|Capítulo 8 - Lealdade E Sinceridade|
O prato já estava vazio, Aveta sentiu-se no direito e na liberdade de pegar dois damascos e três uvas do prato de Laerte, já que estava demorando a voltar da conversa com a princesa. Assim que o fez, percebeu que os dois entraram outra vez no refeitório, estavam sorrindo, e ele deu uma piscadela para Romana antes de se separarem e cada um seguir para suas respectivas mesas.
— Sentiu minha falta, princesa? — Laerte puxou a cadeira e se sentou novamente.
— Voltou rápido até — mentiu. — Parece que fizeram as pazes.
— Nunca brigamos. — Ele ajeitou o guardanapo no colo. — Ela só queria me dizer que estava tudo bem e que ela entendia meus motivos para ter escolhido você ao invés dela.
— E por algum acaso ela disse quais foram os motivos?
— Não, mas deu a entender que foi por causa da sua postura — disse ele. — Vou deixá-la imaginar que foi.
Aveta ficou calada, seu pensamento parecia longe. Era como se algo nela tivesse despertado, dava para perceber seus músculos da garganta movimentarem-se enquanto engolia o último caroço de uva. Foi como se fizesse força para comer. Ela olhou para os lados, piscou algumas vezes e respirou fundo.
— Preciso tomar um ar — disse a jovem, levantou-se e saiu andando às pressas.
— Ei! Me espere! — Laerte abandonou o guardanapo jogado sobre a mesa e correu atrás da moça, alcançando-a no corredor. — Está bem?
— Melhor impossível — disse ela enquanto descia as escadas até o acesso ao gramado, do lado esquerdo do castelo.
— O que foi isso então?
— Muita gente no mesmo lugar. Não conseguia pensar direito. Eu não gosto de ficar com a mente cheia de coisas que não têm importância.
Eles caminharam lado a lado até que chegaram ao exterior. Aveta ergueu a cabeça, olhou para o céu e respirou fundo.
— Sabe, princesa...
— Silêncio, Laerte. Por favor — ordenou com os olhos fechados.
O cheiro da grama lhe invadia as narinas e ajudava a refrescar os pensamentos, além de que o aroma lhe lembrava muito o dia em que encontrara Baltazar perto da mata, e pensar nele lhe deixava mais calma. Era o único motivo de felicidade da sua existência.
Ela expirou uma última vez com força, soltando o ar pela boca, e abriu os olhos retomando a respiração normal e automática.
— Pronto. Pode falar.
— Romana me disse uma coisa. Falou que conversou com Alessa nos corredores ontem.
— A amiga da Catarin?
— Exato. Ela me disse que fomos assunto ontem, depois que fechamos a porta na cara da Manuela.
Aveta riu e balançou a cabeça.
— Isso eu imaginei.
— Mas tem uma coisa que não imaginou, eu presumo.
A princesa tentou esconder a curiosidade que a tomou de imediato, mas foi impossível já que a linguagem corporal a denunciou. Ela aproximou-se dele de forma sutil e virou o pescoço em sua direção.
— Romana me contou que Alessa deu a entender que Catarin já sabe sobre o que se trata a próxima prova. E, segundo ela, nosso gesto mostrou que iremos mal.
— Bom, eu também sei fingir compaixão se for preciso. A não ser que já seja algum tipo de votação, já que eles não foram muito com a nossa cara, seria um problema. Mas, de qualquer forma, eu acho que não há com o que se preocupar.
— Amo seu positivismo.
— Isso não é ser positiva. É colocar cada coisa no seu devido lugar de importância.
O vento sacudiu os cabelos soltos de Aveta e ela precisou juntá-los e jogá-los para o lado esquerdo dos ombros. Neste momento, Laerte observou um detalhe quase imperceptível aos olhos de qualquer um, uma cicatriz abaixo da orelha direita, ela se revelava apenas em uma risca que quase sumia.
— O que foi? — Aveta questionou quando notou que ele a estava encarando.
— Nada. — O moço disfarçou e cruzou os braços.
