|Capítulo 45 - Uma Pintura Viva|

    O sonho de um anjo derramado em uma paisagem, o dégradé perfeito entre o laranja e o azul, banhado pelas nuvens ralas e a neblina da manhã. O Sol vestira-se de seus melhores raios, estes, luminosos e frondosos como diamantes lapidados, desciam certeiros sobre as cinco torres principais da grande construção majestosa e magnífica. O sopro divino que deixava aquela manhã ainda mais linda que de costume, tivera até mesmo o cuidado de ensaiar o canto dos pássaros, como uma orquestra sinfônica embalada pelo vento que sacudia ligeiramente as folhas das palmeiras que ornamentavam a rua de ladrilhos até o portão principal.

     Dentro do palácio, um dos espelhos tinha a honra de contemplar a figura mais bela, que tinha em sua pele amendoada o dourado que descendia do astro rei, transpassando a janela com voracidade e ao mesmo tempo, cuidado, já que sobre aquela epiderme lisa, o tom quente mais lembrava um manto. A tiara que prendera no topo da cabeça, como a nascente de um rio, suportava a raiz dos cabelos jogados em caracóis sobre as costas, parte desnudas pelo vestido rosé.

     Laerte estava de pé, perto da janela, contemplando de longe a imagem quase irreal do corpo sinuoso, que imitava o ondular de uma serpente venenosa, abraçado pelo tecido que continha um corte frontal voluptuoso, uma tentação aos olhos e aos sentidos. As mangas leves, que caíam feito estalactites até os cotovelos, deixavam o desenho da peça mais leve, mesclando entre o pecado de Eva e a pureza de um arcanjo. No momento, ele queria poder provar do fruto adocicado da sublime árvore da sabedoria que caminhava em sua direção.

     — Está nervosa? — perguntou ele.

     — Estaria mais, se você não estivesse comigo.

     A princesa pôs a mão sobre o terno de Laerte e sentiu o universo dar uma pausa. Os olhos acinzentados dele pareciam refletir a luz do sol como um espelho. Se vira um momento mais bonito que aquele, ela desconhecia. Mesmo que a tristeza e a angústia ainda habitassem aquele olhar, ela não conseguia parar de pensar no quanto aquele par de pupilas deíficas eram hipnotizantes.

     — Está perfeita — ele comentou, pondo as mãos na cintura dela. — Uma verdadeira princesa. — Levou o polegar da mão esquerda à bochecha dela. — O que foi? Está com medo?

     — De decepcionar o meu pai. — Abaixou a cabeça.

     — Não vai — Laerte segurou o queixo de Aveta e a fez olhar dentro de seus olhos outra vez. — Todos fizeram o que puderam. Você, o seu pai, aquele lá... — Ele sorriu de lado, referindo-se a Elijah. — E eu estou contigo.

     — Eu sei. Por falar nisso. — Aveta desprendeu-se do príncipe e caminhou na direção de sua cama. Puxou a bolsa preta que pegara no parque quando saíram e a jogou sobre os lençóis. Depois abriu o zíper e puxou um coldre, contendo um punhal em seu interior. — Pegue — disse ela.

     — Pra quê?

     — Não sabemos o que vai acontecer lá embaixo. Precisa se proteger. — Moveu o braço reto para cima e para baixo, indicando o objeto.

     Laerte não se sentia muito bem, tinha medo de ferir alguém por engano, mas ela tinha razão. Ele precisava se proteger, e também protegê-la.

     — E você? — ele questionou.

     — Bem, ser a portadora também me faz ter outros deveres. — Ela retirou um revólver pequeno de dentro da bolsa. Depois o encaixou no suporte, abaixo da fenda do vestido.

     — Como assim?

     — Se tudo der errado e Homero não for detido, eu tenho que matá-lo.

      Laerte abriu os olhos como nunca antes, engoliu em seco e comprimiu as sobrancelhas.

     — Não é perigoso? Digo, quando os guardas perceberem que você pretende feri-lo, vão machucar você. Podem te matar — argumentou.

     — É. — Ela pressionou os lábios e deu de ombros. — É um risco que eu preciso correr.

     Três batidas pausadas foram efetuadas na porta. O casal se entreolhou e assentiu. Era o sinal, eles desceriam dentro de pouco tempo.

     Os convidados já haviam chegado, eram em igual ou um pouco maior número do que no dia da chegada dos príncipes e princesas.

     Aveta pegou o tabuleiro de xadrez, ergueu-o sobre a cabeça e o abaixou com toda a força, fazendo com que se chocasse com o balaústre de sua cama. O objeto se partiu em dois grandes pedaços, e dele surgiu um papel amarelado, lavrado e assinado por um dos juízes da Força Continental, provando a identidade de Jonathan e a sua própria. Além do número de registro de todas as provas obtidas de maneira independente pelo núcleo de Lidium. A princesa o dobrou e encaixou na haste que sustentava os seios, na parte interna do vestido.

     — Podemos ir? — Laerte indagou.

     Aveta olhou para o espelho uma última vez e movimentou a cabeça em afirmação.

     Era a hora.

Pedaços de tudo que vivemos e somos,
O que arranca o temor e chora sozinho.
Damos tudo aos outros, respeito transpomos,
Pedras no castelo, e não no nosso caminho.

Partimos em angústia, afugentados.
Esperamos por anos a sua derrota.
Enfrentamos rios de morte, alentados,
E para tomar nosso lugar, estamos de volta.

Abraçamos o destino, quebramos o regulamento,
Imposto por tiranos de maldade acesa.
Por Salazar retornamos, e para o seu lamento,
Daremos fim ao seu jogo da realeza.

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