristes.

Toda aquela cena relembrou coisas que desde muito tempo ela evitava recordar.

Lembranças que ela sempre se esforçou para manter enterradas, mas que de certa forma continuavam vivas dentro dela.

Samara ficou esperando alguma reação da Senhora e achou muito estranho o modo como só depois de alguns minutos ela se levantou como um alguém sem vida a olhando e  balbuciando algumas palavras.

_ Eu preciso ir embora...
disse, se afastando como um zumbi. Seus olhos pareciam perdidos em algum lugar do universo.

_ Mas Já? Alexandre nem saiu do palco ainda.
dizia Samara, sem compreender direito aquela reação fria.

Sem perceber nada, ainda continuava no palco junto com os outros atores ( já nos considerávamos astros) todos nós de mãos dadas recebendo os intermináveis aplausos do pessoal das arquibancadas. Alguns até subiram no palco e nos abraçaram, parabenizando nosso desempenho, acho que conseguimos agradar.

Mamãe, sem dá muita atenção à Samara, saiu rapidamente do meio da agitação, sendo logo seguida pela a garota ruiva que gritava seu nome pela multidão.

_ Dona Rosa, espera!

Até que conseguiu segurá-la pelo o braço.

_ A senhora está bem?

Minha amiga estava mesmo  preocupada e sentiu o quanto ela estava gelada quando a tocou.

_ Não se preocupe, eu estou bem... só estou com um pouco de dor de cabeça, não é nada demais.
Explicou, tocando nas têmporas.

_ Quer que eu chame o Alexandre?

_ Não! Não querida... Não precisa! _ Disse subitamente_ Eu só preciso de um bom analgésico e de me deitar um pouco. Está tudo bem, não precisa chamar ele. Estou indo pra casa, e você só avisa a ele que eu já estiver ido, certo? _ Falava abrindo o zíper da bolsa_ E se puder, me faça só mais um favor, entregue esse dinheiro a ele para o táxi, e diga que não se preocupe, eu estou bem, de verdade.

Deu o dinheiro a Samara com as mãos trêmulas e saiu quase tropeçando nas pessoas.

Ela deveria está mesmo com muita dor de cabeça para ter saído assim daquele jeito.

Ainda no palco a senhorita Luzia tirava algumas fotografias de todos nós juntos.

Aquelas  fotos iriam parar nas parede da entrada do teatro com certeza.

Depois de incansáveis poses e sorrisos, a turma ia se desfazendo, indo todos para o vestuário se desfazer daquelas fantasias tão quentes e que já estava começando a nos dá coceiras.

No caminho para o vestuário, Marquinhos me parou.

_ Estamos indo comer uma pizza na lanchonete aqui do lado, Você vem?

_ É, pode ser. Mas primeiro tenho que avisar minha mãe. Vou falar com ela e já volto.

_ Beleza!
Respondeu Marcos, já saindo e convidando outras pessoas.

_ Tô indo falar com a minha mãe que não vamos pra casa com ela.
Avisei para Mariane que já estava tirando os sapatos apertados.

_ Tá certo.

Depois de tanta festa, de tantos elogios, lembrei mesmo do quanto minha mãe poderia está se sentindo sozinha naquele meio.

Fui à sua procura e não a encontrei. Foi quando avistei Samara, conversando e rindo com o André.

_ Oi, gente.
Me aproximei.

_Você arrasou!
Samara se pendurou em meu pescoço, quase me sufocando.

_ Obrigado.
Disse, procurando o ar.

_ Alexandre, meu amigo, você nasceu para estar em um palco. Sério! Se eu fosse você começaria a investir na carreira de ator.
Disse André entusiasmado.

  Nossa peça entusiasmou mesmo à todos na escola naquela noite.

Quem sabe minha turma ganhe a nota máxima nesse ano de feira cultural?

_ Vou pensar nisso_ brinquei _ Algum de vocês viram a minha mãe por aí?_ Perguntei ainda tentando avistá-la.

_ Ela já foi embora_ Samara respondeu.

_ Sem falar comigo?

_  Ela disse que estava com dor de cabeça... E preferiu ir pra casa logo... Depois me pediu pra te entregar esse dinheiro, pra você pegar um táxi de volta pra casa.

Peguei o dinheiro e Samara sem mais detalhes correu quando viu um grupo de góticos amigos seus que de repente apareceram perto da entrada.

Fiquei preocupado com minha mãe e resolvi ligar para minha casa mas ninguém atendeu.

_ Tá tudo bem?
Perguntou André, vendo meu jeito tenso.

_ Não sei... Acho melhor ir pra casa. Minha mãe não está bem e  pode está precisando de alguma coisa.