— Altezas. — A voz que chamava era de um dos auxiliares de Homero. — Todos para no salão em cinco minutos.
Aveta já sabia que deveria ir para lá, não fora uma surpresa.
— Vamos de uma vez. É bom estarmos lá desde o primeiro momento. — Ela voltou a face para a entrada e Laerte a seguiu em passos curtos até o salão.
Todos chegaram quase ao mesmo tempo, estavam ávidos pela segunda prova. Formaram um aglomerado perto dos degraus abaixo dos tronos e ficaram em silêncio.
Homero apareceu de trás dos pomposos assentos, vestido com um terno vermelho e com os cabelos muito bem penteados para trás, era possível ver as luzes do teto refletindo nos fios.
— Bom dia, príncipes e princesas. Espero que tenham passado uma boa noite. Um momento de descanso é importante, mas o nosso propósito é outro. Antes da próxima — Ele olhou para um dos auxiliares que estavam espalhados pelo salão, este portava um papel —, vão saber como ficou o posicionamento de alguns de vocês de acordo com a última prova. Mas apenas os quatro primeiros lugares.
Um burburinho tomou conta do ambiente e ele pediu silêncio com um gesto antes de continuar.
— Em primeiro lugar, princesa Aveta e príncipe Laerte, que convenceram a corte com um argumento completamente plausível para a escolha.
Os dois se entreolharam e ela ergueu as sobrancelhas com um sorriso no canto dos lábios, vitoriosa pelo tiro certeiro. Uma salva de palmas um tanto forçada ressoou pelo salão, exceto por John, que parecia reconhecer a conquista do seu antigo conhecido.
— Em segundo lugar, Catarin e Jullian.
Apenas Alessa e Robert começaram a aplaudir, mas percebendo que ninguém os seguiu, fecharam os semblantes e abaixaram os olhos, envergonhados.
— Kaya e John ficaram com o terceiro lugar.
Mais uma salva de palmas. Aveta fez questão de sorrir para o casal enquanto os aplaudia.
— E no quarto lugar, Germano e Manuela. — Homero entregou o papel ao assistente novamente e caminhou pelos degraus. — Para a próxima prova, dividam-se em dois grupos. Seis casais para cada.
— Princesa, vamos esperar. Se Romana estava certa, devemos observar Alessa e Catarin. São amigas, não ficariam em grupos diferentes se não fosse propício — disse Laerte.
Aveta assentiu. Como era previsto, Catarin e Jullian ficaram no grupo da esquerda, Alessa e Robert no da direita.
— Olha, Kaya e John foram para o da direita. — Aveta olhou para Laerte. — Então, nós vamos para o da esquerda.
O príncipe assentiu e assim o fizeram. Depois que todos já estavam nos seus devidos lugares, Homero tomou a palavra:
— Vamos sortear um casal para ser o seletor, eles deverão escolher um casal do outro grupo, um casal com quem querem chegar a final do jogo da realeza. O casal selecionado irá selecionar um casal do grupo oposto com a mesma justificativa e assim por diante. Os últimos dois casais, os que sobrarem, perderão todos os pontos da prova anterior. Ficou claro?
Os príncipes e princesas estatelaram-se com a surpresa. Não imaginavam que poderia haver uma pena tão grande aos que não fossem escolhidos. O coração de Aveta deu um leve palpitar, mas ela o controlou.
Um segundo auxiliar carregou um recipiente arredondado até o centro, onde Homero se encontrava, depositou nela cartões com os nomes dos doze casais. Depois de alguns sacolejos, o anfitrião retirou o cartão.
— O primeiro casal, que já está salvo da pena e poderá escolher o próximo, é... Catarin e Jullian. — Voltou o cartão para dentro da caixa com certa habilidade. — Por favor, subam até o lado do trono da direita e chamem o casal que fará companhia a vocês.
Os dois, com sorrisos largos e claramente felizes com a sorte que tiveram, escolheram, como o previsto, Alessa e Robert. Era óbvio que o fariam, e seguindo a ordem, Alessa debateu com o companheiro e optou por escolher a única com quem tinha contato além de Catarin.
