|Capítulo 47 - Passando A Coroa|
Alguns meses depois
— Eu não posso aceitar!
A moça levantou-se do sofá felpudo e começou a andar pelos lados da sala.
— Salazar precisa de você, Kaya.
— Esse lugar não é meu, imagine só se eu vou fazer uma coisa dessas? Não. Eu não sou como aquele crápula do Homero — redarguiu a jovem, segurando a barriga que já se encontrava um tanto avantajada.
— Não é nada como ele fez — treplicou a princesa de Salazar. — Eu estou te pedindo isso em nome do meu reino.
— Aveta — Kaya sentou-se ao lado da amiga e segurou em suas mãos —, não é certo. Eu não vou tomar o seu lugar.
— Não é tomar o meu lugar, Kaya. — A princesa sorriu. — Sabe que, depois do que aconteceu, eu fiquei impossibilitada de gerar um filho. O herdeiro de Salazar. A corte gosta de vocês, e meu pai também. Eu só quero que a nobreza atual seja continuada por pessoas que eu sei que são capazes. O filho de vocês vai ser um excelente rei, assim como vocês.
— Mas e você, Aveta? Hein? O seu pai quer que você o suceda, não eu!
A princesa sabia desde o começo que não seria uma missão muito fácil convencer a jovem Kaya a herdar o trono de Salazar ao lado de John. Tinha preparado vários argumentos doces e gentis, estava praticando. Ela até ensaiava em frente ao espelho para parecer mais aprazível. Entretanto, conhecia a amiga muito bem para saber que a antiga Aveta deveria agir em sua forma mais crua e natural.
— Kaya, pelo amor de Deus. Você viu o que aconteceu? Tudo o que houve porque não existiam "herdeiros" para o trono. Precisamos de uma linhagem e já foi decidido, será a sua. Você e John serão nomeados príncipe e princesa reais de Salazar, depois, quando meu pai partir, serão os reis. E o seu primogênito será o seu sucessor. Fim, Kaya. Fim!
— A jovem aspirante à princesa real estava estupefata. Sonhara com o momento em que seria rainha, mas não queria de forma alguma tomar o lugar de Aveta.
— Eu não sou você — ela disse uma última vez, contristada.
— Eu ainda serei princesa, ainda morarei naquele castelo. Mas eu não posso ser uma rainha sem um sucessor. Além de que eu tenho alguns planos fora daqui.
— As irmãs de Laerte? — questionou Kaya.
Aveta assentiu.
— Pietro e Penélope descobriram o local para onde a mãe dele foi com o marido e as meninas depois da separação. Vamos encontrá-los.
Kaya pousou os olhos sobre o chão e suspirou, tentando colocar as ideias no ligar.
Aveta pôs a mão esquerda sobre o ventre da mais nova e sorriu com o canto dos lábios.
— Então, você aceita?
— Mas é claro que eu aceito. Imagina um reizão desse aqui! — John ajeitou o colarinho da camisa e contorceu a face.
Laerte soltou uma risada sonora.
— Aveta foi conversar com Kaya, por isso eu chamei você para vir até aqui — disse.
Os dois estavam na antiga casa do príncipe nomeado por Jonathan, juntando algumas coisas dentro de caixas de papelão.
— Acha que ela consegue convencê-la? — John questionou.
— Aveta tem um poder de persuasão incrível. Não duvide — respondeu o príncipe, colocando um livro de ficção científica dentro do caixote.
John sentou-se no sofá e mudou de expressão. Seus olhos eram indecifráveis, então Laerte precisou esperar que lhe dissesse o que queria dizer.
— Aí, cara. Obrigado por pensarem na gente, de verdade.
— Ah, você sabe que será um bom nobre — brincou Laerte.
— Não, sem brincadeira. — John estendeu a mão e tocou as costas do príncipe. — Sério, irmão. Mesmo se Kaya não aceitar, eu vou ser grato a vocês pelo resto da vida. Salvaram a nossa vida e agora isso.
— Não foi nada demais — Laerte respondeu. — Eu só voltei para o lado de Aveta por causa de um conselho seu. Não precisa agradecer nada.
Os dois deram sorrisos cumplicidade e voltaram a embalar os objetos.
A hora do jantar era sempre a mais esperada por todos. Era o momento em que se juntavam para celebrar a união da família e a vitória sobre uma tirania de anos. O tilintar de garfos e facas era o mais puro som da felicidade para todos os presentes, principalmente naquela noite, em que celebravam um fato tão especial, não só para a família real, mas também para todo o reino.
— Fico muito feliz que minha filha tenha convencido vocês dois — disse Jonathan.
— É uma honraria sem tamanho, meu rei — agradeceu John.
— Vocês dois serão ótimos sucessores e os filhos de vocês também. — O rei levou uma garfada à boca.
— Elijah me ligou hoje mais cedo — Aveta falou enquanto limpava o canto dos lábios com o guardanapo. — Saiu a sentença de Homero.
— Morte? — Laerte e John disseram em uníssono.
— Perpétua — ela respondeu.
O som de talheres voltou a ser o anfitrião do momento. Era uma paz tão utópica, parecia irreal.
— O que importa é que nós estamos livres dele e de todo o mal que ele pode fazer. Vamos reerguer Salazar, juntos — disse Kaya, estendendo a taça de vinho para o centro da mesa.
Jonathan se levantou e juntou sua taça à dela.
— Por Salazar!
— Por Salazar!
John, Laerte e Aveta se juntaram ao brinde.
Salazar Dellonio nunca mais seria o mesmo depois daquele acontecimento, que fora contado de geração em geração.
Talvez fosse o fim de uma história, ou o prólogo que antecede uma trama ainda maior. Mas de uma coisa nós temos certeza: onde há sede de justiça, sempre existirão pessoas prontas para doar a própria vida.
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