_ Então vai logo. Qualquer coisa me liga.

André deu um tapinha amigável em meu ombro.

Saí indo de encontro à Mariane que já deveria está no vestuário se desfazendo da Julieta.

Me despedi do resto e fomos pra casa.

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Mamãe destravou a porta com suas mãos frias e nervosas e jogou as chaves na mesinha do centro, sentando no sofá.

Cobriu a face em agonia.

Depois de alguns segundos foi até a cozinha e bebeu um copo com água tentando se acalmar. Há todo momento ela ouvia as palavras do velho Alfredo como um eco em seus ouvidos.

As insinuações sobre haver alguma coisa entre Mariane e o filho eram como espinhos na sua alma.

Colocou o copo vazio em cima da pia e suspirou fundo.

De repente ela lembrou de meu quarto e pensou que talvez vasculhando as minhas coisas poderia encontrar alguma pista que levasse descobrir a verdade.

Quase que ferozmente, Subiu ligeiramente as escadas indo até lá.

Quando entrou ficou analisando por onde começaria a mexer.

Viu meu notebook e foi direto nele. Nada conseguiu com o bloqueio de tela.

Frustrada, foi até as gavetas da cômoda e do guarda- roupa. Nada outra vez. Nem ela mesma sabia o quê procurava.

Uma foto?

um diário?

O quê, Meu Deus?

Botou as mãos na cabeça. Sabia que o quê estava fazendo era muito errado afinal estava invadido totalmente meu espaço e minha privacidade.

Sentou na beira da cama e ficou quieta.

"O quarto dela!"
Pensou quase maquiavélica.

Levantou e correu até o quarto da sobrinha.

Usou de cuidado ao abrir a porta como se alguém pudesse escutar.

Devagar foi até os móveis, mexendo em todas as bolsas e gavetas. Procurou até de baixo do colchão e até tentou acertar a senha de um Tablet da garota.

Quando sentiu que tudo aquilo já estava passando dos limites, resolveu que seria melhor esquecer e sair logo dali antes que a gente chegasse.

Dirigiu se até a saída falando consigo mesma:

"Meu Deus! O que estou fazendo?"

Balançava a cabeça negativamente, sentindo-se horrível pelo o que tinha acabado de fazer.

Segurou a maçaneta da porta, decidida à deixar tudo isso pra lá. Estava inteiramente convencida de que tudo não passava de uma loucura sua e daquele velho.

Segundos antes de atravessar a porta da saída, pousou seus olhos castanhos sobre o vestido vermelho que Mariane tinha usado em sua festa de aniversário.

Ele estava pendurado em um cabide de madeira, e pensou alto, sorrindo ao se sentir  menos paranóica e um tanto ridícula agora por estar ali.

" Não acredito! Mariane ainda não lavou esse vestido?"
Pôs as mãos na cintura.

"Meu Pai do céu! Isso vai apodrecer aí!"

Foi até o cabide.

"Vou pôr na máquina de lavar, antes que comece a criar raízes nesse cabide"

Tirou o vestido bruscamente do lugar e nesse mesmo instante uma folha de papel dobrada ao meio caí de um dos bolsos laterais do vestido.

Ela percebe e imediatamente apanha do chão.

Devagar, desdobra o papel e em segundos põe sua mão congelada no lado esquerdo do peito, sentido pontadas quase sufocantes com as primeiras linhas escritas.

Finalmente, minha mãe achou o que tanto temia.

Estava em suas mãos, a prova maior do que estava acontecendo entre Mariane e eu.
Era justamente a carta que escrevi, falando dos meus sentimentos e que entreguei para Mariane no dia de seu aniversário...

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A CARTA

Mariane

Durante todo o tempo sempre achei que amores e paixões existiam apenas em livros e filmes... Isso até conhecer a menina mais perfeita e linda que já vi.
Você não sabe e acho que nem de longe se dá conta do quanto é importante pra mim, afinal foi justamente você quem me mostrou que amor acontece sim!
Posso não ter sido seu primeiro amor ou sua primeira paixão, mas isso não importa, porquê lá no fundo algo me diz que serei seu último... Calma! Deixa explicar. Eu quis dizer que depois de mim, não haverá mais ninguém... Ninguém que te queira tanto e que te ame tanto assim.
Espero que não se sinta assustada com essas minhas palavras mas tinha que te dizer tudo isso. É o que sinto e não consigo mais ficar com isso só pra mim.
Eu te Amo, minha garota de cabelo caramelo, e sei que serei sempre seu. Sempre.

Meu Amor, Um Feliz Aniversário!

Do seu
Alexandre.

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