— Nós escolhemos Romana e Kayo — disseram em uníssono.
Antes de subir, Romana encarou Laerte de soslaio e subiu aonde lhe fora indicado. Ela sussurrou no ouvido do companheiro e disse, sozinha:
— Escolhemos Laerte e Aveta.
Apesar de ser um alívio por não perderem os pontos conquistados na primeira etapa, Aveta sentiu-se incomodada. Naquele instante, tivera certeza de que Laerte escondia algo sobre a conversa com Romana. Era ruim aquele piso oco em que pisava, fazia mal às suas estratégias não saber o que ele planejava. Poderia ser um traidor, e ela não se perdoaria por ter colocado o maior feito de sua vida nas mãos de um mentiroso. A princesa misteriosa não sorriu. Segurou a mão de Laerte para subir os degraus, mas nada disse.
— Quem vocês escolhem? — Homero perguntou.
— Kaya e John — respondeu Aveta, sem nem mesmo olhar para o par.
Manteve o ar de altivez, não deixou transparecer aos outros que algo se passava entre eles, mas o príncipe percebeu.
John e Kaya escolheram Germano e Manuela, e assim seguiu até o décimo casal escolhido, restando dois pares nos últimos lugares: Lorena e Frédéric, Felicia e Henry, que perderam todos os seus pontos. Descontentes, deixaram o salão antes mesmo de Homero dizer que poderiam.
— Bem, preparem-se para o almoço. Terão o resto do dia para andar pelo castelo, conhecer as dependências do lugar e conversar uns com os outros nas áreas comuns. Tenham um bom dia. — O anfitrião saiu pelo mesmo lugar que entrou.
— Vou para o nosso quarto. Se quiser permanecer aqui, fique. — Aveta segurou a barra do vestido longo e caminhou até a saída.
Não sentiu os passos de Laerte atrás dela, como esperou que acontecesse. Aquilo só alimentava o sentimento de traição que sentira. Romana não iria escolhê-los se não houvesse um motivo oculto. Era dar chance a eles de conseguir o trono, e ela não o faria se já não tivesse planejado algo.
O caminho até os aposentos dos dois era longo, e quando já estava quase chegando, sentiu sapatos de salto atrás de si, com pressa.
— Ei! — A moça chamou. — Espere — pediu ofegante.
— Kaya — falou Aveta e colocou um sorriso no rosto. Não podia demonstrar que sua vontade era esmagar com todas as forças o pescoço de alguém.
— Eu... queria agradecer por ter-nos escolhido. — Ela respirou fundo com as mãos no peito.
— Não precisa agradecer, princesa Kaya. Não poderia escolher outro casal. Por falar nisso, onde está John? Também preferiu ficar no salão como Laerte?
— Não. Aliás, os dois estão vindo. Eu corri porque não podemos ir até o quarto de vocês e queria agradecer antes que entrasse. Laerte e John ficaram para trás, andando devagar enquanto conversavam.
— Hm. — Aveta tentou disfarçar o quanto se importava com a informação. — Estou com um pouco de dor de cabeça. Vou tomar um analgésico. Depois do almoço eu queria dar uma volta pelo jardim, se tiver vontade de aparecer por lá — comentou e deu uma piscadela. — Meus parabéns pelas primeiras provas, princesa Kaya.
— Digo o mesmo.
Aveta deu mais alguns passos e abriu a porta de seu quarto, como fizera da primeira vez, arrancou os sapatos e ficou descalça. Sentou-se na cama e moveu a cabeça de um lado para o outro, com os braços sustentando o peso do corpo, paralelos a ele. Estava de olhos fechados quando escutou a porta abrir. Ela não deu atenção.
— Aveta. — Laerte se aproximou dela, mas ainda estava de pé.
— Diga. — Ela o encarou.
— Precisamos conversar. Não fui completamente sincero com você — disse ele e aproveitou o momento para se sentar ao lado dela. — Romana nos escolheu por um motivo, e eu vou te contar qual foi.
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